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Prevalência de sobrepeso e obesidade abdominal em indivíduos portadores de HIV/AIDS, em uso de terapia anti-retroviral de alta potência

Prevalence of overweight and central obesity in HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de terapia anti-retroviral de alta potência, segundo sexo e número de linfócitos T CD4.+. MATERIAL E MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 223 indivíduos (171 homens e 52 mulheres) tratados com inibidores de protease, com idade entre 20 e 59 anos, recrutados em um serviço de referência em tratamento de HIV/AIDS do município de São Paulo. Os dados antropométricos utilizados foram peso, estatura e circunferência da cintura (CC). O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como a razão entre peso (kg) e estatura ao quadrado (m²), de acordo com o critério de classificação proposto pela Organização Mundial de Saúde. Os pacientes foram divididos em três categorias por número de linfócitos T CD4.+: < 200, 201 - 349 e > 350 (cel/mm³). RESULTADOS: A prevalência de sobrepeso na população foi de 30,5%, e de obesidade abdominal de 12,6%. As mulheres apresentaram prevalência maior de sobrepeso (36,5%) e de obesidade abdominal (32,7%) quando comparadas aos homens (28,7% e 6,4% respectivamente). A prevalência de baixo peso foi maior nas mulheres (7,7%) do que nos homens (2,3%). Ausência de associação significativa entre sobrepeso, obesidade abdominal e número de linfócitos T CD4.+ foi observada tanto nos homens como nas mulheres. CONCLUSÃO: As mulheres apresentaram prevalências maiores de baixo peso, sobrepeso e obesidade abdominal em relação aos homens. A obesidade é o desvio do estado nutricional mais importante, superando a desnutrição, nesta população de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de terapia anti-retroviral de alta potência.

HIV/AIDS; Terapia anti-retroviral; Obesidade; Avaliação nutricional


OBJECTIVE: To evaluate the nutritional status of HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy, according to gender and T CD4 + lymphocyte count. MATERIAL AND METHODS: This was a cross-sectional study, including 223 individuals (171 men and 52 women) treated with protease inhibitors, aged between 20 and 59 years. This study was developed at a HIV/AIDS reference treatment center in the city of São Paulo. Anthropometric data, including current weight, height, and waist circumference (WC) were collected. The body mass index (BMI) was calculated as the ratio between weight (kg) and the square of the height (m²), according to World Health Organization classification criteria. Patients were divided into three groups according to T CD4+ lymphocyte count: < 200, 201-349, and > 350 (cel/mm³). RESULTS: The prevalence of overweight was 30.5% and of central obesity was 12.6%. Women presented a higher prevalence of overweight (36.5%) and of central obesity (32.7%) when compared to men (28.7% and 6.4% respectively). The prevalence of underweight was higher among women than in men, respectively 7.7% and 2.3%. Categories of T CD4 + lymphocyte counts were not associated with overweight and central obesity in this population. CONCLUSION: Women presented a higher prevalence of underweight, overweight and central obesity in relation to men. Obesity is the most important deviation of nutritional status, overcoming malnutrition, in these HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy.

HIV/AIDS; Antiretroviral therapy; Obesity; Nutritional assessment


Prevalência de sobrepeso e obesidade abdominal em indivíduos portadores de HIV/AIDS, em uso de terapia anti-retroviral de alta potência

Prevalence of overweight and central obesity in HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy

Patrícia Constante JaimeI; Alex Antonio FlorindoII; Maria do Rosário Dias de Oliveira LatorreII; Bettina Gerken BrasilI; Elisabete Cristina Morandi dos SantosIII; Aluísio Augusto Cotrim SeguradoIV

IDepartamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo. Av. Doutor Arnaldo, 715 – 2º andar; 01246-904 São Paulo - SP; constant@usp.br IIDepartamento de Epidemiologia Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo

IIIDepartamento de Saúde Materno Infantil Faculdade de Saúde Pública Universidade de São Paulo

IVDivisão de Clínica de Moléstias Infecciosas e Parasitárias Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina* Universidade de São Paulo

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o estado nutricional de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de terapia anti-retroviral de alta potência, segundo sexo e número de linfócitos T CD4.+.

MATERIAL E MÉTODOS: Estudo transversal envolvendo 223 indivíduos (171 homens e 52 mulheres) tratados com inibidores de protease, com idade entre 20 e 59 anos, recrutados em um serviço de referência em tratamento de HIV/AIDS do município de São Paulo. Os dados antropométricos utilizados foram peso, estatura e circunferência da cintura (CC). O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como a razão entre peso (kg) e estatura ao quadrado (m2), de acordo com o critério de classificação proposto pela Organização Mundial de Saúde. Os pacientes foram divididos em três categorias por número de linfócitos T CD4.+: < 200, 201 – 349 e > 350 (cel/mm3).

RESULTADOS: A prevalência de sobrepeso na população foi de 30,5%, e de obesidade abdominal de 12,6%. As mulheres apresentaram prevalência maior de sobrepeso (36,5%) e de obesidade abdominal (32,7%) quando comparadas aos homens (28,7% e 6,4% respectivamente). A prevalência de baixo peso foi maior nas mulheres (7,7%) do que nos homens (2,3%). Ausência de associação significativa entre sobrepeso, obesidade abdominal e número de linfócitos T CD4.+ foi observada tanto nos homens como nas mulheres.

CONCLUSÃO: As mulheres apresentaram prevalências maiores de baixo peso, sobrepeso e obesidade abdominal em relação aos homens. A obesidade é o desvio do estado nutricional mais importante, superando a desnutrição, nesta população de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de terapia anti-retroviral de alta potência.

Palavras-chave: HIV/AIDS. Terapia anti-retroviral. Obesidade. Avaliação nutricional.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the nutritional status of HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy, according to gender and T CD4 + lymphocyte count.

MATERIAL AND METHODS: This was a cross-sectional study, including 223 individuals (171 men and 52 women) treated with protease inhibitors, aged between 20 and 59 years. This study was developed at a HIV/AIDS reference treatment center in the city of São Paulo. Anthropometric data, including current weight, height, and waist circumference (WC) were collected. The body mass index (BMI) was calculated as the ratio between weight (kg) and the square of the height (m2), according to World Health Organization classification criteria. Patients were divided into three groups according to T CD4+ lymphocyte count: < 200, 201–349, and > 350 (cel/mm3).

RESULTS: The prevalence of overweight was 30.5% and of central obesity was 12.6%. Women presented a higher prevalence of overweight (36.5%) and of central obesity (32.7%) when compared to men (28.7% and 6.4% respectively). The prevalence of underweight was higher among women than in men, respectively 7.7% and 2.3%. Categories of T CD4 + lymphocyte counts were not associated with overweight and central obesity in this population.

CONCLUSION: Women presented a higher prevalence of underweight, overweight and central obesity in relation to men. Obesity is the most important deviation of nutritional status, overcoming malnutrition, in these HIV/AIDS patients treated with highly active antiretroviral therapy.

Key Words: HIV/AIDS. Antiretroviral therapy. Obesity. Nutritional assessment.

Introdução

A grande evolução ocorrida nos últimos anos no tratamento medicamentoso do HIV/AIDS ((Human Immunodeficiency Vírus/Acquired Immune Deficiency Syndrome), principalmente em relação à terapia anti-retroviral de alta potência (highly active antiretroviral therapy – HAART), tem garantido um aumento significativo na sobrevida dos indivíduos afetados pelo HIV/AIDS1,2. Por outro lado, pesquisas evidenciam que o uso prolongado da HAART, particularmente dos inibidores de protease, tem um impacto importante sobre o estado nutricional de seus usuários. Antes da chamada era-HAART, a perda de peso e a desnutrição, conseqüências das infecções oportunistas, eram os maiores problemas nutricionais3,4. Atualmente o ganho de peso, a redistribuição de gordura e a obesidade são novos problemas nutricionais que os indivíduos com HIV/AIDS em uso da HAART estão apresentando5. Alterações na composição corporal têm sido relatadas, especialmente no que se refere à redistribuição da gordura corporal com acúmulo de gordura em regiões centrais do corpo, tais como tronco, abdômen e região dorso-cervical6-9. A alteração na composição corporal está estimada em cerca de 83% entre pessoas que utilizam os inibidores de protease10 e este tipo de alteração está associado a doenças cardiovasculares11,12, intolerância a glicose e diabetes mellitus13, e diminuição na densidade óssea9.

Até o presente momento, ainda não foram publicados estudos sobre o estado nutricional de indivíduos infectados pelo HIV/AIDS em terapia HAART no Brasil. Neste sentido, este estudo foi desenvolvido com o objetivo de analisar o estado nutricional de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de terapia anti-retroviral de alta potência com inibidores de protease.

Material e métodos

Este é um estudo transversal abrangendo indivíduos portadores de HIV/AIDS de ambos os sexos, com idade entre 20 e 59 anos, em uso de terapia HAART com inibidores de protease, por pelo menos três meses, atendidos em um serviço de referência em tratamento de pacientes com HIV/AIDS do Estado de São Paulo/Brasil. O recrutamento foi realizado no período de março a junho de 2002, com base em amostragem consecutiva, de acordo com a ordem de chegada para a consulta periódica com médico infectologista. Os critérios de exclusão foram: estar em tratamento com corticóides e esteróides anabólicos, possuir doenças oportunistas (infecções e tumores) nos três meses anteriores, e ter passado por cirurgia como lipoaspiração ou lipoescultura nos seis meses anteriores. No caso das mulheres, foram excluídas as que estavam grávidas ou em uso de contraceptivos orais. Dos 276 pacientes convidados para participar do estudo, 27 se recusaram (9,4% de taxa de recusa) e 26 foram excluídos por falta de dados nos prontuários, sendo que a casuística final consistiu de 223 pacientes. Este estudo foi aprovado pelos comitês de ética das Faculdades de Saúde Pública e de Medicina da Universidade de São Paulo. Todos os participantes que aceitaram participar assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

Medidas antropométricas: O Índice de Massa Corporal (IMC) foi calculado como a razão entre a medida do peso em quilos e o quadrado da estatura em metros (kg/m2). O peso corporal foi avaliado através de balança digital (Tanita) com precisão em gramas. A estatura corporal foi medida através de fita métrica fixada na parede com precisão de 0,1cm. Considerou-se baixo peso quando IMC < 18,5 e sobrepeso quando IMC > 25 kg/m2, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde14. Utilizou-se a circunferência da cintura (CC) como indicador de obesidade abdominal. A CC foi medida por meio de fita antropométrica de fibra de vidro (Sanny) com precisão de 0,1cm e adotadas as técnicas preconizadas pela Organização Mundial de Saúde. Definiu-se caso de obesidade abdominal a partir dos pontos de corte por risco aumentado para complicações metabólicas decorrentes da deposição de gordura no abdômen, sendo para homens CC > 102 e para mulheres > 88 cm14.

Marcador de imunodeficiência: Utilizou-se o número de linfócitos T CD4+ (unidades celulares/mm3) como marcador de imunodeficiência. Este dado foi coletado no prontuário médico do paciente na unidade de saúde, com data máxima de três meses anteriores ao ingresso no presente estudo, juntamente com todo histórico de medicação anti-retroviral, incluindo tempo de uso em meses de inibidores de protease. Quando a contagem de linfócitos T CD4+ tinha sido realizada há mais de três meses, foi solicitado novo exame. Foram estabelecidas três categorias por número de linfócitos T CD4+ (< 200, 201 – 349 e > 350 (cel/mm3).

O tempo de AIDS foi definido a partir do diagnóstico médico da doença registrado no prontuário.

Análise estatística: Primeiramente, as variáveis foram analisadas de forma descritiva por meio de medidas de tendência central e de freqüências absoluta e relativa. A análise descritiva foi estratificada por sexo e pelas categorias por número de linfócitos T CD4+. Para verificar as diferenças de médias utilizou-se o teste t-Student ou análise de variância. As múltiplas comparações foram feitas utilizando-se o teste de Tukey-HSD. Para verificar a relação entre o estado nutricional e sexo ou número de linfócitos T CD4+ foi feito o teste de associação pelo qui-quadrado c2. Adotou-se o nível de significância de 5% (p<0,05). Os dados foram analisados com uso do software SPSS versão 10.0 para Windows.

Resultados

Dos 223 indivíduos analisados, a maioria era do sexo masculino (76,8%). As características da população, segundo sexo, estão apresentadas na Tabela 1. Observou-se que as médias de escolaridade e IMC foram estatisticamente diferentes, sendo a média de IMC maior nas mulheres quando comparadas aos homens. As variáveis idade, CC, número de linfócitos T CD4+, tempo de AIDS e tempo de uso de inibidores de protease não apresentaram médias diferentes segundo sexo.

Em relação às três categorias por contagem de células CD4 < 200, 201-349 e >350 cel/mm3), observou-se que não houve diferenças estatisticamente significativas nas médias de idade, escolaridade, IMC e CC. A média de tempo de diagnóstico de AIDS foi maior na categoria de linfócitos T CD4+ < 200. O tempo médio de uso de inibidores de protease foi estatisticamente superior entre os indivíduos com valores maiores de linfócitos T CD4+, como apresentado na Tabela 2.

No presente estudo, a prevalência de sobrepeso (30,5%) foi bastante superior à de baixo peso (3,6%). A Tabela 3 apresenta a distribuição da população segundo seu estado nutricional e sexo. Houve alta porcentagem de sobrepeso, superando em muito a desnutrição, tanto nos homens como nas mulheres. A associação entre sexo e obesidade apresentou-se no limite de significância estatística (p=0,080), sendo que as mulheres apresentaram maior freqüência de desvios do estado nutricional, baixo peso e sobrepeso, quando comparadas aos homens. A obesidade abdominal, avaliada por meio da circunferência da cintura, apresentou forte associação com sexo (p<0,001), sendo que nas mulheres a sua prevalência foi bastante superior em relação aos homens.

As médias de tempo de uso de inibidores de protease não apresentam diferenças estatisticamente significativas (p=0,585) nas categorias segundo estado nutricional (dados não apresentados).

Como está apresentado na Tabela 4, as categorias por número de linfócitos T CD4+ não se associaram ao estado nutricional, tanto em relação ao sobrepeso (p=0,549) como à obesidade abdominal (p=0,568).

Discussão

Embora os dados aqui apresentados refiram-se a uma única unidade de saúde (centro de referência em tratamento de HIV/AIDS), o presente trabalho é importante por ser o primeiro estudo brasileiro sobre o estado nutricional de uma população de indivíduos portadores de HIV/AIDS em uso de terapia HAART.

A política de distribuição universal e gratuita dos medicamentos anti-retrovirais a partir de 1996 pelo Ministério da Saúde do Brasil tem garantido aumento da sobrevida, diminuição de infecções oportunistas e diminuição da progressão da doença aos portadores do HIV/AIDS1.

Observou-se que a freqüência de baixo peso foi pequena nesta população (3,6%; IC95%=[1,2%-6,0%]), menor que a prevalência (6%) encontrada em estudo britânico que avaliou o estado nutricional de pacientes infectados pelo vírus HIV, em terapia HAART15. Estudos que avaliaram o estado nutricional de portadores do HIV/AIDS antes da era HAART encontraram prevalências de desnutrição bastante superiores à observada neste estudo. Monteiro e colaboradores16 , avaliando o estado nutricional de adultos brasileiros HIV positivos, observaram que 51,7% dos pacientes apresentaram baixo peso (IMC < 18,5 kg/m2). Em estudo francês conduzido com adultos soropositivos também foi observada maior prevalência de desnutrição (34,8%) e apenas 3,1% de sobrepeso17.

Verifica-se que o sobrepeso é o principal desvio do estado nutricional nesta população, atingindo 30,5% dos pacientes (IC95% = [24,5%-36,5%]). Por outro lado, o estado nutricional eutrófico foi observada na maioria dos homens (69,0%) e das mulheres (55,8%). Destaca-se que o critério de exclusão adotado em relação à presença de doenças oportunistas (infecções e tumores) pode ter introduzido um viés de seleção a favor da obesidade e contra o baixo peso. Apesar disto, estes achados vão de encontro a outros estudos que demonstraram reconstituição da massa corpórea e do peso em indivíduos tratados com anti-retrovirais de alta potência. Entre os pacientes afetados pelo HIV/AIDS avaliados por Hodgson e colaboradores encontrou-se prevalência de pré-obesidade de 34% e de obesidade de 9%15. Em estudo espanhol foi observado estado nutricional adequado em um grupo de 119 pacientes HIV positivos tratados com drogas anti-retrovirais18. Rousseau e colaboradores acompanharam por três anos pacientes tratados com HAART e verificaram que praticamente não houve perda de peso neste grupo19.

Estratificando a análise dos dados de sobrepeso (IMC > 25,0 kg/m2) para obesidade estabelecida (IMC > 30,0 kg/m2), verifica-se que 9,6% (IC95%=[1,6%-17,6%]) das mulheres e 3,5% (IC95%=[0,7%-6,3%]) dos homens aqui investigados eram obesos. Este achado coincide com os dados disponíveis sobre distribuição por sexo da obesidade em populações adultas brasileiras. Sabe-se que a obesidade é um problema nutricional que em geral acomete mais mulheres do que homens, como foi apresentado por inquérito nutricional com amostra representativa da população adulta residente na região Sudeste do Brasil, onde a prevalência de obesidade em mulheres (12,6%) foi maior do que nos homens (8,2%)20.

Em relação à obesidade abdominal medida por meio da circunferência da cintura, encontrou-se forte associação com o sexo (p<0,001), sendo a prevalência nas mulheres maior (32,7%) do que nos homens (6,4%). Em estudo de coorte prospectiva com pacientes HIV positivos em terapia HAART, a obesidade central também foi mais freqüente nas mulheres do que nos homens21. Também foi observada esta diferença por sexo na Pesquisa Nutrição e Saúde no município do Rio de Janeiro/Brasil, onde 41,6% das mulheres e 19,8% dos homens com idade entre 25 e 45 anos apresentaram obesidade abdominal, avaliada por meio da razão cintura/quadril22.

Destaca-se que tanto a classificação do IMC como a da circunferência da cintura são baseadas em risco associado de co-morbidades, e as duas medidas antropométricas são altamente correlacionadas23. Forte correlação entre IMC e CC foi observada no presente estudo (r=0,882; p<0,001). Contudo a prevalência de obesidade abdominal foi maior que de obesidade total avaliada pelo IMC=30,0 kg/m2. Este achado confirma os relatos de concentração de gordura corporal em regiões centrais do corpo como tronco e abdômen em portadores de HIV/AIDS em terapia com inibidores de protease6-9.

Na análise em relação às três categorias por número de linfócitos T CD4+ (< 200, 200-350 e > 350 cel/mm3), observou-se que não houve associação com sobrepeso (p=0,966) e tampouco com obesidade abdominal (p=0,568). De forma semelhantes, em estudo de Shor-Posner e colaboradores não foram observadas diferenças imunológicas (linfócitos T CD4+) entre indivíduos soropositivos magros, não obesos e obesos24.

Conclui-se que a obesidade abdominal é o principal desvio nutricional nesta população de indivíduos portadores do HIV/AIDS em uso de inibidores de protease. Este tipo de alteração do estado nutricional aumenta o risco de diversas doenças crônicas, destacando-se as doenças cardiovasculares, o diabetes melito tipo II e certos tipos de câncer23. Os dados obtidos neste estudo, em conjunto com as estatísticas oficiais de aumento da sobrevida dos pacientes com HIV/AIDS no Brasil, decorrente da política pública de distribuição dos medicamentos da terapia HAART1, apontam para uma nova realidade na relação entre nutrição e AIDS.

recebido em: 01/09/2003

versão final reapresentada em: 05/01/2004

aprovado em: 09/01/2004

Auxílio Financeiro: FAPESP, processo nº 00/09482-8

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Mar 2005
  • Data do Fascículo
    Mar 2004

Histórico

  • Aceito
    09 Jan 2004
  • Recebido
    01 Set 2003
  • Revisado
    05 Jan 2004
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