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Comentários sobre o Estudo Pró-Saúde: características gerais e aspectos metodológicos

Comments on the Pro Health Study: general features and methodological aspects

ESTUDOS DE COORTE

Comentários sobre o Estudo Pró-Saúde: características gerais e aspectos metodológicos

Comments on the Pro Health Study: general features and methodological aspects

Evandro da Silva Freire Coutinho

Departamento de Epidemiologia e Métodos Quantitativos da Escola Nacional de Saúde Pública-Fiocruz

Correspondência Correspondência: Rua Leopoldo Bulhões, 1480 / 8 andar - Manguinhos 21041-210 - Rio de Janeiro, RJ - Brasil E-mail: evandro@ensp.fiocruz.br

O estudo Pró-Saúde talvez seja o caçula de uma família de estudos longitudinais realizados no Brasil, cujo ancestral mais distante é a coorte de nascimento de 1982 de Pelotas-RS. Isso, com certeza, representa uma vantagem por permitir que se faça uso da experiência acumulada nos estudos anteriores. Por outro lado, o estudo Pró-Saúde apresenta características muito peculiares, do ponto de vista dos objetivos e da população alvo, o que traz novos desafios. Em outras palavras, o pioneirismo do seu desenho em nosso meio coloca questões a serem resolvidas por seus coordenadores.

O Pró-Saúde tem como objetivo principal conhecer o papel de diferentes dimensões da vida social sobre a saúde e comportamentos a ela associados, a partir de uma população de funcionários técnico-administrativos de uma universidade pública.

Estudos Whitehall I e II

Percebe-se nitidamente a influência do estudo Whitehall II1, realizado em uma população de funcionários públicos ingleses, sobre o desenho do Pró-Saúde. O primeiro estudo Whitehall foi proposto por Donald Reid e Geoffrey Rose, na década de 1960. Este estudo representava uma versão britânica do estudo de Framingham, por sua característica longitudinal e por lidar com fatores de risco para doenças cardiovasculares e diabetes. Diferenças socioeconômicas não faziam parte da agenda inicial do Whitehall I. Apesar disso, o estudo mostrou uma relação inversa entre o gradiente de emprego e a mortalidade por todas as causas, mesmo controlando-se os efeitos de fatores de risco convencionais como tabagismo, colesterol, atividade física.

Esses achados serviram como ponto de partida para o estudo Whitehall II, cujo objetivo era investigar o papel de fatores sociais e ocupacionais sobre a saúde. A primeira avaliação dos funcionários públicos pelo Whitehall II ocorreu entre 1985-88, com 10.308 participantes1.

Estudo Pró-Saúde

A primeira coleta do Pró-Saúde ocorreu em 1999 (4.030 entrevistas) e a segunda em 2001 (3.574 entrevistas). Por esses dados, observa-se que o primeiro desafio do estudo será manter o nível de perdas reduzido na coleta prevista para 2006. Identificar mecanismos através dos quais os funcionários percebam algum ganho por participarem do estudo será vital para o sucesso do seguimento. Procedimentos adotados pelo estudo, como a disponibilização de dados agregados, a entrega de cartões com medidas antropométricas e pressão arterial do participante juntamente com orientações, são fundamentais, mas talvez insuficientes para criar a motivação necessária para que o funcionário participe das etapas subsequentes. Um esforço adicional poderia ser feito no sentido de conhecer as expectativas dos participantes com relação ao estudo (sobretudo os que não participaram da segunda coleta) para identificar formas mais eficazes de envolvimento nas etapas seguintes.

Outro aspecto a ser comentado foi a decisão dos coordenadores de excluir médicos e professores da população alvo. Esta decisão, certamente motivada por aspectos pragmáticos, pode ter contribuído para a redução da perda de seguimento. Ao mesmo tempo, tal restrição pode ter introduzido aspectos negativos para a investigação. Assim como o Whitehall, o estudo Pró-Saúde não trabalha com a população que vive abaixo da linha da pobreza. Faerstein et al.2 afirmam haver uma "relativa heterogeneidade demográfica e sócio-econômica" na população estudada. Entretanto, excluir médicos e professores com certeza repercutiu tanto na estrutura salarial quanto educacional da população estudada, duas variáveis importantes no que se refere à percepção e aos cuidados com a saúde. Portanto, a pergunta que se coloca é se a coorte do Pró-Saúde terá contraste suficiente para identificar as associações entre fatores sociais e comportamentos ligados à saúde. Esta questão é mais preocupante nos casos onde tais relações possam se dar de modo mais evidente entre situações mais extremas.

Um terceiro aspecto refere-se à aferição das variáveis. Percebe-se um grande cuidado na escolha e na implementação dos procedimentos de mensuração adotados no estudo. Este cuidado me parece maior em relação às variáveis que poderíamos, genericamente, chamar de "explicativas", segundo o objetivo apresentado por Faerstein et al.2. Assim, possíveis desfechos e variáveis médico-biológicas (com execeção de algumas mensurações como pressão arterial, dados antropométricos e transtornos mentais) foram basicamente obtidos através de auto-relato2 Faerstein et al. também não fazem menção a exames laboratoriais ou outras avaliações clínicas. É possível que este fato reflita um desenvolvimento conceitual mais bem delineado para a construção das variáveis sociais do que para a relação dessas variáveis com a saúde. Com base no texto, o leitor não conhece a teoria adotada para fundamentar as relações que pretendem investigar. Nesse sentido, seria bastante enriquecedor para o estudo que os autores produzissem um artigo discutindo o modelo teórico sobre o qual o Pró-Saúde está baseado.

Ainda com relação à aferição, temos observado que a formação de sorotecas é uma tendência crescente, mesmo entre os estudos de coorte conduzidos no Brasil. O texto não faz menção ao papel desse tipo de recurso no estudo Pró-Saúde.

Um quarto aspecto a ser sublinhado é o importante papel que o estudo vem desempenhando na formação acadêmica, através do envolvimento de estudantes de pós-graduação, conforme pode-se depreender dos números apresentados no texto.

Por fim, cabe ressaltar que esses comentários devem ser vistos como uma contribuição para curso Pró-Saúde, entendendo que se trata de uma investigação pioneira em nosso meio. No momento em que se cogita a realização de um grande estudo de coorte com funcionários de universidades, a experiência acumulada pelo estudo Pró-Saúde nesses seis anos será fundamental para o sucesso de novas iniciativas nesse campo.

Referências

1. Marmot M, Brunner E. Cohort profile: The Whitehall II study. Int J Epidemiol 2005; 34: 251-56.

2. Faerstein E, Lopes CS, Chor D, Werneck GL. Estudo Pró-Saúde: Características Gerais e Aspectos Metodológicos. Rev Bras Epidemiol ano, vol, no.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Fev 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005
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