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Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) em uma vila de exploração de minérios - Pitinga, município de Presidente Figueiredo, Amazonas, Brasil

American Cutaneous Leishmaniasis (ACL) in a mining village - Pitinga, Amazonas, Brazil

Resumos

A Vila de Pitinga, Presidente Figueiredo/AM, é uma área de exploração de minérios e endêmica para leishmaniose tegumentar americana (LTA). A vila é a sede administrativa e local de moradia de seus funcionários. O comportamento epidemiológico da endemia, avaliado para o período de 2000 a 2004, foi relacionado com as medidas de controle adotadas para reduzir a incidência da doença na área e comparado com o registrado para o município e o Estado do Amazonas. A maior proporção dos casos detectados no período ocorreu no gênero masculino, com atividades laborais de contato com a floresta. O declínio na incidência de casos de LTA na área do estudo, não foi observado como ocorrido no Município e Estado e foi considerado resultante das medidas de controle para a doença, aplicadas na área.

Leishmaniose tegumentar; Epidemiologia; Pitinga; Amazonas


The village of Pitinga, Presidente Figueiredo, AM, is a mining area and endemic for American Cutaneous Leishmaniasis (ACL). The village is the administrative office of the mine and where mining workers live. This study presents the profile of ACL in the 2000-2004 period. The highest prevalence of ACL occurs in male individuals with forest-related activities. The reduction in the number of ACL cases in the study area was not observed in the municipality and the state, a fact probably related to the disease control measures put into practice in the area.

Cutaneous Leishmaniasis; Epidemiology; Pitinga; Amazonas


ARTIGOS ORIGINAIS

Leishmaniose Tegumentar Americana (LTA) em uma vila de exploração de minérios - Pitinga, município de Presidente Figueiredo, Amazonas, Brasil

American Cutaneous Leishmaniasis (ACL) in a mining village – Pitinga, Amazonas, Brazil

Andrezza Campos ChagasI; Felipe Arley Costa PessoaI; Jansen Fernandes de MedeirosII; Victor Py-DanielII; Éder C. MesquitaIII; Dultevir Antônio BalestrassiIII

IFundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT-AM)

IIInstituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA)

IIIMineração Taboca S/A

Correspondência Correspondência: Andrezza Campos Chagas Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (Fmt-am) Diretoria de Ensino, Pesquisa e Controle de Endemias, Departamento de Pesquisa Gerência de Parasitologia Av. Pedro Teixeira, 25, Dom Pedro CEP 69040-000 Manaus, Amazonas Email: azzapium@hotmail.com

RESUMO

A Vila de Pitinga, Presidente Figueiredo/AM, é uma área de exploração de minérios e endêmica para leishmaniose tegumentar americana (LTA). A vila é a sede administrativa e local de moradia de seus funcionários. O comportamento epidemiológico da endemia, avaliado para o período de 2000 a 2004, foi relacionado com as medidas de controle adotadas para reduzir a incidência da doença na área e comparado com o registrado para o município e o Estado do Amazonas. A maior proporção dos casos detectados no período ocorreu no gênero masculino, com atividades laborais de contato com a floresta. O declínio na incidência de casos de LTA na área do estudo, não foi observado como ocorrido no Município e Estado e foi considerado resultante das medidas de controle para a doença, aplicadas na área.

Palavras-chave: Leishmaniose tegumentar. Epidemiologia. Pitinga. Amazonas.

ABSTRACT

The village of Pitinga, Presidente Figueiredo, AM, is a mining area and endemic for American Cutaneous Leishmaniasis (ACL). The village is the administrative office of the mine and where mining workers live. This study presents the profile of ACL in the 2000-2004 period. The highest prevalence of ACL occurs in male individuals with forest-related activities. The reduction in the number of ACL cases in the study area was not observed in the municipality and the state, a fact probably related to the disease control measures put into practice in the area.

Keywords: Cutaneous Leishmaniasis. Epidemiology. Pitinga. Amazonas.

Introdução

A leishmaniose tegumentar americana (LTA), que ocorre na Amazônia Central brasileira, é causada principalmente pelo tripanosomatídeo Leishmania guyanensis e tem como vetor principal o flebotomíneo Lutzomyia umbratilis. É uma doença essencialmente de transmissão florestal em matas primárias de terra-firme, e associada ao extrativismo mineral/florestal1. A LTA causa lesões dérmicas que podem incapacitar o indivíduo para o trabalho e que, em casos graves, causam mutilações ou até mesmo a morte2. A LTA tornou-se um problema de saúde crescente no Brasil. A incidência aumentou de 10,45 casos por 100.000 indivíduos em 1985 para 18,63 casos por 100.000 indivíduos em 20003.

O perfil da leishmaniose no Brasil está mudando, devido à expansão humana para áreas endêmicas florestais, de uma zoonose transmitida acidentalmente ao homem, para uma doença de interface rural-urbana4. Com a intensa urbanização no Estado do Amazonas, devido à expansão de cidades e áreas de exploração de madeira e minério, aumentaram os registros de casos de LTA nos últimos anos5. Estudos sobre associações de vilas e assentamentos com áreas florestais e periflorestais para a Amazônia Central e casos humanos de LTA são relativamente recentes6,7.

A Organização Mundial de Saúde definiu que a luta contra a leishmaniose deve ser parte da atenção primária a saúde; destacando as responsabilidades de esferas locais e federais, e da população em geral, para o combate da expansão da doença e o controle da mesma2.

A Vila de Pitinga é uma área de mineração de cassiterita e outros minérios. Na vila moram aproximadamente 2.700 pessoas, onde a maioria é procedente de outras regiões do país. A Mineração Taboca S/A, empresa do grupo Paranapanema, é responsável pela vila e pela saúde de seus moradores e vem tomando diversas medidas de controle e profilaxia para evitar a expansão da LTA. O objetivo desse trabalho foi estudar o perfil da ocorrência da LTA em habitantes da área da vila de Pitinga e da mineração nos últimos anos, e avaliar a eficácia das medidas de controle da doença.

Material e Métodos

A Vila de Pitinga (0°28'48"N/60°29'49"O) está localizada a 320 Km de Manaus, no município de Presidente Figueiredo, Estado do Amazonas (Figura 1). O clima da área é do tipo "Ami". "A" significa clima tropical chuvoso, onde a temperatura média não é inferior a 18ºC; "m" (chuva do tipo monção) significa uma estação seca de pequena duração e "i" indica isotermia, ou seja, as oscilações anuais de temperatura média não chegam a 5ºC8. A temperatura média anual em torno de 26ºC e umidade relativa superior a 80%. A precipitação média anual é de aproximadamente 2.400mm, com os menores índices pluviométricos de julho a novembro9.


Quanto ao aspecto fitogeográfico, a vila de Pitinga está localizada numa região de floresta tropical densa, sub-região dos baixos platôs da Amazônia, com alto endemismo e heterogeneidade ambiental média10.

Esse estudo foi baseado nas fichas de registros de casos de LTA diagnosticados no hospital de Pitinga, que a partir de 2000 foram modificadas com o objetivo de se fazer um levantamento epidemiológico da LTA. Nas fichas constava nome do indivíduo, sexo, idade, tempo de residência, atividade laboral, contato recente com a floresta local e deslocamento para outras áreas endêmicas. Além disso, a partir das fichas de registros foram separados os principais grupos de riscos, tendo-se como base se o tipo de atividade laboral requeria um maior contato com áreas de transmissão de LTA (Tabela 1).

Os índices de pluviosidade foram obtidos na estação meteorológica da Mineração Taboca S/A e os dados de casos de LTA do município e do Estado foram obtidos na secretaria de vigilância sanitária do Estado do Amazonas11.

Rotineiramente, na vila, as medidas de prevenção adotadas na área para o controle de endemias silvestres são: borrifação, derrubada da mata próxima ao local de trabalho dos moradores, proibição de caça, banhos e acampamentos em áreas de floresta e com vigilância severa pela empresa de minério responsável.

Resultados e Discussão

No período de 1991 a 2004 foram registrados 395 casos de LTA. Entre 1991 e 1995 foram assinalados um maior número de casos, com uma média mensal de 56,20 ± 5,35 e durante 1996 a 2004 uma média de 12,60 ± 6,12 (Figura 2).


Entre 2000 e 2004 foi traçado um perfil epidemiológico da doença, e observadas as seguintes prevalências: foram registrados 65 casos de LTA, com maior número para o sexo masculino com 56 casos (86,2%) em relação ao feminino com nove (13,8%). Em relação à faixa etária, observou-se um maior número de indivíduos com LTA entre 15-25 anos (32,30%), seguido pelas faixas etárias 26-35 (27,69%) e 36-45 (27,69%). As maiores prevalências para o sexo masculino e na faixa etária entre 15-45 anos, possivelmente estão relacionadas a uma maior exposição desses indivíduos aos vetores nas suas atividades diárias. Em outras regiões do país, também foram registrados as maiores prevalências nas faixas etárias mencionadas e para o sexo masculino.4,12,13

No aspecto laboral, os indivíduos com atividades nas proximidades ou em contato direto com a floresta tais como: Prospectores, Motoristas, Pedreiros, Roçadores e Auxiliares de Saneamento (Grupo de risco III) apresentaram maior número de casos (Tabela 2). Também foi registrada LTA em indivíduos que não tinham atividades laborais em contato direto com a floresta, tais como dependentes de funcionários, estudantes e donas de casa, que ocasionalmente adentravam na floresta para passeios e balneários; essas notificações de pessoas com contágio de LTA devido às atividades de lazer também ocorrem em outras regiões do Brasil13.

A maior prevalência de casos no sexo masculino refletiu-se devido a ser o gênero predominante no Grupo de Risco III, tendo suas atividades laborais ligadas diretamente à floresta circundante à vila. O baixo número de casos no sexo feminino indica que não está ocorrendo o processo de urbanização da doença, que ainda mantém caráter essencialmente de ciclo silvestre. Em áreas de exploração de minérios e construções de estradas, por levar grande contingente humano a entrar em contato direto com a floresta, ocorre a elevação da taxa de incidência e caracteriza um surto epidêmico de LTA14. O grande número de casos de LTA nos primeiros anos de implantação da exploração de minério provavelmente está relacionado ao aumento do contingente de pessoas na área em contato com a floresta, e devido ao fato de as medidas de controle naquele momento ainda não haverem sido totalmente implementadas.

O maior número de casos ocorreu no período chuvoso (dezembro-maio) (40 casos, 61,5%), em relação ao período de seca (junho-novembro) (25 casos, 38,5%), com maiores incidências nos meses de janeiro (10 casos) e abril (13 casos) no período de chuva, e no mês de outubro (12 casos) no período de seca (Figura 3).


Os registros de casos humanos na estação chuvosa estão relacionados à maior abundância de L. umbratilis, vetora de LTA para a Amazônia Central brasileira15,16,17. Já no período de seca, mesmo em menor abundância, as fêmeas de L. umbratilis encontram-se com elevadas taxas de infecção por tripanosomatídeos, principalmente em setembro, quando apresentam mais de um ciclo gonotrófico e com maiores probabilidades de estarem infectadas15, o que possivelmente explica os registros de casos humanos em outubro.

A redução da detecção de casos de LTA, principalmente nos últimos anos, pode ser atribuída ao impacto direto das medidas de controle sanitário aplicadas na área do estudo. A incidência anual de casos, para o Estado do Amazonas em relação ao registrado na Vila de Pitinga (Figura 4) apresenta comportamento diferente, sendo encontrada diminuição gradativa de casos em Pitinga, o mesmo não ocorrendo no Estado.


A utilização de uma faixa de segurança, por desmatamento, entre o local de habitação dos residentes e a floresta, com o cuidado de se evitar o desequilíbrio ambiental, associada ao controle químico por borrifação, embora dispendiosas e com risco potencial para o meio ambiente, podem ser medidas necessárias para redução do contato homem-vetor em áreas de risco para assentamento de populações humanas. Além disso, é de importância fundamental a educação em saúde da população exposta ao risco para o apoio e a continuação das medidas de controle adotadas visando a prevenção de LTA e de outras doenças endêmicas.

Recebido em: 08/11/05

Versão reformulada reapresentada em: 28/03 /06

Aprovado em: 04/04/06

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  • Correspondência:

    Andrezza Campos Chagas
    Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (Fmt-am)
    Diretoria de Ensino, Pesquisa e Controle de Endemias, Departamento de Pesquisa
    Gerência de Parasitologia
    Av. Pedro Teixeira, 25, Dom Pedro
    CEP 69040-000 Manaus, Amazonas
    Email:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2006

    Histórico

    • Aceito
      04 Abr 2006
    • Revisado
      28 Mar 2006
    • Recebido
      08 Nov 2005
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