Acessibilidade / Reportar erro

Associação entre transtornos mentais comuns e qualidade de vida em adolescentes asmáticos

Resumos

INTRODUÇÃO: A asma é a doença crônica mais prevalente no adolescente, traz limitações à sua qualidade de vida e preocupações quanto a sua saúde. Possuir uma doença crônica nessa faixa etária, além dos limites causados pela própria doença, aumenta a vulnerabilidade a danos emocionais, tais como transtornos mentais comuns (TMC). OBJETIVO: Avaliar a associação entre TMC e qualidade de vida em adolescentes asmáticos. MÉTODO: Estudo seccional de base ambulatorial, realizado com 210 adolescentes asmáticos de 12 a 21 anos, atendidos em um ambulatório especializado de um serviço universitário voltado à atenção ao adolescente, no Rio de Janeiro. A qualidade de vida (QV) foi avaliada através do Paediatric Asthma Quality of Life Questionnaire - PAQLQ, e a presença de TMC pelo General Health Questionnaire (GHQ-12). A qualidade de vida total e suas diferentes dimensões foram tratadas como variáveis dicotômicas e utilizou-se o modelo log-binomial para o cálculo das razões de prevalência brutas e ajustadas. RESULTADOS: A prevalência total de asmáticos com TMC foi de 32,4%. A prevalência de QV ruim entre adolescentes com TMC foi de 36,6%. O modelo final ajustado mostrou uma associação entre TMC e QV total ruim (RP = 1,84 IC 95% 1,19 - 2,86), assim como para os domínios referentes à emoção (RP = 1,77 IC 95% 1,16 - 2,62) e sintomas (RP = 1,75 IC 95% 1,14 - 2,70). Para o domínio atividade física, a associação com TMC foi apenas borderline (RP = 1,43 IC 95% 0,97 - 2,72). CONCLUSÃO: Os resultados do estudo sugerem a necessidades de maior atenção aos aspectos emocionais dos adolescentes portadores de doenças crônicas, de forma a subsidiar ações mais efetivas na área de saúde mental, visando a melhor qualidade de vida e o tratamento global do paciente asmático.

Qualidade de vida; Asma; Adolescentes; Transtornos mentais comuns


INTRODUCTION: Asthma is the most prevalent chronic disease among adolescents, not only affecting their quality of life but also bringing deep concern about their health. Having a chronic disease in this age group, in addition to the limits caused by the disease itself, increases vulnerability to emotional damage including common mental disorders (CMD). OBJECTIVE: to evaluate the association between CMD and quality of life in adolescents with asthma. METHODS: This cross-sectional study investigated 210 asthmatic adolescents from 12 to 21 years old treated in an outpatient adolescent healthcare facility in Rio de Janeiro, Brazil. The Pediatrics Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ) and the General Health Questionnaire (GHQ-12) were used to assess QoL and common mental disorders (CMD) respectively. Total quality of life and its various dimensions were treated as dichotomous variables. A binomial log-rhythmic model was used to calculate raw and adjusted prevalence ratios. RESULTS: The prevalence of asthmatics with CMD was 32.4% while the prevalence of poor QoL among adolescents with CMD was 36.6%. The final adjusted models showed an association between CMD and poor total quality of life (PR = 1. 84 95% CI 1.19 - 2.86) as well as for areas related to emotions (PR = 1.77 95% CI 1.16 - 2.62) and symptoms (RP = 1.75 95% CI 1.14 - 2.70). For the physical activity domain, the association with CMD was only borderline (RP = 1.43 95% CI 0.97 - 2.72). CONCLUSION: The results of this study suggest that greater attention should be paid to the emotional needs of adolescents with chronic diseases, including more effective actions in the field of mental health in order to improve quality of life and overall treatment of young asthmatic patients.

Quality of life; Asthma; Adolescents; Common mental disorders


ARTIGO ESPECIAL

Associação entre transtornos mentais comuns e qualidade de vida em adolescentes asmáticos

Katia T. NogueiraI; Claudia S. LopesII

INúcleo de estudos da saúde do adolescente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

IIDepartamento de Saúde Coletiva do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ

Correspondência Correspondência: Katia T. Nogueira Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ Avenida 28 de setembro 109 F, Vila Isabel CEP 20551-030 E-mail: katianog@terra.com.br

RESUMO

INTRODUÇÃO: A asma é a doença crônica mais prevalente no adolescente, traz limitações à sua qualidade de vida e preocupações quanto a sua saúde. Possuir uma doença crônica nessa faixa etária, além dos limites causados pela própria doença, aumenta a vulnerabilidade a danos emocionais, tais como transtornos mentais comuns (TMC).

OBJETIVO: Avaliar a associação entre TMC e qualidade de vida em adolescentes asmáticos.

MÉTODO: Estudo seccional de base ambulatorial, realizado com 210 adolescentes asmáticos de 12 a 21 anos, atendidos em um ambulatório especializado de um serviço universitário voltado à atenção ao adolescente, no Rio de Janeiro. A qualidade de vida (QV) foi avaliada através do Paediatric Asthma Quality of Life Questionnaire - PAQLQ, e a presença de TMC pelo General Health Questionnaire (GHQ-12). A qualidade de vida total e suas diferentes dimensões foram tratadas como variáveis dicotômicas e utilizou-se o modelo log-binomial para o cálculo das razões de prevalência brutas e ajustadas.

RESULTADOS: A prevalência total de asmáticos com TMC foi de 32,4%. A prevalência de QV ruim entre adolescentes com TMC foi de 36,6%. O modelo final ajustado mostrou uma associação entre TMC e QV total ruim (RP = 1,84 IC 95% 1,19 - 2,86), assim como para os domínios referentes à emoção (RP = 1,77 IC 95% 1,16 - 2,62) e sintomas (RP = 1,75 IC 95% 1,14 - 2,70). Para o domínio atividade física, a associação com TMC foi apenas borderline (RP = 1,43 IC 95% 0,97 - 2,72).

CONCLUSÃO: Os resultados do estudo sugerem a necessidades de maior atenção aos aspectos emocionais dos adolescentes portadores de doenças crônicas, de forma a subsidiar ações mais efetivas na área de saúde mental, visando a melhor qualidade de vida e o tratamento global do paciente asmático.

Palavras-chave: Qualidade de vida. Asma. Adolescentes. Transtornos mentais comuns.

Introdução

Definir adolescência é uma tarefa árdua. Os conceitos encontrados na literatura e no senso comum com frequência não são suficientes para descrever aqueles indivíduos que não são crianças, mas também não são adultos. Para os próprios adolescentes esta categoria também é desprovida de significado: para eles é algo externo, falado pelos outros1. Para nós, profissionais de saúde, trata-se de um momento oportuno em que ações preventivas, voltadas para a atenção ao adolescente, que estimulem uma vida saudável e que aumentem sua auto-estima, possam ser desenvolvidas.

Uma doença de curso prolongado priva o indivíduo de inúmeras fontes de prazer pessoal, na medida em que interfere na auto-estima, no controle do próprio corpo e nas relações interpessoais2. Essas limitações, numa fase da vida delicada como a adolescência, tomam proporções ainda maiores. Sawyer et al.3, em um estudo de coorte, observaram um prejuízo na qualidade de vida em adolescentes portadores de doença crônica como asma, fibrose cística e diabetes.

A asma é a principal doença crônica da adolescência e é nessa época que ocorre grande aceleração da maturação e do crescimento, inclusive do aparelho respiratório4. Um declínio da função respiratória nessa fase pode levar a alterações irreversíveis na estrutura pulmonar e também redução da estatura final. Além dos problemas inerentes à adolescência propriamente dita, a associação de uma doença crônica como a asma pode gerar sensações de fracasso, falta de esperança, raiva, autocensura, perda da auto-estima e medo, representando um fardo extra para esses adolescentes.

Em crianças e adolescentes, as repercussões atingem não somente o paciente, mas todo o universo familiar e escolar, podendo trazer problemas complexos e implicações no longo prazo, que irão se traduzir em prejuízo na qualidade de vida de todo o grupo5.

A qualidade de vida em pacientes portadores de doenças crônicas e, em particular de asma, é um assunto que está cada vez sendo mais estudado. O World Health Organization-Quality of Life Group (WHOQOL) definiu qualidade de vida como "uma percepção individual da posição do indivíduo na vida, no contexto de sua cultura e sistema de valores nos quais ele está inserido e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações". É um conceito de alcance abrangente, afetado de forma complexa pela saúde física, estado psicológico, nível de independência, relações sociais e características do meio-ambiente do indivíduo6.

Definir qualidade de vida, portanto, tem sido uma tarefa bastante controversa entre pesquisadores das áreas de saúde. Bowling7 aponta-nos que qualidade de vida é um conceito amplo, que tem sido utilizado por inúmeras disciplinas e campos de atividade, tais como geografia, literatura, filosofia, economia da saúde, publicidade e propaganda, promoção de saúde e ciências médicas e sociais (sociologia e psicologia).

Estudos recentes na literatura tentam correlacionar asma grave com um maior risco de prejuízo na saúde mental dos adolescentes8. No Brasil, Nogueira9, em um estudo realizado com 4.030 funcionários de uma universidade no Estado do Rio de Janeiro, observou que indivíduos com história de diagnóstico médico de asma apresentavam uma chance maior de apresentarem transtornos mentais comuns (RP = 1,37; IC 95% 1,22 - 1,55) do que indivíduos sem o diagnóstico.

Em crianças e adolescentes, a incidência de transtornos emocionais tem sido considerada elevada. Nos Estados Unidos, aproximadamente 7% da população infantil sofre de asma e uma revisão de estudos epidemiológicos concluiu que 12% dessas crianças apresentam algum tipo de transtorno emocional10. Estudos com adolescentes conduzidos no Brasil mostraram associação fortemente positiva entre transtornos mentais comuns e doença crônica1,11. Neves et al.10 demonstraram que aproximadamente 30% das crianças com diagnóstico de asma grave, internadas em hospital terciário, tinham depressão como marcador importante de crises asmáticas fatais.

O controle adequado da asma está relacionado à habilidade do paciente para detectar alterações na intensidade da obstrução e rapidamente empregar as orientações terapêuticas, de acordo com o plano de ação individualizado12. Distúrbios do humor podem interferir na identificação do agravamento da obstrução brônquica em asmáticos13. Por isso, a presença de transtornos mentais em pacientes com asma deve ser avaliada com cuidado, pois pode significar um impacto ainda mais elevado na qualidade de vida desses pacientes.

Considerando a relevância epidemiológica e social do tema e a escassa produção nacional a esse respeito, torna-se pertinente a investigação da associação entre TMC e qualidade de vida, e seus diferentes domínios em uma população de adolescentes no contexto urbano brasileiro.

Material e Métodos

Delineamento do estudo e população de referência

Trata-se de um estudo transversal, de base ambulatorial. A população de estudo foi constituída por 240 adolescentes asmáticos, 35% dos 688 pacientes atendidos no ambulatório de Alergia-Imunologia do Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente (NESA) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). O período de realização da coleta de dados foi de março a novembro de 2006. Como critérios de elegibilidade, utilizamos o diagnóstico de asma definido pelo III Consenso Brasileiro de Asma: estar na faixa etária entre 12 e 21 incompletos e ser residente no município ou na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foram excluídos aqueles que apresentavam alguma doença neurológica ou cognitiva que impedisse a realização do questionário. Apenas uma família se recusou a participar da pesquisa e 29 questionários não estavam devidamente preenchidos em sua totalidade ou não apresentavam critérios para classificação da asma.

Coleta de dados e instrumentos

A coleta de dados foi realizada de março a novembro de 2006. Uma vez por semana, os adolescentes eram recrutados através do Ambulatório de Alergia-Imunologia (Programa de Qualidade de Vida nas Doenças Respiratórias).

O questionário utilizado foi elaborado a partir da junção de três aspectos das investigações. Inicialmente, foram coletados dados sociodemográficos e econômicos que incluíam idade, sexo, escolaridade dos pais, escolaridade do adolescente, raça, renda familiar per capita, tabagismo, atividade física, situação ocupacional do adolescente, uso de medicação e presença de outras doenças alérgicas. Para avaliação da qualidade de vida foi utilizado o Paediatric Asthma

Quality of Life Questionnaire - PAQLQ14, que possui 23 itens e 3 domínios: sintomas (10 questões), atividade física (5 questões) e aspectos emocionais (8 questões), e é capaz de quantificar mudanças na qualidade de vida do indivíduo ao longo do tempo. Sua validação para o português (do Brasil) foi feita por La Scala15. Esse instrumento foi construído para ser aplicado em crianças entre 7 e 17 anos com entrevistas face a face ou autopreenchimento. Sua duração média é de 10 minutos. As perguntas são sempre relacionadas à última semana, e são divididas, de acordo com a pergunta, em um cartão azul de respostas para avaliar a intensidade do incômodo e um verde para quantificar a frequência dos sintomas. As opções de resposta para cada item foram classificadas em uma escala de sete pontos, em que um indica o máximo prejuízo e sete, nenhum prejuízo. Os resultados são expressos como média dos escores por item e para cada domínio, bem como em um escore total14.

Finalmente, a avaliação de transtornos mentais comuns (TMC) foi realizada através da versão resumida do General Health Questionnaire (GHQ-12), um instrumento bem estabelecido e amplamente utilizado em pesquisas internacionais e nacionais16,17. Esse questionário autopreenchível foi validado na sua versão original18 e na sua versão brasileira16, tendo, em ambos os casos, o Clinical Interview Schedule19 como padrão-ouro. O ponto de corte utilizado para o questionário considera cada item como presente ou ausente (0 ou 1), de acordo com o método do GHQ. Foram considerados casos de TMC aqueles que foram positivos para três itens do GHQ-1220. O período de referência do GHQ foram as duas semanas anteriores ao preenchimento do questionário.

Variáveis do estudo

A qualidade de vida foi tratada como desfecho dicotômico (ruim-boa) e se baseia na média dos escores das respostas, que é o mais utilizado na literatura21. Em relação aos 3 domínios (atividade física, emoção e sintomas), usou-se os mesmos critérios. As respostas variam de 1 (pior qualidade de vida a 7 (melhor qualidade de vida). A variável explicativa foi a presença de transtornos mentais comuns (TMC), tratada como variável dicotômica, tendo como ponto de corte 3 ou mais positivos para codificação de "caso" de TMC. Como covariáveis foram avaliadas as seguintes variáveis: sociodemográficas e econômicas: sexo, raça (branca, preta, parda), idade (menor que 15 anos e maior ou igual a 15 anos), escolaridade do adolescente (ensino fundamental incompleto, ensino fundamental completo, médio incompleto, médio completo e ensino superior), renda familiar per capita ( até 1 salário mínimo, entre 1 e 2 salários mínimos, entre 2 e 4 salários mínimos e mais que 5 salários), tempo de diagnóstico da doença (menor que 5 anos e maior que cinco anos até 10 anos, maior que 10 anos), se o adolescente trabalhava, o estado civil dos pais (casado - não casado), se os adolescentes moravam com os pais ou não, gravidade da asma e uso de medicação .

Análise dos dados

Para a entrada dos dados, foi utilizado o programa Epi Info 2000. Todas as análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do pacote estatístico R versão 2.3.422. Numa primeira etapa, foram produzidas e examinadas as distribuições de frequência e gráficos de cada variável no estudo. Nas análises bivariadas, utilizamos o teste de Qui-quadrado (independência) para verificar se as associações encontradas apresentavam diferenças significativas (p < 0,10), valendo-nos deste critério para a seleção das possíveis variáveis de confusão.

Na análise multivariada, embora o modelo tradicional de regressão logística seja frequentemente utilizado em estudos de prevalência, neste estudo optou-se pelo modelo de regressão log-binomial23, 24, uma vez que este é capaz de estimar diretamente a razão de prevalência (RP) ajustada. O modelo log-binomial foi ajustado de forma a conter as co-variáveis que se mostraram estatisticamente associadas nas análises bivariadas, mantendo-se, no modelo final, as variáveis que se associaram com o desfecho, sendo idade e sexo forçadas no modelo.

Aspectos éticos

Antes da coleta de dados, os protocolos referentes à pesquisa foram aprovados pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Pedro Ernesto, em que o NESA se encontra submetido. Foi utilizado um Termo de Consentimento, por escrito, através de documento apresentado e assinado pelos responsáveis dos adolescentes menores de 18 anos e pelos maiores de 18 anos que foram entrevistados. Nesse documento, os pacientes e seus responsáveis foram informados sobre a relevância do estudo e a importância de sua participação. Foi garantida a permanência no ambulatório mesmo que as famílias desistissem da participação do estudo e após o término do mesmo.

Resultados

Na população estudada, 64,29% dos adolescentes tinham mais que 15 anos e 61% eram do sexo feminino. Houve uma predominância dos pacientes com ensino médio incompleto: 31,4%. A maioria dos pacientes não trabalhava. Quanto à presença de TMC, o resultado foi 32,4%, e 55,3% apresentavam uma boa qualidade de vida total, como também nos diferentes domínios atividade física, emoção e sintomas. Observamos em todos os domínios uma fração semelhante de adolescentes classificados como apresentando qualidade de vida ruim (Tabela 1).

Quanto à associação entre as características sociodemográficas nos diferentes domínios de qualidade de vida (Tabela 2), observamos pouca variação entre as respostas para os domínios relativos aos sintomas, atividades físicas e emoções.

Na Tabela 3, observamos que a prevalência de qualidade de vida (QV) total ruim nos pacientes com transtornos mentais comuns (TMC) foi de 61,8%, o mesmo ocorrendo para os domínios de sintomas e emoções, havendo apenas uma pequena diferença no domínio da atividade física, com 55,9% apresentando uma qualidade de vida ruim.

Após ajuste por sexo e idade (Tabela 4), observou-se uma razão de prevalência de 1,94 (IC 95%1,28 - 2,92) no escore total de qualidade de vida nessa população e, quanto aos domínios, a razão de prevalência bruta de atividade física foi de 1,44 (IC 95% 0,97 - 2,14); no domínio referente à emoção, a RP foi de 1,83 (IC 95% 1,22 - 2,72), muito semelhante ao domínio de sintomas.

Discussão

Esse estudo encontrou forte associação entre presença de transtornos mentais comuns e um prejuízo na qualidade de vida (1,94 (IC 95%1,28- 2,92), essa associação se repetindo nos diferentes domínios. Embora na literatura brasileira existam poucos trabalhos referentes à qualidade de vida e adolescentes asmáticos, ocorre uma tendência mundial a se usar cada vez mais instrumentos que avaliem as diferentes implicações da asma25,26. Um estado de depressão associado a uma doença crônica como asma pode interferir na aderência ao tratamento e em uma pior qualidade de vida no controle da asma27.

Nossos achados estão de acordo com estudos prévios conduzidos em outros países. Lavoie28 realizou um estudo usando o Asthma Quality of Life Questionanaire (AQLQ) e observou uma associação entre depressão e uma pior qualidade de vida. Goldbeck et al.8 demonstraram que ter um transtorno emocional leva a um prejuízo ainda maior na gravidade dos sintomas e qualidade de vida dos adolescentes asmáticos.

O predomínio da idade maior que 15 anos na nossa amostra pode ser explicado pelo fato de a maioria dos serviços de pediatria da rede pública não ter como rotina atender a essa população e o NESA ser um serviço de referência. Os dados sociodemográficos deste estudo demonstram que há predominância do diagnóstico de asma no sexo feminino (61%), enquanto que nos homens esta predominância foi de 39%. Na população geral, observa-se que na infância existe predominância no sexo masculino, mas essa relação muda drasticamente na puberdade, porque ocorre maior remissão nos meninos e um número maior de casos novos nas meninas29. Ocorre uma equalização entre os sexos após os 30 anos30,31.

Na literatura, existem alguns estudos que avaliam a associação entre doença crônica e transtornos mentais comuns. Newacheck32, em um estudo realizado com adultos brasileiros, observou que os pacientes cronicamente doentes apresentam risco 35% maior de desenvolver transtornos na área do comportamento, como ansiedade e depressão.

Em estudo realizado na população por Machado33, no Brasil, a depressão foi observada em 25% dos adultos asmáticos, frequência duas vezes superior àquela observada em pacientes acompanhados no ambulatório geral34 e cinco vezes maior que a da população geral35. Gillaspy et al.36, em estudo randomizado, avaliaram a história de asma auto-referida em 221 adolescentes com asma e em 192 adolescentes sem história de asma, e observaram que os indivíduos com diagnóstico de asma auto-referida apresentavam maior risco de transtornos mentais comuns do que os adolescentes sem diagnóstico de asma (p < 0,01).

O General Health Questionnaire (GHQ-12) nos fornece uma aproximação entre transtornos mentais comuns e sofrimento psíquico (proxi de estresse emocional) e, com o seu uso, podemos acompanhar e avaliar os adolescentes asmáticos. Embora o GHQ não tenha seu uso recomendado para crianças, esse instrumento já foi utilizado por outros autores em adolescentes, inclusive no Brasil1,11,37. Nossos dados mostram que o resultado foi de 32,4% para presença de TMC nos pacientes asmáticos. Esse achado é consistente com a literatura internacional que avalia que uma doença crônica aumenta o sofrimento psíquico na adolescência38.

Em nossa amostra, observamos uma expressiva prevalência de QV ruim e asma, tanto no escore total como nos 3 domínios. Estudos recentes mostraram que pacientes com asma apresentam uma baixa qualidade de vida39,40. Qualquer que seja a gravidade da asma, ocorre redução da QV nos domínios físico, psicológico e social do HRQOL, com a maioria dos asmáticos apresentando restrições na sua vida com um status de saúde pior do que indivíduos sem asma41,42. Ford et al.39, em 2003, realizaram um grande estudo de base populacional e observaram que os asmáticos têm uma qualidade de vida significativamente pior do que aqueles indivíduos que nunca tiveram asma. No Brasil, há uma carência de estudos relacionando qualidade de vida, asma e adolescentes.

Deve-se ressaltar, também, que o estudo foi realizado numa amostra de adolescentes asmáticos atendidos em ambulatório de referência com características particulares. Trata-se de uma população residente na região metropolitana do Rio de Janeiro, sujeita às adversidades sociais e econômicas urbanas, o que limita a possibilidade de seus achados serem generalizados para a população geral. Entretanto, os achados do presente estudo são consistentes com os da literatura internacional e reforçam a pertinência de estudos longitudinais que avaliem os efeitos de longo prazo da asma.

A experiência de trabalhar com qualidade de vida em asma nos mostrou uma riqueza de informações que habitualmente passam despercebidas para a equipe de saúde e são de grande relevância para os pacientes. Os pacientes mostravam-se satisfeitos com as perguntas e muitas vezes comentaram que ninguém havia feito aquele tipo de questionamento antes.

A natureza seccional do estudo não permitiu, entretanto, estabelecer com segurança a precedência temporal entre exposição e desfecho.

Sendo assim, não se deve descartar a possibilidade de causalidade reversa entre transtornos mentais comuns e qualidade de vida, o que nos conduz à reflexão de que até que ponto uma qualidade de vida ruim poderia levar à depressão e à ansiedade e vice-versa nestes adolescentes.

O conhecimento sobre a associação entre qualidade de vida ruim e TMC deve sensibilizar os profissionais de saúde para as questões de caráter emocional de seus pacientes, e subsidiar ações voltadas para a prevenção de transtornos mentais comuns em pacientes com asma. Esses achados reforçam a necessidade de atenção, por parte das equipes multidisciplinares, aos aspectos emocionais dos pacientes com asma, em especial daqueles com menos tempo de convivência com a doença. Acreditamos ser de fundamental importância a busca de uma boa qualidade de vida nos programas de adolescentes asmáticos para uma melhor adequação desse paciente com seus amigos, sua família, a sociedade e com ele próprio.

Recebido em: 21/09/09

Versão final reapresentada em: 26/02/10

Aprovado em: 07/04/10

  • 1. Kuschinir MCC. Fatores de risco para hipertensão arterial na adolescência [tese de doutorado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da UERJ; 2004.
  • 2. Quaresma MR. Development and validation in instrument to measure sexual function in female Brazilian rheumatoid arthritis patients [dissertação de mestrado] EUA: School of Graduate Studies of Mcmaster University; 1995.
  • 3. Sawyer MG,Reynolds KE,Couper JJ,French DJ,Kennedy D,Martin J,Staugas R,et al. Health-related quality of life of children and adolescents with chronic illness a two year prospective study. Qual Life Res 2004;13(7): 1309-19.
  • 4. Sole D, Vanna A T, Yamada E, Rizzo M C, Naspitz CK. International study of Asthma and Allergies in Childhood (ISAAC) written questionnaire: validation of the asthma component among Brazilian children. Investig Allergol Clin Immunology 1998; 8(9): 376-82.
  • 5. Juniper EF. How important is quality of life in pediatric asthma? Pediatr Pulmonol 1997; 15: 17-21.
  • 6
    WHO (World Health Organization). Program for adolescent health and development: report of WHO/UNFPA/Unicef. Study group on programming for adolescent health Genève; WHO/UNFPA/UNICEF; 1999. (WHO Technical Report series,886).
  • 7. Bowling, A. et al. A multidimensional model of the quality of life in older age. Aging & Mental Health 2002; 6: 355-71.
  • 8. Goldbeck L, Koffmane K, Lecheler J, Thiessen K, Fegert JM. Disease severity, mental health, and quality of life of children and adolescents with asthma. Pediatr Pulmonol 2007; 42(1): 15-22.
  • 9. Nogueira, K T. Asma e transtornos mentais comuns em funcionários de uma universidade no Estado do Rio de Janeiro - Estudo Pró-Saúde [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da UERJ; 2002.
  • 10. Neves JEP, Behar V S, Cordas T. Aspectos psiquiátricos e psicológicos do paciente alérgico. Rinite Alérgica 1997; Editorial.
  • 11. Meneses CR. Morbidade psiquiátrica menor entre adolescentes cronicamente doentes atendidos em um ambulatório especializado no Rio de Janeiro [dissertação de mestrado]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da UERJ; 2002.
  • 12. GINASTHMA - Global initiative for asthma management and prevention NHLB/WHO Workshop Report, US Department of Health and Human Services National Institutes of Health, Bethesda 2002; 95: 36-59.
  • 13. Yellowlees PM, Ruffin RE. Psychological defences and coping styles in patients following a life-threatening attack of asthma. Chest 1989; 95: 1298-1303.
  • 14. Juniper EF, Guyatt GH, Feeny DH, Ferrie PJ, Griffith LE, Townsend M. Measuring quality of life in children with asthma. Qual Life Res 1996; 5: 35-46.
  • 15. La Scala C, Naspitz C, Solé D. Adaptação e validação do Pediatric Asthma Quality of Life Questionnaire (PAQLQ-A) em crianças e adolescentes brasileiros com asma. J Pediatr 2005; 81: 54-60.
  • 16. Mari JJ, Willians P. A comparison of the validity of two psychiatric screening questionnaires (GHQ-12 and SRQ-20) in Brazil, using Relative Operating Caracteristic (ROC) analysis. Psychological Medicine 1985; 15: 651-9.
  • 17. Weich S, Lewis G. Poverty, unemployment, and common mental disorders: population based cohort study. British Medical Journal,1998; 317: 115-9.
  • 18. Stanfeld S A, Marmot G, Social class and minor psychiatric morbidity. A validated screening survey using the General Health Questionnaire in British civil servants. Psychological Medicine,1992; 22: 739-49.
  • 19. Goldberg DP, Blackwell B. The detection of psychiatric illness by questionnaire Maudsley Monograph n. 21. London: Oxford University Press; 1970.
  • 20. Goldberg DP, Williams P. The User's Guide to the General Health Questionnaire Nelson: Windsor; 1988.
  • 21. Juniper EF, Guyatt GH, Streiner DL, King DR.Clinical impact versus factor analysis for quality of life questionnaire construction. J Clin Epidemiol 1997 Mar; 50(3): 233-8.
  • 22. RDCT - R Development Core Team. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria: 2006. Disponível em: http://www.R-project.org [Acessado em 15 de março de 2007]
  • 23. Skov T, Deddens J, Endahl L. Prevalence proportion ratios: estimation and hypothesis testing. Int J Epidemiol 1998; 27: 91-5.
  • 24. Barros AJ, Hirakata VN. Alternatives for logistic regression in cross-sectional studies: an empirical comparison of models that directly estimate the prevalence ratio. BMC Med Res Methodol 2003; 20(3): 21.
  • 25. Cabral AL, Carvalho WA, Chinen M, Barbiroto RM, Boueri FM, Martins MA.Are International Asthma Guidelines effective for low-income Brazilian children with asthma? Eur Respir J 1998; 12(1): 35-40.
  • 26. Zorc Jj, Pawlowski Na, Allen Jl, Bryant-Stephens T, Winston M,et al. Development and validation of an instrument to measure asthma symptom control in children. J Asthma 2006; 43(10): 753-8.
  • 27. Bosley CM, Fosbury JA, Cochrane GM. The psychological factors associated with poor compliance with treatment in asthma. Eur Respir J 1995; 8(6): 899-904.
  • 28. Lavoie KL, Bacon SL, Barone S, Cartier A, et al, What is worse for asthma control and quality of life: depressive disorders, anxiety disorders, or both? Chest 2006; 130: 1039-47.
  • 29. Strachan, D, Gerritsen, J. Long-term out-come: population data. Eur Respir J 1996; 9: 42-7.
  • 30. ATS - American Thoracic Society. Guidelines for the evaluation of impairment/disability in patients with asthma. Am Rev Respir Dis 1993; 147: 1056.
  • 31. Burr ML, Wat D, Evans C, Dunstan FD, Doull IJ; British Thoracic Society Research Committee Asthma prevalence in 1973, 1988 and 2003. Thorax 2006; 61(4): 296-9.
  • 32. Newacheck PW, Mcmamanus MA, Fox HB. Prevalence and impact of chronic illness among adolescent. American Journal of Diseases of Children 1999; 145: 1367-73.
  • 33. Machado AS, Machado DT, Portela, PG. Frequência de depressão em pacientes ambulatoriais com asma moderada e grave. Rev Bras Alerg Imunopatol 2000; 3: 90-7.
  • 34. Myers, J. K.; Weissman, M. M.; Tischeler, G. E., 1994. Six month prevalence of psychiatric disorders in three communities. Arch Gen Psychiatry 1994; 41: 959-70.
  • 35. Coney, J. C.; Fechner-Bates, S.; Schwenk, T. L. Prevalence, nature, and co-morbidity of depressive disorders in primary care. Gen Hosp Psychiatric 1994; 16: 267-76.
  • 36. Gillaspy SR, Hoffa L, Mullins LL, Vanpelt JC, Chaneyj M. Psychological distress in high-risk youth with asthma. Journal of Pediatric Psychology 2002; 27(4): 363-71.
  • 37. Measurement invariance in the General Health Questionnaire-12 in young Australian adolescents. Eur Child Adolesc Psychiatry 2004; 13(1): 1-7.
  • 38. Suris JC, Chronic conditions and adolescence. J Pediatr endocrinal Metab 2002; 16(S2): 247-51.
  • 39. Ford ES, Mannino DM, Homa DM, Gwynn C, Redd SC, Moriarty DG, Mokdad AH: Self-reported asthma and health-related quality of life: findings from the behavioral risk factor surveillance system. Chest 2003; 123: 119-27.
  • 40. Opolsky M, Wilson I. Asthma and depression: a pragmatic review of the literature and recommendations for future research. Clin Pract Epidemol Ment Health 2005; 27: 1-18.
  • 41
    ACAM - Australian Centre for Asthma Monitoring: Measuring the impact of asthma on quality of life in the Australian population Canberra: Australian Institute of Health and Welfare; 2004.
  • 42. Bonala SB , Pina D, Silverman BA, Amara S, Bassett CW, Schneider AT. Asthma Severity, Psychiatric Morbidity, And Quality Of Life: Correlation With Inhaled Corticosteroid Dose. Journal of Asthma 2003; 40(6): 691-9.
  • Correspondência:

    Katia T. Nogueira
    Núcleo de Estudos da Saúde do Adolescente
    Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ
    Avenida 28 de setembro 109 F, Vila Isabel
    CEP 20551-030
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Recebido
      21 Set 2009
    • Revisado
      26 Fev 2010
    • Aceito
      07 Abr 2010
    Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revbrepi@usp.br