Acessibilidade / Reportar erro

Fatores associados à mortalidade hospitalar na rede SUS do Rio Grande do Sul, em 2005: aplicação de modelo multinível

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a mortalidade hospitalar por meio de análise multinível utilizando dados disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. MÉTODOS: Estudo transversal com dados de internações obtidas das Autorizações de Internação Hospitalar do Rio Grande do Sul no ano de 2005. A modelagem foi realizada por meio de regressão logística multinível, utilizando variáveis do nível individual (internações) e do nível contextual (hospitais). Analisou-se a variabilidade causada por variáreis individuais no nível hospitalar, bem como a participação do perfil dos hospitais na taxa de mortalidade hospitalar. RESULTADOS: A taxa bruta de mortalidade calculada para o conjunto de hospitais foi de 6,3%. As variáveis uso de Unidade de Terapia Intensiva e idade foram os principais preditores para óbito hospitalar no nível individual. As variáveis de contexto que se relacionaram mais intensamente com o óbito hospitalar foram: porte do hospital, natureza jurídica e média de permanência. A chance de óbito em hospital de grande porte é 1,85 vezes a chance do hospital de pequeno porte e no hospital de médio porte é 1,69 vezes a chance do hospital de pequeno porte. Os hospitais públicos apresentam 67% mais chances de óbito hospitalar do que os privados. CONCLUSÕES: O perfil hospitalar tem papel importante na mortalidade hospitalar do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. A análise multinível deve ser empregada para a estimação da contribuição do perfil dos hospitais na mortalidade hospitalar.

Mortalidade hospitalar; Análise multinível; Modelos de regressão logística multinível; Qualidade Assistencial; Avaliação de serviços de saúde; Sistema Único de Saúde


OBJECTIVE: To use a multilevel analysis methodology to evaluate hospital mortality from the data available in the Hospital Information System of the National Unified Health System. METHODS: Cross-sectional study with data obtained from Authorization Forms for Hospital Admissions in Rio Grande do Sul, Brazil in 2005. The modeling was performed using multilevel logistic regression, with variables from the individual level (hospital admissions) and the context level (hospital profile). The variability originated from individual variables was analyzed as well as the participation of the profile of hospitals in the rate of hospital mortality. RESULTS: The crude death rate calculated for all hospitals was 6.3%. The variables "Use of Intensive Care Unit" followed by "Patient Age" were the main predictors for hospital death at the individual level. The context variables that were related most closely to hospital death (outcome) were: size of hospital, legal nature, and average length of stay. The OR for deaths at large hospitals was 1.85 times the odds for small hospitals and the OR for medium hospitals was 1.69 times the odds for small ones. The chance of deaths in public hospitals was 67% higher than in private ones. CONCLUSIONS: The hospital profile has an important role in hospital mortality in the Hospital Information System of the National Unified Health System. Multilevel analysis should be used to estimate the contribution of the profile of mortality in hospitals.

Hospital mortality; Multilevel analysis; Multilevel logistic regression models; Quality Care; Evaluation of health services; Unified Health System


ARTIGO ESPECIAL

Fatores associados à mortalidade hospitalar na rede SUS do Rio Grande do Sul, em 2005: aplicação de modelo multinível

Andréa Silveira GomesI; Mariza Machado KlückII; Jandyra M. Guimarães FachelI, III; João RiboldiI, III

IPrograma de Pós-Graduação em Epidemiologia. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

IIDepartamento de Medicina Social. Faculdade de Medicina. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. RS, Brasil

IIIDepartamento de Estatística, Instituto de Matemática, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Andréa Silveira Gomes Av. Padre Cacique, 372, 3º andar Porto Alegre, RS - CEP 90810-240 E-mail: andreag@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a mortalidade hospitalar por meio de análise multinível utilizando dados disponíveis no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde.

MÉTODOS: Estudo transversal com dados de internações obtidas das Autorizações de Internação Hospitalar do Rio Grande do Sul no ano de 2005. A modelagem foi realizada por meio de regressão logística multinível, utilizando variáveis do nível individual (internações) e do nível contextual (hospitais). Analisou-se a variabilidade causada por variáreis individuais no nível hospitalar, bem como a participação do perfil dos hospitais na taxa de mortalidade hospitalar.

RESULTADOS: A taxa bruta de mortalidade calculada para o conjunto de hospitais foi de 6,3%. As variáveis uso de Unidade de Terapia Intensiva e idade foram os principais preditores para óbito hospitalar no nível individual. As variáveis de contexto que se relacionaram mais intensamente com o óbito hospitalar foram: porte do hospital, natureza jurídica e média de permanência. A chance de óbito em hospital de grande porte é 1,85 vezes a chance do hospital de pequeno porte e no hospital de médio porte é 1,69 vezes a chance do hospital de pequeno porte. Os hospitais públicos apresentam 67% mais chances de óbito hospitalar do que os privados.

CONCLUSÕES: O perfil hospitalar tem papel importante na mortalidade hospitalar do Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde. A análise multinível deve ser empregada para a estimação da contribuição do perfil dos hospitais na mortalidade hospitalar.

Palavras-chave: Mortalidade hospitalar. Análise multinível. Modelos de regressão logística multinível. Qualidade Assistencial. Avaliação de serviços de saúde. Sistema Único de Saúde.

Introdução

A mortalidade hospitalar é um importante e tradicional indicador de desempenho hospitalar1. Ela expressa uma dimensão crucial da qualidade do cuidado prestado: o resultado final2. Nenhuma característica do cuidado em saúde está mais estreitamente ligada à missão das instituições de saúde que as intervenções para evitar ou retardar a morte1. A taxa de mortalidade hospitalar como indicador da qualidade do cuidado na sua forma bruta ou ajustada deveria ser utilizada pelos hospitais, pelos profissionais e pelos financiadores para melhor entender o processo de atendimento ao paciente, orientando seu aprimoramento1.

A avaliação de desempenho dos sistemas de saúde tem sido focada nos serviços de assistência médica. Isso se deve à busca de maior eficiência, ou seja, conseguir que os sistemas de serviços de saúde desempenhem suas funções da melhor forma possível diante dos cada vez mais restritos recursos financeiros3. A ênfase na avaliação dos cuidados de saúde proporcionados pelos hospitais é importante tanto para promover maior conhecimento sobre a efetividade desses cuidados quanto para proporcionar maior eficiência aos programas de avaliação e controle da assistência4.

Diferenças encontradas nas taxas de mortalidade entre hospitais podem ocorrer em função do perfil de gravidade da população atendida5, bem como por características do estabelecimento6. Neste tipo de estudo pode-se falar de diferentes hierarquias das informações disponíveis: por um lado, o nível micro ou individual e, por outro lado, o nível macro, ou seja, o contexto (hospital) a que pertence o indivíduo. Modelos multinível foram desenvolvidos com o intuito de superar essas dificuldades na análise, quando os dados estão organizados hierarquicamente e existe correlação intraclasse ou intragrupo7-9.

Diante disto, vários autores têm salientado a necessidade do emprego da modelagem multinível para avaliação da mortalidade hospitalar. Ao contrário do que acontece no âmbito internacional, em nível nacional poucos estudos têm utilizado modelos multinível para avaliar o desempenho de hospitais através das taxas de mortalidade hospitalar10,11.

No Brasil, o Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde (SIH-SUS)12 mostra-se uma boa opção para análise das internações hospitalares por fornecer uma grande quantidade de dados, em um período próximo ao da internação4. Porém, o baixo preenchimento do diagnóstico secundário13,14, o caráter de faturamento e poucas informações acerca da condição clínica do paciente são limitações que devem ser consideradas. Todavia, alguns estudos6,13 verificaram que a base de dados do SIH-SUS possui dados confiáveis e que podem ser utilizados na avaliação do desempenho hospitalar.

Sob estas condições, julgou-se, além de factível, oportuno e de interesse avaliar a mortalidade hospitalar por meio de análise multinível, utilizando dados de pacientes e de hospitais, disponíveis no SIH-SUS.

Métodos

A base de dados foi formada a partir do registro de internações nos hospitais do SUS no Rio Grande do Sul em 2005, obtidas do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH-SUS). As Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) constituem um banco de dados informatizado, processado nacionalmente pelo SIH-SUS e disponibilizado na Internet; portanto, de domínio público. A AIH é o instrumento de informações e cobranças dos serviços prestados aos usuários do SUS. Para o desenvolvimento do modelo, foi utilizada uma amostra de 10.000 AIH do tipo I, sorteada aleatoriamente a partir do banco de dados de 453.515 internações das especialidades de clínica médica e cirurgia do Rio Grande do Sul no ano de 2005. A unidade de análise foi internação.

Nos casos em que os dados são estruturados hierarquicamente em dois grupos pertencentes a níveis diferentes, as unidades do mesmo grupo raramente são independentes. O fato de as unidades compartilharem o ambiente ou serem mais semelhantes entre si do que em relação a outras unidades pode levar a maior similaridade também em relação aos desfechos de interesse7-9. Não levar a hierarquia em conta pode implicar na superestimação dos coeficientes do modelo, com conclusões errôneas e estimativas falsamente significativas devido à subestimação dos erros-padrão7-9. Modelos multinível foram desenvolvidos com o intuito de superar as dificuldades na análise quando os dados estão organizados hierarquicamente e existe correlação intraclasse ou intragrupo. Esses modelos levam esta hierarquia em conta e estimam corretamente as variâncias dos coeficientes do modelo, assim como permitem analisar fatores de risco de níveis superiores ao primeiro de forma direta e eficiente7-9. Além disso, pode-se ajustar para possível confundimento entre fatores de mesmo nível e de níveis diferentes, estimar possíveis interações entre efeitos individuais e contextuais e modelar estruturas complexas de variância7-9.

O modelo multinível é formado por um componente fixo, que indica a magnitude das associações entre as variáveis; e por um componente aleatório, que mostra as diferenças entre os componentes do segundo nível e as variâncias nos diferentes níveis15. Os coeficientes aleatórios expressam os efeitos aleatórios que são derivados da variabilidade existente entre as unidades, seja por meio de da variabilidade dos interceptos, seja por meio da variabilidade das inclinações das retas de um modelo de regressão16.

A modelagem multinível seguiu as recomendações de Snijders e Bosker17 e Rasbash et al.18. Na avaliação da mortalidade hospitalar identifica-se uma estrutura hierárquica com dois níveis de análise: o primeiro nível constituído pelas internações e o segundo nível pelos hospitais. O desfecho óbito na internação pode variar em função das variáveis explicativas, que podem ser medidas no primeiro nível (características das internações) ou no segundo nível (perfil dos hospitais), permitindo a estimação dos efeitos individuais ou contextuais.

Utilizou-se modelo logístico multinível de acordo com a equação10

é o logaritmo neperiano da chance de um paciente i falecer no hospital j; xij é a matriz de variáveis explicativas no nível individual; e zja matriz de variáveis explicativas no nível hospitalar; β e γ são vetores de parâmetros associados, respectivamente, com as variáveis dos níveis individual e hospitalar. O efeito aleatório uj, que captura o efeito da correlação entre as observações, é assumido como sendo normalmente distribuído com média zero e variância σ2u.

Os parâmetros do modelo correspondentes ao segundo nível podem ser detalhados como β0j = β0 + u0j e [u0j] ~ N(0, Ωu):Ωu = [σ2u0] onde o intercepto aleatório β0j consiste em dois termos: um componente fixo β0 e um componente específico para o efeito contextual, ou seja, o efeito aleatório u0j, que representa a variação aleatória no segundo nível. Pressupõe-se que o intercepto β0 varie aleatoriamente através dos hospitais e que u0j segue uma distribuição normal com média zero e variância σ2u0. Diante disto, pode-se calcular o incremento, situado a dois desvios padrão acima da média, na chance de morte de um paciente internado em um hospital, por meio da fórmula10 e2x√σ2u0.

O modelo de regressão multinível fornece uma estatística, denominada de coeficiente de correlação intraclasse (CCI), definida como ρ = σ2u0/(σ2e0 + σ2u0), onde σ2e0 e σ2u0 representam as variâncias do primeiro e segundo níveis, respectivamente. O CCI expressa a fração da variabilidade residual total, (variabilidade do primeiro nível, acrescida da variabilidade do segundo nível), que pode ser atribuída ao hospital (segundo nível). No modelo logístico, assume-se que a variância do primeiro nível é igual a π2/3 » 3,29.

As variáveis selecionadas para o nível das internações (primeiro nível), provenientes dos dados da AIH, foram: sexo, idade do paciente, tempo de uso de UTI, especialidade da internação (clínica médica e cirurgia), tipo de internação (eletiva/emergência), tempo de duração da internação e diagnóstico. Neste estudo manteve-se a variável do diagnóstico principal, agregado através dos capítulos da CID-10. A variável especialidade da internação foi eliminada devido à alta correlação com a variável diagnóstico. Após o ajuste do modelo no nível individual, passou-se à inclusão das variáveis do nível hospitalar.

A permanência das variáveis no modelo deu-se em função do referencial teórico e da significância estatística9, avaliada por meio de do teste de Wald (p < 0,05) e da obtenção de um menor valor para o CCI dentro do contexto teórico específico.

As variáveis do nível hospitalar (segundo nível) foram selecionadas dos dados das AIH e também por informações sobre o perfil dos estabelecimentos encontradas no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES) e obtidas na Secretaria Estadual da Saúde. No nível hospitalar foram avaliados: idade média dos indivíduos internados, tempo médio de permanência, porte do hospital (pequeno, médio e grande), taxa média de transferência (saída de pacientes para outros hospitais), natureza jurídica (público, privado), complexidade da assistência (baixa, média, alta), atividade de ensino (sim, não) e volume médio de internação.

Nos modelos multinível também é possível analisar se o efeito das variáveis explicativas se modifica entre as unidades do segundo nível. Adicionando-se um coeficiente aleatório para as variáveis explicativas, observa-se o efeito na variabilidade do segundo nível. Dessa forma, com mais um termo aleatório na variância do segundo nível, tem-se βxj, onde x é a variável explanatória variando no segundo nível, com β0j = β0 + u0j e βxj = βx + uxj, sendo

Todas as variáveis explicativas do primeiro nível foram testadas a fim de avaliar se havia diferença nas estimativas entre as unidades do segundo nível (hospitais).

As variáveis foram trabalhadas na forma categorizada. As variáveis que utilizaram médias foram dicotomizadas em abaixo ou igual à média e acima da média. Nas Tabelas 1 e 2 estão representados os pontos de corte das categorias, bem como as categorias utilizadas como referência. Não foram testadas interações.

Os dados foram processados através dos programas estatísticos SPSS versão 13 e MLwiN versão 2.0.

Resultados

O conjunto dos 332 hospitais (453.515 AIHs) apresentou taxa bruta de mortalidade de 6,3%. A idade média dos indivíduos internados foi 54,6 anos, o tempo médio de permanência foi de 6,1 dias, o volume médio de internação foi de 1.366 internações/hospital e a média da taxa de transferência para 100 internações para o conjunto, de 453.515 AIHs era de 1,6, mas foi estabelecida em 1,2 após desconsiderar a taxa de hospitais que, devido a peculiaridades de perfil, apresentaram valores muito altos. A atividade de ensino era desenvolvida em 23,3% dos hospitais. Do conjunto de hospitais, 2,4% desenvolviam assistência de baixa complexidade, 39,06% assistência de média complexidade e 58,54% assistência de alta complexidade.

A Tabela 1 apresenta as características das internações e perfil dos hospitais do banco de dados total com 332 hospitais (453.515 AIHs) e da amostra aleatória com 10.000 AIHs, utilizada para desenvolvimento do modelo multinível.

A Tabela 2 apresenta o modelo final da análise multinível. O modelo final foi aquele que, além de conter variáveis importantes do ponto de vista teórico e/ou evidenciar significância estatística (p < 0,05), apresentou menor variabilidade na mortalidade entre os hospitais. O modelo final, desenvolvido na amostra aleatória composta por 10.000 AIH, apresentou área sob curva ROC = 0,805 (IC95% 0,788 - 0,822) no modelo de desenvolvimento e área sob curva ROC = 0,780 (IC95% = 0,762 - 0,798) no modelo de validação. Dessa forma o modelo foi considerado adequado para a predição do óbito hospitalar.

No nível individual, o tempo de uso de UTI é a variável que melhor traduz, neste contexto, o aumento de chances de óbito. A chance de óbito para quem utilizou UTI é maior do que para quem não utilizou UTI. Contudo, observou-se que a chance de óbito relativa ao tempo de uso de UTI não aumenta como aumento do tempo de UTI. Pacientes com 60 anos ou mais possuem mais chance de óbito hospitalar em comparação com os que possuem de 18 a 39 anos. Internações cujo diagnóstico principal são doenças infecto-parasitárias e do aparelho respiratório, apresentaram maior chance de óbito. Não foi observada associação entre sexo e desfecho.

Em relação ao perfil dos estabelecimentos de saúde, verificou-se que a chance de óbito aumenta de acordo com o tamanho dos hospitais. A chance de óbito no hospital de grande porte e de médio porte é maior do que no hospital de pequeno porte. Também se constatou que o hospital público apresenta maior chance de óbito hospitalar quando comparado ao hospital privado. O tempo de permanência não apresentou associação significativa com o óbito hospitalar.

A variância do efeito aleatório referente ao nível hospitalar no modelo nulo, sem a inclusão de variáveis explicativas, foi igual a 0,152, correspondendo a uma correlação intraclasse de 4,4%. Este resultado indica que 4,4% de toda variação não explicada do desfecho são devidos ao hospital, indicando a intensidade de agrupamento dos dados e sinalizando presença de efeito hospital. A variância deste mesmo efeito aleatório diminuiu para 0,093 com as variáveis explicativas consideradas no modelo final, isto é, a inclusão de variáveis explicativas no nível individual e hospitalar reduziu a correlação intraclasse para 2,7%, indicando uma redução de 39% na variabilidade não explicada.

Apesar do valor da variância do efeito aleatório ter sido baixo, ele pode ter um efeito importante sobre as chances de óbito dos pacientes. Tendo em vista que o efeito aleatório tem distribuição normal e variância igual a 0,093, pode-se calcular que um paciente internado num hospital situado a dois desvios-padrão acima da média da taxa de mortalidade apresentará um aumento de 84% (e2&Ouml;0,093 = 1,84) na sua chance de morrer.

Constatou-se forte correlação da variável atividade de ensino com as variáveis natureza jurídica e porte. Quando outros modelos foram testados, observou-se um aumento da variabilidade no nível hospitalar em comparação com o modelo final apresentado na Tabela 2, indicando não ter havido melhoria no ajuste do modelo. Quando colocada no modelo final, a variável atividade de ensino não foi estatisticamente significativa.

Discussão

No Brasil, poucos estudos têm utilizado características dos hospitais para avaliar desempenho hospitalar por meio de modelagem multinível10,11. Tendo em vista maior comparabilidade entre o perfil dos hospitais, bem como a característica das internações e pacientes atendidos, optou-se por comparar os resultados do presente estudo com aqueles obtidos em outros estudos também realizados no país. Contudo, a comparação deve ser realizada com cautela, pois apresentaram objetivos, metodologias e população-alvo diferentes daqueles deste trabalho.

No que diz respeito às características das internações e/ou indivíduos internados, vários estudos têm sido desenvolvidos buscando avaliar a mortalidade hospitalar utilizando variáveis como uso de UTI19,20, diagnóstico principal14,21, idade14, sexo10,21 e caráter da internação14.

Tendo em vista que a variável uso de UTI foi a preditora de óbito hospitalar mais importante, cabe salientar que outros autores19 constataram que pacientes com alta permanência em UTI (> 9 dias) apresentavam maior risco de óbito quando comparados às pessoas que permaneceram menos tempo (de 3 a 9 dias). Outros pesquisadores22 constataram que crianças que morreram durante a internação apresentaram maior probabilidade de serem encaminhadas à UTI em comparação com aquelas que sobreviveram. Esses achados concordam com a premissa de que a variável Uso de UTI pode ser uma medida indireta da gravidade do paciente. No presente estudo, a faixa intermediária de tempo de permanência da UTI (de 3 a 7 dias) apresentou menores chances de óbito em relação à faixa inferior (de 1 a 2 dias) e maior (8 dias ou mais). Isso pode estar relacionado ao fato de que possivelmente pacientes que sobreviveram às 48 horas dentro da UTI sejam pacientes menos graves em comparação aos primeiros e em relação àqueles que lá permanecem 8 ou mais dias.

Em relação à contribuição do perfil dos hospitais na mortalidade hospitalar, os resultados do presente estudo apresentam convergências e divergências em relação aos encontrados na literatura. Divergem daqueles verificados por Martins et al.10, que estudando internações por problemas do aparelho circulatório e respiratório em adultos e idosos em hospitais do SUS e não-SUS da região de Ribeirão Preto, encontraram, em um primeiro momento, maiores chances de ocorrência de óbito em hospitais públicos (OR = 1,69) em comparação com os privados. Contudo, o tamanho do hospital medido pelo número de leitos, após ser incluído no modelo, modificou o efeito da variável natureza jurídica, passando então os hospitais públicos a terem menores chances de óbito (OR = 0,41) em comparação com os privados. Ao contrário do que foi observado pelos autores deste estudo, as chances de morte em hospital público continuaram maiores, mesmo no modelo multinível ajustado incluindo as variáveis referentes aos hospitais.

A maior chance de óbito verificada em hospitais públicos pode estar relacionada, além da gravidade do paciente, a uma menor resolutividade dos casos, principalmente nos hospitais públicos do interior do Estado.

Alguns autores que avaliaram a mortalidade de pacientes idosos no município do Rio de Janeiro21, apesar de não incluirem variáveis do nível hospitalar, constataram que a mortalidade bruta foi menor nos hospitais universitários. Nesse estudo, embora o ajuste para as características dos pacientes tenha apresentado a diminuição do diferencial da mortalidade entre os estabelecimentos, os hospitais universitários permaneceram apresentando taxas de mortalidade significativamente menores do que as demais unidades. Todavia, no presente estudo a atividade de ensino não apresentou associação significativa com a chance de óbito.

Assim como em outro trabalho10, as variáveis do nível hospitalar como volume de internações, idade média dos casos e tempo médio de permanência não evidenciaram significância estatística. Embora haja controvérsias sobre o uso do tempo de permanência em modelos preditivos, uma vez que o mesmo pode indicar tanto gravidade dos casos quanto baixa qualidade do atendimento1, no presente estudo optou-se por mantê-la. O resultado é consistente com o estudo de Martins et al.10, que verificaram tempo médio de permanência maior para os pacientes que morreram em relação aos que viveram. No presente estudo, a variável tempo de permanência diminuiu a variabilidade do modelo no nível de contexto e, como era esperado, mostrou que os hospitais com tempo de permanência maior apresentaram maiores chances de óbito. Além disso, a média de permanência foi maior nos hospitais públicos em comparação com os hospitais privados, o que é consistente com outro estudo22, que encontrou média de permanência menor nos hospitais contratados/filantrópicos. Em ambos os estudos, os hospitais públicos e hospitais com maior tempo de permanência apresentaram maiores probabilidades de mortalidade hospitalar.

Noronha et al.19, avaliando o volume de cirurgias de revascularização do miocárdio (CRVM) e a taxa de mortalidade hospitalar, observaram que, nos hospitais com maiores volumes de CRVM, os pacientes operados apresentavam menor risco de morrer do que nos hospitais com menor volume de cirurgias. No presente estudo, o volume de internações não apresentou contribuição importante ao modelo, resultado consistente com aquele observado por Martins et al.10. Provavelmente, o volume de internações seja mais relevante em estudos que, ao contrário deste, busquem avaliar a mortalidade hospitalar para diagnósticos específicos.

As limitações deste trabalho estão ligadas à utilização de base de dados administrativos com relativamente poucas variáveis. Também a finalidade de faturamento inerente às AIH pode originar vieses na informação prestada; no entanto, isto foi minimizado com a agregação dos diagnósticos. Poucas informações sobre o perfil hospitalar em relação ao processo de cuidado e estrutura dos hospitais, em especial quanto aos recursos humanos, podem ter impossibilitado uma melhor avaliação no nível do hospital. A ampliação no número de variáveis clínicas do paciente e de variáveis que identifiquem melhor o perfil dos hospitais poderá melhorar as estimativas de probabilidade de óbito hospitalar nos diferentes estabelecimentos que compões o SIH-SUS.

De qualquer modo, o reduzido número de estudos nacionais publicados sobre o tema, todos com diferentes metodologias ou populações-alvo, se por um lado dificulta a comparação dos resultados, por outro reforça a relevância do presente estudo.

Conclusão

O modelo multinível, construído a partir dos dados do SIH-SUS, possibilitou identificar variáveis referentes ao perfil do hospital e estimar a sua contribuição na mortalidade hospitalar de adultos internados na rede SUS no Rio Grande do Sul no ano de 2005. A análise da mortalidade hospitalar considerando características das internações e dos hospitais por meio da aplicação da técnica de modelo multinível permite avaliar a possível influência das variáveis agregadas (contextuais) sobre a estimativa da probabilidade de óbito hospitalar.

COLABORADORES: AS Gomes realizou a revisão de literatura, análise estatística e redação do artigo. Riboldi e JMG Fachel orientaram a análise estatística e realizaram a revisão crítica do manuscrito. MM Klück orientou a interpretação dos resultados e realizou a revisão crítica do manuscrito.

Recebido em: 02/11/09

Versão final reapresentada em: 06/05/10

Aprovado em: 09/06/10

  • 1. Travassos C, Noronha JC, Martins M. Mortalidade hospitalar como indicador de qualidade: uma revisão. Ciênc saúde coletiva 1999; 4(2): 367-81.
  • 2. Iucif Jr N, Rocha JSY. Estudo da desigualdade na mortalidade hospitalar pelo Índice de Comorbidade de Charlson. Rev Saúde Públ 2004; 38(6): 780-6.
  • 3. Viacava F, Almeida C, Caetano R, Fausto M, Macinko J, Martins M, et al. Uma metodologia de avaliação do desempenho do sistema de saúde brasileiro. Ciênc saúde coletiva 2004; 9(3): 711-24.
  • 4. Gouvêa CSD, Travassos C, Fernandes C. Produção de serviços e qualidade da assistência hospitalar no Estado do Rio de Janeiro, Brasil - 1992 a 1995. Rev Saúde Públ 1997; 31(6): 601-17.
  • 5. Iezzoni LI. Risk adjustment - measuring health care outcomes Chicago, Illinois: Health Administration Press; 2003.
  • 6. Guerra HL, Giatti L, Lima-Costa MF. Mortalidade em internações de longa duração como indicador da qualidade da assistência hospitalar ao idoso. Epidemiologia e Serviços de Saúde 2004; 13(4): 247-53.
  • 7. Goldstein H, Healy MJR. The Graphical Presentation of a Collection of Means. J R Stat Soc A 1995; 158(1): 175-7.
  • 8. Sanchez-Cantalejo E, Ocana-Riola R. [Multilevel models or the importance of ranking]. Gac Sanit 1999 Sep-Oct; 13(5): 391-8.
  • 9. Hox J. Applied multilevel analysis Amsterdam: TT-Publikaties; 1995.
  • 10. Martins M, Blais R, Leite IC. [Hospital mortality and length of stay: comparison between public and private hospitals in Ribeirão Preto, São Paulo State, Brazil]. Cad Saúde Pública 2004; 20 (S2): S268-S82.
  • 11. Lansky S, Subramanian SV, Franca E, Kawachi I. Higher perinatal mortality in National Public Health System hospitals in Belo Horizonte, Brazil, 1999: a compositional or contextual effect? BJOG 2007 Oct; 114(10): 1240-5.
  • 12. Ministério da Saúde, SUS D-DdId. Sistemas de Informação em Saúde - SIS; 2006 2006/05/21/. Disponível em http://w3.datasus.gov.br/datasus/datasus.php?area= 361A3B367C5D467E2F361G61HIJr0L0M0N&VInclude=../site/din_sist.php&VMapa=1 [Acessado em 5 de maio de 2008]
  • 13. Escosteguy CC, Portela MC, Medronho RA, Vasconcellos MT. [Hospital admissions forms versus medical records to assess risk of in-hospital death from acute myocardial infarction in Rio de Janeiro, Brazil]. Cad Saúde Pública 2005;21(4):1065-76.
  • 14. Martins M, Travassos C, Carvalho de NJ. [Hospital Information Systems as risk adjustment in performance indicators]. Rev Saúde Públ 2001; 35(2): 185-92.
  • 15. Merlo J. Multilevel analytical approaches in social epidemiology: measures of health variation compared with traditional measures of association: considering both distribution and determinants of health.(Editorials)(Editorial). J Epidemiol 2003; 57(8): 550(3).
  • 16. Kreft I, Leeuw Jd. Introducing multilevelmodeling. Thousand Oaks: Sage Publications Inc.; 1998.
  • 17. Snijders T BR. Multilevel analysis: An introduction to basic and advanced multilevel modeling. London: Sage Publications Ltd.; 2002.
  • 18. Rabash J SF, Browne W, Prosser B. A user's guide to MLwiN: Centre for Multilevel Modelling. University of Bristol; 2005.
  • 19. de Noronha JC, Travassos C, Martins M, Campos MR, Maia P, Panezzuti R. [Volume and quality of care in coronary artery bypass grafting in Brazil]. Cad Saúde Pública 2003; 19(6): 1781-9.
  • 20. Evangelista PA, Barreto SM, Guerra HL. Acesso à internação e fatores associados ao óbito hospitalar por doenças isquêmicas do coração no SUS. Arq Bras Cardiol 2008; 90: 130-8.
  • 21. Amaral AC, Coeli CM, Costa MC, Cardoso VS, Toledo AL, Fernandes CR. [Morbidity and mortality profile of hospitalized elderly patients]. Cad Saúde Pública 2004; 20(6): 1617-26.
  • 22. Bittencourt SA, Leal MC, Santos MO. [Hospitalization due of infectious diarrhea in Rio de Janeiro State]. Cad Saúde Pública 2002; 18(3): 747-54.
  • Correspondência:

    Andréa Silveira Gomes
    Av. Padre Cacique, 372, 3º andar
    Porto Alegre, RS - CEP 90810-240
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      09 Jun 2010
    • Revisado
      06 Maio 2010
    • Recebido
      02 Nov 2009
    Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revbrepi@usp.br