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Monitoramento da síndrome gripal em adultos nas capitais do Brasil e no Distrito Federal por meio de inquérito telefônico

Resumos

OBJETIVOS: Com o objetivo de estimar a prevalência da síndrome gripal em adultos das capitais e regiões do Brasil, realizou-se monitoramento da ocorrência de sinais e sintomas compatíveis por inquérito telefônico (VIGITEL) em 2010. MÉTODO: Estudo transversal que contou com 47.876 entrevistas nas capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal, com amostragem probabilística da população >18 anos, residente em domicílios com linha fixa de telefone. Foram analisadas as questões referentes à síndrome gripal e influenza pandêmica (H1N1) 2009, no período de 10 de janeiro a 30 de novembro de 2010. Os percentuais foram calculados para as regiões do país e para o Brasil e ponderados segundo a distribuição sociodemográfica da PNAD 2008. RESULTADOS: A prevalência de indivíduos, com algum sinal ou sintoma de gripe nos 30 dias anteriores à entrevista, foi de 31,2% (IC95% 30,2-32,2%). O relato de síndrome gripal foi mais frequente entre as mulheres, adultos jovens (18 a 29 anos) e aquelas pessoas com 9 a 11 anos de estudo. A maior prevalência de sinais ou sintomas gripais ocorreu na região Norte. Verificou-se tendência crescente com posterior decréscimo em todas as regiões, exceto na Nordeste. A procura pelo serviço de saúde foi relatada por 26,8% (IC95% 25,1-28,5) das pessoas que adoeceram. A suspeita médica de influenza pandêmica (H1N1) 2009 ocorreu em 2,6% (IC95% 1,8-3,4) dos entrevistados que relataram ter procurado o serviço de saúde. CONCLUSÃO: Os resultados deste inquérito forneceram informações oportunas e úteis, as quais não foram captadas pelo sistema de vigilância tradicional, como a ocorrência de sinal ou sintoma gripal e a procura pelo serviço de saúde.

levantamentos epidemiológicos; vigilância; estudos transversais; vírus da influenza A


OBJECTIVES: In order to estimate the prevalence of influenza like illness (ILI) in adults from all state capitals and geographic regions in Brazil, a periodical monitoring of ILI cases by the national telephone survey (VIGITEL) was carried out in 2010. METHOD: A cross-sectional study with 47,876 telephone interviews in the state capitals and Federal District, a probabilistic sample of adult population (>18 years-old) with landline telephone. Questions concerning the results of ILI cases and pandemic influenza (H1N1) 2009, from January 10 to November 30, were analyzed. The proportion of cases stratified by sociodemographic characteristics and Brazilian geographic region was weighted with data from the National Survey with Household Sampling (PNAD) 2008. RESULTS: The prevalence of ILI cases in the last 30 days before interview was 31.2% (95%CI 30.2-32.2%) for all state capitals and the Federal District. This prevalence was higher among women, young adults (18 to 29 years-old) and individuals with 9 to 11 years of schooling. According to the geographic region analysis, Northern Brazil presented the highest prevalence of ILI cases. A tendency to increase with further decrease was observed among the geographic regions, except the Northeast. Need for health care assistance was reported by 26.8% (95%CI 25.1-28.5) from ILI cases. Among ILI cases that sought health care assistance, 2.6% (95%CI 1.8-3.4) reported pandemic influenza (H1N1) 2009 medical suspicion. CONCLUSION: The results of this survey supported influenza surveillance as it provided timeliness and useful surveillance information, which were not captured by the traditional surveillance system, as the occurrence of ILI and need of health care assistance.

health surveys; surveillance; cross-sectional studies; influenza A virus


ARTIGOS

Monitoramento da síndrome gripal em adultos nas capitais do Brasil e no Distrito Federal por meio de inquérito telefônico

Priscilleyne Ouverney ReisI; Betine Pinto Moehlecke IserII; Líbia Roberta de Oliveira SouzaIII; Renata Tiene de Carvalho YokotaIV; Walquiria Aparecida Ferreira de AlmeidaV; Regina Tomie Ivata BernalVI; Deborah Carvalho MaltaVII; Wanderson Kleber de OliveiraVIII; Gerson Oliveira PennaIX

ISecretaria de Vigilância em Saúde (SVS), Ministério da Saúde (MS); Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis (CGDT), Departamento de Vigilância Epidemiológica (DEVEP) - Brasília (DF), Brasil

IISVS, MS; Coordenação Geral de Doenças e Agravos Não-transmissíveis (CGDANT); Departamento de Análise de Situação de Saúde (DASIS); Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil

IIISVS, Ministério da Saúde; CGDT, DEVEP, SVS, MS - Brasília (DF), Brasil

IVSVS, MS; CGDANT; DASIS; Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS (EPISUS), Centro de Informações Estratégicas e Respostas em Vigilância em Saúde (CIEVS), DEVEP - Brasília (DF), Brasil

VSVS, MS; CGDT, DEVEP - Brasília (DF), Brasil

VISVS, MS; CGDANT; DASIS; Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública. Universidade de São Paulo (FSP-USP) - São Paulo (SP), Brasil

VIISVS, MS; CGDANT; DASIS; Escola de Enfermagem da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Belo Horizonte (MG), Brasil

VIIISVS, MS; CGDT, DEVEP - Brasília (DF), Brasil

IXSVS, MS; Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília - Brasília (DF), Brasil

Correspondência Correspondência: Líbia Roberta de Oliveira Souza Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis Setor Comercial Sul - Bloco A - Quadra 4 -Edifício Principal - 2º andar Sala Unidade de Respiratórias e Imunopreveníveis CEP: 70304-000 - Brasília (DF) E-mail: libia.souza@saude.gov.br

RESUMO

OBJETIVOS: Com o objetivo de estimar a prevalência da síndrome gripal em adultos das capitais e regiões do Brasil, realizou-se monitoramento da ocorrência de sinais e sintomas compatíveis por inquérito telefônico (VIGITEL) em 2010.

MÉTODO: Estudo transversal que contou com 47.876 entrevistas nas capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal, com amostragem probabilística da população >18 anos, residente em domicílios com linha fixa de telefone. Foram analisadas as questões referentes à síndrome gripal e influenza pandêmica (H1N1) 2009, no período de 10 de janeiro a 30 de novembro de 2010. Os percentuais foram calculados para as regiões do país e para o Brasil e ponderados segundo a distribuição sociodemográfica da PNAD 2008.

RESULTADOS: A prevalência de indivíduos, com algum sinal ou sintoma de gripe nos 30 dias anteriores à entrevista, foi de 31,2% (IC95% 30,2-32,2%). O relato de síndrome gripal foi mais frequente entre as mulheres, adultos jovens (18 a 29 anos) e aquelas pessoas com 9 a 11 anos de estudo. A maior prevalência de sinais ou sintomas gripais ocorreu na região Norte. Verificou-se tendência crescente com posterior decréscimo em todas as regiões, exceto na Nordeste. A procura pelo serviço de saúde foi relatada por 26,8% (IC95% 25,1-28,5) das pessoas que adoeceram. A suspeita médica de influenza pandêmica (H1N1) 2009 ocorreu em 2,6% (IC95% 1,8-3,4) dos entrevistados que relataram ter procurado o serviço de saúde.

CONCLUSÃO: Os resultados deste inquérito forneceram informações oportunas e úteis, as quais não foram captadas pelo sistema de vigilância tradicional, como a ocorrência de sinal ou sintoma gripal e a procura pelo serviço de saúde.

Palavras-chave: levantamentos epidemiológicos; vigilância; estudos transversais; vírus da influenza A.

Introdução

Em abril de 2009, a partir da identificação do vírus influenza pandêmica (H1N1) 2009 (pH1N1) e decretação da Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), com a subsequente dispersão global do vírus, a capacidade de resposta das vigilâncias de influenza por todo o mundo foi posta a prova1.

No Brasil, a vigilância epidemiológica da influenza atua por meio da integração de diversas estratégias, as quais incluem a vigilância de síndrome gripal (SG) em unidades sentinelas, o monitoramento das internações e da mortalidade por influenza e pneumonia, a investigação dos surtos de SG em ambientes restritos e, desde a pandemia de 2009, a vigilância dos casos de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e a investigação e o acompanhamento da evolução de casos de SRAG hospitalizados. Para isto, a vigilância se vale de informações de diversas bases de dados utilizados rotineiramente na análise da situação de saúde.

As informações relativas à demanda por atendimento de SG e aos vírus respiratórios circulantes no país são registradas pelas unidades sentinelas e Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), de cada Unidade Federada, e Laboratórios de Referência para Influenza (Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, Instituto Evandro Chagas, no Pará, e Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, no Sistema de Vigilância Epidemiológica de Influenza (SIVEP_Gripe)2. As informações das hospitalizações na rede pública e conveniada são disponibilizadas pelo Sistema de Informações Hospitalares (SIHSUS)3 e os dados sobre os óbitos são obtidos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM)4.

Após a declaração da pandemia de pH1N1 em abril de 2009, o Ministério da Saúde desenvolveu um sistema de notificação online para os casos suspeitos de influenza (Sinan online Influenza)5. Este sistema permitiu o acompanhamento diário dos casos suspeitos de SG e SRAG, de acordo com a definição do caso vigente, bem como as internações e o desfecho desses casos no território nacional.

Em resposta à pandemia e visando complementar os demais mecanismos de monitoramento, a partir de janeiro de 2010, foram incluídas no Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL), questões relacionadas à ocorrência de algum sinal de gripe nos últimos 30 dias, à procura por serviço de saúde e ao tratamento com antiviral específico. A inclusão destas questões no VIGITEL permitiu estimar o número de pessoas que adoecem e não procuram o serviço de saúde e realizar análises regionais e sazonais da ocorrência da SG, de modo contínuo no território nacional, incorporando essa característica à agilidade do sistema. Esta foi a primeira vez que o VIGITEL inseriu, em seu módulo rotatório, questões relativas a doenças transmissíveis.

Diversos países têm utilizado os inquéritos telefônicos como uma ferramenta da vigilância da SG e da influenza6-9. Sob pandemia, este tipo de inquérito pode oferecer uma solução prática e oportuna para compreender as lacunas de conhecimento sobre o status da influenza10.

O objetivo deste artigo foi estimar a prevalência e descrever a tendência da ocorrência de SG, no período de janeiro a novembro de 2010, no conjunto das capitais e regiões do Brasil, a partir do monitoramento periódico realizado pelo inquérito VIGITEL.

Métodos

O VIGITEL realiza, continuamente, desde 2006, a coleta de dados sobre os comportamentos em saúde da população. Trata-se de um estudo transversal, no qual são realizadas, em amostragem probabilística da população adulta (>18 anos), residente nas capitais dos estados brasileiros e no Distrito Federal, mais de 2.000 entrevistas telefônicas em cada localidade, em domicílios servidos por pelo menos uma linha fixa de telefone.

São consideradas elegíveis para o sistema as linhas efetivamente residenciais e ativas, sendo realizadas até seis chamadas em dias e horários diferenciados para identificação das mesmas. Em cada domicílio são enumerados os indivíduos residentes com 18 anos ou mais para a realização do sorteio do indivíduo a ser entrevistado. As entrevistas são realizadas durante todos os meses do ano e dias da semana. Detalhes sobre a metodologia do inquérito estão disponíveis em publicações anteriores11,12.

O questionário do VIGITEL usualmente é composto por 94 questões, divididas em blocos: características demográficas e socioeconômicas, peso e altura referidos, padrão de alimentação e de atividade física, tabagismo e consumo de bebidas alcoólicas, autoavaliação do estado de saúde, prevenção de câncer e diagnóstico médico prévio de doenças como hipertensão arterial e diabetes.

Em 2010, foram adicionadas as seguintes perguntas referentes à SG e influenza pandêmica (H1N1) 2009: "Nos últimos 30 dias, o (a) senhor (a) apresentou algum sinal de gripe como coriza, febre, mal-estar geral, tosse ou dor de garganta?"; "E o(a) Sr(a) procurou o serviço de saúde?"; "O médico comentou se o(a) senhor(a) poderia estar com influenza A H1N1, também conhecida como gripe suína?" e "O médico passou (prescreveu) para o(a) Sr(a) algum medicamento específico chamado Tamiflu (Oseltamivir)? (Não considerar vitamina C, analgésicos, antitérmicos, descongestionantes etc.)"

Foram realizadas análises mensais da prevalência dos suspeitos de SG, isto é, indivíduos que referiram coriza, febre, mal-estar geral, tosse ou dor de garganta nos últimos 30 dias. A tendência foi estimada pelo modelo polinomial de ordens 1 (regressão linear) e 2.

Os dados foram ponderados com o peso de delineamento e o peso de pós-estratificação. O peso de delineamento foi construído da mesma forma que vem sendo elaborado no VIGITEL e consiste na multiplicação de dois fatores: o inverso do número de linhas telefônicas no domicílio do entrevistado, a fim de corrigir a maior probabilidade dos indivíduos residentes em domicílios com mais de uma linha telefônica em participarem da amostra; o número de adultos do domicílio, corrigindo assim, a menor chance que indivíduos dos domicílios com mais moradores tiveram em participar da amostra.

Para a pós-estratificação foram consideradas as características de sexo, idade e escolaridade da amostra e da população total das capitais brasileiras. Para isto, foram utilizados os dados populacionais atualizados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 200813. No total, foram construídos 24 estratos populacionais: homens e mulheres, nas faixas etárias de 18 a 29, 30 a 39, 40 a 59 e 60 anos ou mais, e com escolaridade de 0 a 8, 9 a 11 e 12 ou mais anos de estudo.

O valor atribuído a cada estrato foi calculado pela divisão da proporção da população segundo sexo, idade e escolaridade (PNAD) pela porcentagem da amostra do VIGITEL nas mesmas categorias de sexo, idade e escolaridade. Com relação a análises para o conjunto das capitais, considerou-se a probabilidade de sorteio da linha telefônica em cada capital. O peso final é o resultado da multiplicação de todos os fatores, dado pela fórmula:

Peso finalij = peso1j*peso2ij *peso3ij *pesoposij,

Sendo,

i: entrevista;

j: capital;

Peso1: 1/probabilidade de sorteio da linha telefônica para j-esima capital, este peso é necessário na análise do Brasil, pois consideram-se as diferentes probabilidades de sorteio;

Peso2: 1/número de linhas telefônicas na residência;

Peso3: número de adultos na residência.

Neste artigo, foram analisados os resultados das questões referentes à SG e influenza pandêmica (H1N1) 2009, no período entre 10 de janeiro a 30 de novembro de 2010. Foram calculados os percentuais ponderados, por mês, região do país e conjunto das capitais e Distrito Federal, o qual foi denominado como análise para o Brasil, e seus respectivos intervalos de confiança (IC95%).

No VIGITEL, o termo de consentimento livre e esclarecido foi substituído pelo consentimento verbal no momento do contato telefônico com o entrevistado. O estudo foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, sob parecer nº 749/2006.

Resultados

Durante janeiro a novembro de 2010, foram realizadas 47.876 entrevistas nas 26 capitais do Brasil e no Distrito Federal. A taxa de sucesso (entrevistas realizadas/total linhas elegíveis) neste período foi de 72,2%.

A prevalência de indivíduos com algum sinal de gripe nos 30 dias anteriores à entrevista, durante o período estudado, foi de 31,2% (n=15.248; IC95% 30,2-32,2) para o conjunto das capitais e o Distrito Federal. Entre os indivíduos entrevistados, o relato de sinal ou sintoma de gripe foi mais prevalente no sexo feminino (32,8%; IC95% 31,6-34,0) e entre indivíduos com escolaridade entre 9 a 11 anos de estudo (33,5%; IC95% 31,9-35,0). Os adultos jovens (18 a 29 anos) foram os que mais relataram SG (38,0%; IC95% 35,8-40,2), enquanto que, nos idosos (>60 anos), este relato foi menos frequente (21,2%; IC95% 19,4-23,2), como pode ser visto na Tabela 1.

Na análise por região, a maior prevalência dos SG foi na região Norte (36,8%; IC95% 35,3-38,3). As demais regiões apresentaram prevalências semelhantes, variando de 29,7% (IC95% 28,0-31,4), na região Sudeste, a 31,9% (IC95% 30,1-35,6), na região Sul (Tabela 1).

Na análise mensal, verificou-se tendência crescente com posterior decréscimo na proporção de indivíduos que referiram ter sinal de gripe em quase todas as regiões, com exceção do Nordeste que manteve tendência discreta de crescimento durante o ano. O período de elevação das ocorrências variou conforme a região. Os maiores percentuais de indivíduos que referiram sinal de gripe ocorreram: entre agosto e setembro, na região Nordeste; em maio na região Norte; em junho no Centro-oeste; entre maio a julho no Sudeste; e em junho e agosto na região Sul. Observa-se que, após os picos referidos anteriormente, as regiões apresentaram diferentes padrões de declínio, destacando-se as regiões Centro-oeste e Sudeste, as quais apresentaram um segundo pico em setembro (Figura 1a).


No conjunto das capitais e no Distrito Federal, 26,8% (IC95% 25,1-28,5%) das pessoas que adoeceram relataram ter procurado algum serviço de saúde. Esta procura apresentou picos em fevereiro (30,5%) e novembro (30,4%) e manteve a mesma tendência de adoecimento nas regiões Norte, Nordeste e Sul. Nas demais regiões, apesar do decréscimo na proporção de adoecimentos por gripe observada no ano, a busca pelo serviço de saúde apresentou tendência crescente (Figura 1b).

A suspeita médica de influenza pandêmica (H1N1) 2009 ocorreu em 2,6% (IC95% 1,8-3,4%) dos entrevistados que relataram ter procurado o serviço de saúde. A prescrição do Oseltamivir foi referida por 4,9% (IC95% 1,1-8,7%) entre as pessoas que procuraram serviço de saúde e tiveram suspeita de influenza pandêmica (H1N1) 2009 (n=118).

Discussão

O monitoramento realizado pelo VIGITEL mostrou que a SG atingiu aproximadamente um terço da população das capitais e do Distrito Federal, no período de janeiro a novembro de 2010. Entre os casos que referiram ter tido sintomas relacionados à SG, a maioria eram adultos jovens (18 a 29 anos). Aproximadamente um quarto dos casos procurou algum serviço de saúde por causa da gripe e, em menos de 3% destes casos, houve suspeita médica de influenza pandêmica (H1N1) 2009. Entre os casos com suspeita médica, uma pequena proporção referiu ter recebido a prescrição do antiviral recomendado pelo Ministério da Saúde para o tratamento da influenza pandêmica (H1N1) 2009.

Os inquéritos telefônicos, em especial, o Behavioral Risk Factors Surveillance System (BRFSS), têm sido utilizados nos Estados Unidos há vários anos para o monitoramento dos fatores de risco das doenças crônicas não-transmissíveis e, recentemente, vêm sendo utilizados no monitoramento de situações consideradas emergenciais, como na epidemia de pH1N1, com o objetivo de avaliar a cobertura vacinal, a efetividade e os efeitos adversos da vacina contra pH1N114-17. Esta estratégia possibilita o monitoramento dos dados populacionais, agilidade no diagnóstico das situações de risco, favorecendo a tomada de decisões em tempo real. No Brasil, esta estratégia foi iniciada em 2010 e mostrou-se eficiente, justificando a continuidade nos próximos anos.

Os dados epidemiológicos acerca da SG e da influenza na população brasileira eram escassos e, na sua maioria, restritos a uma população e a um local específico18-21. Esta foi a primeira vez que o Ministério da Saúde buscou conhecer a prevalência da SG no Brasil por meio de um inquérito telefônico. Os resultados preliminares do inquérito foram utilizados de forma oportuna e colaboraram com a vigilância da influenza, na medida em que forneceram informações não-captadas pelas bases de dados habitualmente utilizadas.

Os dados permitem estimar que uma parcela expressiva da população, que apresentou sintomatologia compatível, não procurou os serviços de saúde. Possivelmente, estes casos foram considerados leves pela população, não levando à procura pelo sistema de saúde. Esses casos não seriam captados pelo sistema tradicional de vigilância da influenza. Dessa forma, os dados deste inquérito possibilitam a formação de uma linha de base para estimar as tendências futuras da SG no país, apoiando a vigilância e a tomada de decisões.

É notória a utilidade das informações provenientes de inquéritos telefônicos para a vigilância da SG, principalmente devido ao modo de coleta mais ágil e eficiente do que os que são utilizados na rotina da vigilância6. A notificação dos casos de SG é a base do sistema nacional de vigilância sentinela, tanto no Brasil como em outros países. A vigilância da influenza, diferente de outros agravos, deve ser composta por um conjunto de estratégias; a adoção do inquérito telefônico aliado às demais permite ao gestor observar oportunamente o perfil da influenza ao longo do período sazonal nas diversas regiões do país, além do nível e duração da influenza circulante no período. No entanto, a carga da doença na população é difícil de ser estimada, pois depende de indivíduos suscetíveis ao vírus circulante no período, daqueles que procuram a assistência médica7 e ainda da notificação dos casos. É importante destacar que os vírus influenza apresentam pequenas mutações que lhes conferem a capacidade de infectar os mesmos indivíduos a cada novo ano, podendo tornar a situação diferente a cada estação. Por este motivo, a OMS realiza anualmente o monitoramento viral para composição das vacinas nos hemisférios Norte e Sul e o Brasil participa dessa iniciativa fornecendo informações sobre os vírus circulantes no país.

Durante a pandemia de influenza de 2009, o Ministério da Saúde divulgou regularmente informes epidemiológicos sobre sua situação. Os dados provenientes do Sinan online influenza, do sistema de vigilância sentinela e do inquérito telefônico, além do SIM e do SIH, foram analisados por semana epidemiológica e por região, permitindo uma avaliação periódica da situação e embasando a tomada de decisão.

No Brasil, a distribuição dos atendimentos por SG informada nas unidades sentinelas apresentou aumento no primeiro semestre, seguido de decréscimo no período posterior (dados da vigilância sentinela, não-publicados), semelhante ao que foi observado para o "relato de SG" neste inquérito telefônico.

A importância desta caracterização mais ampla se deve, principalmente, ao fato de o Brasil ter grande extensão territorial, com grande diversidade climática, variando do clima equatorial na região Norte até o subtropical no Sul do país22. Estudos anteriores evidenciaram que as regiões subtropicais e equatoriais apresentam distribuição sazonal da influenza. A análise dos dados do VIGITEL mostrou tendência sazonal diferenciada conforme a região: o aumento da doença na região Norte ocorreu aproximadamente dois meses antes (março/maio) do que nas regiões mais ao Sul22-26. Nesta época, na região Norte, ocorrem as chuvas e são os meses considerados mais frios nesta região. No Sudeste e Sul, a elevação das ocorrências coincidiu com os meses de inverno, com pico em maio e junho no Sudeste e junho e agosto, no Sul. Na região Centro-oeste, o pico ocorreu em junho, que também é o mês mais frio, e no Nordeste, entre julho e setembro, os meses mais chuvosos. Portanto, os meses com maior queda de temperatura regionalmente foram os de maior ocorrência da SG.

Entre os diversos vírus respiratórios, o da influenza é o de maior risco à população19. Entre março e junho de 2010, ocorreu uma extensa campanha de vacinação contra a influenza pandêmica (H1N1) 2009 no Brasil, a qual foi destinada aos trabalhadores de saúde, à população indígena, à população com doenças crônicas, às crianças de seis meses a dois anos, aos adultos jovens de 20 a 39 anos, às gestantes, além da campanha rotineira contra influenza sazonal, que ocorre anualmente em abril e é destinada à população acima de 60 anos. A campanha instituída pelo Ministério da Saúde atingiu 89.579.758 pessoas em 201027. O número de pessoas vacinadas, associado à baixa circulação do vírus pandêmico e à proporção desconhecida de imunização pelo vírus, durante o pico da pandemia em 2009, pode ter contribuído para as baixas prevalências verificadas, embora não existam dados anteriores na literatura brasileira para confirmar esta hipótese.

A menor prevalência de indivíduos com sintomas de gripe foi verificada na população idosa, a qual recebeu a vacina contra influenza sazonal e também a vacina contra influenza pandêmica (H1N1) 2009, quando apresentava alguma doença crônica.

A procura pelo serviço de saúde apresentou dois padrões distintos. Nas capitais do Sudeste e Centro-oeste, apesar do aumento no número de pessoas que referiram sinais de gripe, a procura foi menor. A grande veiculação na mídia sobre os sinais e sintomas de gripe e sobre os sinais de agravamento pode ter levado a uma menor procura por assistência médica nessas regiões, uma vez que estes indivíduos provavelmente apresentaram sinais e sintomas leves. Por outro lado, o aumento da procura por serviços, especialmente na região Sul, pode estar preliminarmente relacionada à maior preocupação das pessoas com os sintomas de gripe no período pós-pandemia, especialmente nas regiões onde as taxas de mortalidade foram mais elevadas em 20092. Dessa forma, são necessários estudos mais detalhados para entender os motivos pelos quais este fenômeno ocorreu.

Na extrapolação dos resultados provenientes do inquérito telefônico, deve-se levar em consideração que as estimativas do VIGITEL são representativas apenas para adultos residentes nas capitais do Brasil e Distrito Federal. A definição de "sinal de gripe" utilizada neste estudo foi mais sensível do que a definição de SG definida no guia de vigilância epidemiológica do Ministério da Saúde (febre acompanhada de tosse ou dor de garganta), o que pode ter superestimado a prevalência da doença. Além disso, não foi realizado diagnóstico etiológico para os casos de SG, o que pode ter introduzido um viés de classificação.

Conclusão

O VIGITEL foi instituído em 2006 como um sistema de monitoramento dos fatores de risco para DCNT. A inclusão de questões relativas a doenças transmissíveis no sistema mostrou seu potencial como ferramenta para a vigilância de influenza, sendo útil para estimar a prevalência da SG na população. Além disto, os resultados deste inquérito permitiram estimar o percentual de adultos com sinais de gripe que não procuram o serviço de saúde, os quais dificilmente seriam captados pelos sistemas de informação tradicionais de vigilância e assistência médica (ambulatorial e/ou hospitalar). A continuidade do módulo de influenza no VIGITEL, como uma estratégia complementar à vigilância de influenza do Brasil, por um período mínimo de cinco anos, permitirá ao país o estabelecimento de uma linha de base de casos de SG e contribuirá no planejamento das ações de prevenção e controle desta importante doença no Brasil.

Agradecimentos

Aos membros do grupo técnico da vigilância da influenza do Ministério da Saúde: Dionéia Garcia de Medeiro Guedes, Dirce Regina Simczak, Felipe Teixeira de Mello Freitas, Zênia Monteiro Guedes dos Santos, Fernanda de Oliveira Costa, Daiana Araújo da Silva e à coordenadora da unidade técnica de doenças respiratórias e imunopreveníveis, Márcia Lopes Carvalho. À Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (projeto IOC-002-LIV-10-2-1-36 - Vigilância e Resposta a Gripe Aviária) pelo apoio financeiro à vigilância da influenza. À equipe de processamento de dados e estatística da Expertise Inteligência e Pesquisa de Mercado Ltda., pelo suporte técnico na adaptação do sistema para análises sazonais e regionais dos resultados: Juliano Ribeiro Moreira e Simone de Lima Aguiar.

Trabalho realizado pela Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde - Brasília (DF), Brasil.

Fonte de financiamento: nenhuma.

Conflito de interesse: nada a declarar.

Recebido em: 05/01/2011

Versão final apresentada em: 11/02/2011

Aprovado em: 20/02/2011

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  • Correspondência:
    Líbia Roberta de Oliveira Souza
    Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis
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    Sala Unidade de Respiratórias e Imunopreveníveis
    CEP: 70304-000 - Brasília (DF)
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Out 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2011

    Histórico

    • Aceito
      20 Fev 2011
    • Revisado
      11 Fev 2011
    • Recebido
      05 Jan 2011
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