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Metas globais, epidemias locais: o desafio final da AIDS no Brasil?

O avanço da terapia antirretroviral permitiu cenários inéditos no enfrentamento da epidemia de AIDS. As Nações Unidas afirmam que é possível erradicá-la caso mais de 90% das pessoas vivendo com HIV/AIDS saibam do seu diagnóstico e estejam sob tratamento com sucesso, eliminando a transmissão1. Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic. Geneve: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; 2014. p. 33.. Esse cenário implica, no entanto, assegurar acesso universal à testagem e ao tratamento da doença e obter adesão continuada à terapia medicamentosa, associada a estratégias visando mudanças comportamentais, redução das doenças sexualmente transmissíveis (DST) e utilização do conjunto dos métodos preventivos existentes, que incluem as profilaxias antirretrovirais pré e p ós-exposição ao HIV, os preservativos masculinos e femininos e as práticas soroadaptativas. Como nunca, metas globais dependem da resposta combinada e articulada localmente.

Transcorridas três décadas, a AIDS no Brasil é uma epidemia urbana, principalmente em regiões metropolitanas de grandes cidades, como Belém, Recife, Rio de Janeiro, Florianópolis e Porto Alegre2. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico HIV/AIDS. Ano III. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.. Ainda que nos últimos anos tenham sido produzidos estudos epidemiológicos de abrangência nacional sobre a AIDS, estes nem sempre reúnem informações que podem ser desagregadas para os estados ou as regiões. Isso ganha maior relevância no caso do Rio Grande do Sul e do Amazonas, Estados que lideram as taxas de incidência no país. A ausência dessas informações em âmbitos regionais/locais impede a adequada caracterização dos respectivos contextos epidemiológicos, "mascarando" epidemias distintas, como em Porto Alegre, por exemplo, que talvez possa deixar de ser considerada "concentrada", passando a ser caracterizada como "generalizada" ou "mista".

Conhecer os diferentes contextos das epidemias de AIDS locais e regionais no Brasil é condição sine qua non não apenas para atingir metas globais, mas - principalmente - para identificar populações prioritárias que podem melhor se beneficiar de intervenções comportamentais e biomédicas que perfazem as diversas estratégias que têm sido propostas, como "testar e tratar", "tratamento como prevenção" e "prevenção combinada". A melhor compreensão da epidemia permite, ainda, o reconhecimento dos aspectos estruturais que estão na base da cadeia causal e aumentam o grau de vulnerabilidade de grupos sociais ao HIV; tanto que o enfrentamento dessas questões tem sido associado à melhora da resposta de intervenções comportamentais e à redução da incidência do HIV3. Gupta GR, Parkhurst JO, Ogden JA, Aggleton P, Mahal A. Structural approaches to HIV prevention. The Lancet 2008; 372(9640): 764-75..

Assim, urge a necessidade de estudos epidemiológicos que permitam caracterizar os aspectos temporais e geográficos das epidemias locais e os comportamentos que determinam a transmissão do HIV4. Mishra S, Sgaier SK, Thompson LH, Moses S, Ramesh BM, Alary M, et al. HIV epidemic appraisals for assisting in the design of effective prevention programmes: shifting the paradigm back to basics. PLoS One 2012; 7(3): e32324. nas regiões mais atingidas pela AIDS no país. Há diferentes contextos epidêmicos para a AIDS no Brasil que ne cessitam melhor caracterização, demandam diferentes estratégias de monitoramento epidemiológico e, consequentemente, estratégias distintas de enfrentamento. A resposta à epidemia em adensamentos populacionais como aqueles das regiões metropolitanas desafia a capacidade de resposta de esferas municipais e, por vezes, demanda articulações interfederativas mais intensas com os demais entes, como já está ocorrendo em alguns estados. Trata-se de desafio de grande complexidade para gestores, profissionais de saúde, pessoas vivendo com HIV/AIDS e demais atores na resposta à epidemia. Se, de um lado, nunca estivemos tão próximos de controlar a epidemia de AIDS em escala mundial, de outro, nunca foi tão necessário fortalecer as respostas locais, a partir de um amplo diálogo e da mobilização da sociedade.

REFERENCES

  • 1
    Joint United Nations Programme on HIV/AIDS. 90-90-90: an ambitious treatment target to help end the AIDS epidemic. Geneve: Joint United Nations Programme on HIV/AIDS; 2014. p. 33.
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico HIV/AIDS. Ano III. Brasília: Ministério da Saúde; 2014.
  • 3
    Gupta GR, Parkhurst JO, Ogden JA, Aggleton P, Mahal A. Structural approaches to HIV prevention. The Lancet 2008; 372(9640): 764-75.
  • 4
    Mishra S, Sgaier SK, Thompson LH, Moses S, Ramesh BM, Alary M, et al. HIV epidemic appraisals for assisting in the design of effective prevention programmes: shifting the paradigm back to basics. PLoS One 2012; 7(3): e32324.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015
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