INTRODUÇÃO
A anemia por deficiência de ferro é um dos distúrbios nutricionais mais graves e de grande relevância no mundo1, representando atualmente um problema de saúde pública que afeta países ricos e pobres2. A deficiência de ferro, quando prolongada, ocasiona a anemia ferropriva, que se instala em três estágios caracterizados pela depleção dos estoques de ferro, eritropoiese deficiente em ferro e anemia ferropriva com redução de níveis séricos de hemoglobina3.
Em decorrência da redução da concentração de hemoglobina sanguínea, há um comprometimento do transporte de oxigênio para os tecidos corporais, causando alterações no aspecto da pele e das mucosas, com consequente palidez, glossite, fadiga, fraqueza, palpitação, redução da função cognitiva e retardo no crescimento e no desenvolvimento psicomotor. Em todas as fases da vida, o sistema imunológico, o desempenho físico e o profissional são afetados negativamente, assim como há um aumento da morbidade e da mortalidade materna e fetal, além de risco de baixo peso ao nascer1.
Estima-se que 1,62 bilhões de pessoas no mundo possuem baixos níveis de hemoglobina. No grupo de mulheres adultas não grávidas, 30,2% apresentam anemia. A prevalência da condição nesse grupo populacional tem a significância classificada como grave na África (47,5%) e no Sudeste da Ásia (45,7%), moderada no Mediterrâneo Oriental (32,4%) e no Pacífico Ocidental (21,5%), e leve nas Américas (17,8%) e na Europa (19,0%)2. No Brasil, os dados nacionais mais recentes apontam 29,4% das mulheres em idade fértil com anemia, destacando-se os índices encontrados nas Regiões Nordeste (39,1%) e Sudeste (28,5%)4.
Osório5 relata que a anemia por carência de ferro decorre de múltiplos fatores que podem coexistir negativamente em um grupo de indivíduos: socioeconômicos, culturais, ambientais, dietéticos, fisiológicos, patológicos, nutricionais e biológicos. Dentre eles, estudos realizados com mulheres em idade fértil relatam uma associação estatisticamente significante entre a prevalência de anemia e a cor da pele negra4,6, o status socioeconômico desfavorável7,8 e a presença de um ou dois filhos, de 6 a 35 meses, anêmicos8. Outros fatores como o regime de ocupação da residência, a falta de tratamento do lixo, a ausência de assistência pré-natal e a distância do serviço de saúde foram estatisticamente relacionados com a presença de anemia no grupo de mulheres avaliadas9.
Este estudo teve como objetivo determinar a prevalência de anemia e seus fatores associados em mulheres em idade reprodutiva do município de Vitória de Santo Antão, Pernambuco, sendo importante para subsidiar a ampliação de estratégias de Educação Alimentar e Nutricional (EAN) e de promoção da alimentação adequada e saudável de modo a auxiliar no controle e na redução desse agravo10.
MÉTODOS
Estudo do tipo transversal analítico, realizado com mulheres em idade fértil, entre 12 e 49 anos, residentes no município de Vitória de Santo Antão, localizado na Zona da Mata Sul do estado de Pernambuco. A coleta de dados foi realizada no período de entre dezembro de 2012 a fevereiro de 2013, sendo as análises realizadas nos meses de março a abril de 2013., por meio de inquérito domiciliar, com questionário estruturado, aplicado por equipe técnica devidamente treinada.
No censo demográfico de 2010, a população de mulheres com idade entre 15 e 49 anos residentes na área urbana de Vitória de Santo Antão era de 33.36211. Para o dimensionamento amostral, foi considerada a prevalência de anemia em mulheres entre 10 e 49 anos do estado de Pernambuco (16,7%) obtida na III Pesquisa Estadual de Saúde e Nutrição12. Para o cálculo, consideraram-se intervalo de confiança de 95% (IC95%), erro amostral máximo em torno de 5% no valor previsto de 16,7% de prevalência da anemia e efeito de desenho de 1,3. Também foi considerado o acréscimo de 15% para possíveis perdas, totalizando um número mínimo de 320 mulheres, tendo sido avaliadas 322. Para o cálculo amostral, foi utilizado o programa StatCalc do software EPI-Info versão 6.04.
A base de dados foi composta pela listagem dos setores censitários (n = 102) feita pelo Censo Demográfico de 2010 para o município de Vitória de Santo Antão11. O plano amostral escolhido foi do tipo probabilístico e estratificado em dois estágios assim caracterizados:
Tanto os setores censitários quanto os domicílios foram selecionados por meio de sorteio sistemático. Caso houvesse mais de uma mulher em idade reprodutiva nos domicílios, realizava-se um terceiro sorteio.
Um total de 10 setores censitários foi escolhido para participar da pesquisa por meio de sorteio aleatório simples, considerando 10% dos setores da região. Os agentes comunitários das unidades de saúde pertencentes ao setor sorteado acompanharam a equipe de pesquisa identificando os domicílios sorteados. Nos casos em que não havia mulher em idade reprodutiva no domicílio, passava-se para o seguinte.
As mulheres foram selecionadas de acordo com os seguintes critérios de elegibilidade: faixa etária entre 15 e 49 anos (a partir da menarca até a menopausa) e residentes na zona urbana do município de Vitória de Santo Antão. Foram excluídas as mulheres: em menopausa ou gestantes; que estivessem amamentando exclusivamente; que já tivessem realizado histerectomia total; que não menstruam ou têm alguma limitação física que as impede de realizar a avaliação antropométrica.
A anemia ferropriva foi considerada variável dependente. Como variáveis independentes, foram considerados os fatores demográficos e socioeconômicos: idade, raça/cor, escolaridade, alfabetização, presença de crianças com idade < 5 anos no domicílio, regime de ocupação da residência, posse de bens e renda familiar per capita em salários mínimos.
As variáveis relacionadas às condições de moradia e de segurança alimentar e nutricional foram: número de pessoas residentes no domicílio, número de dormitórios, condição de saneamento básico e segurança alimentar e nutricional. As variáveis de saúde e antropométricas das mulheres foram: idade da menarca, passado de gestação e aborto, índice de massa corporal (IMC) e ferritina.
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado questionário padronizado, aplicado nos domicílios das mulheres que concordaram em participar do estudo. A coleta de dados foi realizada no período entre dezembro de 2012 e fevereiro de 2013, sendo as análises conduzidas nos meses de março a abril de 2013 pela equipe da pesquisa.
A coleta de sangue foi realizada em um segundo momento nas Unidades Básicas de Saúde. O diagnóstico de anemia foi feito com base na concentração de hemoglobina (Hb < 12 g/dL) para mulheres adultas não grávidas2, sendo seu valor determinado pelo método de cianometahemoglobina, utilizando-se o equipamento ABX Micros 60, do grupo Horiba. A depleção dos estoques de ferro foi determinada para a ferritina do grupo estudado (ferritina < 15 µg/L)13, sendo seus valores calculados pelo método de ensaio automatizado por quimioluminescência, utilizando-se o aparelho ADVIA Centaur CP, da Siemens.
O peso e a estatura foram mensurados em duplicata, sendo realizada uma terceira mensuração quando as duas medidas de peso diferiam em mais de 100 g e as de altura em mais de 0,5 cm. O peso corporal foi aferido por balança portátil digital eletrônica (Omron HBF 514C) com capacidade de 150 kg e escala de 100 g. As mulheres foram posicionadas no centro do equipamento com indumentária mínima, descalças, eretas, com os pés juntos e os braços estendidos ao longo do corpo. A altura foi determinada pelo estadiômetro portátil da marca Alturexata®, dotado de escala bilateral com campo de uso de 35 a 213 cm e graduação de 0,1 cm. As mulheres foram colocadas no centro do estadiômetro em posição ereta, descalças, com a cabeça livre de adereços, os braços estendidos ao longo do corpo e a cabeça erguida, olhando para um ponto fixo na altura dos olhos. Conforme recomendado, os calcanhares, o dorso e as nádegas ficaram em contato com a coluna de madeira e os ossos internos dos calcanhares se tocaram, bem como a parte interna de ambos os joelhos14.
Para a classificação do estado nutricional das mulheres maiores de 19 anos, foram utilizados os valores de IMC determinados pela relação peso em kg/altura em m ao quadrado, sendo adotados os limites de corte recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS)14.
Para a classificação do estado nutricional das mulheres menores de 19 anos, foi utilizado o software Anthro 2007. As adolescentes foram classificadas pelo índice de massa corporal por idade (IMC/I) expresso em escore Z. O padrão de referência usado para a classificação das medidas de peso e estatura foi o recomendado pela OMS e pelo Ministério da Saúde15.
Para o diagnóstico de segurança alimentar, utilizou-se o questionário da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA)11 que possui 15 perguntas, sendo que nos domicílios sem crianças e/ou adolescentes são feitas 9 perguntas. Cada resposta afirmativa do questionário corresponde a um ponto e a soma dos pontos corresponde à pontuação da escala. No presente estudo a classificação foi dada considerando a pontuação total da escala nos domicílios com menores de 18 anos, assim como aqueles que possuíam maiores de 18 anos: 0 (zero): segurança alimentar; ≥ 1: insegurança alimentar.
Para a criação do banco de dados, foram realizadas duas entradas utilizando o software Epi-Info 6.04, com a finalidade de checar a consistência e a validação da digitação. A anemia foi determinada pela frequência simples.
Para verificar a associação entre a anemia e as variáveis independentes, foi conduzida inicialmente uma análise bivariada para cada nível de determinação por meio da regressão de Poisson simples, realizada no programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 8.0. Em seguida, a regressão de Poisson com ajuste robusto da variância foi adotada para investigar a possível influência das variáveis explicativas sobre a prevalência da anemia. As associações que apresentaram p < 0,20 foram ajustadas com modelos de análise multivariada pela regressão de Poisson com ajuste robusto da variância por meio do programa Stata 7.0.
Esse procedimento foi realizado obedecendo a um processo de modelagem por níveis, sendo incluídas inicialmente as variáveis socioeconômicas e demográficas (alfabetização, posse de bens, regime de ocupação da residência, presença de crianças < 5 anos no domicílio, idade, raça/cor). No segundo nível foi introduzida a variável ferritina. Os resultados foram expressos por razões de prevalência (RP) brutas e ajustadas com IC95%. No modelo final, as variáveis com p ≤ 0,05 foram consideradas com significância estatística e as com p ≤ 0,10 com significância limítrofe.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, Resolução 196/96, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), CAAE nº 04216212.6.0000.5208. A coleta de dados foi iniciada somente após aceitação do sujeito da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), não havendo conflito de interesses, sendo que, para os participantes menores de 18 anos, os pais ou responsáveis assinavam o termo. Os casos diagnosticados de anemia foram encaminhados para tratamento em Unidades de Saúde da Família.
RESULTADOS
A amostra, composta de 322 mulheres entre 12 e 49 anos, apresentou idade média e desvio padrão (DP) de 31,1 ± 6,61 anos e prevalência de anemia de 18,6% (IC95% 14,7 - 23,3). No entanto, entre as 38 mulheres que apresentaram ferritina baixa, 20 eram anêmicas (IC95% 36,7 - 67,9).
As variáveis idade, raça/cor, presença de crianças com idade abaixo de cinco anos no domicílio e regime de ocupação da residência mostraram associação significativa com anemia (Tabela 1). No entanto, as variáveis alfabetização e posse de bens apresentaram associação limítrofe com o agravo (p < 0,20). Já a ferritina apresentou associação com a anemia (Tabela 2).
Tabela 1: Prevalência de anemia segundo condições demográficas, socioeconômicas, de moradia e situação de segurança alimentar de mulheres em idade reprodutiva no município de Vitória de Santo Antão, PE, 2013.
Variáveis | Total | Anêmicas | IC95% | Valor p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
n = 322 | % | n = 60 | % | |||
Idade (anos) | ||||||
≤ 19 | 191 | 59,3 | 25 | 13,1 | 8,9 - 18,7 | 0,004 |
20 - 40 | 77 | 23,9 | 18 | 23,4 | 15,2 - 34,2 | |
≥ 40 | 54 | 16,8 | 17 | 31,5 | 20,4 - 45,1 | |
Raça/cor | ||||||
Branca | 71 | 22,0 | 11 | 15,5 | 8,7 - 25,9 | 0,040 |
Parda | 220 | 68,3 | 38 | 17,3 | 12,8 - 22,8 | |
Negra | 31 | 9,6 | 11 | 35,5 | 20,6 - 53,8 | |
Escolaridade (anos de estudo) | ||||||
0 - 4 | 80 | 24,8 | 16 | 20,0 | 12,5 - 30,3 | 0,480 |
4 - 8 | 118 | 36,6 | 18 | 15,3 | 9,7 - 23,0 | |
> 8 | 124 | 38,5 | 26 | 21,0 | 14,6 - 29,0 | |
Alfabetização | ||||||
Sim | 275 | 86,2 | 47 | 17,1 | 13,1 - 22,0 | 0,160 |
Não | 44 | 13,8 | 12 | 27,3 | 16,0 - 42,4 | |
Presença de crianças com idade < 5 anos | ||||||
Sim | 213 | 66,1 | 48 | 22,5 | 17,4 - 28,7 | 0,020 |
Não | 109 | 33,9 | 12 | 11,0 | 0,6 - 18,5 | |
Regime de ocupação da residência | ||||||
Própria / própria em aquisição / alugada | 292 | 90,7 | 50 | 17,1 | 13,2 - 21,9 | 0,050 |
Cedida | 30 | 9,3 | 10 | 33,3 | 18,7 - 52,0 | |
Posse de bens# | ||||||
4 - 3 | 155 | 48,1 | 23 | 14,8 | 10,0 - 21,4 | 0,120 |
≤ 2 | 167 | 51,9 | 37 | 22,2 | 16,5 - 29,1 | |
Renda familiar per capita | ||||||
< 0,25 SM¤ | 168 | 53,7 | 30 | 17,9 | 12,7 - 24,4 | 0,910 |
≥ 0,25 a < 0,50 SM | 106 | 33,9 | 21 | 19,8 | 13,2 - 28,6 | |
≥ 0,50 SM | 39 | 12,5 | 7 | 17,9 | 0,9 - 33,4 | |
Número de pessoas por domicílio | ||||||
< 4 pessoas | 134 | 41,6 | 25 | 18,7 | 12,9 - 26,2 | 0,890 |
≥ 4 pessoas | 188 | 58,4 | 35 | 18,6 | 13,6 - 24,8 | |
Número de dormitórios | ||||||
1 - 3 cômodos | 232 | 72,0 | 40 | 17,2 | 12,8 - 22,7 | 0,380 |
≥ 3 cômodos | 90 | 28,0 | 20 | 22,2 | 14,7 - 32,0 | |
Condição de saneamento básico# | ||||||
Acesso a todas as condições | 244 | 75,8 | 48 | 19,7 | 15,1 - 25,2 | 0,490 |
Acesso a 2, 1 ou nenhuma | 78 | 24,2 | 12 | 15,4 | 0,9 - 25,3 | |
Segurança alimentar | ||||||
Sim | 177 | 55,0 | 31 | 17,5 | 12,6 - 23,9 | 0,670 |
Não | 145 | 45,0 | 29 | 20,0 | 14,2 - 27,4 |
#Posse de bens: televisão, rádio, máquina de lavar e computador; ¤SM: salário-mínimo; ¤Condição de saneamento básico: abastecimento de água, destino dos dejetos e do lixo.
Tabela 2: Prevalência de anemia segundo condições de saúde de mulheres em idade reprodutiva no município de Vitória de Santo Antão, PE, 2013.
Variáveis | Total | Anêmicas | IC95% | Valor p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
n = 322 | % | n = 60 | % | |||
Idade da menarca (anos) | ||||||
≤ 10 | 21 | 6,5 | 6 | 28,6 | 13,1 - 51,4 | 0,350 |
≥ 11 | 301 | 93,5 | 54 | 17,9 | 14,0 - 22,7 | |
Passado de gestação | ||||||
Sim | 248 | 77,0 | 42 | 16,9 | 12,7 - 22,1 | 0,200 |
Não | 74 | 23,0 | 18 | 24,3 | 15,8 - 35,5 | |
Passado de aborto | ||||||
Sim | 206 | 64,0 | 37 | 18,0 | 13,3 - 23,8 | 0,230 |
Não | 42 | 13,0 | 5 | 11,9 | 0,5 - 25,8 | |
Não engravidou | 74 | 23,0 | 18 | 24,3 | 15,8 - 35,0 | |
Índice de massa corporal | ||||||
Eutrofia | 126 | 39,1 | 26 | 20,6 | 14,4 - 28,6 | 0,550 |
Sobrepeso / obesidade | 196 | 60,9 | 34 | 17,3 | 12,6 - 23,3 | |
Ferritina | ||||||
Baixa (< 15 µg/L) | 38 | 11,8 | 20 | 52,6 | 36,7 - 67,9 | < 0,001 |
Normal (≥ 15 µg/L) | 284 | 88,2 | 40 | 14,1 | 10,5 - 18,6 |
As RP ajustadas por meio do modelo multivariável de regressão de Poisson mostraram que apenas as variáveis idade e ferritina tiveram associação com anemia (p ≤ 0,05). As variáveis posse de bens, regime de ocupação da residência e presença de crianças menores de cinco anos no domicílio apresentaram associação limítrofe (p ≤ 0,10) com o agravo (Tabela 3).
Tabela 3: Razão de prevalência para a anemia em mulheres em idade reprodutiva, segundo condições socioeconômicas e biológicas, no município de Vitória de Santo Antão, PE, 2013.
Variável | RP Bruto | RP Ajustado | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
RP | IC95% | Valor p | RP | IC95% | Valor p | |
Nível 1 | ||||||
Alfabetização | ||||||
Sim | 1 | 1 | ||||
Não | 1,59 | 0,84 - 3,00 | 0,150 | 1,87 | 0,92 - 3,79 | 0,080 |
Posse de bens | ||||||
4 - 3 | 1 | 1 | ||||
≤ 2 | 1,49 | 0,88 - 2,51 | 0,130 | 1,66 | 0,96 - 2,90 | 0,070 |
Regime de ocupação da residência | ||||||
Própria/ própria em aquisição/ alugada | 1 | 1 | ||||
Cedida | 1,94 | 0,98 - 3,83 | 0,054 | 1,70 | 0,88 - 3,30 | 0,090 |
Presença de crianças < 5 anos | ||||||
Sim | 1 | 1 | ||||
Não | 2,04 | 1,08 - 3,85 | 0,026 | 1,70 | 0,88 - 3,30 | 0,120 |
Idade (anos) | ||||||
≤ 19 | 2,40 | 1,29 - 4,45 | 0,005 | 2,36 | 1,24 - 4,52 | 0,009 |
20 a 40 | 1 | 1 | ||||
≥ 40 | 1,78 | 0,97 - 3,27 | 0,060 | 1,39 | 0,74 - 2,63 | 0,310 |
Cor | ||||||
Branca | 1 | 1 | ||||
Parda | 1,11 | 0,57 - 2,18 | 0,750 | 1,14 | 0,58 - 2,24 | 0,710 |
Negra | 2,29 | 0,99 - 5,28 | 0,050 | 1,52 | 0,61 - 3,77 | 0,370 |
Nível 2 | ||||||
Ferritina | ||||||
Normal (≥ 15 µg/L) | 1 | 1 | ||||
Baixa (< 15 µg/L) | 3,73 | 2,18 - 6,39 | 0,000 | 2,98 | 1,70 - 5,23 | < 0,001 |
RP: razão de prevalência; IC95%: intervalo de confiança de 95%; Nível 1: ajustado pelas variáveis do módulo 1.
DISCUSSÃO
O estudo das deficiências nutricionais na população feminina em idade fértil é relevante como problema de saúde pública, considerando que as mulheres estão entre os grupos mais vulneráveis ao desenvolvimento da anemia ferropriva por possuírem alta demanda de ferro decorrente de perdas menstruais regulares12.
A prevalência de anemia encontrada neste estudo (18,6%), segundo a OMS1, é considerada um problema de saúde pública de nível leve, equiparando-se, em termos de magnitude populacional, às prevalências evidenciadas pela OMS2 em mulheres com a mesma faixa etária nas Américas (17,8%) e na Europa (19,0%), e aproximando-se à do Pacífico Ocidental (21,5%).
Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher4 demonstram uma gravidade maior da prevalência de anemia tanto em nível nacional (29,4%) quanto na Região Nordeste (39,1%), em mulheres de idade reprodutiva, em comparação aos índices levantados pelo presente estudo. Porém, as prevalências nas Regiões Norte (19,3%) e Centro-Oeste (20,1%) indicadas por aquela pesquisa são mais próximas ao valor encontrado neste estudo.
Por outro lado, diversas referências apontam situações semelhantes àquelas apresentadas pela presente pesquisa. Estudo transversal realizado na zona urbana de Pelotas, Rio Grande do Sul, encontrou prevalência de anemia de 21,9% em mulheres com idade entre 20 e 69 anos7. Em São Leopoldo, Rio Grande do Sul, a prevalência de anemia entre as mulheres em idade reprodutiva foi de 21,4%16. Em Pernambuco, no último inquérito de âmbito estadual realizado com mulheres de 10 a 49 anos, verificou-se prevalência de 16,7% de anemia, sendo 14,3% no interior urbano e 21,2% na Região Metropolitana do Recife12, corroborando o verificado no município de Vitória de Santo Antão.
Em contrapartida, a prevalência de anemia levantada neste estudo foi menor do que a encontrada no primeiro Inquérito Nacional de Saúde e Nutrição dos Povos Indígenas, que indicou prevalência de 32,7% em mulheres indígenas não grávidas entre 14 e 49 anos em todo Brasil e 22,5% na Região Nordeste (22,5%), demonstrando nessa região resultados mais próximos ao levantado por este estudo17. Uma pesquisa realizada em Teresina, Piauí, com universitárias na faixa etária entre 18 e 45 anos encontrou 79,2% de prevalência de anemia18.
Tais achados merecem atenção, uma vez que a presença de anemia ferropriva em mulheres não grávidas reduz a qualidade de vida dessa população, com consequências à saúde como: redução na capacidade de trabalho, fadiga, sentimento de insegurança e irritabilidade19. Destaca-se também que as mulheres com diagnóstico de anemia podem se tornar gestantes anêmicas por possuírem reservas insuficientes de ferro20, o que implicaria maior probabilidade de mortalidade materna e perinatal21 e aumento do risco de prematuridade e baixo peso do bebê ao nascer1,19. Olivares e Walter22 relatam que, na gestação de mulheres anêmicas, há um risco 2,6 maior de parto prematuro e 3,1 vezes maior de baixo peso ao nascer.
Após o ajuste na análise multivariada, observou-se que as mulheres com idade até 19 anos apresentaram risco de desenvolver anemia 2,4 vezes maior do que aquelas entre 20 e 39 anos. A prevalência de anemia entre adolescentes encontrada no presente estudo (13,1%) foi menor do que a obtida em estudo realizado com crianças e adolescentes de 7 a 14 anos de idade na rede pública de ensino de Salvador, na Bahia (24,7%)23, como também em pesquisa feita com meninas adolescentes entre 10 e 18 anos na rede de ensino municipal de Balneário Camboriú, em Santa Catarina (31,1%)24. A prevalência mais baixa (7,3%) foi observada nas escolas públicas de ensino fundamental da periferia do município de Vespasiano, Minas Gerias, em que foram avaliadas 736 meninas entre 11 e 16 anos25.
O risco mais elevado de anemia entre as adolescentes no atual estudo pode ser justificado pelo fato de esse grupo específico estar na fase de estirão da puberdade, quando há aumento da necessidade de ingestão de ferro imposto pela expansão da massa celular e pelo crescimento dos tecidos, assim como pela perda menstrual, influenciando diretamente no metabolismo e na necessidade de ferro. Além disso, há ingestão inadequada de alimentos ricos em ferro, consequência de escolhas alimentares não saudáveis25. Portanto, a ingestão deficiente em ferro - associada às perdas menstruais e a outros fatores - pode acarretar maior risco de as adolescentes desenvolverem anemia ferropriva26.
As mulheres com valores baixos de ferritina (< 15 µg/L) apresentaram risco três vezes maior de possuir anemia do que aquelas com níveis normais. Porém, 67% das mulheres anêmicas deste estudo não possuíam ferropenia. Resultado semelhante foi observado por Bresani et al.27 em estudo realizado com gestantes, em que quase a metade da população foi classificada como anêmica sem ferropenia. Uma das hipóteses sugeridas pelos autores para justificar tais achados consiste em que a etiologia das anemias, em populações de baixos índices de desenvolvimento, seria mais diversificada, tendo como hipótese a presença de ferropenia, doenças crônicas, doenças endêmicas, hemoglobinopatias e diferenças raciais.
A ferritina é considerada, até o momento, um dos melhores marcadores para a avaliação dos estoques de ferro corporal13, sendo recomendada pela OMS28 como complemento à utilização de hemoglobina para o diagnóstico de anemia ou como parâmetro para diagnosticar a depleção dos estoques de ferro, conforme realizado neste estudo. No entanto, como a ferritina é uma proteína de resposta de fase aguda, a sua interpretação como normal pode ser falsa (quando há presença de inflamação e infecção, em que suas concentrações aumentam).
As variáveis alfabetização, posse de bens e regime de ocupação de residência refletem as condições socioeconômicas da população estudada e apresentaram associação limítrofe com a prevalência de anemia. As mulheres que possuíam poucos bens e residiam em domicílios cedidos tinham aproximadamente duas vezes mais chances de desenvolver anemia.
Estudos brasileiros referentes à investigação de fatores determinantes para a anemia ferropriva em mulheres de idade fértil revelam que condições socioeconômicas baixas6,7 são favoráveis para o agravamento das prevalências do agravo. Segundo Silva et al.9, dentre os fatores de risco que apresentaram significância para o desenvolvimento de anemia nas mulheres avaliadas, o tipo de ocupação da residência, a falta de coleta de lixo e a ausência de assistência pré-natal refletem as condições socioeconômicas desfavoráveis dessa população, corroborando os achados deste estudo. Um estudo realizado com mulheres indígenas do Suruí (da Terra Indígena Sete de Setembro, localizada entre os estados de Rondônia e Mato Grosso) corrobora o presente estudo, pois os níveis de hemoglobina apresentaram diminuição linear com a redução do status socioeconômico, aumentando a prevalência de anemia nesse grupo8. Shamah-Levy et al.29 também encontraram significância da variável condição socioeconômica após ajuste da multivariada com a anemia em mulheres mexicanas.
Embora a ocorrência de anemia ainda apresente relação dependente com a renda, a escolaridade, as baixas condições de moradia e outras situações socioeconômicas negativas, ela se distribui em todos os grupos sociais e blocos geoeconômicos1. A prevalência de anemia achada neste estudo para os grupos de mulheres que apresentavam segurança alimentar em seu domicílio (17,5%) se equipara à prevalência daquelas que possuíam insegurança alimentar (20%), apesar de essa categoria incluir todos os níveis de insegurança, desde leve até severa, tendo assim a tendência de não discriminar diferenças e assemelhar-se ao grupo que não apresenta insegurança alimentar. O estudo de Silva et al.18 ratifica que a anemia está presente em todos os grupos sociais, o que pode ser justificado pela provável ocorrência de consumo alimentar inadequado e de dietas com baixa biodisponibilidade de ferro.
Os resultados deste trabalho evidenciam a prevalência relevante da anemia, caracterizada como um problema de saúde pública, e uma consistente associação desse agravo com fatores biológicos como idade e valores de ferritina. Associações limítrofes também foram evidenciadas entre a anemia em mulheres de idade fértil do município de Vitória de Santo Antão e as variáveis estudadas: posse de bens, regime de ocupação da residência, presença de menores de cinco anos na família e idade da mulher.
Como limitação deste estudo, não é possível inferir relações de causalidade por se tratar de um estudo transversal, em que o desfecho e os fatores associados são analisados simultaneamente em um momento pontual, dificultando a determinação de relações de causa e efeito, que podem gerar o viés de causalidade reversa. Além disso, o uso de dados autorreferidos pode apresentar viés de informação; porém, pesquisas como as realizadas pelo sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) confirmam a validade dos dados adquiridos nessa perspectiva30.
CONCLUSÃO
A prevalência de anemia no grupo de mulheres estudado segue a tendência mundial dos países em desenvolvimento, justificando a adoção de medidas eficazes de prevenção e intervenção precoce e a definição de políticas e construção de ações programáticas, devidamente embasadas em dados da realidade, em níveis local e/ou regional.