INTRODUÇÃO
A sonolência diurna excessiva (SDE) é uma das principais consequências relacionadas aos distúrbios do sono1, sendo definida por predisposição aumentada ao sono, com necessidade subjetiva de dormir durante o dia2. A presença da SDE está associada a prejuízos no rendimento escolar e do trabalho, na aprendizagem, na interação social e na qualidade de vida1,3.
A SDE é comum na adolescência, com tendência ao aumento com o passar dos anos. Os adolescentes apresentam mudanças importantes no ciclo sono-vigília que incluem atraso na fase de sono, marcado pelo dormir e acordar mais tarde que, somados aos compromissos no início da manhã, contribuem para a ocorrência de SDE4. Durante a adolescência, a SDE pode causar mudanças de humor, mau desempenho escolar5, contribuir para o estresse e comprometer o funcionamento e a vitalidade6.
Em uma revisão sistemática com estudos de diferentes países, verificou-se que a prevalência de SDE nos adolescentes variou de 7,8 a 55,8%3. No estudo de Liu et al.6, realizado com crianças e adolescentes com idade entre 6 e 18 anos de Hong Kong, a prevalência de SDE foi de 29,2%. Entretanto, em estudo realizado em uma cidade do Sul do Brasil5, identificou-se a presença de SDE em 54,2% dos adolescentes avaliados, com idade de 14 a 19 anos. Essas diferenças observadas nas prevalências podem ser atribuídas aos diferentes instrumentos utilizados e às populações avaliadas3.
Estudos realizados sobre SDE em adolescentes têm verificado que diversos fatores estão associados a sua ocorrência: nível socioeconômico7, sexo5, fumo8, álcool9, drogas ilícitas10, consumo de cafeína11, bebidas energéticas12, atividade física13, composição corporal14, uso de dispositivos eletrônicos15, depressão1,16, além de fatores relacionados ao sono5,6.
Apesar de existirem muitas pesquisas sobre o tema, alguns desses estudos sugerem que outras pesquisas sejam realizas para elucidá-lo1,3,6,9,17, pois existem disparidades em relação às prevalências, aos instrumentos de análise utilizados e às populações pesquisadas7. Além disso, os fatores associados à SDE são bastante abrangentes, o que leva à necessidade de mais estudos sobre assunto, dada a complexidade dessa relação.
Desse modo, o presente estudo contemplou variáveis sobre os fatores relacionados às questões sociodemográficas e aos hábitos de vida e de sono, com a finalidade de aprofundar os conhecimentos sobre o tema e contribuir para a implementação de propostas de intervenção para atenuar a SDE em adolescentes. Diante dessa premissa, este estudo teve por objetivo estimar a prevalência de SDE e os fatores associados a ela em adolescentes da coorte de nascimento RPS - consórcio de coortes brasileiras de nascimento de Ribeirão Preto, Pelotas e São Luís - , em São Luís (MA), iniciada em 1997/1998.
MÉTODOS
DELINEAMENTO E AMOSTRA DO ESTUDO
Trata-se de estudo transversal oriundo de uma coorte de nascimentos com indivíduos nascidos na cidade de São Luís, em 1997/98. Essa coorte está incluída na pesquisa Determinantes ao longo do ciclo vital da obesidade, precursores de doenças crônicas, capital humano e saúde mental, desenvolvida pela Universidade Federal do Maranhão, pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (Universidade de São Paulo) e pela Universidade Federal de Pelotas. Em São Luís, os participantes dessa coorte foram avaliados em três fases da vida: no nascimento, na infância (7 a 9 anos) e na adolescência (18 e 19 anos). O presente estudo utilizou dados coletados somente na terceira fase da coorte de nascimentos da cidade de São Luís.
Na primeira fase, o estudo foi conduzido em dez hospitais da cidade, públicos e privados, de março de 1997 a fevereiro de 1998, e foram incluídos 2.542 nascimentos, que representam um terço dos nascidos na cidade de São Luís na época; a segunda fase foi realizada aos sete a nove anos de idade, em 2005/2006, totalizando amostra de 673 crianças. Na terceira fase do estudo foram estudados adolescentes aos 18 e 19 anos, em 2016. Todos os indivíduos incluídos na terceira fase do estudo foram buscados nas quatro juntas de alistamento militar da ilha de São Luís, no censo escolar de 2014 e em universidades. Os identificados como participantes da coorte foram convidados a comparecer ao seguimento, totalizando 684 participantes. Com o objetivo de aumentar o poder da amostra e de prevenir perdas futuras, a coorte foi aberta para incluir outros indivíduos nascidos em São Luís no ano de 1997, numa primeira etapa por meio de sorteio utilizando o banco do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos e numa segunda etapa incluindo voluntários identificados nas escolas e nas universidades. Eles foram submetidos aos mesmos testes e questionários que os demais participantes da terceira fase da coorte. O total da amostra foi de 2.515 adolescentes presentes na terceira fase do estudo. Para este estudo foram analisados dados de 2.514 adolescentes, após a exclusão de um indivíduo em decorrência da inconsistência dos dados.
COLETA E ORGANIZAÇÃO DE DADOS
Os dados foram coletados por pesquisadores treinados e foi realizado um estudo piloto. A SDE foi considerada a variável desfecho, sendo avaliada por meio do Epworth Sleepiness Scale (ESS). Essa escala foi validada no Brasil por Bertolazi et al.18. A ESS contém oito questões que apresentam situações de sonolência no dia a dia, e o indivíduo deve responder levando em conta a sua chance de adormecer. As respostas de cada questão variam de 0 a 3 pontos, assim, a ESS tem o total de 24 pontos. Neste estudo os escores de 0 a 8 foram considerados normais e os de 9 a 24 indicaram presença de SDE18,19,20.
As variáveis de exposição foram as referentes às características socioeconômicas e de hábitos de vida: sexo (masculino; feminino); cor da pele (branca; preta; parda/mulata/cabocla/morena); estuda ou trabalha (sim; não); classe econômica pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (A; B; C; D/E) segundo critérios da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa21; realizar atividade de lazer, considerando se o adolescente encontrou com amigos para conversar, jogar ou fazer outras atividades de lazer (sim; não); fumar (sim; não); risco de abuso de álcool, avaliado por meio do questionário Alcohol Use Disorder Identification Test, sendo classificado em baixo risco (0 a 7 pontos) e alto risco (8 a 40 pontos)22; uso de drogas (nunca usou; já usou ou usa atualmente); consumo de café (sim; não); consumo de bebidas energéticas (sim; não); tempo de tela mensurado pela exposição a televisão, videogame, celular, tablet e computador por horas/dias de semana, não considerando os finais de semana na avaliação por serem considerados dias atípicos23 (0 a 5 horas; mais que 5 horas); nível de atividade física, avaliado por meio do Inquérito de Atividade Física Recordatório de 24 horas, sendo elaborado por meio de uma adaptação do Self-Administered Physical Activity Checklist24. Para o cálculo do número de Equivalente Metabólico de Tarefas (MET, da sigla em inglês Metabolic Equivalent of Tasks) por semana, o tempo gasto com cada atividade foi multiplicado pelo MET da atividade e pelo número de dias que o adolescente praticou aquela atividade. Os METs para cada atividade foram consultados no Compêndio de Atividades Físicas25. A classificação do nível de atividade física deu-se em insuficientemente ativo (< 150 minutos de intensidade moderada de atividade física aeróbica por semana ou < 75 minutos de intensidade vigorosa de atividade física aeróbica por semana) e ativo fisicamente (≥ 150 minutos de intensidade moderada de atividade física aeróbica por semana ou ≥ 75 minutos de intensidade vigorosa de atividade física aeróbica por semana)26; a adiposidade corporal foi avaliada pelo método da pletismografia por deslocamento de ar com utilização do aparelho Bod Pod® Gold Standard, da marca Cosmed, e classificada segundo critérios de Williams et al.27 em normal (< 25% para adolescentes do sexo masculino e < 30% para adolescentes do sexo feminino) e alto (≥ 25% para adolescentes do sexo masculino e ≥ 30% para adolescentes do sexo feminino); o episódio depressivo maior atual foi avaliado por meio do Mini International Neuropsychiatric Interview28.
As variáveis de exposição relacionadas ao sono foram avaliadas por meio do Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (IQSP). O IQSP foi elaborado por Buysse et al.29 e possui informações quantitativas e qualitativas sobre o sono do último mês. No Brasil, esse instrumento foi traduzido e validado por Bertolazi19, e sua versão para adolescentes foi validada por Passos et al.30. O IQSP consiste em 19 questões autoadministradas e avalia qualidade subjetiva do sono (muito boa; boa; ruim; muito ruim), latência para o sono (0; 1 a 2; 3 a 4; 5 a 6), duração do sono (maior que 7 horas; 6 a 6,9; 5 a 5,9; menor que 5 horas), eficiência habitual do sono (< 85%; 84 a 75%; 74 a 65 %; < 65%), transtornos do sono (0; 1 a 9; 10 a 18; 19 a 27), uso de medicamentos para dormir (nenhuma vez; menos de 1 vez por semana; uma ou duas vezes por semana; 3 vezes ou mais por semana) e disfunção durante o dia (0; 1 a 2; 3 a 4; 5 a 7)18,19.
PROCESSAMENTO E ANÁLISE ESTATÍSTICA DE DADOS
Os dados foram coletados on-line pelo programa Research Electronic Data Capture.
A análise estatística foi feita no programa Stata 14.0 (Stata Corporation, College Station, Texas, Estados Unidos). Inicialmente foi realizada a análise descritiva e posteriormente foi feita a análise univariável utilizando-se a regressão de Poisson com ajuste para variância robusta; foram estimadas as razões de prevalências não ajustadas e o intervalo de confiança de 95% (IC95%). Em seguida, procedeu-se à análise multivariável por meio da regressão de Poisson, utilizando-se abordagem hierarquizada.
Para selecionar as variáveis que permaneceriam no modelo, foram dispostas as variáveis de exposição em três grupos. As variáveis relacionadas às características sociodemográficas foram analisadas no nível distal, as variáveis referentes aos hábitos de vida ficaram no nível intermediário, e as variáveis relacionadas ao sono foram inseridas no nível proximal (Figura 1). Primeiramente, foram inseridos no modelo somente as variáveis do nível distal e o desfecho, permanecendo apenas as variáveis com p ≤ 0,10. Logo após foram incluídas as variáveis intermediárias, permanecendo no modelo as que possuíam p ≤ 0,10, ajustadas para as variáveis do nível anterior. O mesmo foi repetido com o nível proximal. O nível de significância de 5% foi adotado para rejeição das hipóteses nulas.
ASPECTOS ÉTICOS
O estudo atendeu aos critérios da Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), e da Norma Operacional CNS nº 001/2013. Os adolescentes que concordaram em participar da pesquisa assinaram Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi facultada a desistência sem qualquer prejuízo para o entrevistado, em qualquer etapa da pesquisa. O projeto e o TCLE foram aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário, parecer consubstanciado nº 1.302.489, de 29 de outubro de 2015.
RESULTADOS
A maioria dos adolescentes era do sexo feminino (52,4%), parda/mulata /morena (63,6%), trabalhava ou estudava (82,9%), pertencia à classe econômica B (47,7%), realizava atividades de lazer (82,8%), não fumava (91,2%), apresentava baixo risco de abuso de álcool (80,3%), nunca usou drogas (82,2%), consumia café (78,5%), não consumia bebidas energéticas (76,0%), apresentou tempo de tela de até cinco horas diárias (65,8%), era ativa fisicamente (61,7%), tinha gordura corporal normal (72,5%) e não tinha episódio depressivo maior atual (90,1%).
Em relação ao sono, 36,8% dos adolescentes tiveram SDE, e a maior parte obteve boa qualidade subjetiva do sono (66,3%), período de latência do sono de 16 a 30 minutos (39,3%), duração do sono maior que sete horas (46,0%), eficiência do sono maior que 85% (66,8%), escore de 1 a 9 para alterações do sono (70,7%), nunca utilizou medicação para dormir (96,5%) e obteve escore de 1 a 2 para disfunção durante o dia (47,4%).
Na análise univariada, as maiores prevalências de SDE ocorreram entre adolescentes do sexo feminino (RP = 1,29; IC95% 1,16 - 1,43), aqueles que apresentaram alto risco de abuso de álcool (RP = 1,28; IC95% 1,15 - 1,44), os que consumiam bebidas energéticas (RP = 1,14; IC95% 1,02 - 1,28), os ativos fisicamente (RP = 1,13; IC95% 1,01 - 1,26) e os que apresentavam episódio depressivo maior atual (RP = 1,35; IC95% 1,17 - 1,55). A classe econômica D/E foi fator de proteção para a SDE (RP = 0,48; IC95% 0,27 - 0,87). Dos fatores relacionados ao sono, as maiores prevalências de SDE ocorreram para qualidade subjetiva do sono muito ruim (RP = 1,40; IC95% 1,09 - 1,80), latência do sono > 60 minutos (RP = 1,10; IC95% 0,91 - 1,34), escore de 10 a 18 das alterações do sono (RP = 1,68; IC95% 1,32 - 2,14), uso de medicação para dormir em uma ou duas vezes por semana (RP = 1,54; IC95% 1,17 - 2,03) e escore de 5 a 7 da disfunção durante o dia (RP = 2,62; IC95% 2,18 - 3,14).
Na análise ajustada as associações mantiveram-se com maiores prevalências de SDE apenas para o sexo feminino (RP = 1,33; IC95% 1,19 - 1,49), adolescentes com alto risco de consumo de álcool (RP = 1,26; IC95% 1,09 - 1,46), com episódio depressivo maior atual (RP = 1,26; IC95% 1,08 - 1,46) e os que obtiveram escore de 10 a 18 de alterações do sono (RP = 1,43; IC95% 1,10 - 1,85) e de 5 a 7 da disfunção durante o dia (RP = 2,51; IC95% 2,06 - 3,07). E a classe econômica D/E foi fator de proteção para a SDE (RP = 0,47; IC95% 0,27 - 0,85) (Tabela 1).
Tabela 1. Análise ajustada dos fatores associados à sonolência diurna excessiva em adolescentes, São Luís (MA), 2016.
Variáveis | RP ajustado | IC95% | p |
---|---|---|---|
BLOCO 1 | |||
Sexo | |||
Masculino | 1,00 | - | < 0,001 |
Feminino | 1,33 | 1,19 - 1,49 | |
Classe econômica* | |||
A | 1,00 | - | < 0,001 |
B | 0,72 | 0,61 - 0,86 | |
C | 0,68 | 0,57 - 0,81 | |
D/E | 0,47 | 0,27 - 0,85 | |
BLOCO 2 | |||
Risco de consumo de álcool | |||
Baixo | 1,00 | - | 0,001 |
Alto | 1,26 | 1,09 - 1,46 | |
Episódio depressivo maior atual | |||
Não | 1,00 | - | 0,004 |
Sim | 1,26 | 1,08 - 1,46 | |
BLOCO 3 | |||
Alterações do sono | |||
0 | 1,00 | - | 0,018 |
1 a 9 | 1,22 | 0,96 - 1,55 | |
10 a 18 | 1,43 | 1,10 - 1,85 | |
19 a 20 | 1,12 | 0,56 - 2,25 | |
Disfunção do sono durante o dia | |||
1 a 2 | 1,00 | - | < 0,001 |
0 | 1,46 | 1,25 - 1,70 | |
3 a 4 | 1,89 | 1,59 - 2,24 | |
5 a 7 | 2,51 | 2,06 - 3,07 |
RP: razão de prevalências; IC95%: intervalo de confiança de 95%; *classe econômica (n = 2.229).
DISCUSSÃO
No presente estudo foram estimados a prevalência e os fatores associados à SDE em adolescentes de São Luís. Os principais achados foram que ser do sexo feminino, ter alto risco de consumo de bebidas alcoólicas, apresentar episódio depressivo maior atual, ter alterações do sono e disfunção diurna do sono foram fatores de risco para a SDE, enquanto pertencer à classe econômica D/E foi fator de proteção.
A maior prevalência de SDE no sexo feminino encontrada neste estudo corrobora os resultados encontrados na literatura, que evidenciam que os adolescentes do sexo feminino possuem maior predisposição a apresentar índices mais elevados para os problemas relacionados ao sono6,7,9. Esse predomínio no sexo feminino pode estar relacionado com a velocidade de maturação cerebral, que ocorre de forma mais rápida entre as mulheres5. Em virtude disso, o efeito do aumento dos hormônios gonadais no sono, no humor e no relógio circadiano pode ter impacto direto ou indireto na apresentação da SDE6.
Verificou-se também que a classe econômica D/E foi fator de proteção para a SDE. Estudo realizado em Hong Kong com 10.086 adolescentes, utilizando a ESS como instrumento, não encontrou associação entre a renda e a SDE6. No entanto, em um estudo realizado no Brasil por Vilela et al.17 com 515 adolescentes de escolas públicas e particulares, observou-se que a prevalência de SDE se apresentou mais elevada em alunos de escolas particulares, a maioria desses alunos pertencendo a classes econômicas mais favorecidas. Essa associação pode ser explicada pelo fato de essas classes possuírem mais obrigações sociais e cobranças escolares, o que pode contribuir para a ocorrência de SDE.
Os resultados também mostraram maior prevalência de SDE entre os adolescentes que se encontravam em risco para o consumo de álcool. Um estudo realizado no Brasil, em Campo Grande (MS) em 2007, com 378 adolescentes que também utilizaram a escala de ESS, verificou-se que 63,9% dos estudantes que consomem álcool esporadicamente apresentam SDE31. Em estudo conduzido por Kaur e Singh9 com estudantes indianos, evidenciou-se que os escores médios de SDE foram mais elevados nos jovens que consumiam bebidas alcoólicas. Essa maior predisposição à SDE ocorre em decorrência de o álcool possuir propriedades sedativas e hipnóticas que, embora sejam utilizadas para induzir o sono, leva a sua fragmentação, alteração e à piora da sua qualidade32,33.
Outro aspecto observado foi a existência de associação entre a presença de episódio depressivo maior e SDE. Na depressão ocorrem alterações no sono de movimento rápido dos olhos (REM, da sigla em inglês rapid eye movement) relacionadas ao desarranjo dos mecanismos de interação neuroquímica, principalmente da interação colinérgica e adrenérgica. Com a perda do sono não REM, ocorre fadiga cerebral, resultante no cansaço subjetivo e na SDE16.
Em relação aos fatores relacionados ao sono, a literatura aponta a alta prevalência de SDE na adolescência em decorrência das alterações fisiológicas da puberdade que interferem no ciclo circadiano3,6 e que causam problemas relacionados ao sono, os quais estão fortemente relacionados com a presença de SDE3,4,5,34. Por conseguinte, ao se analisar fatores relacionados à SDE, torna-se imprescindível abordar esses fatores para poder explicar suas causas, apesar do risco da existência de colinearidade entre os fatores relacionados ao sono abordados neste estudo e a SDE. Convém ressaltar que extraímos as variáveis relacionadas ao sono da escala de Pittsburgh, que é uma escala validada para adolescentes no Brasil por Passos et al.30 e, sendo assim, consegue comtemplar fatores associados à SDE que são inerentes à fase da adolescência.
Dos fatores analisados, dois apresentaram maiores prevalências para SDE. Entre eles as alterações do sono e a disfunção durante o dia. As alterações do sono relacionam-se aos motivos de interrupções do sono que ocorrem durante a noite7, como acordar para ir ao banheiro, sentir dores e frio durante o sono, entre outros. Já a disfunção diurna é inerente à SDE e aos distúrbios do sono34. No entanto, na disfunção diurna, além de comportamentos sonolentos durante o dia, também são avaliados aspectos motivacionais nas atividades diárias relacionadas ao sono. Desse modo, esses aspectos relacionados ao sono também podem influenciar na presença de SDE7.
Entre os problemas que causam alterações do sono, estão: hiperidrose do sono, débito do sono, síndrome da apneia obstrutiva do sono, higiene do sono inadequada, hiperinsônia idiopática, síndrome das pernas inquietas, transtorno do movimento periódico do sono e distúrbios do ritmo circadiano1,9,17. Esses distúrbios impedem a manutenção do sono restaurador e contribuem para o surgimento da SDE.
A literatura aponta outros fatores que podem interferir no sono dos adolescentes, tais como consumo de cafeína35, uso de drogas6, sedentarismo20, elevada adiposidade corporal14, consumo de bebidas energéticas2,35 e uso de objetos eletrônicos2,9,17. No entanto, no presente estudo, esses fatores não foram associados à SDE. Esse fato pode ter ocorrido em decorrência da baixa exposição a alguns fatores de risco neste estudo, a exemplo dos menores percentuais de uso de drogas10, alta adiposidade corporal14, consumo de bebidas energéticas35, sedentarismo13 e uso de objetos eletrônicos quando comparado a outros trabalhos ou por de fato não haver associação entre essas características e a SDE. Verificou-se quantidade considerável de adolescentes que consumiam café, mas o fato de não termos encontrado associação pode se dever a outros hábitos de vida que poderiam atenuar a ocorrência de SDE nesses adolescentes.
Convém pontuar que foi utilizada a variável SDE como desfecho em virtude da alta prevalência da SDE na adolescência3,4 e de suas manifestações terem impactos mais rápidos e notórios nas atividades cotidianas do que as demais variáveis do sono, como qualidade subjetiva do sono, latência, entre outras, que têm efeitos preocupantes, mas que possuem repercussões mais tardiamente no organismo dos indivíduos. Ademais, observou-se que nas análises univariadas obteve-se número maior de variáveis associadas, principalmente em relação às variáveis relacionadas ao sono, entretanto, quando foi realizada a abordagem hierarquizada, ocorreu perda da associação entre algumas variáveis. Tal fato pode ser explicado pois as variáveis expositoras podem apresentar interferências entre si, que podem influenciar a variável desfecho. Dessa maneira, é possível ocorrer alterações nas associações quando analisadas de forma conjunta.
O ponto forte deste estudo é a utilização de escala validada para SDE. Outro fator importante é que o estudo teve grande amostra oriunda de um estudo de coorte. No entanto, apresenta algumas limitações. Uma delas é o fato de a escala ESS não apresentar conteúdos específicos voltados para adolescentes. Ademais, há a possibilidade de existir causalidade reversa, embora as elucidações da associação causa e efeito não tenham sido analisadas em virtude de a coleta de dados ser do tipo transversal de as condições temporais não poderem ser controladas, pois não ocorreu a supervisão longitudinal dos sujeitos. Desse modo, pode haver alterações dos resultados em decorrência desses fatores.
O conhecimento dos fatores associados à SDE na adolescência, como condições socioeconômicas, hábitos de vida e fatores relacionados ao sono, são relevantes principalmente para auxiliar na formulação de políticas voltadas para saúde da criança e do adolescente, já que nesse período a saúde destes está estreitamente relacionada ao aprendizado, ao processo de formação acadêmica, cultural e a fatores relacionados aos hábitos comportamentais que serão levados para a vida adulta, comprometendo a qualidade de vida futura9,17,36,37.
CONCLUSÃO
A SDE é um achado presente em boa parte dos adolescentes avaliados, e sua ocorrência foi associada ao sexo feminino, ao consumo de bebidas alcoólicas e energéticas, à depressão e a alterações do sono e disfunção do sono durante o dia. A classe econômica D/E apresentou fator de proteção para SDE. Assim, esses adolescentes precisam melhorar hábitos de vida e de sono para que evitem prejuízos para sua saúde. Portanto, faz-se necessária a participação das escolas e das famílias para orientação sobre a importância dos hábitos de higiene do sono, a fim de reduzir a SDE para melhoria da qualidade de vida dos adolescentes. Diante desses resultados, sugere-se que novos estudos sejam realizados, principalmente estudos longitudinais, para confirmar as associações supracitadas e elucidar a relação da causalidade reversa.