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Condições de vida, soro prevalência e sintomas de COVID-19 em favelas na Região Metropolitana de Vitória (Espírito Santo)

RESUMO:

Objetivo:

Estimar prevalência de infecção pelo SARS-CoV-2 em residentes na região da Grande Vitória, moradores de aglomerados subnormais e não subnormais, e comparar características sociodemográficas e clínicas dos residentes totais (infectados e não infectados com o SARS-CoV-2), entre esses aglomerados.

Métodos:

Estudo de prevalência de base populacional, por meio de teste sorológico realizado em 2020, com unidade de estudo em domicílios da Grande Vitória, agrupados em setores censitários classificados como aglomerados subnormais e aglomerados não subnormais. Os dois grupos foram comparados quanto à prevalência e aos fatores associados. O nível de significância adotado foi de 5%.

Resultados:

A prevalência encontrada em não aglomerados subnormais foi 12,05% (IC95% 9,59–14,50) e no grupo aglomerados não subnormais foi 10,23% (IC95% 7,97–12,50), e essa diferença não foi estatisticamente significante (p = 0,273). Comparando-se as características sociodemográficas, encontraram-se nos aglomerados subnormais mais pessoas que se autodeclaram da raça/cor parda, percentual maior de analfabetos e de pessoas apenas com ensino fundamental, maior número de moradores por domicílio, maior permanência em transporte coletivo, compartilhamento de banheiro com outro domicílio, menos dormitórios por residência e maior frequência de abastecimento irregular de água quando comparado aos aglomerados não subnormais (p<0,05).

Conclusões:

As características epidemiológicas dos moradores de aglomerados subnormais evidenciam as desigualdades sociais que podem dificultar as medidas de controle em uma situação de pandemia.

Palavras-chave:
Covid-19; Prevalência; Habitação; Distribuição espacial da população

ABSTRACT:

Objectives:

to estimate the prevalence of SARS-CoV-2 infection in residents of the Greater Vitória region living in subnormal and non-subnormal agglomerates, and to compare sociodemographic and clinical characteristics of total residents (infected and not infected with SARS-CoV-2) between them.

Methods:

Population-based prevalence study conducted by serological testing in 2020, with a study unit in households in Greater Vitória, grouped into census tracts classified as sub-normal agglomerates and non-sub-normal agglomerates. The two groups were compared in terms of prevalence and associated factors. The significance level adopted was 5%.

Results:

The prevalence found in the sub-normal clusters was 12.05% (95%CI 9.59–14.50), and in the non-sub-normal clusters 10.23% (95%CI 7.97–12.50) this difference was not statistically significant (p = 0.273). Comparing the sociodemographic characteristics, more people who declare themselves to be of mixed race were found in the sub-normal clusters, a higher percentage of illiterates and people with only elementary education, greater number of residents per household, longer stay in public transportation, sharing a bathroom with another household, fewer bedrooms per residence and higher frequency of irregular water supply when compared to non-sub-normal clusters (p < 0.05).

Conclusions:

The epidemiological characteristics of sub-normal clusters’ residents show the social inequalities that can hinder control measures in a pandemic situation.

Keywords:
Coronavirus infections; Prevalence; Housing; Demography

INTRODUÇÃO

O novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2, causador da doença COVID-19, foi descoberto em 31 de dezembro de 2019, pela investigação de casos de pneumonia diagnosticados em Wuhan, na China. A doença espalhou-se rapidamente pelo mundo, sendo declarada, em 30 de janeiro de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como epidemia de emergência internacional (PHEIC)11 World Health Organization. IHR procedures concerning public health emergencies of international concern (PHEIC). Geneva: World Health Organization; 2005 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/en/
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. No dia 11 de março desse ano, a OMS declarou haver uma pandemia de COVID-19. Em 12 de julho de 2020, em nível global, o número de casos confirmados já passava de 12.552.765 e o de mortes de 561.61711 World Health Organization. IHR procedures concerning public health emergencies of international concern (PHEIC). Geneva: World Health Organization; 2005 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: http://www.who.int/ihr/procedures/pheic/en/
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,22 World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19) Pandemic. Geneva: World Health Organization; 2019. [accessed on Jun 28, 2020]. Available at: https://www.who.int/emergencies/diseases/novel-coronavirus-2019
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. No Brasil, o primeiro caso confirmou-se no dia 26 de fevereiro de 2020. Até 12 de julho de 2020, registraram-se 1.800.827 casos e 70.398 mortes33 World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard. Geneva: World Health Organization; 2020. [accessed on Jun 28, 2020]. Available at: https://covid19.who.int/
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.

Em se tratando de doenças transmissíveis e contagiosas envolvendo gotículas ou aerossóis, as situações que permitam maior proximidade física, como aquelas em habitações com espaço reduzido ou outras condições de vulnerabilidade socioeconômica, facilitam a propagação dessas doenças44 Snyder RE, Marlow MA, Phuphanich ME, Riley LW, Maciel ELN. Risk factors for differential outcome following directly observed treatment (DOT) of slum and non-slum tuberculosis patients: a retrospective cohort study. BMC Infect Dis 2016; 16: 494. https://doi.org/10.1186/s12879-016-1835-1
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88 Sampaio PB, Bertolde AI, Maciel EL, Zandonade E. Spatial distribution of leprosy in Brazil: a literature review [Internet]. Rev Soc Bras Med Trop 2017; 50 (4): 439-49. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0170-2016
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. Na COVID-19, esta transmissão por via área, semelhante a outras doenças infecciosas como tuberculose, hanseníase, entre outras, é possível ainda pelo contato com superfícies contaminadas pelo vírus99 Brasil. Secretaria de Vigilância em Saúde. Ministério da Saúde. Infecção humana pelo novo coronavírus (2019-nCoV). 2021[accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://coronavirus.saude.gov.br/
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.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por meio de análises geográficas, classifica recortes territoriais segundo critérios sociais, econômicos e ambientais, agregando áreas com características semelhantes. Fazem parte dessa classificação os aglomerados subnormais (AGSN), que são formas de ocupação irregular de terrenos de propriedade alheia (públicos ou privados) para fins de habitação em áreas urbanas e, em geral, caracterizados por um padrão urbanístico irregular, carência de serviços públicos essenciais e localização em áreas que apresentam restrições à ocupação. Os AGSN podem contribuir para a disseminação da COVID-19, seja por suas características estruturais e urbanísticas, seja pelas condições socioeconômicas de seus moradores1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Nota Técnica 01/2020: Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Rio de Janeiro; 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf
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. Para este artigo, padronizou-se o uso do termo AGSN em razão da sua definição pelo IBGE mencionada.

Os AGSN são constituídos de populações submetidas a maior exposição e vulnerabilidade, apresentando domicílios onde predominam como características a alta densidade de habitantes, as precárias condições de iluminação e ventilação e o acesso restrito a condições de saneamento (água tratada, esgotamento sanitário, coleta de lixo), o que é evidenciado também pelos resultados deste inquérito sorológico. No Brasil, esses assentamentos irregulares são conhecidos por diversos nomes, como favelas, invasões, grotas, baixadas, comunidades, vilas, ressacas, loteamentos irregulares, mocambos e palafitas, entre outros1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Nota Técnica 01/2020: Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Rio de Janeiro; 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf
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Estimar a magnitude da doença em estudos de base populacional e produzir indicadores de saúde que possam guiar políticas públicas mais focadas segundo a situação epidemiológica é uma das missões da epidemiologia. A análise da maior vulnerabilidade social e de suas possíveis consequências para os serviços de saúde no contexto da COVID-19, considerando-se as características socioeconômicas e o perfil epidemiológico da população, pode contribuir para o estabelecimento dessas políticas públicas. Nesse sentido, este estudo tem como objetivos:

  1. Estimar a prevalência de infecção pelo SARS-CoV-2 em residentes na região da Grande Vitória, moradores de AGSN e aglomerados não subnormais (AGNSN);

  2. Comparar características sociodemográficas e clínicas dos residentes totais (infectados e não infectados com o SARS-CoV-2), entre esses aglomerados.

MÉTODOS

Trata-se de estudo transversal, de prevalência de infecção pelo SARS-CoV-2 de base populacional, realizado entre 22 e 26 de junho de 2020, tendo como unidade de estudo domicílios da Grande Vitória, agrupados em setores censitários classificados em AGSN e AGNSN. Posteriormente, realizou-se um estudo comparativo entre as duas populações. O delineamento de estudo foi baseado no protocolo proposto pela OMS1111 World Health Organization. Population-based age-stratified seroepidemiological investigation protocol for COVID-19 virus infection, 17 March 2020. Geneva: World Health Organization; 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/331656/WHO-2019-nCoV-Seroepidemiology-2020.1-eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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Este estudo foi realizado na Região Metropolitana do Espírito Santo (ES), de acordo com a divisão do estado em macrorregiões. Obtiveram-se as amostras nos municípios da Grande Vitória com as maiores populações urbanas, Vitória, Vila Velha, Serra e Cariacica.

Embora esses quatro municípios ocupem 2,4% da área geográfica do estado pelo adensamento populacional, os AGSN desses municípios representam 49,7% dos AGSN do ES. Segundo o Censo 2010 do IBGE, a população total desses municípios é 1.500.392, destes, 151.550 vivem em AGSN e o restante em AGNSN1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/
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. A Região Metropolitana da Grande Vitória tem seus AGSN inseridos nos respectivos municípios, formando áreas contíguas aos AGNSN, e toda a região pode ser vista como uma área homogênea, estratificada apenas pelos AGSN e AGNSN.

Para calcular as amostras de prevalência, consideraram-se as populações definidas pelo Censo 2010 do IBGE, com prevalências esperadas de infecção por COVID-19 (estimadas pelas etapas anteriores do inquérito domiciliar no ES1313 Gomes CC, Cerutti C, Zandonade E, Maciel ELN, Alencar FEC, Almada GL, et al. A population-based study of the prevalence of COVID-19 infection in Espirito Santo, Brazil: methodology and results of the first stage. medRxiv 2020. https://doi.org/10.1101/2020.06.13.20130559
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) de 13% (AGSN) e 9% (AGNSN), erros amostrais de 2,5–2,1%, respectivamente, e nível de significância de 5%. Os tamanhos mínimos foram de 692 indivíduos nos AGSN e 714 nos AGNSN. Esses tamanhos de amostra possuem poder estatístico de 70% para comparar as prevalências de AGSN e AGNSN e acima de 80% para as demais comparações. Adotou-se uma amostragem sistemática por domicílios, utilizando os setores censitários como conglomerados1313 Gomes CC, Cerutti C, Zandonade E, Maciel ELN, Alencar FEC, Almada GL, et al. A population-based study of the prevalence of COVID-19 infection in Espirito Santo, Brazil: methodology and results of the first stage. medRxiv 2020. https://doi.org/10.1101/2020.06.13.20130559
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Em cada município, sortearam-se setores censitários divididos em dois grupos: AGSN e AGNSN, proporcionais ao tamanho da população desses municípios. O sorteio deu-se nos setores censitários com população urbana, com menos de 100 hectares de área e com mais de 200 domicílios, segundo dados do IBGE para o Censo de 2020. Nos setores, realizou-se uma seleção aleatória de domicílios, em que apenas um morador foi selecionado também de forma aleatória. Em cada setor, foram 40 domicílios.

Tanto para resposta ao questionário quanto para coleta de amostra de sangue para realizar o teste de detecção de anticorpos contra o SARS-CoV-2, incluíram-se apenas indivíduos com idade superior a 2 anos. Para responder a entrevista, o morador deveria ter acima de 16 anos ou a supervisão de um responsável.

Por questões éticas, nos domicílios onde o indivíduo sorteado obteve resultado do teste reagente, bem como nos domicílios com morador sintomático, foi oferecido o teste aos demais moradores do domicílio. Esses resultados, no entanto, não foram computados no estudo de prevalência.

Os entrevistadores foram treinados na execução do exame realizado com amostra de sangue obtida por meio de punção digital. O teste utilizado foi o teste rápido imunocromatográfico para detecção de anticorpo IgM e IgG da marca Celer, da categoria de testes Point Of Care (POC), e é recomendado pela OMS e tem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) sob o número 80537410048, com sensibilidade de 86,4% e especificidade de 97,63%, segundo dados do fabricante.

Além da positividade para o vírus SARS-CoV-2, tomado como variável de desfecho deste estudo, coletaram-se as seguintes informações sobre os participantes de acordo com a área geográfica: sexo (feminino e masculino), faixa etária (até 20 anos, 21–40 anos, 41–60 anos, 61–80 anos e 81 anos e mais), raça/cor autodeclarada (branca, parda, preta, amarela e indígena), escolaridade do respondente (analfabeto, 1ᵃ–4ᵃ série do ensino fundamental incompleto, 4ᵃ série completa do ensino fundamental, 5ᵃ–8ᵃ série incompleta, ensino fundamental completo, ensino médio incompleto, ensino médio completo, ensino superior incompleto e ensino superior completo), número de moradores do domicílio (1, 2, 3, 4 ou mais), escolaridade da pessoa com maior grau de instrução no domicílio (analfabeto, ensino fundamental, ensino médio, ensino superior incompleto e ensino superior completo), tempo em transporte público por dia (nenhum morador utiliza, menos de 30 minutos, entre 30–60 minutos, mais de 60 minutos), frequência de utilização do transporte por semana (nenhum morador utiliza, até três vezes, quatro vezes ou mais), banheiro (não possui banheiro, possui banheiro exclusivo, utiliza banheiro compartilhado com outro domicílio/família), dormitórios (não possui dormitório, possui um dormitório, possui dois ou três dormitórios, possui quatro dormitórios ou mais), água (não tem acesso a água tratada; abastecimento irregular, acesso em alguns dias da semana; abastecimento regular, disponível todos os dias da semana), comorbidades (hipertensão arterial, diabetes mellitus, asma, neoplasias, doenças renais, doenças cardiológicas, obesidade e outra comorbidade), procurou a unidade de saúde (sim, não), sinais e sintomas da COVID-19 nos 15 dias anteriores à entrevista, com respostas sim ou não (tosse, mialgia, fadiga, dor de garganta, anosmia, dispneia, diarreia, febre, taquicardia, dor abdominal, vômitos e outros sintomas) e outros sintomas não relacionados.

Os dados foram coletados utilizando-se aplicativo desenvolvido especificamente para o inquérito e registrados em smartphones cedidos pelo IBGE, com transferência em tempo real para a central de coordenação do inquérito. Esses dados formaram um banco de dados analisado estatisticamente utilizando o programa SPSS, versão 20.0. Confeccionaram-se tabelas de frequência, e as prevalências para cada grupo foram estimadas pontualmente e por intervalo de confiança. Compararam-se os dois grupos quanto à prevalência e aos fatores associados à COVID-19 em análises bivariadas (perfil sociodemográfico, desfecho de positividade de COVID-19, características do domicílio, comorbidades e sintomas), utilizando o teste χ² de associação. O nível de significância adotado foi de 5%.

Todos os indivíduos selecionados para participar do inquérito populacional foram informados sobre os objetivos do estudo, riscos e benefícios, tendo sido entregue a cada participante uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinada, assim como o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido no caso de crianças. O material e as informações só foram coletados após assinatura do TCLE. Os casos com resultados do teste reagentes ou positivos foram notificados à Secretaria de Vigilância em Saúde do município para as providências necessárias. As medidas de segurança biológica cabíveis foram tomadas, para garantir a saúde dos pesquisadores de campo que atuaram na coleta dos dados e material biológico. Os pesquisadores também foram avaliados com teste rápido para detectar anticorpos para SARS-CoV-2 antes do início do trabalho de campo, e a coordenação regional foi orientada a realizar a substituição dos pesquisadores em caso de sintomas ou de teste reagente. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Vila Velha, sob o número do parecer 4.009.337.

RESULTADOS

Foram visitados 1.447 domicílios, seguindo a distribuição proporcional ao tamanho da população nos municípios da amostra – Cariacica, 290 domicílios (20,0%), Serra, 519 domicílios (35,9%), Vila Velha, 406 domicílios (28,1%), e Vitória, 232 (16,0%) domicílios – e a estratificação nos grupos de aglomerados, sendo 714 em AGSN e 733 em AGNSN.

O total de pessoas com testes reagentes foi de 161, sendo 86 entre moradores de AGSN e 75 em outros locais. A prevalência encontrada no grupo de favelas foi de 12,05% (IC95% 9,59–14,50), enquanto no grupo AGNSN foi de 10,23% (IC95% 7,97–12,50). Destaca-se que a razão entre as duas prevalências foi de 17,8% (12,05/10,23 = 17,8%), indicando um excesso de risco de 17,8% no grupo mais vulnerável, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos pelo teste χ².

Nos domicílios de indivíduos com testes reagentes (n = 161), ofereceu-se o teste para detectar anticorpos para todos os contatos presentes, excluindo as crianças com menos de dois anos de idade e os que não desejaram fazê-lo.

Quando avaliados os resultados dos testes reagentes entre os contatos dos indivíduos sorteados que tiveram testes reagentes no grupo do AGSN, foi encontrado pelo menos um contato com teste reagente em 6,3% destes domicílios, enquanto nos demais setores o percentual foi de 4,1% (p = 0,057).

Comparando-se as características sociodemográficas das pessoas vivendo em AGSN com as daquelas vivendo em AGNSN, destaca-se que nos AGSN foi encontrado um percentual maior de pessoas que se autodeclaram pardas, enquanto, no AGNSN, o maior percentual é de pessoas que se autodeclaram brancas (p < 0,001). Observou-se também um percentual maior de analfabetos e pessoas apenas com ensino fundamental no grupo de residentes em AGSN em comparação ao maior percentual de pessoas com educação superior completa nos AGNSN (p < 0,001), conforme Tabela 1.

Tabela 1
Frequência das variáveis do perfil sociodemográfico dos pesquisados pelo total e grupos aglomerados subnormais e aglomerados não subnormais.

Quanto às características dos moradores e dos seus domicílios, observou-se maior número de moradores por domicílio (p = 0,012), menor escolaridade do residente com mais anos de estudo (p < 0,001), maior permanência em transporte coletivo (p < 0,001), compartilhamento de banheiro com outro domicílio (p < 0,001), menos dormitórios por residência (p = 0,002) e maior frequência de abastecimento irregular de água (p = 0,009). Esses dados estão demonstrados na Tabela 2. Em relação a comorbidades, não houve diferenças estatisticamente significativas entre os residentes dos diferentes tipos de aglomerados, conforme demonstrado na Tabela 3.

Tabela 2
Frequência das variáveis do perfil domiciliar dos pesquisados pelo total e grupos aglomerados subnormais e aglomerados não subnormais.
Tabela 3
Frequência de comorbidades dos pesquisados pelo total e grupos aglomerados subnormais e aglomerados não subnormais.

Em relação aos sintomas autorreferidos pelos residentes que foram positivos ao teste diagnóstico, nos AGSN os sintomas como tosse (p = 0,012), mialgia (dor muscular) (p = 0,001), fadiga (p < 0,001), anosmia (perda do paladar e olfato) (p < 0,001), febre (p < 0,001) e taquicardia (p = 0,022) foram mais presentes, no entanto, esses sintomas não foram percebidos como motivo de procura da unidade de saúde (p = 0,200) (Tabela 4).

Tabela 4
Variáveis de sintomas e procura por unidade de saúde pelo total dos pesquisados, pelos grupos aglomerados subnormais e pelos aglomerados não subnormais, ordenados pela maior frequência.

DISCUSSÃO

Este foi o primeiro estudo que buscou avaliar a prevalência de indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 em um inquérito populacional comparando grupos de AGSN e AGNSN. Essa abordagem por recortes territoriais classificados como AGSN a partir do Censo Demográfico 20101212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/
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pode auxiliar estudos que tenham como objetivo entender os impactos das desigualdades sociais no surgimento ou agravamento de doenças e apontar políticas públicas de proteção social e controle da pandemia.

O estudo encontrou uma prevalência de indivíduos infectados pelo SARS-CoV-2 no grupo AGSN de 12,05% (IC95% 9,59–14,50) e de 10,23% (IC95% 7,97–12,50) no grupo AGNSN. A frequência de pelo menos um contato com teste reagente entre os entrevistados positivos no grupo AGSN foi de 6,3%, enquanto nos demais aglomerados o percentual foi de 4,1%.

Nesse mesmo período da pandemia, o Espírito Santo tinha 9,61% (dados ainda não publicados) de prevalência da COVID-19 avaliados em quatro etapas do inquérito epidemiológico. Os municípios da Grande Vitória, que concentravam a maior parte dos casos, apresentavam 11,51% de infectados. Nos municípios do interior, a prevalência passou de 3,12 para 4,35%1414 Universidade Federal do Espírito Santo. Quarta etapa do inquérito epidemiológico no ES indica aumento do contágio pelo novo coronavírus. 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://www.ufes.br/conteudo/quarta-etapa-do-inquerito-epidemiologico-no-es-indica-aumento-do-contagio-pelo-novo
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.

Embora não tenha havido diferença estatisticamente significativa entre as prevalências de indivíduos positivos quando comparados os dois tipos de aglomerados (grupo AGNSN e AGSN), as características sociodemográficas, tais como condições de moradia, e os sintomas autorreferidos da COVID-19 entre os indivíduos positivos evidenciaram que os residentes nos AGSN apresentam maior vulnerabilidade social, o que poderia aumentar a exposição à doença dentro do domicílio, conforme alertado nos estudos do IBGE1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Nota Técnica 01/2020: Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Rio de Janeiro; 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf
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No Espírito Santo, 14,37% da população não tem acesso à água por rede geral de distribuição, 21,83% não têm acesso ao esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, 8,73% não têm acesso à coleta de lixo direta ou indireta, e 23,47% não têm acesso simultâneo aos três tipos de serviço de saneamento1515 Neri M, Soares W. Desigualdade social e saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2002; 18 (Suppl): S77-87. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000700009
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. Em relação à condição da habitação, são 13.136 pessoas morando em domicílios precários e 6.295 morando em domicílios com adensamento excessivo1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE; 2012 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://censo2010.ibge.gov.br/
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Dados recentes do IBGE (2019) foram divulgados preliminarmente ao Censo 2020 para auxiliar na atuação do poder público no enfretamento à COVID-19. Os dados mostram que o Espírito Santo figura como um dos estados com maior número de domicílios em AGSN, ocupando a segunda posição, com 26,10%. Isso corresponde a 306.439 domicílios, frequência inferior apenas àquela do Amazonas, de 34,59%. Na capital do estado, Vitória, são 34.393 domicílios em AGSN, que representam 33,15% daqueles do município. Por definição, nos AGSN residem, em geral, populações com condições socioeconômicas, de saneamento e de moradia mais precárias. Como agravante, muitos AGSN possuem uma densidade de edificações extremamente elevada1010 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica. Nota Técnica 01/2020: Aglomerados Subnormais 2019: Classificação preliminar e informações de saúde para o enfrentamento à COVID-19. Rio de Janeiro; 2020 [accessed on Jul 28, 2021]. Available at: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101717_notas_tecnicas.pdf
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Apesar de residentes de AGSN infectados referirem ter apresentado mais sintomas, essa situação não os levou a procurar os serviços de saúde, por razões que não foi possível identificar dada a metodologia e os objetivos deste estudo. No entanto, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) têm demonstrado que, apesar de necessitarem mais dos serviços de saúde, os indivíduos de menor poder aquisitivo tendem a consumir menos esses serviços1515 Neri M, Soares W. Desigualdade social e saúde no Brasil. Cad Saúde Pública 2002; 18 (Suppl): S77-87. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2002000700009
https://doi.org/10.1590/S0102-311X200200...
,1616 Lima-Costa MF, Barreto S, Giatti L, Uchôa E. Desigualdade social e saúde entre idosos brasileiros: um estudo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2003; 19 (3): 745-57. https://doi.org/10.1590/S0102-311X2003000300007
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Adequadas condições de habitabilidade e de mobilidade auxiliam não só a prevenção de doenças crônico-degenerativas e a promoção de bem-estar, mas também o controle de doenças infeciosas, como dengue, chikungunya, zika e, atualmente, COVID-1955 Mocelin HJS, Catão RC, Freitas PSS, Prado TN, Bertolde AI, Castro MC, et al. Analysis of the spatial distribution of cases of Zika virus infection and congenital Zika virus syndrome in a state in the southeastern region of Brazil: Sociodemographic factors and implications for public health. Int J Gynaecol Obstet 2020;148 (Suppl 2): 61-9. https://doi.org/10.1002/ijgo.13049
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88 Sampaio PB, Bertolde AI, Maciel EL, Zandonade E. Spatial distribution of leprosy in Brazil: a literature review [Internet]. Rev Soc Bras Med Trop 2017; 50 (4): 439-49. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0170-2016
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,1717 Marlow MA, Maciel EL, Sales CM, Gomes T, Snyder RE, Daumas RP, et al. Tuberculosis DALY-Gap: spatial and quantitative comparison of disease burden across urban slum and non-slum census tracts. J Urban Health 2015; 92 (4): 622-34. https://doi.org/10.1007/s11524-015-9957-0
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,1818 Maciel EL, ReisSantos B. Determinants of tuberculosis in Brazil: from conceptual framework to practical application. Rev Panam Salud Publica 2015; 38: 28-34.5. PMID: 26506318. Estudos que analisaram características desses AGSN em outras doenças infecciosas evidenciaram sua associação com a desigualdade social, a pobreza e com as condições precárias de vida1717 Marlow MA, Maciel EL, Sales CM, Gomes T, Snyder RE, Daumas RP, et al. Tuberculosis DALY-Gap: spatial and quantitative comparison of disease burden across urban slum and non-slum census tracts. J Urban Health 2015; 92 (4): 622-34. https://doi.org/10.1007/s11524-015-9957-0
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2222 Chowkwanyun M, Reed Junior AL. Racial health disparities and COVID-19 – caution and context. N Engl J Med 2020; 383 (3): 201-3. https://doi.org/10.1056/NEJMp2012910
https://doi.org/10.1056/NEJMp2012910...
. Apontando, ainda, a distribuição geográfica aliada à baixa escolaridade, à desigualdade social e aos movimentos migratórios como fatores determinantes do adocecimento2323 Magalhães MCC, Rojas LI. Diferenciação territorial da hanseníase no Brasil. Epidemiol Serv Saúde 2007; 16 (2): 75-84. http://doi.org/10.5123/S1679-49742007000200002
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,2424 Andrade VLGS, Sabroza PC, Araújo AJG. Fatores associados ao domicílio e à família na determinação da hanseníase. Cad Saúde Pública 1994; 10 (Suppl 2): S281-92. https://doi.org/10.1590/S0102-311X1994000800006
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. No entanto, nossos resultados não encontraram diferença estatisticamente significativa entre as prevalências de testes reagentes nos dois tipos de aglomerados, apesar das diferenças estatísticas nas condições de moradia e hábitos de transporte dos moradores, é possível que, no momento da realização deste inquérito, a situação da transmissão da COVID-19 entre os moradores das áreas avaliadas tivesse comportamento similar, que poderia estar relacionada ao local de trabalho e lazer e às condições de mobilidade pela região da Grande Vitória. Contudo variáveis relacionadas ao local de trabalho e ao lazer não foram incluídas no questionário deste inquérito.

Ainda entre as limitações deste estudo, podemos ressaltar o delineamento transversal, que não permite a determinação da causalidade. A realização do inquérito domiciliar em horário comercial e em dias da semana poderia influenciar o resultado, uma vez que apenas os moradores presentes no domicílio no momento da coleta entraram no sorteio para responder o questionário e ter o teste para detecção de anticorpos realizado. Além disso, a transmissão poderia estar em momentos diferentes nas duas populações. Ainda a respeito do delineamento, é importante dizer que, como em outros estudos de base populacional com aleatorização, as pessoas apresentando doença grave e aqueles que necessitaram de internações não estavam presentes no domicílio para serem computados na prevalência. No período do estudo, o estado do Espírito Santo não teve problemas para internar pacientes nos serviços de saúde tanto públicos quanto particulares. Supõe-se que essa limitação do estudo afetou igualmente ambos os grupos estudados2525 Maciel EL, Jabor P, Goncalves Júnior E, Tristão-Sá R, Lima RCD, Reis-Santos B, et al. Factors associated with COVID-19 hospital deaths in Espírito Santo, Brazil, 2020. Epidemiol Serv Saúde 2020; 29 (4): e2020413. https://doi.org/10.1590/S1679-49742020000400022
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.

Destaca-se ainda que os resultados dos testes reagentes entre os contatos dos indivíduos sorteados que tiveram testes reagentes no grupo do AGSN foi superior, o que poderia indicar que as condições de moradia, assim como em outras doenças infecciosas, influenciam na transmissão no domicílio77 Honorato T, Lapa PP, Sales CM, Reis-Santos B, Tristão-Sá R, Bertolde AI et al. Spatial analysis of distribution of dengue cases in Espírito Santo, Brazil, in 2010: use of Bayesian model. Rev Bras Epidemiol 2014; 17 (Suppl 2): 150-9. https://doi.org/10.1590/1809-4503201400060013
https://doi.org/10.1590/1809-45032014000...
,88 Sampaio PB, Bertolde AI, Maciel EL, Zandonade E. Spatial distribution of leprosy in Brazil: a literature review [Internet]. Rev Soc Bras Med Trop 2017; 50 (4): 439-49. https://doi.org/10.1590/0037-8682-0170-2016
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.

Bezerra et al.2626 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Coletiva 2020; 25 (Suppl 1): 2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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, avaliando fatores associados ao comportamento da população durante a pandemia no Brasil, evidenciaram que pessoas referindo residir em piores condições de habitação informaram disposição de permanecer menos tempo isoladas (73,9%). Entre as pessoas que não estavam isoladas (10,7% do total), 75,8% disseram acreditar que o isolamento social reduziria o número de vítimas da COVID-19. Os autores concluíram que a percepção das pessoas quanto ao isolamento social como medida de mitigação da pandemia varia conforme a renda, a escolaridade, a idade e o sexo2626 Bezerra ACV, Silva CEM, Soares FRG, Silva JAM. Fatores associados ao comportamento da população durante o isolamento social na pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Coletiva 2020; 25 (Suppl 1): 2411-21. https://doi.org/10.1590/1413-81232020256.1.10792020
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Um estudo avaliando a disparidade no uso do metrô e o desfecho da COVID-19 em Nova York apontou as desigualdades como fatores que aumentam a vulnerabilidade à doença2727 Sy KTL, Martinez ME, Rader B, White LF. Socioeconomic disparities in subway use and COVID-19 outcomes in New York City. medRxiv 2020: 2020.05.28.20115949. https://doi.org/10.1101/2020.05.28.20115949
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. Áreas com menor renda mediana e maior percentual de indivíduos autodeclarados não brancos tiveram porcentagem maior de trabalhadores essenciais e maior porcentagem de profissionais de saúde que usaram mais metrô durante a pandemia. Observou-se também que, em bairros mais pobres, há maior mobilidade da população em relação aos mais ricos, o que aumenta a vulnerabilidade à COVID-192727 Sy KTL, Martinez ME, Rader B, White LF. Socioeconomic disparities in subway use and COVID-19 outcomes in New York City. medRxiv 2020: 2020.05.28.20115949. https://doi.org/10.1101/2020.05.28.20115949
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. Embora a fundamentação teórica acerca das áreas com menor renda mediana em outros países aponte um direcionamento, neste estudo essa variável não foi aferida, configurando uma limitação.

Outro estudo realizado nos Estados Unidos utilizando o código postal como unidade de análise demonstrou que, apesar da raça ser utilizada como variável proxy do nível socioeconômico, o preditor mais significativo de um caso COVID-19 positivo era o ambiente estrutural de um indivíduo, ou seja, a densidade populacional em seu local de residência2828 Guha A, Bonsu J, Dey A, Addison D. Community and Socioeconomic Factors Associated with COVID-19 in the United States: Zip code level cross sectional analysis. medRxiv 2020: 2020.04.19.20071944. https://doi.org/10.1101/2020.04.19.20071944
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Questões antigas ganham destaque neste momento de pandemia, tais como saneamento, adensamento domiciliar, habitação precária e mobilidade. A cidade formou-se historicamente em espaços segregados, entre aqueles que podiam pagar e aqueles que improvisaram as formas de morar ocupando espaços sem infraestrutura e frágeis ambientalmente. Essa formação das cidades sem preocupação com a desigualdade social traz problemas que têm sido cada vez mais recorrentes e de maior dimensão, como enchentes, secas e propagação de doenças. Essa desigualdade se amplia diariamente, e a pandemia da COVID-19 mostra-nos o quanto essa discrepância é prejudicial a todos, mesmo àqueles que moram em condições adequadas e com acesso ao saneamento2727 Sy KTL, Martinez ME, Rader B, White LF. Socioeconomic disparities in subway use and COVID-19 outcomes in New York City. medRxiv 2020: 2020.05.28.20115949. https://doi.org/10.1101/2020.05.28.20115949
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2929 Silva LT. A Produção de localizações: estruturação territorial da Grande Vitória [Masters dissertation]. São Paulo: Faculdade de arquitetura e urbanismo; 2014..

Por fim, por ser o domicílio não apenas a menor unidade espacial onde se realiza o processo de transmissão dos agentes infecciosos, mas também uma unidade fundamental no estudo da reprodução social3030 Breilh J. Principios generales para um nuevo tipo de método en la investigation epidemiológica. In: Epidemiologia economia, medicina y política. México: Editorial Premia;1988. p. 177-91, na qual se materializam as relações culturais e econômicas dos grupos em sua coletividade, ações que possam reduzir o aparecimento de casos graves de forma desproporcional devem ter prioridade nas políticas públicas governamentais voltadas para tais populações sujeitas à vulnerabilidade social.

  • Fonte de financiamento: A pesquisa foi financiada pela Secretaria de Estado da Saúde do Espírito Santo (SESA-ES).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Out 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Jun 2021
  • Revisado
    30 Jul 2021
  • Aceito
    05 Ago 2021
  • Preprint postado em
    10 Jun 2021
Associação Brasileira de Saúde Coletiva Av. Dr. Arnaldo, 715 - 2º andar - sl. 3 - Cerqueira César, 01246-904 São Paulo SP Brasil , Tel./FAX: +55 11 3085-5411 - São Paulo - SP - Brazil
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