Uma análise espaço temporal da mortalidade em pessoas idosas que vivem com HIV/AIDS no estado de São Paulo, Brasil

RESUMO

Objetivo:

O estudo tem como objetivo analisar a distribuição espaço-temporal da mortalidade em idosos que vivem com HIV/AIDS no estado de São Paulo, Brasil.

Métodos:

Estudo ecológico com abordagens temporal e espacial para análise da mortalidade por HIV/AIDS em pessoas idosas no período de 2010–2020 no estado de São Paulo, Brasil. A análise das tendências temporais foi realizada por meio da regressão joinpoint e as análises espaciais foram realizadas usando o índice de Moran e o modelo bayesiano empírico local.

Resultados:

Foram identificados 3.070 óbitos por HIV/AIDS entre pessoas idosas e taxa de mortalidade de 51,71 por 100 mil habitantes no período de estudo. O método joinpoint revelou tendência crescente para as faixas etárias de 70 a 79 anos (variação percentual anual — APC=3,45 p=0,01) e 80 anos ou mais (APC=6,60, p=0,006) e de estabilidade para a população idosa geral (APC=0,99, p=0,226). A distribuição espacial da taxa bruta de mortalidade demonstrou-se difusa em todo o estado. Após suavização pelo estimador bayesiano, observou-se maior concentração nas mesorregiões ao leste. Na análise de Moran, foram observados aglomerados das menores taxas de mortalidade em regiões mais centrais e das altas taxas em regiões mais ao sul e norte do estado.

Conclusão:

O grupo etário em que ocorreu maior tendência de crescimento da mortalidade por HIV/AIDS durante o período de 2010–2020 foi o de pessoas idosas com mais de 69 anos. Os aglomerados das altas taxas de mortalidade foram localizados em regiões mais ao sul e norte do estado, onde se concentram locais de maiores desigualdades sociais.

Palavras-chave:
Idoso; Análise espaçotemporal; HIV; Síndrome da imunodeficiência adquirida

ABSTRACT

Objective:

To analyze the spatiotemporal distribution of mortality in older people living with the human immunodeficiency virus/acquired immunodeficiency syndrome (HIV/AIDS) in the state of São Paulo, Brazil.

Methods:

This is an ecological study with temporal and spatial approaches to analyze mortality from HIV/AIDS in the older adult population in the 2010-2020 period in the state of São Paulo, Brazil. Analysis of temporal trends was performed using the joinpoint regression, and spatial analysis was carried out using the Moran's index and the local empirical Bayesian model.

Results:

We identified a total of 3,070 deaths from HIV/AIDS among older adults and a mortality rate of 51.71 per 100 thousand inhabitants during the study period. The joinpoint method showed a growing trend for the age groups from 70 to 79 years (annual percent change [APC]=3.45; p=0.01) and ≥80 years (APC=6.60; p=0.006) and stability for the general older adult population (APC=0.99; p=0.226). The spatial distribution of the crude mortality rate was diffuse throughout the state. After smoothing by the Bayesian estimator, we observed greater concentration in the eastern mesoregions. In Moran's analysis, we observed clusters of lower mortality rates in more central regions; and of higher rates in the southern and northern regions of the state.

Conclusions:

We found a major growing trend in mortality from HIV/AIDS in the age group of older adults over 69 years during the 2010-2020 period. Clusters of high mortality rates were located in regions further to the south and north of the state, where places of greater social inequalities are concentrated.

Keywords:
Elderly; Space-time analysis; HIV; Acquired immunodeficiency syndrome

INTRODUÇÃO

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é uma importante questão de saúde pública, justificada pelo seu caráter global, custos com a assistência, prevenção, agravos resultantes da falta de tratamento em pessoas que vivem com HIV/AIDS (PVHA) e o estigma que ainda existe acerca da doença¹. Durante os anos iniciais da epidemia de HIV/AIDS, havia poucas opções de tratamento, mas com o avanço do conhecimento científico sobre a infecção e o desenvolvimento de novas medicações, que compõem as terapias antirretrovirais (TARV), bem como políticas públicas de testagem e tratamento, foi possível verificar a diminuição da morbidade e mortalidade pela doença e uma alteração do curso natural do vírus².

O HIV/AIDS tem se elevado à condição de doença crônica e houve drástica redução de mortalidade em comparação com os anos iniciais da epidemia³. Durante o período de 2010 a 2019, houve queda de 39% dos óbitos em nível global, porém os números de mortalidade ainda permanecem elevados, tendo sido registrados 690.000 óbitos por AIDS no mundo em 2019⁴.

No Brasil, são diagnosticados em média 41,1 mil casos novos de HIV/AIDS todos os anos, 40% dos quais identificados tardiamente, sintomáticos ou assintomáticos com contagem de linfócitos CD4+ <200 células/mm^3,5. A mortalidade pela doença no país tem apresentado números elevados — cerca de 5,3/100 mil habitantes no período de 2008 a 2018 — e mantido caráter de estabilidade⁶.

As Regiões Sul e Sudeste do país concentram a maior parte dos casos diagnosticados, com destaque para o estado de São Paulo (ESP), onde houve crescimento de 19,6% no número total de casos de infecção pelo HIV nos últimos dez anos, passando de 5.295 casos em 2010 para 6.332 em 2020. A análise epidemiológica permite observar que, entre 2010 e 2019, o ESP registrou 34.480 óbitos pela doença, e as taxas de mortalidade vêm apresentando queda desde a introdução das TARV, acompanhando a tendência mundial⁷.

A taxa de mortalidade no ESP caiu de 7,6 óbitos por 100 mil habitantes/ano em 2010 para 4,6 óbitos por 100 mil habitantes/ano em 2019. Ainda assim, o número é fonte de preocupação, uma vez que a redução do número de óbitos é espacialmente heterogênea, havendo regiões com 2,0 óbitos por 100 mil habitantes/ano, como as cidades de Presidente Prudente e Registro, e outras com 7,5 óbitos por 100 mil habitantes/ano, como o município de Santos⁷.

Mesmo com uma tendência decrescente de novos casos, alguns grupos populacionais causam preocupação por não estarem seguindo esse padrão. É o caso das pessoas idosas, pois o acelerado processo de envelhecimento populacional tem causado profundas mudanças no perfil epidemiológico do HIV/AIDS. No Brasil, em 2007 foram notificados 643 óbitos em pessoas com mais de 60 anos (5,65% do total de 11.372); já em 2016, ocorreram 1.389 mortes de pessoas idosas em decorrência da AIDS, representando 11,08% do total de 12.540 óbitos pela doença naquele ano⁸.

Estudos revelam que há muitas variantes que impulsionam o número de casos entre os idosos. Com o aumento da expectativa de vida, também se espera aumento do período sexualmente ativo, o que por vezes ocorre de forma desprotegida em razão de hábitos arraigados, visto que grande parte desse grupo é constituído por viúvos e divorciados. Além disso, a percepção sobre os riscos da doença pelos idosos é menor, já que as orientações sobre infecções sexualmente transmissíveis (IST) são mais deficitárias por conta do tabu existente acerca do sexo na terceira idade⁹–¹¹.

Nesse contexto, fazem-se necessários mais estudos a respeito da disseminação do HIV/AIDS entre pessoas idosas e as suas consequências em função da vulnerabilidade desse grupo. A utilização de técnicas para a identificação de áreas geográficas e populações acometidas ao longo do tempo mostra-se uma estratégia eficaz para uma melhor análise do contexto e das políticas voltadas para o HIV/AIDS. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar as tendências de mortalidade e a distribuição espacial da mortalidade por HIV/AIDS entre idosos do ESP, entre os anos de 2010 e 2020.

MÉTODOS

Delineamento do estudo

Estudo ecológico, descritivo e de base populacional, que utilizou dados secundários dos óbitos por HIV/AIDS entre pessoas idosas registrados no ESP durante o período 2010–2020.

Local de estudo

As unidades de análise foram os 645 municípios que estão distribuídos geograficamente nas 15 mesorregiões do ESP (Figura 1), localizado na Região Sudeste do Brasil. Estendendo-se do litoral ao interior, localiza-se à longitude 49 Oeste e latitude 22 Sul, com fuso horário −3 horas em relação à hora mundial GMT. São Paulo possui área total de 248.209,426 km² e população estimada em 46 milhões de pessoas. É a unidade federativa mais populosa do Brasil, com 22% da população nacional, e também a mais rica, com produto interno bruto de US$ 603,4 bilhões¹².

Figura 1
Mesorregiões do estado de São Paulo, Brasil.

Coleta de dados

Os dados foram coletados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e de informações sobre a população estudada obtidas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foram incluídos todos os óbitos por HIV/AIDS em pessoas idosas no período de 2010 a 2020, considerando-se que os óbitos correspondem, na Classificação Internacional de Doenças (CID), aos códigos B20 a B24 (CID-10). Os dados populacionais foram obtidos do site do IBGE.

Análise dos dados

As taxas anuais de mortalidade por HIV/AIDS em pessoas idosas dos municípios foram calculadas para 100 mil habitantes, usando como denominador a população anual correspondente. A taxa média bruta da mortalidade por HIV/AIDS em pessoas idosas no período foi calculada tendo como numerador o total de óbitos e como denominador a população do ano de 2015, sendo posteriormente multiplicada pela constante de 100.000. Por fim, empregou-se o estimador bayesiano empírico local para minimizar a instabilidade ocasionada pela flutuação aleatória dos casos, suavizando as taxas padronizadas por aplicação de médias ponderadas e criando uma terceira taxa corrigida¹³. Para a caracterização da população do estudo foram utilizadas as variáveis epidemiológicas sexo, escolaridade, estado civil, faixa etária, raça/cor e zona de residência, descritas em frequências absolutas e relativas.

Análise temporal

A análise de tendência temporal foi realizada por meio da regressão linear segmentada, executada no software Joinpoint v. 4.2.0. A taxa de mortalidade por HIV/AIDS em pessoas idosas foi considerada a variável dependente e o ano de ocorrência, a variável independente. O teste de permutação de Monte Carlo foi empregado para selecionar o melhor segmento do modelo, considerando-se o melhor modelo aquele que apresenta maior coeficiente de determinação de resíduos (R2). Para descrever e quantificar a tendência, foi calculada a variação percentual anual (annual percent change — APC) e seu respectivo intervalo de confiança de 95% (IC95%), considerando-se como significância estatística se a APC apresentasse p<0,05 e seu IC 95% não incluísse o valor zero. Um valor de APC positivo e significativo indica tendência crescente; se negativo e significativo, tendência decrescente. Por outro lado, tendências não significativas são descritas como estáveis, independentemente dos valores da APC¹⁴,¹⁵.

Análise espacial

Foi utilizado o cálculo do índice de Moran global univariado, para verificar se a distribuição espacial do fenômeno ocorre de forma aleatória no espaço. Esse índice varia de −1 a +1, de modo que valores próximos de zero indicam aleatoriedade espacial; valores entre 0 e +1 indicam autocorrelação espacial positiva e, entre −1 e 0, autocorrelação espacial negativa. A detecção de regiões com correlação espacial significativa foi verificada pelo índice de Moran local (Local Index of Spatial Association — LISA), que compara o valor de cada município com os municípios vizinhos, verificando a dependência espacial¹⁶.

Assim, obteve-se um diagrama de espalhamento com os seguintes quadrantes espaciais: Q1 (alta/alta) e Q2 (baixa/baixa), que indicam municípios com valores semelhantes aos de seus vizinhos e representam áreas de concordância com agregados de associação espacial positiva; e Q3 (alto/baixo) e Q4 (baixo/alto), com valores diferentes, que representam áreas de transição com agregados de associação espacial negativa. Os resultados significativos foram visualmente expressos em mapas de Moran¹⁶.

Foram utilizados os programas TerraView versão 4.2.0, QGis versão 3.4.5 e GeoDa™ 1.14 para a construção dos mapas utilizando a base cartográfica, em formato shapefile, no sistema de projeção geográfica latitude/longitude (Sistema Geodésico de Referência — SIRGAS 2000) do ESP, disponível no site do IBGE.

Aspectos éticos

O estudo seguiu os padrões éticos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa envolvendo seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (Certificado de Apresentação para Apreciação Ética — CAAE 56585622.1.0000.5392 e Parecer n^o 5.326.296).

RESULTADOS

Foram identificados 3.070 óbitos por HIV/AIDS em pessoas idosas e taxa de mortalidade de 51,71 por 100 mil habitantes no período de 2010 a 2020, no ESP. Houve predomínio em indivíduos do sexo masculino (65,7%), na faixa etária de 60 a 69 anos (71,9%), solteiros (29%), cor de pele branca (64,60%) e com baixa escolaridade (máximo de três anos) (22,3%) (Tabela 1).

Tabela 1
Variáveis sociodemográficas dos óbitos por HIV/AIDS em pessoas idosas de 2010 a 2020, São Paulo, Brasil.

Variável		Óbitos por HIV/AIDS n %
Sexo
	Masculino	2.018	65,7
	Feminino	1.052	34,3
Faixa etária
	60 a 69 anos	2.206	71,9
	70 a 79 anos	686	22,3
	80 anos ou mais	178	5,8
Raça
	Branca	1.983	64,6
	Não branca	988	32,2
	Ignorada	99	3,2
Estado civil
	Solteiro	889	29,0
	Casado	784	25,5
	Viúvo	630	20,5
	Separado	530	17,3
	Outro	65	2,1
	Ignorado	172	5,6
Escolaridade
	Nenhuma	218	7,1
	1 a 3 anos	684	22,3
	4 a 11 anos	1.174	38,3
	12 anos ou mais	222	7,2
	Ignorado	772	25,1
	Total	3.070	100

Com relação à análise de tendência temporal, o número de óbitos em pessoas idosas mantém-se estável, com APC de 0,99 (IC95% e p-valor: 0,226), o que indica tendência de crescimento não significativa (Figura 2).

Figura 2
Tendência temporal dos óbitos por HIV/AIDS em pessoas idosas de 2010 a 2020 no estado de São Paulo, Brasil.

Quanto à análise por sexo, o masculino apresentou APC de 0,70 (IC95% e p-valor: 0,418) e o feminino, APC de 1,56 (IC 95% e p-valor: 0,227). A faixa etária que apresentou maior crescimento no período foi a de 80 anos ou mais, com valor de APC de 6,60 e valor de p=0,006, seguida pelas pessoas idosas com 70 a 79 anos, com APC: 3,45 e valor de p=0,010. Já para a faixa dos 60 a 69 anos, não foi observada tendência significativa no período (APC 0,19 e valor de p=0,838) (Figura 3).

Figura 3
Tendência temporal dos óbitos por HIV/AIDS nas faixas etárias de 60 a 69 anos, 70 a 79 anos e 80 anos ou mais, no período de 2010 a 2020, no estado de São Paulo, Brasil.

A distribuição espacial da taxa bruta de mortalidade por HIV/AIDS em pessoas idosas demonstrou-se difusa em todo o estado, contudo teve maior intensidade nas mesorregiões ao norte do estado (Figura 4A). Após suavização pelo estimador bayesiano, observou-se maior concentração nas mesorregiões ao leste do estado (Figura 4B).

Figura 4
Análise espacial dos óbitos por HIV/AIDS, no período de 2010 a 2020, no estado de São Paulo, Brasil.

A análise de autocorrelação espacial global revelou que a mortalidade se distribui de maneira heterogênea no espaço (I=0,219 e p=0,001). A análise do mapa de Moran permitiu a identificação de áreas classificadas de acordo com o nível de significância de seus índices locais. Foram identificados aglomerados nas mesorregiões São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Sul de Araraquara, Vale do Paraíba Paulista, Metropolitana de São Paulo e Litoral Sul Paulista, com altas taxas de mortalidade (Q1: alto/alto), e aglomerados com baixas taxas nas mesorregiões de Marília, norte de Araraquara, Campinas, Bauru, Piracicaba e Macrometropolitana Paulista (Q2: baixo/baixo) (Figura 4C).

DISCUSSÃO

Um processo de envelhecimento acelerado está ocorrendo em vários países, trazendo não só mudanças no perfil epidemiológico como também transformações culturais e sociais. Tais mudanças no modo de vida e trabalho da população idosa contribuíram para que o olhar para essas pessoas e a sua sexualidade fosse modificado. Fatores como a inserção social, a constituição de novos vínculos sexuais e afetivos e as suas consequências para a saúde dessa população trouxeram a necessidade de maiores discussões sobre o assunto¹⁷.

Por muito tempo, preservou-se a ideia de que o declínio sexual era algo inevitável na velhice e que deveria ser aceito como algo normal diante dos efeitos do processo de vida. No entanto, atualmente é consensuado que o envelhecimento é complexo, heterogêneo e não representa sinônimo de incapacidade funcional, dependência ou ausência de vivências sociais e sexuais¹⁸.

Um estudo realizado em um ambulatório de ginecologia no estado do Espírito Santo apontou que, segundo a percepção de um grupo de pessoas idosas entrevistadas, a satisfação física e emocional promovida por relações sexuais contribui significativamente para o bem-estar psíquico e para a qualidade de vida dessa população¹⁹. Nesse sentido, além do atendimento de uma necessidade fisiológica dos indivíduos, a sexualidade contribui positivamente para a qualidade de vida da pessoa idosa, visando ao bem-estar, à autoestima e à busca de uma relação íntima com outra pessoa. Entretanto, quando a atividade sexual está associada a práticas inseguras, aumenta a vulnerabilidade dessa população às IST, como o HIV/AIDS¹⁷.

Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) apontou que o HIV/AIDS é mais prevalente em indivíduos do sexo masculino, pois esse grupo apresenta baixa adesão ao uso dos preservativos por razões diversas, incluindo dificuldade para utilizá-lo, sensação de diminuição da ereção e perda da sensibilidade durante o ato sexual, crença de que não há necessidade de uso em relações afetivas ou monogâmicas ou por acreditarem que a pausa para colocar o preservativo “quebra o clima” da relação¹⁸. No presente estudo também foi observado que o sexo masculino foi o mais prevalente entre os casos de óbitos por HIV/AIDS em idosos no estado de São Paulo.

Observa-se também que o número de mulheres idosas infectadas pela doença tem aumentado. As causas para esse aumento têm íntima ligação com o patriarcalismo, que por séculos concedeu ao homem uma posição de superioridade em relação à mulher, resultando na submissão feminina às vontades do parceiro durante a vida sexual²⁰. Um estudo realizado em um município do interior paulista conclui que as mulheres idosas estão mais propensas às IST em virtude de não acharem necessária a utilização de preservativos quando se encontram em relações afetivas duradouras, como casamentos e uniões estáveis; ou ainda ao atingirem o climatério²¹.

Conforme observado neste estudo, a maior parte dos infectados eram pessoas idosas com menor oportunidade de acesso à educação formal. Segundo Hogan et al., a baixa escolaridade é um dos determinantes sociais que afeta o conhecimento do risco da doença, o status do seu tratamento e o risco de morte — além de interferir na compreensão dos programas de educação em saúde, principalmente para pessoas idosas que enfrentam limitações socioculturais de acesso às tecnologias atuais²².

A sexualidade a partir da terceira idade é considerada inexistente pela população em geral. Esse preconceito, que muitas vezes parte dos próprios profissionais de saúde, torna-se mais uma barreira para a efetividade da educação sexual entre esses indivíduos²³. A análise feita também revela que o grupo mais afetado é o de pessoas idosas solteiras e divorciadas, o que corrobora achados descritos na literatura, visto que esse grupo costuma ter mais de uma parceria sexual⁹. Esses dados mostram que é cada vez mais urgente a implementação de programas de saúde sexual voltados às pessoas idosas a fim de diminuir a incidência de IST e, consequentemente, a mortalidade nessa população.

Percebe-se que a doença atinge diversas pessoas indiscriminadamente, independentemente de idade, sexo ou orientação sexual. Segundo Castro et al.,¹ houve aumento da incidência de HIV/AIDS em Minas Gerais em todos os grupos etários, incluindo pessoas idosas. Nos estados do Piauí e Ceará, houve notável aumento dos casos, especialmente em pessoas idosas²⁴,²⁵.

O crescente número de óbitos por HIV/AIDS em pessoas idosas com 70 anos ou mais, observado na análise temporal, é alarmante e pode ser explicado pela alta taxa de infecção associada à baixa testagem nessa população específica. A falta de campanhas de promoção da saúde sexual e o tabu sobre a sexualidade na terceira idade estão relacionados à subutilização dos testes, o que pode levar as pessoas idosas a não procurarem orientações sobre práticas sexuais seguras ou tratamento adequado²⁶.

Por outro lado, podemos associar esta questão aos avanços e à maior acessibilidade ao tratamento para HIV, o que diminuiu a mortalidade precoce pela doença, e as pessoas acometidas conseguem usufruir de melhor qualidade de vida²⁷. Uma revisão integrativa avaliou quais os determinantes da qualidade de vida de pessoas que vivem com HIV e as variáveis mais citadas nos estudos são o apoio social, a depressão, o estigma e a aderência ao tratamento²⁸. Outro estudo, que avaliou a qualidade de vida de pessoas idosas com HIV, observou que os anos de convivência com a doença tem influência positiva na qualidade de vida, uma vez que o tempo é necessário para que haja adaptação às mudanças por esse agravo²⁹.

Os resultados encontrados neste estudo destacam a delimitação das áreas com maior concentração dos casos nas regiões metropolitanas e litoral sul, justamente as mais populosas do estado. Além disso, também há concentração de casos nas regiões de São José do Rio Preto, Ribeirão Preto, Sul de Araraquara e Vale do Paraíba Paulista, que abrigam grande parcela da população no interior do estado. Estes resultados corroboram outros estudos que analisaram o padrão de distribuição da doença pelos territórios do país, em que a maior concentração dos casos ocorre, principalmente, nos grandes centros urbanos e regiões metropolitanas, dado o intenso fluxo de pessoas e a concentração dos serviços de saúde³⁰–³³.

Um estudo da análise espacial dos fatores associados às taxas de mortalidade por HIV/AIDS em idosos nas microrregiões do sul e sudeste do Brasil constatou que existem desigualdades regionais na distribuição espacial da mortalidade⁸. Fatores socioeconômicos, demográficos e de saúde influenciam diretamente essas taxas, sendo necessário abordar os determinantes sociais de saúde durante o estabelecimento de políticas públicas de saúde e programas de atenção voltados para o HIV/AIDS³⁰.

Apesar de não terem sido testadas associações dos resultados espaciais com determinantes sociais da saúde neste estudo, a literatura tem demonstrado uma tendência de periferização e pauperização do HIV/AIDS, representando de forma crescente desigualdades nos processos de saúde e doença. Um estudo realizado no município de São Paulo apontou aglomerados das taxas de mortalidade por HIV/AIDS em homens em locais de vulnerabilidade social e revelou que, ao longo do tempo, a doença abrangeu todas as regiões do município, com tendência de periferização³⁴.

Este trabalho apresenta algumas limitações, entre as quais se destaca a utilização das informações obtidas em bancos de dados secundários, estando a pesquisa sujeita ao viés da subnotificação ou falhas no preenchimento das fichas. Outra limitação diz respeito ao estigma relacionado à doença, que pode ter colaborado para a não menção dessa causa nas declarações de óbito. Mesmo com essas limitações, os resultados permitiram caracterizar a tendência de distribuição da mortalidade por HIV/AIDS no espaço ao longo do tempo a fim de prever os próximos resultados e quais fatores influenciam esse padrão na população idosa.

Em conclusão, o grupo etário em que ocorreu maior mortalidade por HIV/AIDS durante o período de 2010–2020 foi o de idosos mais jovens, entre 60 e 69 anos. Entretanto, a tendência de maior crescimento foi em idosos de mais de 69 anos. Durante o período analisado, o sexo mais prevalente foi o masculino. Foram observados clusters das menores taxas de mortalidade em regiões mais centrais do estado, onde ocorre maior concentração urbana, populacional e econômica. Os aglomerados das altas taxas de mortalidade foram localizados em regiões mais ao sul e norte do estado, onde se concentram locais de maiores desigualdades. Nesse sentido, faz-se necessário que as ações voltadas para o HIV/AIDS a essa população levem em consideração também os contextos geográficos, pois estes são de grande importância nos processos de saúde-doença.

• FONTE DE FINANCIAMENTO: nenhuma.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  28 Jul 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  14 Fev 2023
• Revisado
  18 Maio 2023
• Aceito
  18 Maio 2023