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Análise espacial da assistência a pacientes em terapia dialítica no Estado de Minas Gerais, Brasil, entre 2015 e 2019

RESUMO

Objetivo:

Analisar o fluxo espacial da assistência de pacientes em terapia dialítica nas regionais de saúde do estado de Minas Gerais.

Métodos:

Estudo ecológico que teve como população pacientes incidentes em terapia dialítica em instituições públicas, filantrópicas ou que tiveram seu tratamento custeado pelo Sistema Único de Saúde em clínicas privadas conveniadas, no estado de Minas Gerais. Os pacientes foram agregados por regional de saúde de residência. Foram calculadas as proporções de pacientes que fizeram diálise, bem como a inscrição na lista de transplante renal em sua própria região de residência ou fora dela. Estimadas as correlações de Person destas proporções com indicadores socioeconômicos e assistenciais das regionais de saúde. Técnicas exploratórias espaciais estimaram coeficientes de correlação espacial geral (I de Moran) e local (LISA).

Resultados:

Regiões com maior PIB apresentaram maior razão de nefrologistas e maior proporção de inscrições na própria região de residência. Identificou-se um cluster de regiões com PIB baixo mais ao nordeste do estado (também com valores mais baixos de razão de nefrologistas), um cluster de alta proporção de inscritos na lista de transplante no centro do estado, e um cluster de baixa proporção de diálise na mesma região de residência mais ao sudeste.

Conclusão:

Evidenciou-se disparidades regionais em relação à proporção de inscritos na lista de espera para o transplante renal, proporção de pacientes que realizavam diálise na mesma região de residência e proporção de pacientes inscritos na lista de espera para o transplante renal na mesma região de residência.

Palavras-chave:
Diálise renal; Disparidades em assistência à saúde; Análise espacial; Regionalização da saúde

ABSTRACT

Objective:

To analyze the spatial flow of care for patients undergoing dialysis therapy in the health regions of the State of Minas Gerais.

Methods:

Ecological study whose population was patients undergoing dialysis therapy in public, philanthropic institutions or whose treatment was paid for by the Unified Health System in private clinics in partnership, in the State of Minas Gerais. Patients were grouped by health region of residence. The proportions of patients who underwent dialysis were calculated, as well as enrollment on the kidney transplant list in their own region of residence or outside it. Person correlations of these proportions with socioeconomic and care indicators of the health regions were estimated. Spatial exploratory techniques estimated general (Moran’s I) and local (LISA) spatial correlation coefficients.

Results:

Regions with higher GDP had a higher number of nephrologists and a higher proportion of registrations in the region of residence. A cluster of regions with low GDP was identified further to the northeast of the State (also with lower nephrologist ratio values), a cluster with a high proportion of those registered on the transplant list in the center of the State, and a cluster with a low proportion of dialysis in the same region of residence further southeast.

Conclusion:

Regional disparities were evident in relation to the proportion of patients registered on the waiting list for kidney transplantation, the proportion of patients undergoing dialysis in the same region of residence and the proportion of patients registered on the waiting list for kidney transplantation in the same region of residence. residence.

Keywords:
Renal dialysis; Healthcare disparities; Spatial analysis; Regional health planning

INTRODUÇÃO

As iniquidades regionais no acesso às terapias renais substitutivas e o crescimento do número de pacientes em terapia dialítica têm sido apontadas como desafio mundial a ser superado para melhoria da qualidade do tratamento em nefrologia11. Paul S, Plantinga LC, Pastan SO, Gander JC, Mohan S, Patzer RE. Standardized transplantation referral ratio to assess performance of transplant referral among dialysis facilities. Clin J Am Soc Nephrol 2018; 13(2): 282-9. https://doi.org/10.2215/CJN.04690417
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. Destacam-se os impactos da heterogeneidade geográfica na disponibilidade de serviços, necessidade de deslocamento, fatores socioeconômicos, probabilidade de inserção de pacientes em lista de espera de acordo com o centro dialítico e taxa de transplante renal realizado por região22. Ross-Driscoll K, Axelrod D, Lynch R, Patzer RE. Using geographic catchment areas to measure population-based access to kidney transplant in the United States. Transplantation 2020; 104(12): e342-e350. https://doi.org/10.1097/TP.0000000000003369
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No Brasil, houve crescimento de aproximadamente 20,4% da população em tratamento dialítico no país, no período compreendido entre os anos de 2015 e 201933. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo brasileiro de diálise 2021 [Internet]. 2021 [acessado em 12 jan. 2022]. Disponível em: https://www.censo-sbn.org.br/lg
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. Além do aumento considerável do percentual de pacientes em diálise, o desequilíbrio na distribuição dos serviços assistenciais merece especial atenção, pois a região sudeste concentra 47% dos centros de diálise ativos no país, e aproximadamente 48,3% dos profissionais médicos especialistas em nefrologia33. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo brasileiro de diálise 2021 [Internet]. 2021 [acessado em 12 jan. 2022]. Disponível em: https://www.censo-sbn.org.br/lg
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O estado de Minas Gerais é marcado por iniquidades socioeconômicas entre suas regiões, onde encontram-se áreas com elevado desenvolvimento econômico e localidades marcadas pela extrema pobreza44. Pereira NJ, Souza KR. Pobreza no estado de Minas Gerais: uma análise da região Norte. Revista Iniciativa Econômica 2018; 4(2): 1-26.. De acordo com dados do último Censo Brasileiro de Diálise, estima-se que o estado de Minas Gerais possua 20.314 pacientes em tratamento dialítico, com prevalência de 949 por milhão de pessoas33. Sociedade Brasileira de Nefrologia. Censo brasileiro de diálise 2021 [Internet]. 2021 [acessado em 12 jan. 2022]. Disponível em: https://www.censo-sbn.org.br/lg
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. Em relação à lista de espera, o estado possuía, ao final de 2021, 2.923 pacientes com cadastro ativo em lista de espera para o transplante renal, valor correspondente a 14,3% da população em diálise55. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado 2014–2021 [Internet]. Registro Brasileiro de Transplantes; 2021. [acessado em 24 out. 2022]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2022/03/leitura_compressed-1.pdf
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Tendo em vista a reorganização e melhorias das condições de acesso aos serviços de saúde no estado de Minas Gerais, o Plano Diretor de Regionalização estabeleceu as Superintendências Regionais de Saúde (SRS) e Gerências Regionais de Saúde (GRS) como divisões administrativas para apoiar a gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), devido à extensão territorial e ao quantitativo de municípios no estado66. Governo do Estado de Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano estadual de saúde de Minas Gerais: 2020–2023 [Internet]. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2020 [acessado em 17 fev. 2022]. Disponível em: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2021/04/08-02-Plano-Estadual-de-Saude-de-Minas-Gerais-2020-2023.pdf
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. Já em relação à estrutura do Sistema Estadual de Transplante, o estado possui a Central Estadual de Transplante e sete Organizações de Procura de Órgãos (OPOs) cuja distribuição geográfica foi baseada na divisão das GRS e SRS77. Governo do Estado de Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais. Central Estadual de Transplantes. Plano estadual de doação e transplantes de órgãos e tecidos 2019–2023 [Internet]. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2019 [acessado em 17 fev. 2022]. Disponível em: https://saude.mg.gov.br/images/documentos/PLANO%20TRANSPLANTES%20site%2026-09%20ok.pdf
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A distribuição equitativa dos serviços especializados na assistência em nefrologia de alta complexidade é de fundamental importância para minimizar os impactos ocasionados pelas terapias renais substitutivas. Pacientes que necessitam de grandes deslocamentos até o centro dialítico têm apresentado declínio nos indicadores de saúde88. Pereira E, Santos MA, Carvalho M. Route of chronic kidney patients foreigners in the search for health care in a border area. Rev Bras Enferm 2021; 74(1): e20200752. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0752
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Por se tratar de uma condição crônica, onerosa e que possui reflexos no cotidiano da pessoa que necessita de uma terapia dialítica, bem como de seus familiares cuidadores, torna-se fundamental analisar o atual cenário do acesso dos indivíduos ao tratamento dialítico.

O presente estudo teve como objetivos analisar a distribuição e o fluxo espacial da assistência de pacientes em terapia dialítica nas regionais de saúde do estado de Minas Gerais e os fatores contextuais associados.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo ecológico que teve como população pacientes incidentes em terapia dialítica no período de 01/01/2015 a 31/12/2019, em instituições públicas, filantrópicas ou que tiveram seu tratamento custeado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em clínicas privadas conveniadas, no estado de Minas Gerais.

O estado de Minas Gerais está localizado na região Sudeste do Brasil, possui a quarta maior extensão territorial dentre os estados brasileiros, e o segundo maior contingente populacional. Destaca-se por ser o estado brasileiro com a maior quantidade de municípios, com 853 cidades. Porém, 55,8% delas possuem até 10.000 habitantes, e somente 32 apresentam população acima de 100.000 residentes66. Governo do Estado de Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano estadual de saúde de Minas Gerais: 2020–2023 [Internet]. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2020 [acessado em 17 fev. 2022]. Disponível em: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2021/04/08-02-Plano-Estadual-de-Saude-de-Minas-Gerais-2020-2023.pdf
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A fontes de dados foram: status em lista de espera para transplante renal cadastrado no Sistema Nacional de Transplante (SNT) e da Autorização para Procedimento de Alto Custo (APAC), ambos fornecidos pelo SNT em planilhas no Programa Excel, com uma identificação única dos pacientes, o que permitiu o seu relacionamento determinístico e a criação de um banco único a partir da integração de informações sobre os procedimentos dialíticos e a inscrição na lista de espera de cada paciente.

Excluiu-se os registros que estavam em duplicidade ou que apresentavam local de residência fora do estado de Minas Gerais. Foram incluídos na amostra registros de pacientes com idade igual ou superior a 18 anos, incidentes em diálise no período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019 e em tratamento dialítico crônico, caracterizado por pelo menos 90 dias em diálise. O banco inicial continha 33.915 pacientes cadastrados; desses foram excluídos: 4.031 pacientes que iniciaram diálise antes do ano de 2015, 610 que residiam fora do estado de Minas Gerais, 288 devido à idade inferior a 18 anos e 5.689 por estarem em terapia dialítica a menos de 90 dias. Logo, a população do estudo foi composta por 23.297 pacientes.

Os pacientes foram agregados por regional de saúde de residência (SRS ou GRS; n=28). Para cada paciente, foi identificada a regional de saúde onde iniciou o tratamento dialítico e a regional onde foi inscrito na lista de espera para transplante renal, se inscrito.

Para cada regional de saúde, foram calculadas as proporções de pacientes que fizeram diálise em sua própria região de residência (chamado fluxo interno de diálise) e a proporção em outra região de residência (fluxo externo). A mesma análise foi feita para a inscrição na lista de transplante, com identificação dos fluxos internos e externos.

As proporções de inscrição na lista de transplante e de fluxos internos foram calculadas e apresentadas em mapas temáticos, com quintis de sua distribuição. Para a representação dos fluxos assistenciais de pacientes, foram elaborados mapas com setas entre o centroide da região de residência e o centroide da região de assistência, com a espessura da seta proporcional ao número de pacientes.

Foi avaliada a associação (por correlação de Person) destas proporções com indicadores socioeconômicos e assistenciais das regionais de saúde, a partir de dados tabulados na página do Departamento de Informática do SUS (DATASUS). Considerando um modelo conceitual que propõe que a situação socioeconômica da região é um determinante dos recursos assistenciais disponíveis, e estes por sua vez condicionam o acesso a serviços e ações de saúde, foram selecionados os seguintes indicadores: PIB per capita (média de 2010 a 2013), cobertura da ESF em 2015 e razão de nefrologistas por 10.000 habitantes (média de 2015 a 2019).

Por fim, como técnicas exploratórias espaciais, foram estimados os coeficientes de correlação espacial geral (I de Moran) e local (LISA), este último apresentado como mapa de clusters significativos com a identificação de regiões discrepantes em relação a seu entorno, com os clusters BAIXO/ALTO ou ALTO/BAIXO. A unificação das planilhas, análises estatísticas e ilustrações dos mapas foram realizadas no Programa R v. 4.1.0.

O presente estudo obteve aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG), com parecer de número de 1.709.611.

RESULTADOS

Foram analisados 23.297 registros de pacientes incidentes em terapia dialítica no estado de Minas Gerais. Nas 28 regionais de saúde de Minas Gerais, o PIB per capita variou de R$ 5.552 a R$ 33.995, a cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) de 17,50 a 84,90% e a razão de nefrologistas de 0 a 0,44 por 10.000 habitantes, o que evidencia ampla diferença nos indicadores socioeconômicos e assistenciais (Tabela 1).

Tabela 1
Indicadores sociodemográficos e assistenciais das regionais de saúde no estado de Minas Gerais, 2015–2019.

Também houve grande variação dos indicadores relacionados à doença renal crônica (DRC), como a proporção de inscritos na lista de espera para o transplante renal, de 3,90 a 23,40%; a proporção de pacientes que realizavam diálise na mesma região de residência foi de 32,30 a 99,90%; e a proporção de pacientes inscritos na lista de espera para o transplante renal na mesma região de residência variou de 0 a 100% (Tabela 1). Os dados relacionados aos indicadores sociodemográficos e assistenciais das regionais de saúde do estado de Minas Gerais são apresentados na Tabela 1.

Ao observar a Tabela 2, percebe-se que as únicas variáveis com correlação significativa entre si foram: PIB per capita com razão de nefrologistas (r=0,504) e com proporção de inscritos na região de residência (r=0,460), e razão de nefrologistas com proporção de inscritos na região de residência (r=0,654). Apenas uma variável teve correlação espacial significativa, a proporção de inscrição na região de residência, com I de Moran de 0,25 (p=0,008) (Tabela 2).

Tabela 2
Coeficiente de correlação de Pearson entre as variáveis assistenciais.

Os mapas com as distribuições das variáveis por quintis evidenciam que as regiões com maior PIB são também as que tinham maior razão de nefrologistas e maior proporção de inscrições na própria região de residência. Analisando o mapa da correlação espacial local (LISA), identifica-se um cluster de regiões com PIB baixo mais ao nordeste de MG (o qual também tem valores baixos de razão de nefrologistas), um cluster de regiões com alta cobertura de ESF ao centro-leste do estado, e um cluster de alta proporção de inscritos na lista de transplante no centro do estado, com um cluster de baixa proporção de diálise na mesma região de residência um pouco ao sul e leste deste (Figuras 1 e 2).

Figura 1.
Distribuição espacial por quintis das variáveis socioeconômicas e assistenciais por regionais de saúde no estado de Minas Gerais, 2015–2019.
Figura 2.
Mapa de clusters de autocorrelação espacial local (LISA map) das variáveis socioeconômicas e assistenciais por regionais de saúde no estado de Minas Gerais, 2015–2019.

A Figura 3 apresenta os fluxos assistenciais nas regionais de saúde do estado de Minas Gerais para diálise e inscrição na lista de espera para o transplante renal. Através da análise dos mapas, pode-se identificar uma variedade de fluxos externos de pacientes em diálise para regiões vizinhas, enquanto no caso da inscrição na lista de transplante renal há deslocamentos maiores e o predomínio dos fluxos externos é para a regional de Belo Horizonte, capital do estado (Figura 3).

Figura 3.
Fluxos assistenciais para diálise e inscrição em lista de espera para o transplante renal nas regionais de saúde no estado de Minas Gerais, 2015–2019.

DISCUSSÃO

Destaca-se que o cenário vivenciado por pessoas com DRC é caracterizado por fortes disparidades sociodemográficas, étnicas e geográficas em todo o mundo99. Murray R, Zimmerman T, Agarwal A, Palevsky PM, Quaggin S, Rosas SE, et al. Kidney-related research in the United States: a position statement from the National Kidney Foundation and the American Society of Nephrology. Am J Kidney Dis 2021; 78(2): 161-7. https://doi.org/10.1053/j.ajkd.2021.04.006
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,1010. Châtelet V, Lobbedez T, Harambat J, Bayat-Makoei S, Glowacki F, Vigneau C. Précarité et greffe rénale: pourquoi et comment estimer son effet sur la santé des populations? Nephrol Ther 2018; 14(2): 81-4. https://doi.org/10.1016/j.nephro.2017.04.003
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, que refletem na distribuição dos serviços de saúde destinados aos pacientes em TRS, bem como no acesso aos serviços existentes1111. Kiani B, Bagheri N, Tara A, Hoseini B, Hashtarkhani S, Tara M. Comparing potential spatial access with self-reported travel times and cost analysis to haemodialysis facilities in North-Eastern Iran. Geospat Health 2018; 13(2). https://doi.org/10.4081/gh.2018.703
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O presente estudo evidenciou diferenças socioeconômicas e assistenciais representadas pelo PIB per capita, cobertura da ESF e disponibilidade de médicos nefrologistas nas regiões de saúde do estado. Os indicadores proporção de inscritos na lista de transplante, proporção de pacientes que realizavam diálise na mesma região de residência, e proporção de pacientes inscritos na lista de espera para o transplante renal na mesma região de residência, que estão relacionados à qualidade assistencial de pacientes em TRS, também sofreram ampla variação nas diferentes regiões de saúde. Iniquidades sociodemográficas, especificidades locais e distribuição desigual dos recursos impõem dificuldades de acesso aos diversos serviços de saúde em Minas Gerais66. Governo do Estado de Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais. Plano estadual de saúde de Minas Gerais: 2020–2023 [Internet]. Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais; 2020 [acessado em 17 fev. 2022]. Disponível em: https://www.conass.org.br/wp-content/uploads/2021/04/08-02-Plano-Estadual-de-Saude-de-Minas-Gerais-2020-2023.pdf
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, dentre eles a assistência voltada a pacientes em terapia dialítica.

A natureza complexa e dispendiosa da TRS tem estreita relação com o status econômico, com os melhores indicadores assistenciais e maior oferta de recursos destinados para o tratamento nefrológico disponíveis em localidades que apresentam maior PIB1212. Crews DC, Bello AK, Saadi G. Carga, acceso y disparidades en enfermedad renal. Arch Argent Pediatría 2019; 117(3): e243-e251. https://doi.org/10.5546/aap.2019.e243
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. Esta pesquisa encontrou correlação positiva entre o PIB per capita com razão de nefrologistas e com proporção de inscritos na região de residência. Houve, ainda, associação positiva entre a razão de nefrologistas com proporção de inscritos na região de residência.

As diferenças econômicas-estruturais das localidades repercutem em todas as etapas da assistência aos indivíduos em terapia dialítica e possibilidades de obtenção do transplante renal1313. Wesselman H, Ford CG, Leyva Y, Li X, Chang CCH, Dew MA, et al. Social determinants of health and race disparities in kidney transplant. Clin J Am Soc Nephrol 2021; 16(2): 262-74. https://doi.org/10.2215/CJN.04860420
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. No Brasil, a análise dos dados relacionados à assistência em alta complexidade em nefrologia demonstra que o aumento substancial de pacientes em terapia dialítica não tem sido acompanhado pelo crescimento de pacientes em lista de espera para o transplante renal e número de transplantes renais realizado55. Associação Brasileira de Transplante de Órgãos. Dimensionamento dos transplantes no Brasil e em cada estado 2014–2021 [Internet]. Registro Brasileiro de Transplantes; 2021. [acessado em 24 out. 2022]. Disponível em: https://site.abto.org.br/wp-content/uploads/2022/03/leitura_compressed-1.pdf
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. Como reflexo, há dificuldade de acesso cada vez maior aos cuidados especializados. Países com baixa renda apresentam menor disponibilidade de Centros Transplantadores e baixa oferta de médicos nefrologistas1212. Crews DC, Bello AK, Saadi G. Carga, acceso y disparidades en enfermedad renal. Arch Argent Pediatría 2019; 117(3): e243-e251. https://doi.org/10.5546/aap.2019.e243
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. A maior disponibilidade de médicos nefrologistas pode estar associada ao aumento da probabilidade de inscrição em lista de espera para o transplante renal, assim como baixo status socioeconômico está negativamente associado à inscrição1414. Pruthi R, Robb ML, Oniscu GC, Tomson C, Bradley A, Forsythe JL, et al. Inequity in access to transplantation in the United Kingdom. Clin J Am Soc Nephrol 2020; 15(6): 830-42. https://doi.org/10.2215/CJN.11460919
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A análise do mapa da correlação espacial local favorece a análise dos resultados das disparidades econômicas e estruturais no estado de Minas Gerais, sendo possível identificar um cluster de regiões com PIB baixo mais ao nordeste de MG, onde também foi encontrado baixa razão de nefrologistas. Tais achados reforçam as preocupações com a estruturação da rede assistencial na macrorregião nordeste, previamente apontada em outros estudos, com evidências de falha organizacional da rede para disponibilizar recursos terapêuticos, além de alta dependência de outras macrorregiões para assistência a médio e grande queimado1515. Souza MT, Nogueira MC, Campos EMS. Fluxos assistenciais de médios e grandes queimados nas regiões e redes de atenção à saúde de Minas Gerais. Cad Saúde Colet 2018; 26(3): 327-35. https://doi.org/10.1590/1414-462X201800030248
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. Outra pesquisa demonstrou que a macrorregião nordeste possui a maior média de deslocamento para realização das sessões de hemodiálise no estado1616. Pereira CV, Leite ICG. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes em terapêutica hemodialítica. Acta Paul Enferm 2019; 32(3): 267-74. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900037
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Pode-se ainda destacar a relevância organizacional da capital do estado e região metropolitana, pois há um cluster alta cobertura de ESF ao centro-leste do estado, assim como alta proporção de inscritos na lista de transplante no centro do estado. A ESF é apontada como uma importante ferramenta para gerir o cuidado de pacientes renais crônicos, tendo a prevenção, rastreio da doença e encaminhamento oportuno ao serviço especializado em nefrologia como destaque, que poderá refletir em melhor condição clínica ao iniciar uma TRS1717. Paula PHA, Santos PR, Salles Júnior LD, Dias MSA, Pinheiro PNC, Costa MIF. Assistência ao paciente renal antes do início da hemodiálise: estudo retrospectivo. Cienc Cuid Saúde 2020; 19: e50407. https://doi.org/10.4025/ciencuidsaude.v19i0.50407
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. A existência de recursos pode ser evidenciada ao analisarmos a distância percorrida para atendimento, no caso de médios e grandes queimados1515. Souza MT, Nogueira MC, Campos EMS. Fluxos assistenciais de médios e grandes queimados nas regiões e redes de atenção à saúde de Minas Gerais. Cad Saúde Colet 2018; 26(3): 327-35. https://doi.org/10.1590/1414-462X201800030248
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ou ainda de pacientes em terapia hemodialítica1616. Pereira CV, Leite ICG. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes em terapêutica hemodialítica. Acta Paul Enferm 2019; 32(3): 267-74. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900037
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, nos quais a macrorregião Centro obteve uma das menores necessidades de deslocamento.

As disparidades geográficas, inexistência de recursos e/ou vagas para atendimentos, ou ainda a busca pela assistência de maior qualidade, podem repercutir na migração de pacientes entre regiões1616. Pereira CV, Leite ICG. Qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes em terapêutica hemodialítica. Acta Paul Enferm 2019; 32(3): 267-74. https://doi.org/10.1590/1982-0194201900037
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. A região de Belo Horizonte obteve o maior fluxo de outras regiões para cadastro na lista de espera para transplante renal, fato que pode estar associado ao seu protagonismo devido ao alto número de transplantes renais realizados anualmente, bem como da logística da rede assistencial com a maior variedade de serviços. Estudos destacam que afastamento geográfico de grandes centros, localidades com baixos indicadores socioeconômicos e estrutura insuficiente relacionada à saúde reflete negativamente na inscrição dos pacientes em lista de espera, bem como no número de transplantes renais realizados1414. Pruthi R, Robb ML, Oniscu GC, Tomson C, Bradley A, Forsythe JL, et al. Inequity in access to transplantation in the United Kingdom. Clin J Am Soc Nephrol 2020; 15(6): 830-42. https://doi.org/10.2215/CJN.11460919
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,1818. Thurlow JS, Joshi M, Yan G, Norris KC, Agodoa LY, Yuan CM, et al. Global epidemiology of end-stage kidney disease and disparities in kidney replacement therapy. Am J Nephrol 2021; 52(2): 98-107. https://doi.org/10.1159/000514550
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O presente estudo possibilita uma nova análise da situação do tratamento em nefrologia de Alta Complexidade nas regiões de saúde do estado de Minas Gerais, através dos dados de todos os indivíduos que foram submetidos à terapia dialítica no período supracitado. As limitações do presente estudo estão relacionadas à natureza secundária dos dados extraídos das APACs, nas quais informações de preenchimento não obrigatório para o repasse financeiro, por vezes, estavam incompletas.

Os resultados do presente estudo evidenciaram disparidades regionais em relação à proporção de inscritos na lista de espera para o transplante renal, proporção de pacientes que realizavam diálise na mesma região de residência e proporção de pacientes inscritos na lista de espera para o transplante renal na mesma região de residência. As regiões com maior PIB são também as que tinham maior razão de nefrologistas e maior proporção de inscrições na própria região de residência.

É prioritário que ocorra reformulação da assistência aos indivíduos renais crônicos em tratamento dialítico, tendo em vista otimizar o acesso aos serviços, ampliar a qualidade da assistência ofertada e garantir a equidade em todas as etapas, ou seja, para que haja pacientes em melhores condições clínicas, maior conhecimento sobre a patologia e tratamento, além de aumento no encaminhamento de pacientes em lista de espera e ampliação de cirurgias para transplante renal.

Espera-se que o presente estudo estimule o debate sobre a necessidade de se otimizar a estrutura assistencial em nefrologia no estado de Minas Gerais, bem como a conscientização sobre as barreiras geográficas e socioeconômicas que refletem no acesso às terapias dialíticas e transplante renal. Logo, é necessário o estabelecimento e a divulgação de indicadores assistenciais das regiões de saúde do estado, para que se mantenha a qualidade das localidades com resultados satisfatórios e, nas regiões deficitárias, ocorra intervenção conjunta do Poder Público, Centros Dialíticos e Centros Transplantadores.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Serviço Nacional de Transplante pela disponibilização dos dados para análise.

  • Fonte de financiamento: CNPq Processo 303229/2019-5, Universidade Federal de Juiz de Fora.
  • Aprovação CEP: Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG). Número de aprovação: 4.007.602

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    14 Abr 2023
  • Revisado
    07 Nov 2023
  • Aceito
    08 Nov 2023
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