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As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes

The theoretical and analytical conceptions of Keynes and economic proposals

Resumos

O presente artigo mostra, de forma cronológica, como a natureza revolucionária das concepções e proposições teóricas de Keynes é desenvolvida ao longo de sua obra.

Keynes; revolução keynesiana; economia monetária


This article shows, in a chronological time, how the Keynesian revolutionary conceptions and theoretical proposals were developed in the main Keynes's works.

Keynes; keynesian revolution; monetary economy


As concepções teórico-analíticas e as proposições de política econômica de Keynes* * O autor agradece as sugestões dos pareceristas, eximindo-os, contudo, dos erros remanecentes.

The theoretical and analytical conceptions of Keynes and economic proposals

Fernando Ferrari Filho

Professor titular do Departamento de Ciências Econômicas da UFRGS e pesquisador do CNPq, e-mail: ferrari@ppge.ufrgs.br

RESUMO

O presente artigo mostra, de forma cronológica, como a natureza revolucionária das concepções e proposições teóricas de Keynes é desenvolvida ao longo de sua obra.

Palavras-chave: Keynes; revolução keynesiana; economia monetária

Código JEL: B2; B22

ABSTRACT

This article shows, in a chronological time, how the Keynesian revolutionary conceptions and theoretical proposals were developed in the main Keynes's works.

Key words: Keynes; keynesian revolution; monetary economy

INTRODUÇÃO

Como se sabe, as análises e proposições de política econômica de Keynes enquanto policy adviser do Tesouro Britânico e as concepções teóricas e prescrições econômicas contidas em seus artigos e livros — dentre os quais o de maior repercussão, a saber, The General Theory of Employment, Interest and Money, de agora em diante denominando GT — influenciaram o rumo do capitalismo e revolucionaram o estudo da economia moderna.

Desde o primeiro livro, Indian Currency and Finance, escrito em 1913, até o último artigo, "The Balance of Payments of the United States", publi cado em junho de 1946, após sua morte, Keynes sempre centrou suas atenções e energias em (i) entender a natureza dos problemas econômicos das economias empresariais modernas, economias monetárias,1 1 . Conforme Keynes (1964: vii), uma "monetary economy (...) is essentially one in which changing views about the future are capable of influencing the quantity of employment and not merely its direction". Em outras palavras, em economias monetárias, a moeda nunca é neutra. tais como a instabilidade do nível de preços, as flutuações cíclicas dos níveis de produto e emprego e as crises monetário-financeiras e (ii) apresentar soluções para os referidos problemas, que vão, via de regra, na direção da regulação do capitalismo por parte do Estado e em busca da arquitetura de uma nova ordem econômica mundial.

O presente artigo mostra, de forma cronológica, como a natureza revolucionária das concepções e proposições teóricas de Keynes é desenvolvida ao longo de sua obra. Nesse sentido, a "revolução" keynesiana é analisada a partir de uma dinâmica em que, inicialmente, Keynes questiona os fundamentos teóricos da economia clássica — quais sejam, as regras do regime monetário à la padrão-ouro (câmbio fixo, mecanismo de ajustamento automático do balanço de pagamentos, livre-comércio e sistema monetário alicerçado em ouro como reserva de liquidez internacional), Lei de Say e teoria quantitativa da moeda — e, a posteriori, ao rejeitar esses fundamentos, apresenta uma concepção teórico-analítica criativa e revolucionária para compreender e intervir na dinâmica do mundo real. Para tanto, o artigo, além desta breve introdução, está dividido em duas seções: a seção que se segue apresenta e analisa a (r)evolução da teoria de Keynes e, em seguida, são apresentadas as conclusões.

1. DAS CRÍTICAS AO CAPITALISMO LIBERAL À COMPREENSÃO DA DINÂMICA DAS ECONOMIAS MONETÁRIAS: A CONSTRUÇÃO DA REVOLUÇÃO KEYNESIANA

Em seus trabalhos iniciais, dentre os quais Indian Currency and Finance, as reflexões econômicas de Keynes concentram-se em analisar sistemas monetário-financeiros que sejam mais racionais e estáveis do que o regime padrão-ouro. No referido livro, por exemplo, Keynes argumenta que o regime padrão-ouro não propiciava a elasticidade necessária para dinamizar as relações comerciais e financeiras em nível mundial. Partindo de uma minuciosa análise comparativa dos sistemas monetários gold standard e gold-exchange standard, Keynes expressa seu ceticismo em relação à utilização do ouro como principal ativo de pagamentos e reservas internacionais. Nesse sentido, tendo como referência seus sólidos conhecimentos sobre o sistema monetário-financeiro indiano,2 2 . Ao ingressar no serviço público inglês na metade dos anos 1900, Keynes trabalhou no Departamento da Índia, tornando-se, mais tarde, membro da Real Comissão de Finanças e Moeda da Índia. Veja, para tanto, Skidelsky (1983, capítulo 11). Keynes apresenta uma proposição de reforma do sistema monetário-financeiro internacional com características semelhantes às do gold-exchange standard, visando, com isso, expandir a elasticidade da moeda de liquidez internacional. Para Keynes, a liquidez do sistema monetário-financeiro internacional não poderia continuar sendo dinamizada única e exclusivamente pela mercadoria ouro, visto que suas reservas dependiam do comportamento de "a lucky prospector, a new chemical process, or a change of ideas in Asia" (Keynes, 1913: 101), mas, sim, deveria ser constituída por ouro e por moedas de conversibilidade internacional.

Uma vez reestruturado o sistema monetário-financeiro internacional conforme a sistemática do regime gold-exchange standard, de modo que o ouro fosse gradualmente substituído como ativo de liquidez internacional, Keynes conclui que a "local currency artificially maintained at par with the international currency or standard of value (...) is the ideal currency of the future" (ibid.: 36, itálicos adicionados).

Quais motivos teriam levado Keynes a propor um regime monetário internacional à la gold-exchange standard? Em nosso ponto de vista, pelo menos três motivos devem ter sido levados em consideração para que Keynes propusesse a reformulação do sistema monetário-internacional conforme a sistemática do regime gold-exchange standard: (i) tornar mais elástica a liquidez internacional, visto que esta é imprescindível para expandir os volumes de comércio e de produção mundiais, (ii) fazer com que a política monetária pudesse ser mais ativa e, por conseguinte, eficiente, seja para estabilizar os níveis de preços, seja para, de forma contracíclica, dinamizar os níveis de renda e emprego,3 3 . Não é demais lembrar que, pelo regime padrão-ouro, a política monetária é totalmente passiva, uma vez que a expansão e a contração da oferta monetária doméstica e, por conseguinte, as volatilidades das taxas de juros dependem dos ingressos e saídas de reservas internacionais, ouro, respectivamente. e (iii) seu ceticismo acerca do mecanismo de ajustamento automático do balanço de pagamentos sob as regras do regime padrão-ouro.4 4 . Segundo o mecanismo de ajustamento automático do balanço de pagamentos sob as regras do regime padrão-ouro, países com superávits (déficits) de balanço de pagamentos acumulariam (reduziriam) reservas internacionais, expandindo (contraindo), assim, a oferta monetária doméstica. A expansão (contração) desta ocasionaria o aumento (a queda) dos preços domésticos, tornando os produtos comercializáveis no mercado internacional menos (mais) competitivos. Essa menor (maior) competitividade dos produtos no mercado internacional teria como conseqüência uma redução (expansão) das exportações, restaurando, assim, os equilíbrios de balanço de pagamentos.

A partir de então, as críticas ao regime padrão-ouro fundamentadas nas inúmeras propostas de reforma do sistema monetário-financeiro internacional formuladas por Keynes — diga-se de passagem, estas têm como ponto central a rejeição do ouro como principal international asset e a regulação da moeda de conversibilidade — tornam-se freqüentes nas reflexões e análises econômicas de Keynes, tanto em seus trabalhos acadêmicos quanto em suas discussões e proposições de políticas econômicas como policy adviser do Tesouro Britânico.

The Economic Consequences of the Peace, publicado em 1919, não somente tornou Keynes mundialmente famoso — seja porque nesse livro são apresentadas veementes críticas às cláusulas do Tratado de Versailles,5 5 . Segundo Keynes, que havia sido chefe do Tesouro Britânico na Conferência de Paz, as indenizações de guerra impostas pelos aliados à Alemanha não somente faria sucumbir a economia alemã, mas, também, poria em xeque a recuperação e a prosperidade da economia européia. Nesse sentido, segundo ele, se a Alemanha não fosse reintegrada na economia européia, não haveria estabilidade política e econômica. Detalhes sobre a participação de Keynes na Conferência de Paz podem ser encontrados em Skidelsky (1983, capítulo 16). seja pelo fato de que alguns de seus argumentos e reflexões nada otimistas acerca dos rumos da dinâmica política e econômica mundial, tais como os de que a Primeira Guerra Mundial havia empurrado os países derrrotados para a revolução e os países vencedores para a bancorrota, acabaram sendo observados nos anos subseqüentes — como apresenta, em nosso ponto de vista, alguns importantes insights do processo de transição das idéias de Keynes, inicialmente identificadas com os princípios do capitalismo liberal e, posteriormente, relacionadas às concepções teóricas revolucionárias acerca tanto da compreensão da dinâmica do capitalismo moderno quanto da necessidade de administrá-lo.

Preocupado com os rumos que a Europa poderia seguir diante de um contexto de recorrentes crises monetárias e de uma taxa de desemprego elevada, Keynes apresenta um argumento que vai ao encontro de uma frase atribuída a Lenin: "A melhor maneira de destruir o sistema capitalista é a destruição de sua moeda." Lenin, escreve Keynes (1988: 236), "was certainly right. There is no subtler, nor surer means of overturning the existing of basis of society than to debauch the currency".

No entender de Keynes (ibid.), as crises monetárias (inflacionárias) decorriam tanto dos crônicos desequilíbrios fiscais — cujas conseqüências eram emissões monetárias — e comerciais dos países — cujos resultados eram as volatilidades abruptas das taxas de câmbio — quanto da adoção de políticas protecionistas por parte dos governos nacionais, seja de cunho comercial, sejam cambiais. Essas crises, por sua vez, afetavam a base institucional do capitalismo, ou seja, as relações contratuais entre os agentes econômicos e as instituições.

Pois bem, objetivando a estabilidade da economia européia e do próprio capitalismo, Keynes apresenta uma proposição de reestruturação da ordem econômica mundial centrada nos seguintes pontos: revisão do Tratado de Versailles, principalmente das questões pertinentes às reparações de guerra — mais especificamente, Keynes propunha o cancelamento das dívidas de guerra — a reorganização do comércio internacional em conformidade com a sistemática do livre-comércio e uma reforma monetário-financeira internacional para assegurar uma maior elasticidade da liquidez internacional e estabilizar as taxas de câmbio.

Se as referidas medidas não fossem adotadas, escreve Keynes (ibid.: 296), "[t]he bankruptcy and decay of Europe (...) will affect every one in the long-run, but perhaps not in a way that is striking or immediate".

Apesar de sua preocupação com a possibilidade de haver, em um futuro próximo, uma grave crise européia de naturezas política, econômica e social, Keynes, otimista quanto às perspectivas de mudanças de mentalidade política e filosófica da sociedade como um todo, dedicou seu livro à "true voice of the new generation has not yet spoken, and silent opinion is not yet formed" (ibid.: 298).

Em suma, em The Economic Consequences of the Peace, Keynes, por um lado, deixa clara a idéia de que a reconstrução da ordem econômica e social mundial dependia da "administração do capitalismo" e, por outro, já sugere um papel de não-neutralidade da moeda quando propõe uma reforma monetário-financeira internacional.

Em 1921, Keynes publica A Treatise on Probability. Nesse livro, ele apresenta um conceito de probabilidade que, anos mais tarde, mais especificamente na GT, seria de suma importância para a compreensão da idéia de incerteza keynesiana.

A Treatise on Probability mostra que o conhecimento intuitivo é fundamental para a formação de uma crença racional. Dessa maneira, a probabilidade é definida como uma relação lógica na qual

we are claiming, in fact, to recognize correctly a logical connection between one set of propositions which we call our evidence and which we suppose ourselves to know, and another set which we call our conclusions, and to which we attach more or less weight according to the grounds supplied by the first. (Keynes, 1973a: 6)

Pela passagem acima, percebe-se que Keynes discute probabilidade como um conhecimento que é obtido por argumentos em que os termos certo e provável descrevem os graus de crença racional. Em outras palavras, a teoria da probabilidade de Keynes consiste em uma lógica na qual o grau de crença racional é sustentado em determinadas circunstâncias em função, principalmente, do peso do argumento.6 6 . Conforme Skidelsky (1983: 222, itálicos adicionados), Keynes "regarded both probability theory and economics as branches of logic, not of mathematics, which should employ methods of reasoning appropriate to the former, including and judgment, and incorporating a wide knowledge of non-numerical facts". Nesse sentido, a probabilidade condicionada de Keynes vai de encontro à teoria de probabilidade vigente em sua época: a teoria da freqüência em que a probabilidade está relacionada à ocorrência tão-somente dos fatos.

Nesse particular, Dequech (1998) argumenta que há um paralelo entre A Treatise on Probability e a GT: no primeiro, tem-se o binômio probabilidade-peso, ao passo que na GT é acentuado o binômio expectativas-estado de confiança. Assim sendo, incerteza e processo de decisão sob condições de incerteza, que são fundamentais na teoria de Keynes, estão tanto em A Treatise on Probability quanto na GT.

Ao longo da década de 1920, as análises e proposições de políticas econômicas de Keynes têm como objetivos centrais questionar e rejeitar a concepção tradicional da teoria quantitativa da moeda7 7 . Conforme a teoria quantitativa da moeda tradicional, existe uma relação direta e proporcional entre meios de pagamento e nível de preços. Em outras palavras, a moeda não afeta as variáveis reais. e criticar a lógica de funcionamento do capitalismo liberal.

Em A Tract on Monetary Reform, livro publicado em 1923, Keynes, ao apresentar uma análise detalhada das causas e as conseqüências das crises monetárias e cambiais da Europa no período pós-Primeira Guerra Mundial, elabora uma interessante análise da teoria e da política monetárias, a partir da reinterpretação da equação quantitativa de Cambridge.8 8 . Analiticamente, a equação quantitativa de Cambridge pode ser expressa como M = P.y.k, em que M é a oferta de moeda, P é o nível geral de preços, y é o produto real e k é a constante marshalliana, isto é, o inverso da velocidade de circulação da moeda. Assim, como atesta a teoria quantitativa da moeda tradicional, essa equação diz que, sendo y e k relativamente estáveis, M e P são diretamente proporcionais.

Inicialmente, ele mostra quais são os impactos econômicos e sociais sobre as classes sociais quando ocorrem variações no valor da moeda, uma vez que

when the value of money changes, it does not change equally for all persons or for all purposes ( ) Thus a change in prices and rewards, as measured in money, generally affects different classes unequally, transfers wealth from one to another, bestows affluence here and embarrassment there, and redistributes Fortune's favours so as to frustrate design and disappoint expectation. (Keynes, 1971: 1)

Nesse particular, a conclusão de Keynes é a que segue:

Each process, inflation and deflation alike, has inflicted great injuries. Each has an effect in altering the distribution of wealth between different classes, inflation in this respect being the worse of the two. Each has also an effect in overstimulating or retarding the production of wealth, though here deflation is the more injurious. (ibid.: 3)

Pois bem, se, segundo Keynes, variações no valor da moeda afetam as naturezas distributiva e produtiva da economia, o passo seguinte é mostrar que, pelo menos no curto prazo, a teoria quantitativa da moeda é instável, isto é, nem sempre a moeda afeta tão-somente o nível geral de preços, conforme atesta a referida teoria. Essa questão é desenvolvida ao longo do capítulo 3.

O fato de mostrar que, no curto prazo, a teoria quantitativa da moeda é instável não quer dizer, todavia, que Keynes a rejeita. Muito pelo contrário, segundo ele, "[t]his theory is fundamental. Its correspondence with fact is not open to question" (1971: 61, itálico adicionado).

Para fundamentar seu argumento de que no curto prazo não necessariamente há uma proporcionalidade entre oferta de moeda e nível de preços, Keynes reestrutura a equação quantitativa de Cambridge como segue:

em que n é a oferta de moeda, p é o nível geral de preços, k é a demanda por moeda em poder do público, k' é a demanda por moeda em termos de moeda bancária e r é a razão reservas bancárias/depósitos à vista.

Partindo da referida equação e considerando a idéia de que a "teoria quantitativa da moeda é fundamental", Keynes diz que

an arbitrary doubling of n, since this in itself is assumed not to affect k, r, and k', must have the effect of raising p to double (...) Now "in the long run" this is probably true. (ibid.: 65)

Todavia, para mostrar que há uma instabilidade da teoria quantitativa da moeda no curto prazo, a equação (1) mostra que a velocidade de circulação da moeda, determinada tanto pelos hábitos do público em demandar moeda quanto pelo comportamento do sistema bancário em alterar a razão reservas bancárias/depósitos, acaba afetando a oferta de crédito e, portanto, o estoque de moeda da economia. Assim sendo, não somente a oferta de moeda afeta o nível geral de preços, mas, também, a velocidade de circulação da moeda passa a influenciá-lo. Em outras palavras, no curto prazo, a proporcionalidade entre oferta de moeda e nível geral de preços, essência da teoria quantitativa da moeda, deixa de ser válida.9 9 . É importante mencionar que ao endogenizar a velocidade de circulação da moeda, Keynes introduziu um elemento na teoria quantitativa da moeda que será de suma importância para o desenvolvimento de sua teoria monetária da produção nos anos 1930, qual seja, o papel das expectativas no processo de tomada de decisão dos agentes econômicos.

Indo ao encontro da idéia acima, Keynes diz que: "[o] long run is a misleading guide to current affairs. In the long run we are all dead" (ibid.: 65). A metáfora utilizada por ele sinaliza que, no curto prazo, variações no estoque de moeda influenciam as expectativas do público e do sistema bancário em relação às suas decisões de demanda por moeda e de expansão da oferta de crédito, respectivamente, afetando, assim, o nível geral de preços. Especificamente, Keynes escreve que

after, during, and ( ) before a change in the value of n, there will be some reaction on the values of k, k', and r, with the result that the change in the value of p, at least temporarily and perhaps permanently ( ) will not be precisely in proportion to the change in n. (ibid.: 66-67)

( ) the price level is not mysterious, but is governed by a few, definite, analyzable influences. Two of these, n and r, are under the direct control ( ) of the central banking authorities. The third, namely k and k', is not directly controllable, and depends on the mood of the public and the business world. (ibid.: 68)

Se a moeda importa, pelo menos no curto prazo, então regras de administração monetária são necessárias para "preserving the stability of business (...) and employment" (ibid.: 138). Para tanto, conclui Keynes, "[t]he main point is that the objective of the authorities, pursued with such means as are at their command, should be stability of prices" (ibid.: 149).

As conclusões de Keynes sugerem que, em um contexto de instabilidades de preços e cambial, a prioridade deveria ser estabilizar o nível de preços, pois estes eram fundamentais para a formação das expectativas dos agentes econômicos que, por conseguinte, acabavam afetando as dinâmicas produtiva e distributiva.

A cruzada de Keynes contra o regime padrão-ouro tornou-se mais contundente quando o ministro das Finanças da Inglaterra, Winston Churchill, decidiu restabelecer, em abril de 1925, o regime padrão-ouro na Inglaterra, à paridade vigente no período pré-Primeira Guerra Mundial: 4,86 dólares norte-americanos por uma libra esterlina. A reação de Keynes foi imediata: em julho ele escreveu um artigo, intitulado The Economic Consequences of Mr.Churchill, criticando veementemente a decisão do governo inglês.

O principal argumento de Keynes era que a referida decisão resultaria na sobrevalorização da libra esterlina, em torno de 10,0%, cujas conseqüências seriam "a general fall of all internal prices and wages" (Keynes, 1972: 208) e, por conseguinte, uma situação "to encourage imports and to discourage exports, thus turning the balance trade against us [Inglaterra]" (ibid.: 216). Em suma, para Keynes a depressão e o desemprego na Inglaterra agravar-se-iam.

Naquela ocasião, a solução apresentada por Keynes para evitar as referidas conseqüências foi na direção de que a Inglaterra deveria, de uma vez por todas, abandonar o regime monetário padrão-ouro. Apesar de essa solução não se constituir em novidade, uma vez que há anos Keynes vinha sendo crítico do regime padrão-ouro, seu argumento para a Inglaterra abandonar o regime padrão-ouro foi original e "revolucionário", pois, segundo Keynes, esse regime monetário somente era compatível em um contexto de capita-lismo à la laissez-faire, que, naturalmente, não era a lógica do capitalismo vigente nos anos 1920. A passagem que segue ilustra essa idéia:

The gold standard, with its dependence on pure chance, its faith "in automatic adjustments", and its general regardlessness of social detail, is an essential emblem and idol of those who sit in the top tier of the machine. I think that they are immensely rash in their regardlessness, in their vague optimism and comfortable belief that nothing really serious ever happens. Nine times out of ten, nothing really serious does happen — merely a little distress to individuals or to groups. But we run a risk of the tenth ( ) if we continue to apply the principles of an economics, which was worked out on the hypotheses of laissez-faire and free competition, to a society which is rapidly abandoning these hypotheses. (ibid.: 224)

Ainda na linha de suas críticas ao capitalismo liberal, em 1926 Keynes escreve "The End of Laissez-Faire". Nesse artigo, ele, ao mostrar que o laissez-faire não conciliava os interesses individuais com os sociais,10 10 . Nas palavras de Keynes (1972: 287-288), "[t]he world is not so governed from above that private and social interest always coincide (...) It is not a correct deduction from the principles of economics that enlightened self-interest always operates in the public interest". bem como ao dizer que os principais problemas econômicos, sociais e políticos decorriam, em grande parte, dos "risk, uncertainty, and ignorance" (ibid.: 291), argumenta que a regulação do capitalismo é capaz de assegurar a estabilidade econômica e a harmonia social. As citações a seguir vão nessa direção:

I believe that the cure for these things [economic and social instabilities] is partly to be sought in the deliberate control of the currency and of credit by a central institution ( ) [my] reflections have been directed towards possible improvements in the technique of modern capitalism by the agency of collective action. (ibid.: 292-293)

I think that capitalism, wisely managed, can probably be made more efficient for attaining economic ends than any alternative system in sight ( ) Our problem is to work out a social organization which shall be as efficient as possible without offending our notions of a satisfactory way of life. (ibid.: 294)

Ademais, Keynes argumenta que "doctrinaire State Socialism ( ) is, in fact, little better than a dusty survival of a plan to met the problems of fifty years ago, based on a misunderstanding of what someone said a hundred years ago" (ibid.: 290-291). Explorando um pouco mais a referida passagem, Keynes deixa claro que sua crítica ao socialismo não era "because it seeks to engage men's altruistic impulses in the service of society, or because it departs from laissez-faire, or because it takes away from man's natural liberty to make a million, or because it has courage for bold experiments. All these thing I applaud" (ibid.: 290).

Enfim, em The End of Laissez-Faire Keynes tem ciência de que a sobrevivência do capitalismo dependeria da "mão visível" do Estado, de maneira a regular as disfunções socioeconômicas protagonizadas pelo mercado.

No final dos anos 1920, as atenções e energias de Keynes estão divididas entre suas atividades na Comissão Macmillan — que reunia um conjunto de economistas e técnicos do governo inglês com a finalidade de encontrar estratégias alternativas de política econômica para redinamizar a economia inglesa11 11 . As discussões e proposições de Keynes na Comissão Macmillan podem ser encontradas em Keynes (1981). — e a elaboração de seu livro A Treatise on Money, publicado em 1930.

Na referida comissão, Keynes apresenta um conjunto de proposições para solucionar o desemprego na Inglaterra que não somente vão de encontro à condução da política econômica daquela época, mas iriam influenciar os rumos da revolução keynesiana nos anos subseqüentes. Para Keynes, uma vez que a operacionalização de políticas monetária e cambial era limitada, pois a Inglaterra estava atrelada ao regime padrão-ouro, o desemprego poderia ser combatido por meio de investimentos públicos, programas sociais e políticas protecionistas.

Em A Treatise on Money, dividido em dois volumes, Keynes analisa e dis cute, em termos teóricos e práticos, o papel da moeda e a dinâmica do sistema monetário, nacional e internacional.

No primeiro volume, Keynes elabora uma teoria de escolha de ativos, conectando os lados real e monetário da economia, visando, com isso, descrever o funcionamento de uma economia quando ocorrem mudanças de expectativas dos preços dos ativos, pois essas afetam as decisões de gastos dos indivíduos e, por conseguinte, os níveis de produção e de emprego.

O ponto de partida da análise de Keynes são suas equações fundamentais,12 12 . Veja, para tanto, Keynes (1976, capítulo 10). que analisam a teoria quantitativa da moeda marshalliana em termos dinâmicos. Pelas equações fundamentais — elas expressam as relações entre custos de produção e preços de mercado e/ou poupança e investimento —, partindo de uma situação em que os custos de produção são relativamente estáveis no curto prazo, a economia encontra-se em desequilíbrio, em contextos tanto de deflação e de desemprego quanto de inflação e de produção operando acima do pleno emprego, quando o volume de poupança é maior do que o montante de investimento, e vice-versa, respectivamente. Em outras palavras, os desequilíbrios manifestam-se quando há uma disposição do público para manter riqueza na forma monetária.

Mas o que faz a economia afastar-se de uma posição de equilíbrio inicial, por exemplo, de pleno emprego? No capítulo 13, Keynes analisa o papel que a taxa de juros exerce na condição de equilíbrio das equações fundamentais. Nas palavras dele (1976: 185),

bank-rate ( ) is the instrument by which a disturbance is set up or equilibrium restored between the rates of Saving and of Investment; for to raise it stimulates the one and retards the other, and conversely if it is reduced.

A idéia de Keynes é mostrar que a taxa de juros tem um efeito psicológico sobre os agentes econômicos, pois ela influencia as expectativas deles. Segundo Keynes, os efeitos da taxa de juros são diversos:

generally speaking ( ) we may expect the direct and primary effects of a rise of bank-rate to be a fall in the price of fixed capital and, therefore ( ) the price-level of investment-goods, and an increase of saving ( ) What are its secondary effects? The fall in the attractiveness of fixed capital at the existing price will make it impossible for producers of capital-goods to market their output on terms as satisfactory as before in relation to their cost of production ( ) At the same time, any increase of saving must mean a diminution in the flow of income directed towards the purchase of liquid consumption-goods ( ) What will be the tertiary effects of the rise of bank-rate which we have been considering? The decline in the rate of investment will cause a fall in [the price-level of liquid consumption-goods] additional to any fall caused by the increase of savings ( ) Thus a state of unemployment may be expected to ensure, and to continue, until the rise in bank-rate is reversed. (ibid.: 204-206)

A passagem acima sinaliza que a elevação da taxa de juros reduz os recursos destinados para a circulação industrial do capital, ao passo que os recursos destinados para a circulação financeira do capital crescem,13 13 . Por circulação industrial do capital entende-se o volume de moeda destinado ao processo produtivo (moeda como meio de troca), ao passo que a circulação financeira do capital diz respeito ao montante de moeda que tem como destino dinamizar as atividades do sistema monetário-financeiro (moeda como reserva de valor). Nas palavras de Keynes (1976: 243), "[b]y Industry we mean the business of maintaining the normal process of current output, distribution and exchange and paying the factors of production their incomes (...) By Finance, on the other hand, we mean the business of holding and exchanging existing titles to wealth (...) including Stock Exchange and Money Market transactions, speculation and the process of conveying current savings and profits into the hands of entrepreneurs". pois as expectativas que os agentes econômicos têm em relação à futura "precificação" da taxa de juros e, principalmente, dos preços dos ativos reais acabam afetando seus encaixes reais, isto é, eles entesouram moeda. Em suma, a idéia de Keynes é mostrar que uma parte substancial da renda é entesourada para fins de especulação em face da incerteza acerca do valor futuro dos preços dos ativos.

Uma vez que as expectativas condicionam os encaixes reais, logo o volume de recursos destinados à circulação financeira do capital passa a depender dos comportamentos especulativos dos agentes econômicos nos próprios mercados financeiros. Os agentes econômicos no mercado financeiro, por sua vez, comportam-se à la bear (aqueles que têm posições pessimistas e apostam na alta da taxa de juros e, por conseguinte, na queda dos preços dos títulos financeiros, o que acaba ocasionando a retenção de moeda, levando, assim, coeterius paribus, a economia à depressão) e bull (agentes que têm posições otimistas e acreditam na queda da taxa de juros e, por conseqüência, na elevação dos preços dos títulos financeiros, resultando, assim, tudo o mais sendo constante, na redução do entesouramento da riqueza monetária e no boom da atividade econômica).

Pois bem, tendo como referência as idéias e as definições acima, Keynes conclui que são as flutuações na circulação financeira do capital que desequilibram o sistema econômico. Em outras palavras, não há uma relação proporcional entre oferta monetária e nível de preços, conforme atesta a teo ria quantitativa da moeda, pois a demanda por moeda (velocidade de circulação da moeda) não é constante. Nas palavras de Keynes (ibid.: 254),

changes in the financial situation are capable of causing changes in the value of money in two ways. They have the effect of altering the quantity of money available for the Industrial Circulation; and they may have the effect of altering the attractiveness of Investment ( ) If the Bank increases the volume of Bank-money so as to avoid any risk of the Financial Circulation stealing resources from the Industrial Circulation, it will encourage the "bull" market continue ( ) which will lead to over-investment later on; whereas if it refuses to increase the volume of Bank-money, it may so diminish the amount of money available for Industry, or so enhance the rate of interest at which it is available, as to have an immediately deflationary tendency.

Em conclusão, posições de retenção da moeda (especulativas) afetam os preços dos ativos e, portanto, as variáveis reais (renda e emprego).

O que fazer? Para Keynes, por um lado, a política monetária tem que ser operacionalizada de maneira a propiciar o equilíbrio entre a taxa natural de juros (retorno do investimento) e a taxa de mercado (determinada pelo Banco Central e pelo sistema financeiro), pois, assim sendo, os volumes de poupança e investimento tendem a se igualar. Por outro, em um contexto no qual a política monetária é impotente para restaurar o equilíbrio econômico, políticas públicas devem ser implementadas.

No segundo volume de A Treatise on Money, os capítulos 30 e 38 chamam atenção, pois neles Keynes desenvolve uma idéia revolucionária sobre a relação de causalidade entre poupança e investimento e apresenta uma proposição de reforma monetário-financeira internacional, respectivamente. A idéia revolucionária acerca da causalidade entre poupança e investimento é de fundamental importância para a compreensão do princípio da demanda efetiva,14 14 . É importante ressaltar que o investimento agregado é que determina a poupança agregada, sendo esses montantes iguais ex post. Conforme a lógica keynesiana, tomada a decisão de investir, os empreendedores buscam, junto aos bancos, financiamento, gerando, por sua vez, uma demanda por moeda para iniciar os projeto de financiamento ( fi nance). Uma vez realizado o investimento, a renda é determinada e expandida por efeito do multiplicador, sendo alocada tanto para consumo quanto para poupança. Em contrapartida, a poupança originada pela renda é alocada pelo público em algum ativo monetário junto aos bancos, possibilitando, assim, um fundo rotativo para novos investimentos. Assim sendo, a poupança depende do investimento ex ante, porque deste resulta a renda, cuja parcela não consumida constitui a poupança ex post. Essas idéias de Keynes sobre "fundo rotativo" e finance motive podem ser encontradas em The General Theory of Employment e Alternatives Theory of the Rate of Interest (Keynes, 1973c). elaborado na GT, e a proposição de reforma monetáriofinanceira internacional irá fundamentar os argumentos de Keynes sobre a rearquitetura da ordem econômica mundial apresentada em Proposals for an International Clearing Union (Keynes, 1980).

No capítulo 30, Keynes, ao contrário dos economistas clássicos que atestavam ser a poupança imprescindível para a realização do investimento e, por conseguinte, o crescimento tanto da produção quanto do emprego, argumenta que a poupança não precede o investimento. Nas palavras dele (ibid.: 148-149),

It has been usual to think of the accumulated wealth of the world as having been painfully built up out of that voluntary abstinence of individuals from the immediate enjoyment of consumption which we call Thrift. But it should be obvious that mere abstinence is not enough by itself to build cities or drain fens ( ) It is enterprise which builds and improves the world's possessions ( ) the engine which drives Enterprise is not Thrift , but Profit.

No capítulo 38, Keynes elabora uma proposição de reforma monetáriofinanceira internacional que consiste na criação de um Banco Central mundial, denominado Supernational Bank-Money (SBM), cujas funções seriam: controlar o volume de liquidez e de crédito internacionais; administrar e estabilizar o valor das reservas internacionais; realizar políticas de open-market, visando à regulação da liquidez internacional; assegurar a rigidez relativa das taxas de câmbio; e zelar pela estabilidade do valor da moeda de liquidez internacional, evitando, assim, processos inflacionário e deflacionário na economia mundial. Em suma, a proposição de Keynes rejeitava, definitivamente, o regime padrão-ouro como mecanismo de arranjo monetário-financeiro internacional.

A reação no meio acadêmico em relação a A Treatise on Money frustrou as expectativas iniciais de Keynes: o livro não só não obteve êxito comercial, como ainda foi alvo de inúmeras críticas. Entre essas, as apresentadas por um grupo de jovens economistas, tais como Joan Robinson, James Meade, Richard Khan, Piero Sraffa e Roy Harrod, que integravam o chamado "Cambridge Circus",15 15 . Sobre o "Cambridge Circus", veja, para tanto, Skidelsky (1992, capítulo 13). foram de fundamental importância para que Keynes começasse a trabalhar naquela que constituir-se-ia, em 1936, no seu principal livro: GT. O projeto de Keynes na GT consiste em, por um lado, mostrar a lógica de funcionamento de uma economia monetária, negando, assim, o princípio de mercados auto-equilibrantes e auto-regulados, e, por outro, propor medidas econômicas que evitem as flutuações cíclicas dos níveis de produto e de emprego.

Para Keynes, flutuações de demanda efetiva e no nível de emprego ocorrem porque, em um mundo no qual o futuro é incerto e desconhecido, os indivíduos preferem reter moeda e, por conseguinte, suas decisões de gastos, seja de consumo, seja de investimento, são postergadas. Nas palavras de Keynes (1973b: 411, itálicos adicionados), "booms and depressions are phenomena peculiar to an economy in which ( ) money is not neutral".

Por que, na economia de Keynes, a moeda deixa de ser neutra? Em outras palavras, por que a retenção de moeda, por parte dos indivíduos, se constitui em uma forma de segurança contra a incerteza em relação aos seus planos de transações e produção, condicionando, assim, a dinâmica do processo produtivo? A explicação encontra-se em dois capítulos específicos da GT: 12 e 17.16 16 . Nunca é demais mencionar que os capítulos 13 e 15, ao explicarem a determinação da taxa de juros a partir da recompensa pela renúncia à liquidez e os motivos precaução e especulação da demanda por moeda, respectivamente, são de suma importância para justificar a não-neutralidade da moeda desenvolvida nos capítulos 12 e 17.

No capítulo 12, Keynes mostra que as expectativas dos indivíduos, mais especificamente dos investidores, são determinadas pelos seus instintos, animal spirits, e não necessariamente pelo rendimento esperado de um ativo, uma vez que as informações necessárias à formação dessas podem não existir.17 17 . Segundo Keynes (1964: 162-163), "human decisions affecting the future, whether personal or political or economic, cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis for making such calculations does not exist". Para Keynes, a atividade econômica é operacionalizada conforme o calendário de um tempo histórico: as decisões dos agentes econômicos são realizadas tendo como referência a irreversibilidade do passado e a imprevisibilidade e o desconhecimento do futuro. Nesse sentido, em um mundo no qual os indivíduos não conseguem prever o futuro,

previous expectations are liable to disappointment and expectations concerning the future affect what we do today. It is when we have made this transition that the peculiar properties of money as a link between the present and the future must enter into our calculations ( ) Money ( ) is, above all, a subtle device for linking the present to the future; and we cannot even begin to discuss the effect of changing expectations on current activities except in monetary terms ( ) So long as there exists any durable asset, it is capable of possessing monetary attributes and, therefore, of giving rise to the characteristic problems of a monetary economy. (Keynes, 1964: 293-294)

No capítulo 17, Keynes mostra que a moeda é um ativo que se diferencia dos demais em razão de suas propriedades essenciais: por um lado, sua elasticidade de produção é zero — isto é, a moeda não é produzida pela quantidade de trabalho que o setor privado incorpora no processo produtivo; por outro, a elasticidade-substituição da moeda é nula, o que quer dizer que nenhum outro ativo não líquido exerce as funções de unidade de conta, meio de troca e reserva de valor que são desempenhadas pela moeda.

As referidas propriedades da moeda são fundamentais para caracterizar a importância que a moeda exerce em uma economia monetária: ao ser a segurança contra a incerteza, ela aproxima, por meio dos contratos monetários, passado, presente e futuro, coordenando, assim, a atividade econômica.

Pois bem; o princípio da demanda efetiva, essência da revolução da teoria keynesiana, é desenvolvido a partir da idéia de não-neutralidade monetária (Davidson, 1994): existe insuficiência de demanda efetiva pelo fato de que os indivíduos alocam renda na forma de riqueza não reprodutível, em vez de alocá-la para a aquisição de bens produzidos por trabalho. Em outras palavras, pelo princípio da demanda efetiva, as crises econômicas se manifestam porque a moeda é uma forma alternativa de riqueza.

Qual é a solução de Keynes para a insuficiência de demanda efetiva? Em um contexto no qual, por um lado, a política monetária não consegue induzir os agentes econômicos a se livrarem da riqueza monetária, revertendo, assim, suas decisões de gastos (Keynes, 1964: 267), e, por outro, a flexibilidade dos salários nominais não é condição necessária nem suficiente para manter a economia em pleno emprego (ibid.: 257), a intervenção do Estado, seja em termos de atividade produtiva e de políticas públicas, seja no sentido de criar mecanismos que propiciem um ambiente institucional favorável às tomadas de decisões dos agentes econômicos, constitui-se na solução para as crises de demanda efetiva. Nas palavras de Keynes (ibid.: 378),

State will have to exercise a guiding influence on the propensity to consume ( ) [in] optimum rate of investment ( ) [Moreover] a somewhat comprehensive socialisation of investment will prove the only means of securing an approximation to full employment.

Essa "socialização do investimento", concomitantemente com a possibilidade de uma redução abrupta da taxa de juros, sinalizaria "the euthanasia of the rentier, and, consequently, the euthanasia of the cumulative oppressive power of capitalist to exploit the scarcity-value of capital" (ibid.: 376).

No final dos anos 1930 e durante a Segunda Guerra Mundial, Keynes, ao passar a assessorar o Tesouro Britânico nas principais ações de política econômica, elaborou duas propostas, quais sejam, How to Pay for the War e Proposals for an International Clearing Union, que, de certa maneira, acabariam contribuindo para consolidar os fundamentos teóricos da regulação do capitalismo a partir dos anos 1950.

Em How to Pay for the War, escrito em 1939, Keynes objetiva responder à seguinte pergunta: como é possível financiar os gastos de guerra de um país, mais especificamente da Inglaterra durante a Segunda Guerra Mundial, sem, contudo, criar pressões inflacionárias adicionais para a economia? Ciente de que, naquele período, as restrições não eram de demanda — muito pelo contrário, o problema era falta de oferta —, Keynes apresenta uma proposta, denominada compulsory saving, em que as rendas das classes socais deveriam ser momentaneamente "confiscadas", visando, com isso, (i) aumentar as receitas governamentais, então imprescindíveis para financiar os gastos do governo inglês com a Segunda Guerra Mundial, e (ii) contrair a demanda agregada, evitando, assim, pressões inflacionárias. Por sua vez, a "poupança compulsória" acumulada seria devolvida aos indivíduos ao final da guerra.18 18 . Pela proposta de Keynes, as classes sociais mais pobres seriam compensadas sob a forma de subsídios. Veja, para tanto, Keynes, 1972. A despeito das reações contrárias à sua proposta (Skidelsky, 2000, capítulo 3), uma vez que ela impunha sacrifícios à maioria da população, a "poupança compulsória" foi implementada durante a Segunda Guerra Mundial. As conseqüências da implementação da proposta de Keynes foram duas: no curto prazo, o desaquecimento do consumo resultou na estabilização do processo inflacionário, bem como o governo inglês pôde financiar seus gastos de guerra; no longo prazo, a "poupança compulsória" capitalizada criou um estoque de riqueza à disposição de cada indivíduo.

Em Proposals for an International Clearing Union, que acabou se constituindo na proposição inglesa apresentada quando das discussões que antecederam a Conferência de Bretton Woods — que, diga-se de passagem, reestruturou o sistema monetário-financeiro mundial após a Segunda Guerra Mundial —, Keynes, preocupando-se que houvesse "the substitution of an expansionist, in place of a contractionist, pressure on world trade" (Keynes, 1980: 176), sugere a arquitetura de uma ordem econômica mundial articulada sob a égide de um Banco Central internacional, Clearing Union, emissor de uma moeda de conversibilidade internacional autônoma, denominada bancor. Segundo Keynes, o Banco Central internacional deveria ser capaz de (i) expandir a demanda efetiva global, (ii) prover um mecanismo que restaurasse, autonomamente, os equilíbrios de balanço de pagamentos dos países,19 19 . Para Keynes, os custos de ajustes de balanço de pagamentos deveriam recair tanto sobre os países deficitários quanto sobre os países superavitários. (iii) estabelecer controles sobre os movimentos de capitais, essencialmente de portfólio, e (iv) manter estável, seja pela rigidez relativa das taxas de câmbio, seja pela regulação da oferta monetária, a moeda de liquidez internacional. Nas palavras de Keynes (ibid.: 168-169),

We need an instrument of international currency having general acceptability between nations ( ) We need an orderly and agreed method of determining the relative exchange values of national currency units ( ) We need a quantum of international currency, which is neither determined in an unpredictable and irrelevant manner ( ) nor subject to large variations depending on the gold reserve policies of individual countries; but is governed by the actual current requirements of world commerce, and is also capable of deliberate expansion and contraction to offset deflationary and inflationary tendencies in effective demand world. We need a system possessed of an international stabilizing mechanism, by which pressure is exercised on any country whose balance of payments with the rest of the world is departing from equilibrium in either position, so as to prevent movements which must create for its neighbours an equal but opposite want of balance ( ) We need a central institution ( ) to aid and support other international institutions.

A passagem acima parece sinalizar que a proposta de Keynes objetivava reduzir as incertezas dos agentes econômicos em relação às suas decisões de gastos futuros. Essa idéia fica clara quando as atenções são voltadas para a natureza da moeda de liquidez internacional sugerida por ele, pois esta não seria passível de retenção por parte dos agentes econômicos.20 20 . Sobre essa idéia, veja Ferrari Filho (1999).

Uma vez implementado esse conjunto de medidas, Keynes, otimista em relação à dinâmica da economia mundial, acreditava que a Clearing Union poderia tornar-se, após a Segunda Guerra Mundial, um instrumento de fundamental importância para "use its influence and its power to maintain stability of prices and to control the trade cycle" (ibid.: 190-191).

Apesar de a proposta de Keynes não ter tido êxito — a proposição alternativa da delegação norte-americana, baseada nas idéias de Harry White, acabou predominando durante a Conferência de Bretton Woods21 21 . Veja, por exemplo, Skidelsky (2000, capítulos 6 e 7). —, seus argumentos e reflexões acabaram influenciando a articulação da nova ordem econômica mundial erigida após a Segunda Guerra Mundial e vigente até o início dos anos 1970.

No ano de 1946, em um artigo publicado na Economic Journal após sua morte — abril de 1946 — intitulado "The Balance of Payments of the United States", Keynes apresenta algumas considerações sobre o setor externo da economia norte-americana que seriam um presságio da crise e da ruptura do sistema monetário-internacional de Bretton Woods na década de 1970. Nesse artigo, Keynes argumenta que a liquidez e a estabilidade do regime padrão-ouro-dólar de Bretton Woods somente se sustentariam se os Estados Unidos tivessem disciplina fiscal e acumulação de resevas cambiais provenientes de recorrentes superávits no balanço de pagamentos. Caso contrário, a relação de conversibilidade ouro-dólar não seria sustentada ao longo do tempo.

Pois bem, no início dos anos 1960, diante de um contexto no qual os Estados Unidos apresentavam sérios problemas de desequilíbrio fiscal por causa dos gastos de financiamento com a Guerra do Vietnã, e de deterioração do balanço de pagamentos, as autoridades monetárias dos principais países que mantinham superávits comerciais com os Estados Unidos, ao perceberem que, cedo ou tarde, os Estados Unidos não seriam capazes de sustentar a posição do dólar como moeda de reserva internacional, deram prioridade à acumulação de reservas cambiais em ouro,22 22 . É importante lembrar que, conforme o sistema monetário internacional de Bretton Woods, era assegurada a conversibilidade automática de dólar em ouro, e vice-versa. negligenciando o papel do dólar na composição das referidas reservas, o que acabou ocasionando uma redução substancial das reservas auríferas da economia norte-americana. Assim sendo, pela situação de "déficits gêmeos" dos Estados Unidos — fiscal e de balanço de pagamentos —, as pressões sobre o dólar tornaram-se inevitáveis e intensificaram-se ao longo dos anos 1960. Nesse sentido, em agosto de 1971, o presidente Richard Nixon resolveu suspender a conversibilidade do dólar a uma taxa fixa com o ouro e, portanto, os Estados Unidos romperam unilateralmente com as regras acordadas no regime de Bretton Woods.

As conseqüências da não-conversibilidade dólar-ouro são por demais conhecidas: por um lado, a desvalorização do dólar, necessária para a reversão das dificuldades externas da economia norte-americana, desencadeou um processo contínuo de ajuste cambial das principais moedas, que, por fim, resultou na generalização da adoção de um regime de taxas cambiais flutuan tes à la dirty floating, em 1973; por outro, houve uma expansão significativa do mercado de euromoedas, que tanto limitou a eficiência da política monetária norte-americana no que diz respeito ao controle do mercado de crédito internacional quanto contribuiu para desorganizar o circuito monetário e financeiro internacional, então não mais regulado por um sistema monetário internacional. Em suma, a desvinculação do ouro em 1971 e a adoção do sistema de taxas de câmbio flexíveis em 1973 fizeram com que a demanda por dólar como meio de troca e reserva de valor entrasse em colapso, gerando, assim, uma maior instabilidade nos mercados monetáriofinanceiros e cambiais mundiais no início dos anos 1970.

2. À GUISA DE CONCLUSÃO

A internacionalização da economia e a globalização do capital em curso ao longo das últimas décadas têm alterado substancialmente a natureza e os determinantes da dinâmica econômica mundial: a abertura das economias, a liberalização das contas de capitais e, por conseguinte, a livre mobilidade de capitais de portifólio, a desregulamentação dos mercados financeiros e as inovações financeiras, as reformas estruturais liberalizantes — tais como a patrimonial, a previdenciária e a trabalhista — e a ausência de regras monetárias e cambiais para evitar as volatilidades das taxas de juros e de câmbio têm, por um lado, limitado a ação das políticas macroeconômicas dos Estados nacionais e, por outro, têm sido responsáveis — pelo menos para algumas correntes do pensamento econômico e alguns estadistas — tanto pelas freqüentes crises de balanço de pagamentos e de ataques especulativos às moedas nacionais quanto pelas flutuações cíclicas das economias e, por conseguinte, pela elevação das taxas de desemprego.23 23 . As crises monetárias dos últimos anos — tais como a européia de 1992-1993, a mexicana de 1994-1995, a do Leste da Ásia de 1997, a russa de 1998, a brasileira de 1998-1999 e a argentina de 2001 — e seus desdobramentos nos níveis de produção, emprego e distribuição da renda são uma clara ilustração desse processo. Em suma, desde o colapso do regime de Bretton Woods, os rumos trilhados pela economia mundial — quais sejam, capitalismo neoliberal e "financeirização" do capital — têm gerado resultados pouco auspiciosos nos indicadores de produção, bem como vêm impondo dificuldades adicionais à geração de emprego e à distribuição da riqueza global. Nesse particular, parafraseando Keynes, "[w]hen the capital development of a country becomes a by-product of activities of a casino, the job is likely to be ill-done" (Keynes, 1964: 159).

Na GT, Keynes (ibid.: 372) escreveu que "[t]he outstanding faults of economic society in which we live are its failure to provide for full employment and its arbitrary and inequitable distribution of wealth and incomes".

A passagem acima é pertinente, pois o artigo mostrou que as concepções teóricas e as proposições de política econômica de Keynes voltaramse, em grande parte, para a solução do desemprego e a eqüidade da renda. Ao explorar diferentes temas de natureza econômica, tais como (i) causas e conseqüências das crises monetárias, (ii) flutuações de demanda efetiva e desemprego, (iii) regime monetário-cambial apropriado às circunstâncias internacionais e (iv) arquitetura da ordem econômica mundial, a análise revolucionária de Keynes foi uma característica essencial. Ele não queria que o capitalismo sucumbisse; muito pelo contrário, queria salvá-lo. Para tanto, rejeitando o capitalismo à la laissez-faire, ele propõe um capitalismo regulado — liberal-socialismo — em que as disfunções do mercado fossem supridas pela intervenção do Estado, por meio tanto de políticas públicas quanto de naturezas normativas imprescindíveis para a construção de um ambiente institucional favorável às tomadas de decisões dos agentes eco nômicos. Mas em que consiste o capitalismo regulado proposto por Keynes? Segundo O'Donnell (1989: 293), Keynes tinha em mente um liberal-socialismo em que "the ultimate goal was a decidedly non-capitalist utopia, a form of society with greater similarities to communist or left-wing utopias than to ideal societies built on capitalist or free market norms".

Nesse sentido, tendo-se ciência de que dos anos imediatamente após a Segunda Guerra Mundial até o início da década de 1970 a economia mundial apresentou estabilidade de preços e registrou um expressivo boom econômico, bem como sabendo que ao longo do referido período as políticas keynesianas, seja fiscais ativas, seja de operacionalização de políticas monetárias contracíclicas, fizeram parte das prescrições econômicas dos policy-makers, é incompreensível que a teoria econômica e as autoridades monetárias tenham negligenciado as políticas keynesianas e, em contrapartida, implementado políticas econômicas liberais ao longo das últimas décadas.

Pois bem, buscar resgatar os mecanismos que assegurem trajetórias de crescimento econômico sustentável e desenvolvimento social harmônico deve ser o esforço daqueles que não cometem os erros dos pessimistas, conforme escreveu Keynes (1972: 322):

(...) pessimism of the revolutionaries who think that things are so bad that nothing can save us but violent change, and the pessimism of the reactionaries who consider the balance of our economic and social life so precarious that we must risk no experiments.

NOTAS

Artigo recebido em 13 de abril de 2005 e aprovado em 27 de abril de 2006.

  • DEQUECH, D. (1998) Rationality and Institutions Under Uncertainty. Cambridge: Ph.D. Thesis.
  • DAVIDSON, P. (1994) Post Keynesian Macroeconomic Theory. Aldershot: Edward Elgar.
  • FERRARI FILHO, F. (1999) "A moeda internacional na economia de Keynes". In: G. T. Lima, L. F. Paula, J. Sicsú, Macroeconomia moderna: Keynes e a economia contemporânea. Rio de Janeiro: Campus, p. 328-339.
  • KEYNES, J. M. (1913) Indian Currency and Finance Londres: MacMillan.
  • _____ (1946) "The Balance of Payments of the United States". Economic Journal, v. LVI (222), p. 172-187, June.
  • _____ (1964) The General Theory of Employment, Interest and Money Nova York: HBJ Book.
  • _____ (1971) A Tract on Monetary Reform. Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 4).
  • _____ (1973a) A Treatise on Probability Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 8).
  • _____ (1973b) The General Theory and After: Preparation Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 13).
  • _____ (1973c) The General Theory and After: Defence and Development Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 14).
  • _____ (1976) Treatise on Money. Nova York: AMS Press.
  • _____ (1980) Activities 1940-1944: Shaping the Post-War World The Clearing Union. Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 25).
  • _____ (1981) Activities 1929-1931: Rethinking Employment and Unemployment Policies Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 20).
  • _____ (1988) The Economic Consequences of the Peace. Nova York: Penguin Books.
  • _____ (1972) Essays in Persuasion Londres: MacMillan (The Collected Writings of John Maynard Keynes, v. 9).
  • O'DONNELL, R. M. (1989) "Keynes: Philoshophy". Economics and Politics Nova York: St. Martin's Press.
  • SKIDELSKY, R. (1983) John Maynard Keynes: Hopes and Betrayed, 1883-1920 Londres: MacMillan.
  • SKIDELSKY, R. (1992) John Maynard Keynes: The Economist as Saviour, 1920-1937 Londres: MacMillan.
  • SKIDELSKY, R. (2000) John Maynard Keynes: Fighting for Britain, 1937-1946 Londres: MacMillan.
  • 1
    . Conforme Keynes (1964: vii), uma "monetary economy (...) is essentially one in which changing views about the future are capable of influencing the quantity of employment and not merely its direction". Em outras palavras, em economias monetárias, a moeda nunca é neutra.
  • 2
    . Ao ingressar no serviço público inglês na metade dos anos 1900, Keynes trabalhou no Departamento da Índia, tornando-se, mais tarde, membro da Real Comissão de Finanças e Moeda da Índia. Veja, para tanto, Skidelsky (1983, capítulo 11).
  • 3
    . Não é demais lembrar que, pelo regime padrão-ouro, a política monetária é totalmente passiva, uma vez que a expansão e a contração da oferta monetária doméstica e, por conseguinte, as volatilidades das taxas de juros dependem dos ingressos e saídas de reservas internacionais, ouro, respectivamente.
  • 4
    . Segundo o mecanismo de ajustamento automático do balanço de pagamentos sob as regras do regime padrão-ouro, países com superávits (déficits) de balanço de pagamentos acumulariam (reduziriam) reservas internacionais, expandindo (contraindo), assim, a oferta monetária doméstica. A expansão (contração) desta ocasionaria o aumento (a queda) dos preços domésticos, tornando os produtos comercializáveis no mercado internacional menos (mais) competitivos. Essa menor (maior) competitividade dos produtos no mercado internacional teria como conseqüência uma redução (expansão) das exportações, restaurando, assim, os equilíbrios de balanço de pagamentos.
  • 5
    . Segundo Keynes, que havia sido chefe do Tesouro Britânico na Conferência de Paz, as indenizações de guerra impostas pelos aliados à Alemanha não somente faria sucumbir a economia alemã, mas, também, poria em xeque a recuperação e a prosperidade da economia européia. Nesse sentido, segundo ele, se a Alemanha não fosse reintegrada na economia européia, não haveria estabilidade política e econômica. Detalhes sobre a participação de Keynes na Conferência de Paz podem ser encontrados em Skidelsky (1983, capítulo 16).
  • 6
    . Conforme Skidelsky (1983: 222, itálicos adicionados), Keynes "regarded both probability theory and economics as branches of logic,
    not of mathematics, which should employ methods of reasoning appropriate to the former, including and judgment, and incorporating a wide knowledge of
    non-numerical facts". Nesse sentido, a probabilidade condicionada de Keynes vai de encontro à teoria de probabilidade vigente em sua época: a teoria da freqüência em que a probabilidade está relacionada à ocorrência tão-somente dos fatos.
  • 7
    . Conforme a teoria quantitativa da moeda tradicional, existe uma relação direta e proporcional entre meios de pagamento e nível de preços. Em outras palavras, a moeda não afeta as variáveis reais.
  • 8
    . Analiticamente, a equação quantitativa de Cambridge pode ser expressa como
    M =
    P.y.k, em que
    M é a oferta de moeda,
    P é o nível geral de preços,
    y é o produto real e
    k é a constante marshalliana, isto é, o inverso da velocidade de circulação da moeda. Assim, como atesta a teoria quantitativa da moeda tradicional, essa equação diz que, sendo
    y e
    k relativamente estáveis,
    M e
    P são diretamente proporcionais.
  • 9
    . É importante mencionar que ao endogenizar a velocidade de circulação da moeda, Keynes introduziu um elemento na teoria quantitativa da moeda que será de suma importância para o desenvolvimento de sua teoria monetária da produção nos anos 1930, qual seja, o papel das expectativas no processo de tomada de decisão dos agentes econômicos.
  • 10
    . Nas palavras de Keynes (1972: 287-288), "[t]he world is
    not so governed from above that private and social interest always coincide (...) It is
    not a correct deduction from the principles of economics that enlightened self-interest always operates in the public interest".
  • 11
    . As discussões e proposições de Keynes na Comissão Macmillan podem ser encontradas em Keynes (1981).
  • 12
    . Veja, para tanto, Keynes (1976, capítulo 10).
  • 13
    . Por circulação industrial do capital entende-se o volume de moeda destinado ao processo produtivo (moeda como meio de troca), ao passo que a circulação financeira do capital diz respeito ao montante de moeda que tem como destino dinamizar as atividades do sistema monetário-financeiro (moeda como reserva de valor). Nas palavras de Keynes (1976: 243), "[b]y
    Industry we mean the business of maintaining the normal process of current output, distribution and exchange and paying the factors of production their incomes (...) By
    Finance, on the other hand, we mean the business of holding and exchanging existing titles to wealth (...) including Stock Exchange and Money Market transactions, speculation and the process of conveying current savings and profits into the hands of entrepreneurs".
  • 14
    . É importante ressaltar que o investimento agregado é que determina a poupança agregada, sendo esses montantes iguais
    ex post. Conforme a lógica keynesiana, tomada a decisão de investir, os empreendedores buscam, junto aos bancos, financiamento, gerando, por sua vez, uma demanda por moeda para iniciar os projeto de financiamento (
    fi nance). Uma vez realizado o investimento, a renda é determinada e expandida por efeito do multiplicador, sendo alocada tanto para consumo quanto para poupança. Em contrapartida, a poupança originada pela renda é alocada pelo público em algum ativo monetário junto aos bancos, possibilitando, assim, um fundo rotativo para novos investimentos. Assim sendo, a poupança depende do investimento
    ex ante, porque deste resulta a renda, cuja parcela não consumida constitui a poupança
    ex post. Essas idéias de Keynes sobre "fundo rotativo" e
    finance motive podem ser encontradas em
    The General Theory of Employment e
    Alternatives Theory of the Rate of Interest (Keynes, 1973c).
  • 15
    . Sobre o "Cambridge Circus", veja, para tanto, Skidelsky (1992, capítulo 13).
  • 16
    . Nunca é demais mencionar que os capítulos 13 e 15, ao explicarem a determinação da taxa de juros a partir da recompensa pela renúncia à liquidez e os motivos precaução e especulação da demanda por moeda, respectivamente, são de suma importância para justificar a não-neutralidade da moeda desenvolvida nos capítulos 12 e 17.
  • 17
    . Segundo Keynes (1964: 162-163), "human decisions affecting the future, whether personal or political or economic, cannot depend on strict mathematical expectation, since the basis for making such calculations does not exist".
  • 18
    . Pela proposta de Keynes, as classes sociais mais pobres seriam compensadas sob a forma de subsídios. Veja, para tanto, Keynes, 1972.
  • 19
    . Para Keynes, os custos de ajustes de balanço de pagamentos deveriam recair tanto sobre os países deficitários quanto sobre os países superavitários.
  • 20
    . Sobre essa idéia, veja Ferrari Filho (1999).
  • 21
    . Veja, por exemplo, Skidelsky (2000, capítulos 6 e 7).
  • 22
    . É importante lembrar que, conforme o sistema monetário internacional de Bretton Woods, era assegurada a conversibilidade automática de dólar em ouro, e vice-versa.
  • 23
    . As crises monetárias dos últimos anos — tais como a européia de 1992-1993, a mexicana de 1994-1995, a do Leste da Ásia de 1997, a russa de 1998, a brasileira de 1998-1999 e a argentina de 2001 — e seus desdobramentos nos níveis de produção, emprego e distribuição da renda são uma clara ilustração desse processo.
  • *
    O autor agradece as sugestões dos pareceristas, eximindo-os, contudo, dos erros remanecentes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2006

    Histórico

    • Recebido
      13 Abr 2005
    • Aceito
      27 Abr 2006
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