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ESPECULAÇÃO E ARBITRAGEM NO MERCADO BRASILEIRO DE CÂMBIO FUTURO

SPECULATION AND ARBITRAGE IN THE BRAZILIAN FUTURE MARKET OF FOREIGN EXCHANGE

Resumos

Esse artigo propõe uma metodologia para tratar da formação da taxa de câmbio real/dólar com base na identificação das categorias de agentes responsáveis pela arbitragem e pela especulação no mercado futuro. A análise desenvolvida identifica a correlação entre a posição de câmbio de grupos de agentes na BM&F e a variação cambial no intervalo de um mês. Os resultados encontrados são compatíveis com a hipótese de que os estrangeiros e investidores institucionais formam tendências no mercado de câmbio futuro com objetivo de obter ganhos especulativos, e que os bancos atuam para realizar ganhos de arbitragem transmitindo a pressão especulativa oriunda do mercado futuro para o mercado à vista.

Taxa de câmbio; mercado futuro; especulação; arbitragem


This paper proposes a methodology for studying the formation of the real/dollar exchange rate based on the distinction between the categories of agents responsible for arbitrage and speculation in the future market. The analysis identifies a correlation between the exchange rate position of groups of agent sat the BM&F and the exchange rate variation within one month. The results are consistent with the hypothesis that foreign and institutional investors make up trends in the future exchange market pursuing speculative gains, and that banks acts to carry out arbitrage gains transmitting the speculative pressure coming from the future market to spot market.

Exchange rate; future market; speculation; arbitrage


1. INTRODUÇÃO1 1 Este artigo é originado da tese de doutorado do autor (Rossi, 2012) orientada pelo Professor Ricardo Carneiro.

O mercado futuro de câmbio no Brasil é um dos mais desenvolvidos do mundo. De acordo com o Bank of International Settlements (BIS), o real foi a segunda moeda mais negociada em mercados futuros, em 2010, perdendo apenas para o dólar americano2 2 O trabalho de Avdjiev et al. (2010), que faz uso dos dados do BIS, mostra como o mercado futuro brasileiro é superdimensionado em relação aos demais países onde, em geral, predomina o mercado de derivativos de câmbio de balcão. . Apesar disso, a importância desse mercado na determinação da taxa de câmbio real/dólar ainda é pouco explorada pelos estudos acadêmicos. Dentre as exceções, Dodd e Griffith-Jones (2007)DODD, R.; GRIFFITH-JONES, S. Brazil's derivatives markets: hedging, central bank intervention and regulation. Santiago de Chile: ECLAC, 2007. argumentam, com base em entrevistas com operadores do mercado de câmbio, que o mercado futuro é a referência para a cotação dos demais mercados por ser o mercado mais líquido. Ademais, Ventura e Garcia (2012)VENTURA, A.; GARCIA, M. Mercados futuro e à vista de câmbio no Brasil: O rabo balança o cachorro. Texto para discussão, PUC-Rio, n. 563, 2009. corroboram com a tese da precedência do mercado futuro na formação da taxa de câmbio ao identificar uma causalidade, no sentido de Granger, da cotação da taxa de câmbio futura para a taxa à vista.

Nesse contexto, esse artigo propõe uma metodologia para tratar do tema da formação da taxa de câmbio real/dólar, com base na distinção das categorias de agentes responsáveis pela arbitragem e pela especulação no mercado futuro. A análise desenvolvida se baseia no estudo de Klitgaard e Weir (2004)KLITGAARD, T.; WEIR, L. Exchange rate changes and net positions of speculators in the futures market. FRBNY Economic Policy Review, v. 10, n. 1, mai. 2004. e identifica a correlação entre a posição de câmbio de grupos de agentes na BM&F e a variação cambial no intervalo de um mês. Os resultados da análise de regressão mostram que os estrangeiros e investidores institucionais estão predominantemente na ponta "certa" do contrato futuro. Ou seja, a variação da posição líquida dos estrangeiros e investidores institucionais na BM&F está associada à variação cambial que proporciona ganhos com contratos de dólar futuro, ao longo de um mesmo mês. Por outro lado, os bancos estão predominantemente na ponta "errada". Esses resultados são compatíveis com a hipótese de que os estrangeiros e investidores institucionais formam tendências no mercado de câmbio futuro com objetivo de obter ganhos especulativos, e que os bancos atuam para realizar ganhos de arbitragem transmitindo a pressão especulativa oriunda do mercado futuro para o mercado à vista.

A primeira parte deste artigo trata de aspectos teóricos das operações de especulação e de arbitragem no mercado futuro brasileiro, assim como da dinâmica de formação de tendências cambiais no mercado futuro. A segunda parte do trabalho, que precede as considerações finais, analisa estatisticamente a relação entre a variação cambial e a posição de agentes em contratos futuros de câmbio na BM&F, no período 2004-2011.

2. ASPECTOS TEÓRICOS DA ESPECULAÇÃO E DA ARBITRAGEM NO MERCADO FUTURO

A formação da taxa de câmbio futura, como em todo mercado de derivativos, decorre da interação entre três tipos de agentes econômicos: o hedge, o especulador e o arbitrador. O agente hedge tem como motivação cobrir os riscos de suas atividades no mercado de câmbio à vista. Essa motivação é típica de agentes que atuam no comércio internacional, de bancos e de empresas financeiras com investimen tos no exterior. Para esse agente, a operação de derivativos tem caráter compensatório, na medida em que seu resultado cobre perdas ou compensa ganhos de atividades no mercado à vista (rendas a pagar/receber, investimentos, exportação, importação etc.).

Segundo Farhi (1999FARHI, M. Derivativos financeiros: hedge, especulação e arbitragem. Economia e Sociedade, v. 8, n. 2(13), p. 93-114, 1999., p. 107), "[a]s operações de arbitragem são compostas de duas pontas opostas, seja no mesmo ativo com temporalidade diferente (cash and carry), seja em praças diferentes, envolvendo derivativos diferentes". Diferentemente de uma operação especulativa em que o resultado da operação é conhecido ex-post, na arbitragem sabe-se o ganho ex-ante. Essa operação tem como motivação explorar as distorções de preços entre dois mercados (como os mercados futuros e à vista de câmbio) e consiste em duas operações simultâneas, de sentido contrário, uma em cada mercado. Ou seja, realiza-se uma operação de venda (compra) no mercado à vista e de compra (venda) no mercado futuro em valores equivalentes.

No plano teórico, a arbitragem é o mecanismo de ajuste da paridade coberta da taxa de juros (CIP). A CIP propõe uma relação entre variáveis conhecidas no presente, são elas, a taxa de câmbio spot (e s), a taxa de câmbio no mercado futuro (e f) e as taxas de juros internacional e doméstica i * e i d.

De acordo com essa equação a taxa de câmbio futura é a taxa de câmbio spot acrescida de uma taxa correspondente ao diferencial entre as taxas de juros da moeda doméstica e da moeda internacional. Essa diferença entre as taxas de câmbio à vista e futura é denominada de forward premium quando, como no caso brasileiro, a taxa futura é maior do que a taxa de câmbio à vista, ou forward discount quando ocorre o inverso. Os desequilíbrios dessa equação tendem a ser ajustados pela arbitragem. Considerando as taxas de juros como variáveis exógenas, a partir do desequilíbrio inicial ilustrado pela equação (2), sucedem-se as seguintes operações:

  1. Os agentes do mercado tomam empréstimos no exterior a juros (i *), trocam as divisas por moeda doméstica no mercado à vista e aplicam os recursos em juros domésticos (i d). Esse tipo de operação, ceteris paribus, provoca uma apreciação da moeda doméstica (↓e s).

  2. Simultaneamente à primeira operação, os agentes compram divisas estrangei-ras no mercado futuro, garantindo a cobertura cambial do passivo externo3 3 Essas transações devem correr simultaneamente para evitar exposição ao risco de mercado, ou seja, o risco dos preços se alterarem antes das transações se completarem. . Esse tipo de operação, ceteris paribus, gera uma depreciação da moeda no mercado futuro (↑e f).

Essa arbitragem tende a equilibrar os preços da taxa de câmbio à vista e futura, e fazer valer a equação da paridade coberta de juros. No dia-a-dia dos mercados financeiros brasileiro a CIP assume parâmetros mais familiares: a "versão brasileira" da paridade coberta é dada pela equação (3).

A taxa de juros de referência para aplicações em reais é uma taxa pré-fixada com rentabilidade dada pelas aplicações de DI. Já o cupom cambial é a taxa de juros que remunera as aplicações em dólares on shore 4 4 Nossa definição difere da geralmente utilizada em manuais de finanças, em que o cupom cambial é definido como a diferença entre a taxa de juros interna e a expectativa de depreciação da taxa de câmbio do país. Considera-se que esta última definição só é verdadeira se for válida a paridade descoberta de juros. Em outras palavras, se for aceito que o diferencial de juros entre aplicações em reais e em dólar traz embutida uma expectativa dos agentes quanto à depreciação da moeda brasileira. Nesse caso, a cotação do dólar futuro seria um bom previsor da cotação do real no futuro. Contudo, é extensa a literatura econômica que mostra que essa paridade não se verifica. A violação da paridade descoberta de juros foi batizada de forward premium puzzle, sobre a literatura que trata desse assunto, ver Sarno e Taylor (2006). . Como a legislação brasileira não permite depósitos em dólares, a taxa do cupom cambial remete a uma operação composta de aplicação em um ativo em real, que rende juros básicos (CDI) conjugado com um hedge cambial.

A equação (3) está sempre em equilíbrio, uma vez que o cupom é uma variável endógena a essa, ele deriva diretamente da relação entre as outras variáveis e se ajusta de forma a manter a igualdade desta. O cupom cambial aumenta quando o preço do dólar futuro se aproxima do preço do dólar à vista, e se reduz quando eles se distanciam. A intuição por trás disso está no fato de que, quando há um excesso de oferta de dólar no mercado futuro, o hedge cambial fica mais barato e, assim, as aplicações em dólar on shore, com cobertura cambial, ficam mais bem remuneradas.

Não obstante, o cupom cambial é a variável relevante para o cálculo para arbitragem. Quando o cupom cambial difere do custo de captação externa há oportunidades para arbitragem nas seguintes condições:

  • a) Cupom cambial > custo de captação externa5 5 A referência do mercado brasileiro para os juros externos é a libor, e os custos adicionais são referentes aos spreads de riscos que variam de acordo com os agentes e outros custos operacionais, como os impostos sobre operações financeiras (IOF).

  • → Há incentivos para tomar empréstimos no exterior e aplicar os recursos no cupom cambial.

  • b) Cupom < custo de captação externa

  • → Há incentivos para tomar empréstimos no mercado doméstico e aplicar os recursos no exterior.

O resultado da arbitragem tende a alterar parâmetros da equação (3) (o dólar futuro e o dólar à vista) que, por sua vez, equilibram o cupom cambial com os juros externos mais os custos adicionais.

Já a especulação no mercado futuro de câmbio é uma forma específica de carry trade. Essa operação consiste em um investimento intermoedas, em que se forma um passivo (ou uma posição vendida) na moeda de baixas taxas de juros e um ativo (ou uma posição comprada) na moeda de juros mais altos. O carry trade busca usufruir ganhos de diferenciais de juros entre duas moedas, mas o resultado final depende da variação cambial entre as mesmas. Quando os mercados à vista e futuro estão perfeitamente arbitrados, as operações de dólar futuro tendem a replicar aquele das transações de crédito entre moedas. Ou seja, a venda de dólar futuro equivale a uma operação em que se toma empréstimo em dólar e se aplica em juros internos, enquanto a compra de dólar futuro é equivalente a tomar um empréstimo na moeda brasileira e aplicar em juros na moeda americana, nos dois casos com exposição à variação cambial.

O retorno de uma operação de venda de dólar futuro na BM&F depende de duas variáveis: o preço pago pela taxa de câmbio futura no dia da contratação (t) e da cotação da taxa de câmbio à vista no dia do vencimento do contrato de câmbio futuro (t+1).

Para aquele que vendeu dólar futuro, haverá ganho se o dólar futuro t > dólar spot (t+1), uma vez que ele estará vendendo em t+1 a uma taxa mais cara do que o câmbio do dia. O resultado da operação pode ser decomposto ao considerar as equações (3) e (4):

Nessa equação as taxas de juros são conhecidas ex-ante e podem ser consideradas como custo ou ganhos de cada uma das pontas da operação, enquanto a variação cambial é uma variável ex-post. Nesse sentido, a ponta vendida em dólar futuro tem como custo o cupom cambial e como ganho a taxa pré-fixada, enquanto a ponta comprada em dólar futuro tem como custo a taxa pré-fixada e como ganho o cupom cambial. O resultado final da operação depende do resultado do primeiro termo da equação, isto é, da variação cambial. A ponta vendida ganha com a apreciação cambial e a ponta comprada, com a depreciação cambial.

A especulação no mercado futuro forma tendências cambiais quando há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por dólar futuro. Em um ciclo especulativo pela apreciação do real, por exemplo, um excesso de oferta de dólar futuro tende a apreciar a taxa de câmbio (real/dólar) futura. Nesse exemplo, a abundante oferta de dólares futuro nesse mercado pressiona para baixo a cotação da taxa de câmbio futura, essa pressão aumenta o cupom cambial e abre espaços para os arbitradores que compram esses dólares futuros baratos - logo assumem a ponta comprada no mercado futuro - e, simultaneamente, tomam empréstimos no exterior para vender dólares no mercado à vista. Essa operação de arbitragem tem como impacto o ajuste na equação da paridade coberta e a transmissão da tendência à apreciação cambial do mercado futuro para o mercado à vista.

Nesse contexto, dadas as motivações dos agentes para operar no mercado futuro (hedge, especulação e arbitragem) o caso mais relevante para esta análise é o conjunto de contratos estabelecidos entre especuladores e arbitradores. Diferentemente das operações de hedge, cuja motivação deriva de posições no mercado à vista e das operações entre especuladores, em que cada um assume a ponta contrária e o resultado é uma transferência de recursos entre os dois agentes, as operações entre especuladores e arbitradores podem submeter a formação da taxa de câmbio à formação de posições dos agentes no mercado futuro e a ciclos especulativos.

3. VARIAÇÃO CAMBIAL E POSIÇÃO DOS AGENTES NA BM&F

O estudo de Klitgaard e Weir (2004)KLITGAARD, T.; WEIR, L. Exchange rate changes and net positions of speculators in the futures market. FRBNY Economic Policy Review, v. 10, n. 1, mai. 2004. analisa a relação entre a variação cambial e a posição de agentes em contratos futuros de câmbio na bolsa de Chicago. Esses autores chegam à conclusão de que a formação de posição dos agentes "especuladores" no mercado futuro de câmbio é altamente correlacionada com o movimento cambial em dólar de moedas como o yen, o euro e da libra6 6 A CFTC classifica como "especuladores" os agentes que não têm atividades comerciais ou financeiras compatíveis com a necessidade de hedge no mercado futuro. . A análise em questão é inspirada na abordagem micro-estrutural da taxa de câmbio que sublinha os fatores microeconômicos na determinação da taxa de câmbio, como as instituições, o comportamento dos agentes do mercado de câmbio e a transmissão de informação entre eles (Sarno e Taylor, 2001SARNO, L.; TAYLOR, M. P. The microstructure of the foreign-exchange market: a selective survey of the literature. Princeton Studies in International Economics, n. 89, mai. 2001.; Lyons, 1995LYONS, R. Tests of microstructural hypotheses in the foreign exchange market. Journal of Financial Economics, v. 39, p. 321-351, out. 1995.; e Frankel et al., 1996)FRANKEL, J. ET AL. (Eds.) The microstructure of foreign exchange markets. Chicago: University of Chicago Press, 1996.. Essa literatura busca explicar as variações nas taxas de câmbio pelo posicionamento de agentes nos mercados spot e futuro em detrimento dos fundamentos macroeconômicos (Evans e Lyons, 2001)EVANS, M.; LYONS, R. K. Order flow and exchange rate dynamics. BIS Papers, n. 2, p. 165-192, abr. 2001..

Ao aplicar a metodologia de Klitgaard e Weir (2004)KLITGAARD, T.; WEIR, L. Exchange rate changes and net positions of speculators in the futures market. FRBNY Economic Policy Review, v. 10, n. 1, mai. 2004. para o mercado futuro de câmbio brasileiro, para dados mensais entre 2004 e 2011, pode-se chegar às seguintes conclusões:

  • Para o período analisado, há uma forte relação empírica entre a posição de câmbio de alguns agentes na BM&F e a variação cambial no intervalo de um mês.

  • Os estrangeiros e investidores institucionais na ponta "certa". A variação da posição líquida dos estrangeiros e investidores institucionais na BM&F está associada à variação cambial que proporciona ganhos com contratos de dólar futuro.

  • Os bancos na ponta "errada". Para os bancos foi constatado o oposto do descrito anteriormente: eles variam sua posição no sentido contrário à variação cambial que proporcionariam ganhos nos contratos futuros.

  • Para as firmas não financeiras não foi encontrada nenhuma relação entre essas duas variáveis, o que é compatível com o uso hedge do mercado futuro, que não pressupõe uma visão direcional da taxa de câmbio.

  • Especulação e arbitragem. Os resultados apresentados são compatíveis com a hipótese de que os estrangeiros e investidores institucionais formam tendências no mercado de câmbio futuro com objetivo de obter ganhos especulativos e que os bancos atuam para realizar ganhos de arbitragem transmitindo a pressão especulativa oriunda do mercado futuro para o mercado à vista.

3.1 ESPECIFICIDADES DA BASE DE DADOS

O estudo que segue associa duas séries de dados: a série de taxa de câmbio PTAX7 7 A série utilizada foi a "taxa de câmbio - livre - Dólar americano (venda)" divulgada pelo Banco Central do Brasil. e uma série da posição líquida dos agentes em dólar futuro na BM&F. A BM&F fornece diariamente dados sobre os contratos de dólar futuro em aberto por tipo de participantes8 8 Há cinco categorias de participantes: pessoa jurídica financeira, investidor institucional, investidor não residente, pessoa jurídica não financeira e pessoa física. A primeira categoria se divide em três outras: bancos, DTVM´S e corretora de valores e outras jurídicas financeiras. Os investidores não residentes são aqueles que estão enquadrados na Resolução 2689 do Banco Central. . Esses dados apresentam o número de contratos de compra e de venda de dólar futuro para cada tipo de participante, sendo cada contrato no valor de US$ 50 mil. Dadas as características de um contrato futuro, o número de contratos de venda é sempre igual ao número de contratos de compra de dólar futuro9 9 Há contratos de dólar futuro com diversas maturidades na BM&F, o contrato de um mês é o mais líquido. Os dados da BM&F agregam todos os contratos em abertos das diversas maturidades. .

Para esse estudo, selecionaram-se os agentes mais relevantes em termos de volume negociado em contratos de câmbio na BM&F são eles: bancos, não residentes (estrangeiros), investidor institucional nacional e pessoas jurídicas não financeiras. A Figura 1 apresenta a posição líquida desses agentes no primeiro dia útil de cada mês de janeiro de 2004 a maio de 2011.

Figura 1:
Posições líquidas em dólar futuro na BM&F por tipo de agente

Nota-se, nessa figura, um padrão formação de posições dos agentes nesse mercado em que os bancos fazem o contraponto dos investidores nacionais e estrangeiros nas operações de dólar futuro. Esse padrão se observa em vários períodos, como em maio de 2007, quando os bancos assumem posição comprada de US$ 11,7 bilhões e os estrangeiros assumem posição contrária recorde no valor de US$ 7 bilhões. Nos meses mais agudos da crise de 2008, as posições líquidas formadas no mercado de dólar futuro são altíssimas, os estrangeiros voltam a atuar fortemente no mercado, agora na ponta comprada em dólar e, conforme o padrão, os bancos atuam na outra ponta. Já o cenário pós-crise é de redução das posições líquidas no mercado futuro, entretanto, mantém-se a "divisão de tarefas" nesse mercado, em que os bancos assumem a ponta contrária dos estrangeiros e investidores institucionais. Nesse ponto, a questão que se coloca é qual a relação entre a formação de posições desses agentes e a variação da taxa de câmbio.

3.2 ANÁLISE GRÁFICA

A relação entre a posição dos agentes no mercado futuro de câmbio e as variações cambiais pode ser avaliada com base na análise visual da Figura 2. Essa figura aponta um padrão de comportamento bastante claro dos estrangeiros, dos investidores institucionais e dos bancos. Os dois primeiros variam sua posição líquida prioritariamente da seguinte forma: nos meses em que o câmbio está apreciando, eles aumentam a posição vendida em dólar (quadrante de baixo à esquerda) e quando o câmbio está depreciando, eles aumentam a posição comprada em dólar futuro (quadrante do alto à direita). Para o período estudado, sabendo-se a variação da posição dos estrangeiros em determinado mês na BM&F, pode-se acertar a trajetória do câmbio no mesmo mês, com 68% de chance de acerto.

O padrão observado para os bancos é exatamente o oposto: nos meses em que a taxa se aprecia eles compram dólar futuro (quadrante do alto à esquerda) e nos meses em que a taxa deprecia, eles acumulam posições vendidas em dólar (quadrante de baixo à direita). Para as firmas não financeiras, não há formação de grandes posições líquidas, e tampouco há evidências gráficas de alguma correlação entre a variação cambial e a formação de posições no mercado futuro.

Figura 2:
Posição dos agentes em dólar futuro e variação cambial*

3.3 ANÁLISE DE REGRESSÃO

A análise de regressão desses dados confirma estatisticamente a interpretação dos gráficos de dispersão. As regressões em questão apresentam-se da seguinte forma:

A variável dependente, dfx, é a variação percentual da taxa de câmbio real-dólar. A variável dp é a variação na posição líquida (contratos abertos comprados menos vendidos) do agente em dólar futuro em bilhões de dólares, uma variação positiva significa um aumento da posição comprada em dólar futuro em relação à posição vendida. Nesse contexto, o coeficiente β pode ser interpretado como a variação percentual média na taxa de câmbio quando há uma mudança de US$ 1 bilhão na posição líquida do agente.

Tabela 1:
Resultado das regressões: taxa de câmbio e posição no mercado futuro

A Tabela 1 apresenta os resultados dessas regressões. A estimativa do coeficiente β da regressão (2) indica que quando há uma variação de US$ 1 bi na posição líquida em dólar futuro dos estrangeiros (compra de dólar futuro) há uma depreciação de 0,46% da taxa de câmbio no mesmo mês. Para o caso dos bancos ocorre o oposto: um aumento da posição comprada está associado a uma apreciação cambial de 0,5%. A regressão (4), relativa às firmas não financeiras, é a única cujos parâmetros não são significativos.

3.4 INTERPRETAÇÕES DOS RESULTADOS

Inicialmente, deve-se ter em mente que o uso de derivativos com a finalidade estrita de hedge não deve ser motivado por uma visão direcional da taxa de câmbio. Para o hedge, os agentes procuram o mercado futuro independente de expectativas quanto à taxa de câmbio no futuro: não há, portanto, motivos para variação de posições no mercado futuro conforme varia a taxa de câmbio. A posição das firmas não financeiras na BM&F é ilustrativa dessa condição10 10 Pode-se pensar em um fator que provoque um aumento da necessidade de hedge e ao mesmo tempo uma apreciação cambial como, por exemplo, uma entrada maciça de investidores estrangeiros no Brasil. Entretanto, o sentido da correlação seria o oposto ao apresentado nesse trabalho: a apreciação cambial estaria associada ao aumento de posições compradas em dólar futuro, e não vendidas como de fato ocorre. .

Como mostrado na análise estatística, a formação de posição no mercado futuro dos agentes estrangeiros e dos investidores institucionais acompanha a tendência cambial no intervalo de um mês. Desse fato, decorrem duas possibilidades de interpretação:

  1. A primeira é que esses agentes reagem aos movimentos de câmbio depois do fato ocorrer. Nesse caso, esses agentes teriam um comportamento típico de "seguidor de tendência", na medida em que a formação de posição no mercado futuro segue as tendências de ganho nesse mercado.

  2. A segunda hipótese é que esses agentes causam a variação cambial no mercado à vista. Nesse caso, a exposição líquida no mercado futuro desses agentes teria reflexo na taxa de câmbio futura e se transmite por arbitragem para o mercado à vista.

Para as causalidades envolvidas nessas hipóteses os testes usuais de causalidade de Granger não são conclusivos, tampouco são adequados11 11 Os testes de causalidade de Granger, com 1 e 2 defasagens, não são conclusivos a 5%, para nenhuma das regressões. . A frequência das séries não é apropriada para captar a causalidade em um mercado informatizado onde a informação relevante para formação de preços circula em prazos muito curtos. Dessa forma, o horizonte temporal para análise da causalidade entre os mercados futuro e à vista é de natureza mais curta (hora-hora, minuto) e não há base de dados disponíveis para tal análise. No entanto, na falta de uma resposta estatística adequada para escolher uma das duas hipóteses acima, vale incorrer ao funcionamento do mercado de câmbio e mais especificamente para o papel dos bancos nesse mercado.

Seria ingênuo supor que os bancos perdem sistematicamente ao formarem posições no mercado futuro. O que os dados apontam é que esses agentes tomam a ponta contrária dos estrangeiros e investidores institucionais fundamentalmente para arbitrar entre os mercados à vista e futuro. Como a operação de arbitragem pressupõe duas operações equivalentes e contrárias nos mercados à vista e futuro, explica-se por que a variação da posição em dólar futuro dos bancos está negativamente correlacionada com a taxa de câmbio. Ou seja, uma compra de dólar futuro por parte dos bancos está associada a uma apreciação da taxa de câmbio à vista, uma vez que esses agentes vendem câmbio à vista simultaneamente à compra futura, assim como uma depreciação cambial está associada ao aumento de posições vendidas pelos bancos. Ademais, esses agentes são responsáveis pela arbitragem entre esses dois mercados em razão do acesso privilegiado às taxas de financiamento do interbancário nacional e internacional, caracterizadas como as mais baixas do mercado.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo propôs uma metodologia para tratar do tema da formação da taxa de câmbio futura que tem como base a distinção entre os agentes responsáveis pela arbitragem e pela especulação no mercado futuro brasileiro. A análise desenvolvida identifica a correlação entre a posição de câmbio de alguns agentes na BM&F e a variação cambial no intervalo de um mês. Os resultados da análise de regressão mostram que os estrangeiros e investidores institucionais estão predominantemente na ponta "certa" do contrato futuro. Ou seja, a variação da posição líquida dos estrangeiros e investidores institucionais na BM&F está associada à variação cambial que proporciona ganhos com contratos de dólar futuro, ao longo de um mesmo mês. Por outro lado, os bancos estão predominantemente na ponta "errada". Esses resultados são compatíveis com a hipótese de que os estrangeiros e investidores institucionais formam tendências no mercado de câmbio futuro com objetivo de obter ganhos especulativos, e que os bancos atuam para realizar ganhos de arbitragem transmitindo a pressão especulativa oriunda do mercado futuro para o mercado à vista. Ou seja, no caso de um excesso de oferta especulativa por dólar futuro ocorre uma apreciação da taxa futura e um aumento do cupom cambial, conforme desenvolvido no item 2. Esse desequilíbrio dá lugar a operações de arbitragem realizadas pelos bancos que compram dólar futuro e, simultaneamente, tomam empréstimos no exterior para vender divisas no mercado à vista e, dessa forma, ficam aplicados no cupom e transmitem a pressão especulativa para taxa de câmbio à vista.

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  • VENTURA, A.; GARCIA, M. Mercados futuro e à vista de câmbio no Brasil: O rabo balança o cachorro. Texto para discussão, PUC-Rio, n. 563, 2009.
  • 1
    Este artigo é originado da tese de doutorado do autor (Rossi, 2012) orientada pelo Professor Ricardo Carneiro.
  • 2
    O trabalho de Avdjiev et al. (2010), que faz uso dos dados do BIS, mostra como o mercado futuro brasileiro é superdimensionado em relação aos demais países onde, em geral, predomina o mercado de derivativos de câmbio de balcão.
  • 3
    Essas transações devem correr simultaneamente para evitar exposição ao risco de mercado, ou seja, o risco dos preços se alterarem antes das transações se completarem.
  • 4
    Nossa definição difere da geralmente utilizada em manuais de finanças, em que o cupom cambial é definido como a diferença entre a taxa de juros interna e a expectativa de depreciação da taxa de câmbio do país. Considera-se que esta última definição só é verdadeira se for válida a paridade descoberta de juros. Em outras palavras, se for aceito que o diferencial de juros entre aplicações em reais e em dólar traz embutida uma expectativa dos agentes quanto à depreciação da moeda brasileira. Nesse caso, a cotação do dólar futuro seria um bom previsor da cotação do real no futuro. Contudo, é extensa a literatura econômica que mostra que essa paridade não se verifica. A violação da paridade descoberta de juros foi batizada de forward premium puzzle, sobre a literatura que trata desse assunto, ver Sarno e Taylor (2006).
  • 5
    A referência do mercado brasileiro para os juros externos é a libor, e os custos adicionais são referentes aos spreads de riscos que variam de acordo com os agentes e outros custos operacionais, como os impostos sobre operações financeiras (IOF).
  • 6
    A CFTC classifica como "especuladores" os agentes que não têm atividades comerciais ou financeiras compatíveis com a necessidade de hedge no mercado futuro.
  • 7
    A série utilizada foi a "taxa de câmbio - livre - Dólar americano (venda)" divulgada pelo Banco Central do Brasil.
  • 8
    Há cinco categorias de participantes: pessoa jurídica financeira, investidor institucional, investidor não residente, pessoa jurídica não financeira e pessoa física. A primeira categoria se divide em três outras: bancos, DTVM´S e corretora de valores e outras jurídicas financeiras. Os investidores não residentes são aqueles que estão enquadrados na Resolução 2689 do Banco Central.
  • 9
    Há contratos de dólar futuro com diversas maturidades na BM&F, o contrato de um mês é o mais líquido. Os dados da BM&F agregam todos os contratos em abertos das diversas maturidades.
  • 10
    Pode-se pensar em um fator que provoque um aumento da necessidade de hedge e ao mesmo tempo uma apreciação cambial como, por exemplo, uma entrada maciça de investidores estrangeiros no Brasil. Entretanto, o sentido da correlação seria o oposto ao apresentado nesse trabalho: a apreciação cambial estaria associada ao aumento de posições compradas em dólar futuro, e não vendidas como de fato ocorre.
  • 11
    Os testes de causalidade de Granger, com 1 e 2 defasagens, não são conclusivos a 5%, para nenhuma das regressões.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Abr 2014

Histórico

  • Recebido
    04 Maio 2012
  • Aceito
    04 Jul 2014
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