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COMPORTAMENTO DOS BANCOS E CICLO DE CRÉDITO NO BRASIL EM 2003-2016: UMA ANÁLISE PÓS-KEYNESIANA DA PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ

BANK BEHAVIOR AND CYCLE OF CREDIT IN BRAZIL IN 2003-2016: A LIQUIDITY PREFERENCE’S POST-KEYNESIAN APPROACH

Resumo

Este artigo analisa o comportamento do setor bancário no ciclo recente de crédito no Brasil (2003-2016), caraterizado pelo boom e a desaceleração, a partir da abordagem pós-keynesiana de preferência pela liquidez desenvolvida por Keynes e Cardim de Carvalho e da hipótese de fragilidade financeira de Minsky. Sustenta-se que o comportamento dos bancos e o ciclo de crédito seguiram, grosso modo, o padrão estabelecido por essa teoria. Contudo, a aplicação dessa abordagem à realidade dos bancos no Brasil impõe que se levem em conta especificidades institucionais e macroeconômicas que desempenharam um papel destacado no período analisado, tais como inovações financeiras, spreads elevados, existência de um circuito de overnight e importância dos bancos públicos.

Palavras-chave:
setor bancário; crédito; teoria pós-keynesiana

Abstract

This paper analyzes the behavior of the banking sector in the recent cycle of credit in Brazil (2003-2016), boom and bust, taking as a starting point, the post-Keynesian liquidity preference approach developed by Keynes and Cardim de Carvalho and Minsky’s financial fragility hypothesis. It argues that the behavior of banks and the credit cycle broadly followed the pattern established by this theory. However, the application of this approach to the reality of banks in Brazil requires taking into account institutional and macroeconomic specificities that played a major role in the analyzed period, such as financial innovations, high spreads, the presence of an overnight circuit, and the importance of state-owned banks.

Keywords:
banking sector; credit; Post-Keynesian theory

INTRODUÇÃO* * Os autores agradecem a assistência de pesquisa dos bolsistas de iniciação científica (PIBIC/CNPq) Marlon Souza e Júlia Baruki e as sugestões do parecerista anônimo, isentando-o de erros e omissões remanescentes.

De meados dos anos 1980 até 2003, a dinâmica do mercado de crédito brasileiro se caracterizou, grosso modo, pela semi-estagnação.1 1 Segundo série 11.400 do Banco Central do Brasil (BCB, 2018), a relação crédito/PIB era de 34,0% em junho de 1988 e caiu até 20,2% em fevereiro de 1990 (Plano Collor), elevando-se desde então para não mais de 30% do PIB até março de 1994. Após um mini boom de crédito durante o Plano Real, o crédito se retraiu até atingir o piso de 21,3% em janeiro de 2003, mas aumentou continuamente até alcançar 44,6% em janeiro de 2010. A partir daí, observa-se um boom creditício no período 2003-2014, seguido de aguda contração em 2015-2016. Durante o boom testemunhou-se importante mudança patrimonial do setor bancário com a diminuição do peso relativo das aplicações em títulos e valores mobiliários e o aumento do peso das operações de crédito, ao mesmo tempo em que se elevaram as receitas com intermediação financeira e com serviços e tarifas. A forte contração da oferta de crédito a partir de 2015, por sua vez, não resultou na deterioração da saúde financeira dos bancos (por razões que serão analisadas no artigo), motivo pelo qual não houve uma crise financeira generalizada no período 2015-2017.

Este artigo analisa o comportamento do setor bancário ao longo do ciclo recente de crédito no Brasil (2003-2016), período escolhido para análise em função de haver um bem caracterizado ciclo de boom e desaceleração do crédito no país.2 2 A partir de meados de 2017 a taxa de crescimento do crédito volta a se tornar positiva, mas se mantém oscilante e semi-estagnada desde então. Em particular, objetiva-se avaliar em que medida o referido ciclo de crédito seguiu o padrão estabelecido pela teoria pós-keynesiana sobre bancos e crédito, combinando a teoria de preferência pela liquidez de Keynes (1987) com a hipótese de fragilidade financeira de Minsky, conforme desenvolvido por Fernando Cardim de Carvalho (1999CARVALHO, F. J. C. On banks’ liquidity preference. In: DAVIDSON, P.; KREGEL, J. (Orgs.). Full employment and price stability in a global economy. Cheltenham: Edward Elgar, 1999.; 2007) e L. F. de Paula (1999PAULA, L. F. Dinâmica da firma bancária: uma abordagem não-convencional. Revista Brasileira de Economia, v. 53, n. 3, p. 136-142, 1999.). Segundo essa abordagem, a recuperação e o boom cíclico dependem de uma melhoria generalizada no estado de expectativas dos agentes (firmas, famílias e bancos), quando os bancos passam a ter um comportamento fortemente responsivo à demanda por crédito e a privilegiar rentabilidade à liquidez, contribuindo para aumentar a fragilidade financeira dos agentes. Já na fase de desaceleração cíclica, face à deterioração no estado de expectativas, os bancos aumentam sua preferência pela liquidez e aversão ao risco, tornando-se mais seletivos na concessão de empréstimos e privilegiando aplicações em ativos mais líquidos. Essa estratégia defensiva leva um maior racionamento de crédito, frequentemente contribuindo para o aprofundamento do descenso cíclico.

A aplicação do modelo pós-keynesiano à realidade dos bancos no Brasil impõe que se levem em conta algumas especificidades institucionais e macroeconômicas que tiveram papel destacado nos contornos do ciclo: (i) algumas inovações financeiras nas operações de crédito (como o crédito consignado); (ii) os elevados spreads bancários vigentes historicamente; (iii) a existência de um circuito de overnight lastreado em títulos públicos e operações compromissadas, favorecido por altas taxas de juros; e (iv) o papel desempenhado pelos bancos públicos de grande porte, seja na complementação da oferta de crédito, seja na determinação dos preços financeiros. O artigo, tanto quanto possível, procura comparar o comportamento dos bancos privados e dos bancos públicos.3 3 Os dados extraídos dos balanços dos bancos a partir do BCB (“50 maiores bancos”) não incluem o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dada a natureza diversa dessa instituição enquanto banco de desenvolvimento em relação aos bancos comerciais e múltiplos. Os dados do balanço e demonstrativo de resultados dos bancos usados na seção 4, por sua vez, foram agregados semestre a semestre, correspondendo assim à agregação dos balanços dos dois primeiros trimestres e dos dois últimos trimestres de cada ano, respectivamente.

O texto está dividido em quatro seções, além desta introdução. A seção 1 analisa brevemente de forma teórica o comportamento dos bancos e o ciclo do crédito a partir da abordagem pós-keynesiana de preferência pela liquidez dos bancos. A seção 2 realiza uma breve análise do contexto macroinstitucional e das características gerais do ciclo do crédito. Já a seção 3 analisa o ciclo do crédito propriamente dito: boom, desaceleração e crise. A seção 4, por sua vez, examina o ajuste patrimonial e o padrão de rentabilidade dos bancos ao longo do ciclo do crédito. Por fim, a seção 5 conclui o artigo.

1. COMPORTAMENTO DOS BANCOS E CICLO DE CRÉDITO: A ABORDAGEM PÓS-KEYNESIANA DE PREFERÊNCIA PELA LIQUIDEZ

Minsky (1982MINSKY, H. Can ‘IT’ happen again? Essays on Instability and Finance. New York: M. E. Sharpe, 1982., 1986) elaborou sua “hipótese de fragilidade financeira” para explicar como, em uma economia monetária, as flutuações cíclicas resultam das escolhas dos agentes acerca da estruturação financeira que sustenta suas carteiras. De acordo com essa hipótese, ao longo de períodos de crescimento os agentes econômicos tendem a se tornar crescentemente endividados para expandir mais rapidamente o consumo, a produção e o investimento. Existiria, então, uma tendência inerente das estruturas financeiras capitalistas a se transformarem, passando de estado de robustez, em que há maior precaução em mitigar os riscos financeiros, para um estado de fragilidade, em que tais riscos são aceitos com maior naturalidade pelos agentes, devido ao seu caráter fortemente pró-cíclico. Isso ocorre não só em função das mudanças nas expectativas dos agentes ao longo do ciclo econômico, responsáveis pela minimização dos riscos percebidos à luz do maior sucesso econômico observado, mas também pela forma como essa mudança é transmitida através do sistema financeiro (DYMSKI e POLLIN, 1992DYMSKI, G.; POLLIN, R. Hyman Minsky as hedgehog: the power of the Wall Street Paradigm. In: FAZZARI, S.; PAPADIMITRIOU, D. (Orgs.). Financial conditions and macroeconomic performance. Armonk/London: M. E. Sharp, 1992.).

Em taxonomia conhecida, Minsky (1982MINSKY, H. Can ‘IT’ happen again? Essays on Instability and Finance. New York: M. E. Sharpe, 1982., 1986) classifica os agentes econômicos segundo suas estruturas financeiras: unidades hedge são aquelas em que as margens de segurança4 4 A margem de segurança oferece uma proteção contra eventos inesperados em cada período do projeto. As margens de segurança são definidas para o fluxo de caixa e para o valor de capital da firma, sendo a margem do fluxo de caixa correspondente à diferença entre os lucros esperados e os compromissos financeiros em cada período de tempo, e a margem de segurança do balanço patrimonial correspondente à parcela de ativos líquidos além das necessidades operacionais das firmas. entre lucros e compromissos financeiros são suficientes para garantir que, em todos os períodos futuros, os lucros superem as despesas com juros e o pagamento de amortizações; unidades especulativas são aquelas em que, nos períodos iniciais do projeto, os lucros esperados não são suficientes para pagar o total do principal da dívida, pois espera-se que nos períodos seguintes os agentes obtenham um excesso de receita que compense as situações iniciais de deficit; por fim, as unidades Ponzi são aquelas cujos lucros, no futuro imediato, não são suficientes nem mesmo para cobrir o valor dos juros devidos, tornando necessário tomar recursos adicionais emprestados para que a unidade possa cumprir seus compromissos financeiros. À medida que predominam unidades especulativas e Ponzi, o grau de fragilidade financeira da economia se eleva, e choques nas taxas de juros tem maior chance de desencadear uma crise. A mistura de unidades hedge, especulativa e Ponzi presente em uma economia é uma medida de (maior ou menor) robustez do sistema financeiro: uma economia será mais ou menos frágil - macroeconomicamente - segundo a preponderância de estruturas financeiras hedge ou especulativa/Ponzi.

Cabe destacar que, de acordo com essa abordagem, os bancos têm um papel importante no comportamento do ciclo econômico, seja acomodando a demanda por crédito na fase expansionista do ciclo e assim sancionando o declínio das margens de segurança das firmas (pois um período de tranquilidade aumenta a confiança das firmas e intermediários financeiros e reduz o valor atribuído à liquidez), seja contraindo as operações de crédito na fase contracionista do ciclo, em função da maior preferência pela liquidez em contexto de desaceleração econômica - podendo, nesse caso, ampliar a crise já que tal comportamento dificulta a rolagem das dívidas das empresas que se encontram com sua capacidade de geração de receitas deterioradas. No limite, o próprio balanço dos bancos fica comprometido, em função tanto do crescimento da inadimplência por parte dos tomadores de crédito quanto da diminuição nos preços dos colaterais dados em garantia, deteriorando a qualidade da carteira de crédito dos bancos, podendo assim criar condições para uma crise bancária sistêmica. Nesse contexto, cabe analisar os “microfundamentos” do comportamento dos bancos, avaliados na obra de F. C. de Carvalho a partir do desenvolvimento de uma “teoria da preferência pela liquidez dos bancos”.

Em condições de incerteza, típicas de uma economia monetária da produção, a transmissão das mudanças nas expectativas decorre do fato de que agentes financeiros em geral, e bancos, em particular, tais como qualquer firma capitalista, tomam as suas decisões de portfólio orientadas pela expectativa de lucros, levando em conta sua preferência pela liquidez e suas avaliações da riqueza financeira (CARVALHO, 2007CARVALHO, F. J. C. Sobre a preferência pela liquidez dos bancos. In: PAULA, L. F.; OREIRO, J. L. (Orgs.). Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2007.; PAULA, 1999PAULA, L. F. Dinâmica da firma bancária: uma abordagem não-convencional. Revista Brasileira de Economia, v. 53, n. 3, p. 136-142, 1999.).

Carvalho (1999CARVALHO, F. J. C. On banks’ liquidity preference. In: DAVIDSON, P.; KREGEL, J. (Orgs.). Full employment and price stability in a global economy. Cheltenham: Edward Elgar, 1999., 2007) buscou inspiração no Tratado sobre a Moeda e no capítulo 17 da Teoria Geral de Keynes para a construção de uma “teoria da preferência pela liquidez dos bancos”, visto como um desdobramento natural de sua análise da preferência pela liquidez no contexto da uma teoria da precificação de ativos ou teoria de escolha de ativos, sem dúvida uma de suas contribuições teóricas mais originais.5 5 Ver, ainda, Carvalho (2015, cap. 4 e 5). Bancos, como qualquer agente cuja atividade seja especulativa, operam sob condições de incerteza fundamental e procuram moldar suas estratégias de balanço buscando conciliar lucratividade com sua escala de preferência pela liquidez. A abordagem da preferência pela liquidez, segundo Carvalho (2007, p. 4), “sugere que os bancos perseguem ativamente políticas de balanço em vez de acomodarem passivamente a demanda por crédito”, procurando comparar retornos esperados e prêmios de liquidez de todos os ativos disponíveis para aquisição. Não haveria, contudo, “uma dicotomia entre ativos líquidos versus ilíquidos, mas de graus de liquidez, associados aos diversos ativos ao alcance dos bancos” (CARVALHO, 2007CARVALHO, F. J. C. Sobre a preferência pela liquidez dos bancos. In: PAULA, L. F.; OREIRO, J. L. (Orgs.). Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2007., p. 12, itálicos acrescentados).

A escala de preferência pela liquidez dos bancos expressa a precaução que adotam, com relação à gestão de ativo e passivo, diante dos resultados inerentemente incertos da atividade bancária. Nesse sentido, a estratégia dos bancos é definida de acordo com a sua preferência pela liquidez e as oportunidades de lucro existentes para um dado estado de expectativas, ou seja, os bancos se defrontam com o trade-off entre liquidez e rentabilidade:

Para um dado estado de expectativas, as preferências pela liquidez dos bancos determinarão o perfil desejado de ativos que compram e seus preços, isto é, a taxa de retorno que cada tipo de ativo deve oferecer para compensar pelo seu grau de iliquidez. (CARVALHO, 2007CARVALHO, F. J. C. Sobre a preferência pela liquidez dos bancos. In: PAULA, L. F.; OREIRO, J. L. (Orgs.). Sistema financeiro: uma análise do setor bancário brasileiro. Rio de Janeiro: Campus/Elsevier, 2007., p. 15)

Assim, considerando que o estado de expectativas se reflete no ciclo econômico, em que há mais confiança nos prognósticos durante a fase expansionista e menor segurança com relação às projeções na fase contracionista, instituições financeiras em geral, e bancos em particular, reagem de forma diferentes de acordo com as fases desse ciclo.

Na fase expansionista do ciclo, os bancos têm um papel central em sancionar as demandas por crédito das firmas, fundamental para que uma economia monetária possa crescer. Os banqueiros respondem às visões otimistas sobre a viabilidade de estruturas de dívidas das firmas - típicas de um contexto de crescimento - financiando as posições com uma expansão em sua carteira de crédito. Seu comportamento - como uma firma que possui expectativas e motivações próprias - é essencial na determinação das condições de financiamento em uma economia capitalista.

Do ponto de vista do portfólio de aplicações dos bancos, quando suas expectativas se tornam mais otimistas, os bancos passam a privilegiar rentabilidade à liquidez. Para tanto, visam elevar os prazos e adquirir ativos que embutem maiores riscos, diminuindo a participação de ativos líquidos nas suas operações, o que resulta no aumento da participação dos adiantamentos e dos empréstimos de mais longo prazo nos portfólios.

Desse modo, os bancos tenderão a ter posturas mais ousadas, se expondo mais aos riscos típicos da atividade bancária - risco de juros, de liquidez e de crédito6 6 Risco de taxa de juros refere-se ao risco de um banco ter um spread pequeno ou mesmo negativo em suas operações de intermediação financeira, devido às oscilações das taxas de juros de mercado, e risco de liquidez corresponde à habilidade de um banco de satisfazer suas obrigações quando elas forem devidas. O risco de crédito é o risco que um emprestador ou credor enfrenta devido à possibilidade de que o devedor não honre sua obrigação financeira. - à medida que seu estado de confiança sobre o futuro da economia seja favorável. Na busca por maiores lucros, o banqueiro aceitará ativos de mais longo termo, cujas taxas de juros tendem a ser mais elevadas.

Carvalho (1999CARVALHO, F. J. C. On banks’ liquidity preference. In: DAVIDSON, P.; KREGEL, J. (Orgs.). Full employment and price stability in a global economy. Cheltenham: Edward Elgar, 1999., 2007) sustenta que a abordagem da preferência pela liquidez dos bancos, mais do que explicar as escolhas individuais de ativos e passivos, estaria preocupada em entender a estratégia de balanço, em conformidade com a percepção de riscos e oportunidades de lucros por parte dos bancos. Nesse sentido, para aumentar o lucro líquido em suas operações financeiras, o banqueiro não se limitará à administração do ativo, aumentando concomitantemente sua alavancagem, utilizando-se ativamente de técnicas de administração do passivo. Para tanto, visará não apenas aumentar o volume de recursos de terceiros, mas também alterar a composição de seu passivo. Isso é feito de duas formas: gerenciamento de reservas e introdução de inovações financeiras (PAULA, 2014PAULA, L. F. Sistema financeiro, bancos e financiamento da economia: uma abordagem keynesiana. Rio de Janeiro: Campus, 2014., cap.1-2). No primeiro caso, os bancos procuram induzir seus clientes a aplicar seus recursos em obrigações que economizem reservas, por meio não somente do manejo das taxas de juros dos depósitos a prazo, mas também empregando outros artifícios, como a publicidade, a oferta de prêmios e a venda de pacotes de serviços, de modo a ter mais recursos disponíveis “livres” para emprestar. Com as inovações financeiras - lançamento de novos produtos e serviços -, por sua vez, os bancos adotam uma política mais agressiva de captação de fundos, buscando atrair novos recursos de modo a alavancar sua capacidade de atender uma expansão na demanda por crédito.7 7 Inovações financeiras também desempenham papel essencial nos processos, nas formas de organização e nas operações ativas dos bancos. Para um aprofundamento, ver Alves Jr (1993).

As inovações financeiras, em um período de boas perspectivas de negócios para os bancos, resultam não apenas das instituições procurando contornar as regulamentações e restrições das autoridades monetárias, mas também da busca de recursos de terceiros para o financiamento de suas operações ativas. Consequentemente, a base de reservas, levando em conta as condições gerais de acesso à liquidez estabelecidas pelo Banco Central, as quais limitam ou expandem a capacidade de captação de recursos por parte dos bancos, pode assim se expandir endogenamente de modo a atender às demandas por empréstimos do público, desde que seja rentável às instituições bancárias.

Enquanto na fase expansionista os bancos têm um papel central em sancionar as demandas por crédito das firmas, na fase descendente, na medida em que adotam estratégias mais defensivas, amplificam o quadro de desaceleração, podendo mesmo contribuir para a formação de uma crise. Isso ocorre porque as instituições bancárias passam a expressar sua maior preferência pela liquidez dirigindo suas aplicações para ativos menos lucrativos, porém mais líquidos, o que faz declinar a oferta de crédito aos seus clientes, prejudicando até mesmo a rolagem da dívida por parte das empresas não-financeiras (DOW, 1996DOW, S. Horizontalism: a critique. Cambridge Journal of Economics, v.20, p. 497-508, 1996.). Reduz-se a participação de adiantamentos no total do ativo, sobretudo dos empréstimos de mais longo prazo. Do outro lado, os bancos tentarão reduzir sua alavancagem, dando maior peso ao risco de insolvência, que se traduzirá na maior cautela, procurando, ainda, diminuir ao máximo o descasamento de taxas e maturidades entre suas operações ativas e passivas, ao mesmo tempo em que se tornam mais cautelosos na concessão de crédito, além de exigirem maiores cauções (colaterais) nesse tipo de operação.

Em outras palavras, à medida que as expectativas quanto ao futuro se deterioram, os bancos tenderão a adotar posturas financeiras mais conservadoras frente ao maior risco percebido, que se expressa no crescimento de sua preferência pela liquidez na composição de seu portfólio de aplicações. Ou seja, ao privilegiar liquidez em detrimento de maior rentabilidade um banco deverá caminhar na direção de ativos mais líquidos e de menor risco. Assim, tendo em vista a sua preferência pela liquidez, os bancos poderão não atender parte da demanda por crédito, caso a comparação dos retornos esperados com os prêmios de liquidez de todos os ativos que podem ser comprados assim indicar. Nessas circunstâncias, as possibilidades de expansão da economia se tornam limitadas pela restrição de financiamento, enquanto perdurar um quadro de expectativas pessimistas.

2. BREVE ANÁLISE DO CONTEXTO MACROINSTITUCIONAL E DO CICLO RECENTE DO CRÉDITO

Após um período de forte instabilidade macroeconômica, em que a oferta de crédito se contraiu fortemente8 8 Cabe destacar que a transferência de ativos da Caixa Econômica Federal (CEF) para a Empresa Gestora de Ativos (EMGEA), empresa pública federal criada em 26/01/2001 para absorver esses ativos nos marcos do Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais (PROEF), envolveu a cessão pela CEF de R$ 26,61 bilhões em contratos de financiamentos imobiliários, grande parte deles oriundos do antigo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), contribuindo assim para a adequação dessa instituição financeira às regras do Acordo de Capital da Basileia. Essa operação contribuiu para uma redução ainda maior no volume de crédito neste período. (chegando a apenas 23% do PIB em 2003), os empréstimos bancários cresceram expressivamente a partir de 2004. Deu-se início a um boom de crédito inédito no Brasil desde os anos 1980, superando os 50% do PIB a partir de agosto de 2013. Esse boom acompanhou a elevação do crescimento econômico (de 2,6% a.a. em média no período 1994-2003 para 4,4% a.a. em 2004-2011), a expressiva queda na taxa de desemprego (12,4% em 2003 para 5,5% em 2011), o aumento na massa salarial real e a tendência de redução na taxa de juros básica nominal e real, ainda que essa, à exceção de 2012, tenha se mantido sempre elevada. Igualmente, o ciclo de crédito acompanhou a desaceleração econômica iniciada em 2012 (taxa média de crescimento do PIB de 1,8% a.a. em 2012-2014 e -3,7% em 2015-2016), redução na massa salarial e aumento no desemprego (a partir de 2015).9 9 Mendonça e Sachsida (2013), utilizando dados agregados de junho de 2000 a agosto de 2012 para os segmentos de crédito para pessoa física e pessoa jurídica, evidenciaram que a demanda por crédito no Brasil é pró-cíclica, reagindo negativamente ao desemprego e positivamente ao PIB.

Do lado da composição do portfólio dos bancos, a experiência do período pós-Real até 2003 mostra que, em contexto de forte instabilidade macroeconômica, a existência de títulos da dívida pública com grande liquidez e elevada remuneração fez como que o trade off liquidez e rentabilidade tenha sido amenizado. Os bancos obtiveram uma lucratividade elevada a partir de uma estrutura financeira líquida, com volumes modestos de operações de crédito e grandes aplicações em títulos e valores mobiliários (PAULA e ALVES JR, 2003PAULA, L. F.; ALVES JR., A. J. Banking behaviour and the Brazilian economy after the Real Plan. Banca Nazionale del Lavoro Quarterly Review, v. 227, p. 337-365, 2003.).

Contudo, a partir do final de 2003, o quadro mudou. De um lado, como já mencionado, a maior demanda de crédito abriu novas possibilidades de negócios. De outro, a melhoria no perfil da dívida pública (e a redução no seu tamanho), com diminuição da participação de títulos indexados à Selic e à taxa de câmbio no total da dívida pública federal,10 10 A participação dos títulos públicos federais indexados à taxa de câmbio e à taxa Selic no total da dívida pública caiu de 10,8% e 62,4% em dezembro de 2003, respectivamente, para 1,0% e 33,4% em dezembro de 2007. reduziu as perspectivas da continuidade dos ganhos com títulos públicos, levando os bancos a mudarem seu comportamento. Abandonaram, assim, progressivamente, as estratégias voltadas para a liquidez em prol de estratégias de concessão de crédito, respondendo à crescente demanda dos agentes não-financeiros. A combinação de maior volume de empréstimos com spreads ainda elevados (que declinaram pouco no período) tornou a concessão de créditos muito atrativa, proporcionando aos bancos elevadas receitas com a intermediação financeira, conforme veremos na seção 4.

Tabela 1
Brasil: indicadores econômicos selecionados

Ao lado dos impulsos macroeconômicos, importantes inovações financeiras institucionais estimularam o crédito a partir de 2004, tanto pelo lado da demanda quanto pelo da oferta:11 11 Para um maior detalhamento, ver Mora (2015).

  • Criação do crédito consignado em folha, introduzido pela Lei nº 10.820/2003, com impacto sobre as operações de crédito pessoal, possibilitando principalmente aos trabalhadores vinculados a sindicatos e aos servidores públicos e aposentados o acesso ao crédito bancário a juros proporcionalmente mais baixos;

  • Mudanças nos instrumentos de alienação fiduciária, conforme a Lei nº 10.931/2004, simplificando a revenda de automóveis utilizados como colateral, por um lado, e permitindo a conservação do imóvel financiado sob propriedade do credor até a liquidação do financiamento, por outro lado, com impacto no crédito para aquisição de veículos e crédito imobiliário;

  • Aprovação da nova Lei de Falências, conforme Lei nº 11.101/2005, estabelecendo um conjunto de medidas que reduzem diretamente o risco do credor em caso de falências, com impacto sobre empréstimos as pessoas jurídicas em geral;12 12 Entre outras medidas, o crédito trabalhista passa a ser limitar a 150 salários mínimos e o crédito segurado (que dispõem de colateral) passa a se sobrepor ao crédito fiscal.

  • Criação da Letra Financeira (LF), por meio da Lei nº 12.249 de 11/06//2010 e da Resolução CMB nº 4.123, de 23/08/2012, constituindo um título de renda fixa emitido por instituições financeiras com a finalidade de captar recursos de longo prazo, dado que tem vencimento superior a dois anos, com valor mínimo de R$ 150 mil, incidência da menor alíquota do Imposto de Renda (15%) e alta rentabilidade, normalmente pós-fixada.

  • Criação da Letra de Crédito Imobiliário (LCI) e da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), por meio da Resolução nº 3.932, de 10/12/2010, constituindo títulos de renda fixa emitidos por bancos, aplicações semelhantes aos Certificados de Depósito Bancário (CDB), porém isentos de imposto de renda.

3. CICLO DO CRÉDITO EM 2003-2016: BOOM, ESTAGNAÇÃO E DESACELERAÇÃO

Como pode ser visto no Gráfico 1, a partir do início de 2004 o volume de crédito no Brasil cresceu continuamente até 2015. Depois do boom até 2008, o ritmo de expansão diminuiu a partir meados de 2013, vindo a declinar acentuadamente a partir do início de 2015. Os bancos privados nacionais lideraram a aceleração do crédito na fase inicial do boom, sendo secundado pelos bancos públicos. Ademais, predominaram, até 2008, as operações com recursos livres (Gráfico 2).

Gráfico 1
Evolução do crédito por controle de capital (em %)

A partir de 2009, no entanto, os bancos públicos tomaram a liderança, e o crédito direcionado13 13 O crédito direcionado é composto por operações cujos juros ou fonte de recursos são definidos pelo governo, como o financiamento habitacional, o crédito rural e os empréstimos do BNDES, enquanto que crédito com recursos livres são operações contempladas na Circular 2.957/1999 e formalizadas com taxas de juros livremente pactuadas entre os clientes e as instituições financeiras. tornou-se predominante. Inicialmente cumprindo um importante papel no bojo das políticas contra-cíclicas adotadas a partir do contágio de crise financeira global, as operações de crédito dos bancos públicos continuaram a crescer até 2015, com destaque para o Banco do Brasil e, sobretudo, a CEF. Os bancos privados (nacionais e estrangeiros), desde 2012, desaceleraram a concessão de crédito, enquanto os bancos públicos mantiveram as taxas de expansão altas até o início de 2015. O Gráfico 2 mostra que o boom creditício veio puxado tanto pelo crédito à pessoa física (PF) quanto à pessoa jurídica (PJ), que cresceram acentuadamente a partir do final de 2003.

Gráfico 2
Taxa de crescimento real do crédito ao setor privado (à esquerda, em %*) e relação crédito/PIB (à direita, em %)

Até 2007, houve clara preponderância do crédito à pessoa física. A partir daí, até a crise de 2008, o crédito à pessoa jurídica exibiu maior crescimento. Desde então, houve redução nas taxas de crescimento em ambas as modalidades, ao mesmo tempo em que a taxa de crescimento se tornou mais volátil. Se, por um lado, o crescimento da renda dos trabalhadores e as mudanças institucionais estimularam a expansão da oferta de crédito para pessoa física, por outro, com a aceleração do crescimento da economia e maior demanda de crédito por parte das firmas, os bancos intensificaram a concessão de crédito à PJ, sobretudo sob a forma de capital de giro. O crédito com recursos livres, principalmente nas modalidades de capital de giro, crédito consignando e aquisição de veículos, cresceu fortemente até 2008, mantendo-se em ritmo de expansão elevado. De 2014 em diante, todavia, observou-se um declínio moderado. No mesmo período, houve um forte crescimento do crédito direcionado tanto para PF quanto PJ, em função do crescimento das operações de crédito do BNDES (principalmente para financiamento do investimento e infraestrutura) e das operações de crédito imobiliário para PF, que cresceram acentuadamente a partir de 2009 (Gráfico 3). Já a partir de meados de 2015 iniciou-se um processo de forte desaceleração nas operações de crédito (livre e direcionado), refletindo o ajuste dos bancos públicos e privados em contexto de crise econômica aguda e, principalmente, a queda da demanda em um quadro de forte recessão.

Gráfico 3
Principais modalidades de crédito (à esquerda, em R$ milhões de dez/2016*) e prazo médio dos recursos livres (à direita, em meses)

Um fator que contribuiu para expansão do crédito bancário no período analisado foi a combinação entre redução nos juros (mais baixos em relação ao período pré-2004, mas ainda bastante elevados), aumento da massa salarial dos trabalhadores (permitindo maior comprometimento da renda com empréstimos) e alongamento nas maturidades dos empréstimos (Gráficos 3 e 4). A melhoria no ambiente econômico - com maior crescimento, reduzida fragilidade externa (com política de acumulação de reservas), inflação sob controle, dívida pública declinante (ver Tabela 1) -, junto com as mudanças institucionais que beneficiaram o mercado de crédito, propiciaram não só a redução nos juros dos empréstimos em modalidades importantes do crédito, como crédito pessoal, de capital de giro e imobiliário, mas também o alongamento nos prazos. O Gráfico 4 mostra que o crédito pessoal, onde há predominância do consignado, teve queda na taxa de juros nominais de 99% a.a., em fevereiro de 2003, para 46,8% a.a., em novembro de 2007, e um crescimento de prazo médio de 209 dias para 453 dias no mesmo período. A partir de 2009 a maturidade no crédito pessoal se estabilizou, mas a do crédito livre para PJ continuou se ampliando.

Gráfico 4
Taxa média das operações de crédito com recursos livres (em % a.a.) e prazo (à esquerda, em dias) e taxa de juros (à direita, em % a.a.) para crédito ao consumidor

Grosso modo, podemos distinguir quatro fases no ciclo de crédito no período 2003-2016.14 14 Para um aprofundamento, ver Mora (2015) e Oliveira e Wolf (2016). O boom, que se inicia ao final de 2003 e vai até a emergência da crise financeira internacional, no último trimestre de 2008; crise e recuperação (2008-2010), marcadas pelo contágio da grande crise financeira global e pelo papel anticíclico dos bancos públicos; estagnação (2011-2014), de estagnação do crédito dos bancos privados e continuidade na expansão dos bancos públicos; e credit crunch15 15 Credit crunch é uma redução súbita e prolongada na disponibilidade geral de empréstimos. (2015-2016), de forte desaceleração da oferta e na demanda de crédito, com aumento na fragilidade financeira dos agentes (firmas e famílias).

No boom (2003-2008), testemunha-se um forte crescimento na oferta de crédito, em especial do crédito à PF (que cresce de 9,6% do PIB em novembro de 2003 para 15,6% em setembro de 2008) nas modalidades de recursos livres. De um lado, há um expressivo avanço do crédito pessoal, em função da combinação entre aumento da renda dos trabalhadores e inovações financeiras institucionais que beneficiaram essa modalidade de crédito. De outro, há a intensificação da concessão de empréstimos com crédito livre à PJ, de 9,6% do PIB em outubro de 2005, para 15,1% em setembro de 2008, puxado principalmente pelo crédito para capital de giro, estimulado, por sua vez, pela aceleração no crescimento econômico do país.16 16 Segundo Prates e Freitas (2013, p. 327) um fator que contribuiu para aceleração do crédito bancário às empresas em 2008 foram os contratos de crédito vinculados com operações com derivativos cambiais, um mecanismo de alto risco que garantia uma redução do custo enquanto a trajetória do real fosse de apreciação.

A fase da crise e recuperação (2008-2010) é marcada pelo efeito-contágio da crise financeira global sobre a economia brasileira, que resultou em efeitos imediatos sobre o mercado de crédito, em especial nas operações com recursos livres voltados para PF, que se contraíram de 15,3% do PIB em outubro de 2008 para 14,9% em julho de 2009. Observa-se o “empoçamento” de liquidez no mercado interbancário, em função da percepção da incerteza tanto em relação ao futuro quanto em relação ao montante dos valores envolvidos nas perdas decorrentes das operações de empresas com derivativos cambiais. Em resposta a esse quadro, o BCB adotou uma série de medidas para prover liquidez ao setor bancário de modo a evitar o contágio no mercado interbancário.17 17 Entre as medidas adotadas, estavam a redução do compulsório para pequenos e médios bancos, a diminuição da alíquota adicional cobrada sobre o compulsório sobre depósitos à vista e a liberação do compulsório para a aquisição de carteiras de bancos menores. A compra dessas carteiras - feita principalmente pelo BB e CEF - foi fundamental para evitar que a crise de liquidez se convertesse em uma crise de insolvência (OLIVEIRA e WOLF, 2016, p. 15). No contexto das medidas contracíclicas adotadas, o governo brasileiro, face a forte contração do crédito dos bancos privados, adotou uma política financeira ativa através da expansão do crédito por parte dos grandes bancos públicos federais (BB, CEF e BNDES), o que os levou ao aumento na participação no crédito com recursos livres e liderança no segmento do crédito direcionado (MORA, 2015MORA, M. A evolução do crédito no Brasil entre 2003 e 2010. Texto para Discussão, IPEA, n. 2022, jan. 2015.). É importante observar que a ação anticíclica dos bancos públicos funcionou como apoio à atuação do BCB, prevenindo uma crise de liquidez e de insolvência no setor bancário. As políticas contracíclicas adotadas foram favorecidas por um contexto internacional benigno (novo boom de commodities e aumento nos fluxos de capitais) que permitiu à economia brasileira se recuperar já a partir de meados de 2009 (PAULA et al., 2015).

A percepção de que a grande crise havia sido superada foi reforçada ao longo de 2009 e 2010, diante da aceleração da economia brasileira (Tabela 1). Com a recuperação econômica, a oferta de crédito retomou a sua trajetória de crescimento, tanto para PJ quanto principalmente para a PF. Dessa vez, no entanto, o protagonismo foi do crédito direcionado. A forte recuperação do crédito, no entanto, face ao elevado crescimento, ao temor de aumento na taxa de inflação e ao receio de fragilização do setor bancário, levou o BCB a adotar medidas macroprudenciais a partir do final de 2010, o que contribuiu para a desaceleração do crédito na fase seguinte.18 18 Incluíram, entre outras, o aumento gradual da alíquota do depósito compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo, a elevação no adicional do compulsório para depósitos à vista e a prazo, a redução do limite máximo de dedução das compras de carteiras, etc.

A estagnação (e gradual desaceleração) de 2011-2014 é marcada pela inicial estabilização do nível de oferta de crédito dos bancos privados (seguido de desaceleração em 2012) e pelas políticas de ampliação da oferta de crédito dos bancos públicos, que procuraram manter a taxa de crescimento elevada, com CEF e BB assumindo uma participação maior inclusive em áreas tradicionalmente ocupadas pelos bancos privados, tais como no crédito pessoal e no capital de giro (FEIL e SLIVNIK, 2017FEIL, F.; SLIVNIK, A. Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil: Notas sobre sua evolução patrimonial recente. Anais do XXII Encontro Nacional de Economia Política (ENEP), Campinas, 2017.). As principais modalidades de crédito à PF, característica da expansão da primeira fase, como consignado e aquisição de veículos, no entanto, acabaram por desacelerar. A exceção foi o crédito para capital de giro, que continuou a crescer significativamente até final de 2013.

Cabe destacar que esse é um período em que a lucratividade das empresas de capital aberto no Brasil caiu acentuadamente,19 19 Segundo o CEMEC (2015), o ROE (return on equity ou retorno sobre patrimônio líquido) das companhias abertas no Brasil, cuja média era de 18,3 em 2005-2010, caiu para 13,5% em 2011, 7,2% em 2012, 6,6% em 2013 e 5,5% em 2014. sendo possível que as empresas, até 2013, ainda alimentassem expectativas de crescimento do mercado interno devido à existência de um mercado de vendas de varejo ainda aquecido (PAULA e PIRES, 2017PAULA, L. F.; PIRES, M. Crise e perspectivas para a economia brasileira. Estudos Avançados, v. 31, n. 89, p. 125-144, 2017.). Como pode ser observado no Gráfico 5, já havia uma tendência à diminuição na margem de segurança das firmas brasileiras, com um crescimento gradual do comprometimento do fluxo de caixa em relação às despesas financeiras. Considerando essas tendências, o crédito com recursos livres ficou praticamente estagnado no período (entre 27% e 28% do PIB), enquanto que o crédito direcionado cresceu fortemente (de 18,8% do PIB em janeiro de 2012, para 25,0% do PIB em dezembro de 2014), devido ao acentuado crescimento do crédito do BNDES e do crédito imobiliário (Gráfico 4). Em função dessas modalidades de crédito terem prazos mais longos, a maturidade média das operações de crédito aumentou.20 20 Passou de 28,8 meses para recursos livres em janeiro de 2012 para 35,3 meses em dezembro de 2014, e para crédito direcionado de 42,0 meses para 58,1 meses no mesmo período, conforme dados do BCB. A fase de estagnação do crédito no Brasil é marcada tanto por uma deterioração no cenário internacional, em função da iminência de uma crise na zona do euro e da desaceleração da economia chinesa, quanto por uma descoordenação nos instrumentos da política econômica (PAULA et al., 2015). Essa combinação de elementos externos com certo enfraquecimento financeiro das firmas brasileiras contribuiu para a deterioração nas expectativas dos bancos e das firmas não-financeiras, que se expressou na redução na taxa de investimento e na desaceleração econômica (taxa de crescimento média do PIB de 1,8% a.a. em 2012-2014). Em tal contexto, a ação contracíclica dos bancos públicos acabou por ter eficácia limitada para expandir o investimento e a produção, ainda que tenha evitado uma contração brusca e aguda na oferta de crédito.

Por fim, o credit crunch do biênio 2015-2016 se traduziu na forte e súbita contração da oferta e demanda do crédito, seja no crédito livre, seja no crédito direcionado. Esse movimento sincronizado entre bancos privados nacionais e estrangeiros e bancos públicos ocorreu no contexto de uma acentuada desaceleração econômica (taxa de crescimento negativo do PIB em 3,8% em 2015 e 3,6% em 2016). O conjunto de choques negativos, tais como a deterioração nos termos de troca, a crise hídrica, a forte desvalorização cambial e a crise da Lava Jato, combinado com um conjunto de políticas econômicas contracionistas, tais como a elevação da SELIC, o acelerado reajuste de preços administrados e o corte do gasto público, levaram a economia a uma forte e prolongada recessão (PAULA e PIRES, 2017PAULA, L. F.; PIRES, M. Crise e perspectivas para a economia brasileira. Estudos Avançados, v. 31, n. 89, p. 125-144, 2017.). A combinação da recessão com aumento na taxa Selic, cujo valor real ex-ante alcançou 7,5% a.a. em 2015 e 6,5% a.a. em 2016, causou uma enorme desaceleração da demanda e da oferta de crédito, resultando em um credit crunch que contribuiu para o aprofundamento da crise econômica.

A crise do crédito resultou da maior aversão ao risco tanto da parte dos bancos quanto dos demais agentes privados (firmas e famílias). De um lado, frente à incerteza, os bancos em todos os segmentos por controle de capital elevaram a provisão para devedores duvidosos, ampliaram suas aplicações em ativos líquidos, reduziram o prazo médio de seus empréstimos (Gráfico 3) e tornaram-se mais seletivos na concessão de crédito (privilegiando modalidades com maiores garantias). De outro lado, observou-se diminuição na demanda por crédito face à queda da massa salarial real, ao aumento na taxa de desemprego (que passou de 5,0%, em 2014, para 8,1%, em 2015) e à forte redução dos investimentos desde 2014 (Tabela 1).

O crédito para PJ, nas suas principais modalidades (BNDES e capital de giro), foi o segmento mais afetado, por ser o mais diretamente atingido pela crise econômica. As principais modalidades do crédito à PF, como o imobiliário e o consignado, ficaram estagnadas ou, em alguns casos, declinaram, como é o caso da aquisição de veículos. Nesse período, há um evidente aumento na fragilidade financeira das empresas e famílias, como resultado tanto do aumento do endividamento dos agentes pós-2003, quanto (a partir de 2014 e 2015) de fatores exógenos aos agentes (elevação da taxa de juros e desvalorização cambial): por um lado, o comprometimento da renda das famílias com dívida bancária se eleva para mais de 45% desde meados de 2014, vindo a declinar em 2016, evidenciando um processo de desalavancagem; por outro, o percentual de empresas com a razão EBITDA21 21 EBITDA é a sigla de earnings before interest, taxes, depreciation and amortization. /despesas financeiras menor do que um (não geram fluxo de caixa capaz de cobrir a totalidade das despesas financeiras) aumenta para mais de 50% em 2015, uma situação característica de agentes especulativos ou Ponzi22 22 Em que pese a tendência a maior fragilização financeira das firmas, não se configurou uma crise financeira no período, com aumento generalizado de inadimplência, deflação de dívidas e ativos, e crise bancária, mesmo em condições de uma recessão aguda. Isso se deve a um conjunto de fatores, que incluem o ajuste patrimonial dos bancos em direção a aplicações indexadas a Selic (ver na sequência), maior provisão para devedores duvidosos (idem) e renegociação das dívidas com clientes. Segundo Guimarães (2016), “com muitas empresas, inclusive as grandes, já operando com queima de caixa e sem liquidez para honrar vencimentos mais curtos, os bancos estão alongando pagamentos atrasados e sendo mais flexíveis na renegociação com os clientes, na tentativa de evitar que a lista de companhias em recuperação judicial engrosse mais”. Para um aprofundamento das razões porque não se configurou uma crise bancária em 2015-2016, ver Paula (2017). (Gráfico 5).

Gráfico 5
Percentagem das empresas com EBITDA/despesa financeira menor que 1

Cabe assinalar que a política de elevação na taxa de juros aumentou o risco para os investidores em papéis não-indexados, pressionando o Tesouro Nacional a emitir títulos “selicados”. Assim, a emissão de LFT - também conhecida como o “papel da crise” - junto com as operações compromissadas,23 23 Operações de compra ou venda de títulos públicos com compromisso de revenda ou recompra em uma data futura usadas pelo BCB para regular a liquidez no mercado de reservas bancárias. em crescimento desde 2012, aumentou rapidamente o montante das aplicações sem risco de liquidez ou risco de taxa de juros (dado que as LFT, por terem duration de um dia, estão livres desse risco), revigorando o circuito de overnight na economia brasileira (Gráfico 6). Como pode ser visto na Tabela 1, houve um forte aumento na dívida pública - bruta e líquida - em 2015-2016. Essa mudança na administração da dívida pública e o aumento no volume das aplicações de curto prazo, no contexto de aplicação de políticas de austeridade, permitiram, mais uma vez, que os bancos ajustassem sua estrutura patrimonial de forma a obterem liquidez e rentabilidade na composição de seu balanço.

Gráfico 6
Compromissadas e LFT (em R$ bilhões de dez/2016*)

4. AJUSTE PATRIMONIAL E PADRÃO DE RENTABILIDADE DOS BANCOS

Como visto na seção anterior, no boom de crédito, o setor bancário, liderado pelos bancos privados nacionais e secundado pelos bancos públicos, expandiu de forma acelerada sua carteira de crédito. Ao lado do maior volume de crédito concedido, os spreads praticados pelos bancos privados, ainda que manifestassem leve queda, permaneceram elevados, como revela o BCB (2009). A combinação do aumento do volume de crédito concedido com a manutenção de spreads ainda elevados fez com que o resultado bruto da intermediação financeira praticamente dobrasse entre 2003 e 2008 para os bancos privados nacionais, conforme Gráfico 7.

Gráfico 7
Receitas, despesas e resultado bruto da intermediação financeira: bancos privados nacionais (à esquerda) e bancos públicos (à direita) (em R$ bilhões de dez/2016)

A expansão do crédito bancário teve como contrapartida a redução da participação relativa dos títulos e valores mobiliários na carteira dos bancos privados nacionais e dos bancos públicos. Esse resultado está em linha com a alocação dos ativos esperada em uma fase de expansão econômica à luz da teoria pós-keyenesiana da preferência pela liquidez desenvolvida por Carvalho (1998, 2007). Bancos, em busca de maior lucratividade, preferirão ativos que ofereçam maior rendimento, ainda que menos líquidos, uma vez que os empréstimos, via de regra, no Brasil, não são securitizáveis. O aumento da participação dos empréstimos no portfólio dos bancos se deu em detrimento de aplicações financeiras mais líquidas, como os títulos e valores mobiliários, que, em dezembro de 2003, eram pouco mais de 40% dos ativos, mas em dezembro de 2008 caíram para menos de 35% para o segmento dos bancos privados nacionais e caíram de 51% para 44% no caso dos bancos públicos (Gráfico 8).

Essa realocação dos ativos no conjunto dos bancos privados nacionais foi mais modesta do que a realizada pelos bancos estrangeiros, cujos títulos e valores mobiliários saíram de 43% dos ativos, em dezembro de 2003, para 33%, em dezembro de 2008 (Gráfico 8). Já entre os bancos privados nacionais não há tendência semelhante de fragilidade financeira: não só a recomposição do ativo foi mais moderada, mas também a expansão das operações de crédito desse segmento não foi acompanhada de aumento na alavancagem até o ano de 2007 (Gráfico 9). É somente nesse ano que esses bancos elevam moderadamente a alavancagem das operações de crédito de algo em torno de quatro para pouco mais que cinco. Como regra geral, o patrimônio líquido desse segmento de bancos cresceu pari passu à expansão dos saldos de crédito. Já no caso dos bancos públicos, registra-se forte redução na participação das aplicações em títulos e valores mobiliários acompanhada de acelerada expansão da oferta de crédito, o que explica a estabilidade da alavancagem (Gráfico 9).

Gráfico 8
Participação dos títulos e valores mobiliários no ativo total (em %)

Gráfico 9
Alavancagem dos bancos privados e públicos: operações de crédito/patrimônio líquido (em %)

O Gráfico 10 mostra um comportamento fortemente pró-cíclico da provisão para devedores duvidosos dos bancos, uma variável crucial na avaliação de risco de crédito ex-ante por parte dos bancos. A determinação das provisões é influenciada tanto pelos índices de inadimplência verificados, quanto pelas expectativas futuras sobre retorno dos empréstimos. Evidentemente, o peso das expectativas sobre o default no futuro aumenta em momento de maior incerteza, levando ao aumento precaucionário das provisões. De fato, observa-se uma queda nas provisões no período 2004-2008, quando as expectativas dos agentes em geral (bancos, firmas e famílias) se tornavam mais positivas. Depois do efeito-contágio da crise financeira global, do final de 2008 até meados de 2009, as provisões se elevaram, mas vieram a cair logo depois, em função da percepção de que o quadro de crise havia sido debelado. A partir de 2012, devido ao sentimento de iminência de um “grande evento”, face à crise do euro, e, sobretudo, a partir de meados de 2015, no contexto de uma aguda e prolongada recessão da economia brasileira, as provisões foram aumentadas.

Gráfico 10
Provisões para devedores duvidosos como percentagem da carteira de crédito

Quando se compara o comportamento dos bancos públicos com o dos bancos privados, observa-se que os primeiros fizeram menores provisões. Um dos fatores que explicam essa diferença é a predominância de operações de crédito de longo prazo, com maior cobertura de garantias. Os bancos públicos no Brasil são os principais provedores do financiamento imobiliário (CEF), do financiamento rural e agroindustrial, financiamento ao investimento (BNDES), e os maiores fornecedores crédito consignado (BB e CEF).

Quanto ao passivo bancário, observa-se que, tanto os bancos privados nacionais quanto os bancos públicos se financiaram, principalmente, por meio da emissão de depósitos, em especial de depósitos a prazo. Secundariamente e crescentemente recorreram a obrigações que economizam reservas, como captações de mercado aberto, caracterizando uma tendência de administração de passivo e de uso de inovações financeiras por parte dos bancos (como as Letras Financeiras e das LCA no caso do BB, responsáveis pelo crescimento de “aceites e emissões de títulos”), de modo a obterem um volume maior de recursos para emprestar (Gráfico 11), em conformidade com a teoria pós-keynesiana dos bancos desenvolvida por Carvalho (1998, 2007) e outros autores. O crescimento nas captações no mercado aberto, formadas pelas obrigações compromissadas,24 24 As operações compromissadas se caracterizam pela venda não definitiva de títulos, com recompra a prazo e preço previamente definidos, sendo bastante utilizadas nas transações relativas ao mercado interbancário. foi mais acentuado no segmento dos bancos privados, já que esse se constitui em uma fonte mais ágil de captação de recursos e livres de compulsório.

Gráfico 11
Passivo exigível: bancos privados nacionais (à esquerda) e bancos públicos (à direita) (em R$ bilhões de dez/2016)

A aceleração do crescimento econômico, combinada com o aprofundamento das relações entre clientes e bancos - o que inclui a intermediação financeira, a oferta de fundos de investimento, os esforços de colocação de títulos das empresas, a assessoria para fusões e aquisições, etc. -, aumentou as receitas de tarifas e serviços bancários, durante a fase de expansão, em todos segmentos por propriedade de capital. Uma fração crescente das despesas administrativas e de pessoal passou a ser coberta por essas receitas, sendo que a razão entre cobertura de serviços e tarifas sobre despesas administrativas e de pessoal ultrapassou 50% em 2007 (Gráfico 12). A partir de 2013, em particular, as receitas de tarifas e serviços bancários contribuíram para a manutenção de receitas elevadas no segmento dos bancos privados nacionais.

O contágio da crise financeira internacional de 2008 suspendeu os planos de expansão dos bancos privados nacionais, que, mesmo superada a crise, não retornaram ao ritmo anterior. Como esperado, nos momentos que se seguiram à crise, esse segmento tipicamente “colocou o pé no freio”, reduzindo fortemente as novas concessões de crédito. Como já visto, na crise, coube aos bancos públicos reforçar a oferta de financiamento, no bojo do conjunto das ações anticíclicas do governo federal.

Gráfico 12
Cobertura dos serviços e tarifas (em % das despesas administrativas e de pessoal)

Passado o pior momento, já a partir do final de 2009 os bancos privados nacionais voltaram a aumentar seus empréstimos em 2010-2011, ainda que em ritmo abaixo daquele do ciclo de 2004-2008. A crença na superação dos efeitos da crise induziu a retomada do crédito pelo setor bancário privado. Assim, sua alavancagem voltou a aumentar a partir do fim de 2009, a partir do aumento das captações no mercado aberto, enquanto a participação de títulos e valores mobiliários no conjunto dos ativos declinava. Consequentemente, o resultado bruto da intermediação financeira se recuperou já em 2009 e continuou crescendo ao longo de 2010.

As expectativas de recuperação, contudo, não resistiram muito tempo. A partir de meados de 2010, multiplicaram-se os sinais de que poderia haver um desdobramento da crise europeia então em curso. Enquanto isso, no front interno, repetiam-se recomendações de que a economia brasileira deveria ser esfriada, diante do crescimento do PIB e da inflação. Assim, a partir de abril de 2010, teve início um ciclo de alta da Selic, que foi elevada de 8,75% a.a. para 9,5% a.a. Já a partir de final de 2010, adotaram-se medidas macroprudenciais, com o fito de desacelerar o crescimento da oferta de crédito. No campo fiscal, o governo se comprometera a atingir a meta de superávit primário (3,0% do PIB em 2011).

Esse conjunto de fatores, juntamente com o temor de elevação na inadimplência, que, a partir de 2011, passou a aumentar - de cerca de 4% do total da carteira de crédito no início de 2011 para mais de 5% em meados de 2012 - influenciou a decisão dos bancos privados nacionais de retomar posturas mais conservadoras. Assim, desde o fim de 2011, já se perceberam a forte desaceleração na oferta de crédito e o aumento dos spreads bancários.25 25 O spread médio do segmento dos bancos privados (nacional e estrangeiro) subiu de 26,3% a.a. em 2012 para 29,7% em 2013 e 32,8% em 2014, conforme BCB (2015, p. 19-21). Já os bancos públicos, depois de ensaiarem uma desaceleração e correção de preços de algumas linhas de crédito, voltaram a prorrogar a política financeira contracíclica. A alavancagem do crédito desse segmento aumentou acentuada e continuamente, passando de 8,0 em dezembro de 2009 para 13,0 em dezembro de 2014 (Gráfico 9).26 26 Para um aprofundamento, ver Feil e Slivnik (2017).

Em abril de 2012, o governo federal, por meio da CEF e do Banco do Brasil, instou o sistema bancário a reduzir os spreads. Considerando que esses dois bancos ocupavam uma importante fatia de mercado, seria de se esperar que os bancos privados reagissem, cortando seus próprios spreads, para assegurar suas fatias de mercado. A política de redução dos spreads somada ao ciclo de redução da taxa Selic, iniciado em agosto de 2011, resultaria em taxas de juros “na ponta” bastante mais atraentes, estimulando a demanda por crédito.

Em outubro de 2012, os juros básicos chegaram a 7,25% a.a., o patamar nominal mais baixo do período analisado neste artigo (2003-2016). Essa taxa retirava a atratividade de operações com títulos públicos e poderia ainda indicar que as rendas de tesouraria dos bancos estariam com os dias contados. Assim, diante da redução dos juros básicos e da determinação do governo em empregar os bancos públicos para baixar os spreads, poderia se esperar que os bancos privados expandissem expressivamente a oferta de crédito com juros mais baixos para assegurar sua lucratividade, o que, entretanto, não aconteceu. A redução dos spreads dos bancos públicos fora acompanhada apenas moderadamente pelo conjunto dos bancos privados, como mostra o Gráfico 13. A partir da própria elevação da Selic, já em meados de 2013, os spreads mudaram de tendência e iniciaram uma verdadeira escalada, notadamente nas operações com pessoas físicas.

Gráfico 13
Spread bancário dos bancos públicos e privados (à esquerda) e spread bancário nas operações de crédito livre (à direita) (em % a.a.)

O resultado líquido para os bancos privados nacionais, que, como já destacado, desaceleraram a oferta de crédito, foi a redução do resultado bruto da intermediação financeira, que não mais retornou aos níveis de 2010. A alavancagem privada não fora alterada (Gráfico 9), mas a participação dos títulos e valores no total de ativos, ao longo de 2012, saiu de níveis inferiores a 35% para ultrapassar os 40% (Gráfico 8), confirmando que esse segmento passou a adotar uma postura mais cautelosa e buscar outras fontes de receitas.

De fato, a razão entre as receitas com serviços e tarifas e as despesas administrativas e de pessoal passou de 50% no 2º semestre de 2012 para mais de 60% a partir do 2º semestre de 2014 (Gráfico 12) no segmento dos bancos privados. Já os bancos públicos mantiveram seu resultado bruto de intermediação financeira elevado até 2014, face ao aumento nas receitas com operações de crédito.

Essa tendência prosseguiu até o fim de 2014, quando o governo brasileiro deu uma forte guinada na condução da política econômica, buscando a austeridade fiscal - através da obtenção de superavit primários elevados por meio do corte de gastos primários, fim de repasses para os bancos públicos, em especial, para o BNDES, e ajuste das tarifas de energia elétrica e dos preços de combustíveis -, conjugada com o comprometimento do BCB em perseguir, mais decididamente, o controle da inflação, elevando a taxa Selic (Tabela 1). As políticas econômicas adotadas derrubaram os investimentos já em queda, desestimularam o consumo e contribuíram para aprofundar a recessão em curso.

Nesse contexto, os bancos privados nacionais, agora acompanhados pelos bancos públicos, aprofundaram suas políticas operacionais de racionamento do crédito, de elevação dos spreads, de maiores provisões para devedores duvidosos, bem como dirigiram o foco para aplicações em títulos públicos. Como consequência dessa estratégia, as receitas com operações de crédito, que em 2010 equivaliam a mais de 70% do total das receitas financeiras, caíram para o patamar de 50% no fim do primeiro semestre de 2016. Já as receitas com títulos e valores mobiliários se expandiram de menos de 24% para 46% no mesmo período (Gráfico 14). Esse ajustamento só foi possível, como destacado anteriormente, pelo crescimento das operações financeiras de curto prazo que restabeleceu o circuito de overnight na economia brasileira.

Gráfico 14
Receitas com títulos e valores mobiliários sobre total das receitas financeiras (em %)

O ajustamento da carteira de crédito dos bancos públicos, a partir de 2015, foi mais lento do que o dos bancos privados. Isso se explica pelo fato de os financiamentos concedidos pelos públicos serem de longo prazo. Por isso, a participação das receitas de intermediação caiu mais lentamente passando 63% em 2010 para 61% das receitas totais no 1º semestre de 2016. Por essa razão, as receitas com títulos e valores mobiliários tiveram apenas um pequeno crescimento relativo, passando de 28% para 32% (Gráfico 14).

O resultado bruto da intermediação financeira dos bancos públicos também exibiu queda, ainda que menor em relação aos bancos privados nacionais (Gráfico 7). Em que pese o efeito positivo na elevação dos juros sobre as receitas de intermediação financeira, o aumento das despesas financeiras mais que o compensou, devido aos efeitos da forte contração do PIB e da desvalorização cambial sobre as provisões para crédito de liquidação duvidosa e as captações no mercado, respectivamente. A rentabilidade dos bancos privados só se manteve elevada em 2015 - conforme Tabela 2 - em função dos elevados montantes de créditos tributários detidos pelos bancos, originados com despesas com imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido (OLIVEIRA, 2016OLIVEIRA, G.; WOLF, P. J. W. A dinâmica do mercado de crédito no Brasil no período recente (2007-2015). Texto para Discussão, IPEA, n. 2243, out. 2016.). Já em 2016 observou-se um aumento no resultado dos bancos privados nacionais em relação ao ano anterior, favorecido pela diluição do choque cambial sobre seu passivo externo, pela manutenção da taxa de juros em patamares elevados e pela continuidade no aumento das receitas com serviços e tarifas. Enquanto o ROE dos maiores bancos privados se manteve elevado no ano, no caso dos grandes bancos públicos varejistas (BB e CEF) observou-se uma redução no resultado bruto e uma queda mais acentuada no ROE. Não deixa de ser surpreendente a manutenção de níveis de rentabilidade elevados, em contexto de forte e prolongada recessão, o que mostra a enorme capacidade dos bancos brasileiros se ajustarem em um ambiente de forte instabilidade macroeconômica, favorecidos pela política de ajustamento adotada pelo governo em contexto de crise.

Tabela 2
Rentabilidade do patrimônio (ROE) dos cinco maiores bancos (em %)

CONCLUSÃO

Este artigo analisou o comportamento do setor bancário no ciclo recente de crédito no Brasil (2003-2016), caracterizado por um ciclo de boom, desaceleração e crise, adotando a perspectiva da abordagem pós-keynesiana e tomando como bases a teoria da preferência pela liquidez dos bancos desenvolvida por Fernando Cardim de Carvalho e a hipótese da fragilidade financeira de Minsky. Como visto neste trabalho, as mudanças patrimoniais e o padrão de rentabilidade dos bancos, assim como o desenvolvimento do ciclo de crédito, nos anos recentes no Brasil podem ser explicados a partir da teoria de preferência pela liquidez dos bancos quando se leva em conta as especificidades institucionais e macroeconômicas da realidade brasileira.

Em particular, os bancos privados, mais uma vez, tiveram grande capacidade de se adaptar e tirar proveito das mudanças no contexto macroinstitucional brasileiro. Puderam expandir a oferta de crédito, valendo-se de sua posição líquida antes de 2004, extraindo receitas na intermediação financeira (favorecidos por spreads ainda elevados e elevada demanda por crédito) e diversificando suas fontes de receitas (receitas com serviços e tarifas). Em momento de desaceleração econômica foram bem sucedidos realocando seu portfólio em direção a posições mais líquidas e de menor risco (favorecido pela manutenção de um circuito de overnight), mantendo uma rentabilidade, ainda que menor, extremamente elevada para uma situação de crise econômica aguda e prolongada. Nesse contexto, embora a economia brasileira tenha se fragilizado financeiramente (em função do maior endividamento dos agentes), não houve uma crise financeira generalizada.

Cabe aprofundar, evidentemente, que elementos permitiram ao sistema bancário nacional expandir fortemente o crédito sem abrir mão da liquidez de sua estrutura patrimonial, ajustando suas estruturas financeiras sem que houvesse uma crise financeira ou intervenções do Banco Central para evitar a ocorrência da mesma. Isso reabre a questão de quão funcional tem sido o setor bancário privado para o processo de desenvolvimento, uma vez que, em que pese o forte crescimento da oferta de crédito, o crédito de longo prazo foi o grande ausente no portfólio dos bancos varejistas privados. Ademais, desde o contágio da crise internacional, esse segmento desacelerou a oferta de crédito, ao mesmo tempo em que manteve spreads elevados e aumentou as receitas com tarifas e serviços. Essas são questões que merecem um melhor aprofundamento em outros trabalhos.

REFERÊNCIAS

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  • CEMEC - CENTRO DE ESTUDOS DE MERCADOS DE CAPITAIS. Endividamento das empresas brasileiras: metade das empresas não gera caixa para cobrir despesas financeiras em 2015/2016. Nota CEMEC, n. 06/2016, ago. 2016.
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  • Classificação JEL:

    G01; G11; G21.
  • *
    Os autores agradecem a assistência de pesquisa dos bolsistas de iniciação científica (PIBIC/CNPq) Marlon Souza e Júlia Baruki e as sugestões do parecerista anônimo, isentando-o de erros e omissões remanescentes.
  • 1
    Segundo série 11.400 do Banco Central do Brasil (BCB, 2018), a relação crédito/PIB era de 34,0% em junho de 1988 e caiu até 20,2% em fevereiro de 1990 (Plano Collor), elevando-se desde então para não mais de 30% do PIB até março de 1994. Após um mini boom de crédito durante o Plano Real, o crédito se retraiu até atingir o piso de 21,3% em janeiro de 2003, mas aumentou continuamente até alcançar 44,6% em janeiro de 2010.
  • 2
    A partir de meados de 2017 a taxa de crescimento do crédito volta a se tornar positiva, mas se mantém oscilante e semi-estagnada desde então.
  • 3
    Os dados extraídos dos balanços dos bancos a partir do BCB (“50 maiores bancos”) não incluem o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), dada a natureza diversa dessa instituição enquanto banco de desenvolvimento em relação aos bancos comerciais e múltiplos. Os dados do balanço e demonstrativo de resultados dos bancos usados na seção 4, por sua vez, foram agregados semestre a semestre, correspondendo assim à agregação dos balanços dos dois primeiros trimestres e dos dois últimos trimestres de cada ano, respectivamente.
  • 4
    A margem de segurança oferece uma proteção contra eventos inesperados em cada período do projeto. As margens de segurança são definidas para o fluxo de caixa e para o valor de capital da firma, sendo a margem do fluxo de caixa correspondente à diferença entre os lucros esperados e os compromissos financeiros em cada período de tempo, e a margem de segurança do balanço patrimonial correspondente à parcela de ativos líquidos além das necessidades operacionais das firmas.
  • 5
    Ver, ainda, Carvalho (2015, cap. 4 e 5).
  • 6
    Risco de taxa de juros refere-se ao risco de um banco ter um spread pequeno ou mesmo negativo em suas operações de intermediação financeira, devido às oscilações das taxas de juros de mercado, e risco de liquidez corresponde à habilidade de um banco de satisfazer suas obrigações quando elas forem devidas. O risco de crédito é o risco que um emprestador ou credor enfrenta devido à possibilidade de que o devedor não honre sua obrigação financeira.
  • 7
    Inovações financeiras também desempenham papel essencial nos processos, nas formas de organização e nas operações ativas dos bancos. Para um aprofundamento, ver Alves Jr (1993).
  • 8
    Cabe destacar que a transferência de ativos da Caixa Econômica Federal (CEF) para a Empresa Gestora de Ativos (EMGEA), empresa pública federal criada em 26/01/2001 para absorver esses ativos nos marcos do Programa de Fortalecimento das Instituições Financeiras Federais (PROEF), envolveu a cessão pela CEF de R$ 26,61 bilhões em contratos de financiamentos imobiliários, grande parte deles oriundos do antigo Sistema Financeiro da Habitação (SFH), contribuindo assim para a adequação dessa instituição financeira às regras do Acordo de Capital da Basileia. Essa operação contribuiu para uma redução ainda maior no volume de crédito neste período.
  • 9
    Mendonça e Sachsida (2013), utilizando dados agregados de junho de 2000 a agosto de 2012 para os segmentos de crédito para pessoa física e pessoa jurídica, evidenciaram que a demanda por crédito no Brasil é pró-cíclica, reagindo negativamente ao desemprego e positivamente ao PIB.
  • 10
    A participação dos títulos públicos federais indexados à taxa de câmbio e à taxa Selic no total da dívida pública caiu de 10,8% e 62,4% em dezembro de 2003, respectivamente, para 1,0% e 33,4% em dezembro de 2007.
  • 11
    Para um maior detalhamento, ver Mora (2015).
  • 12
    Entre outras medidas, o crédito trabalhista passa a ser limitar a 150 salários mínimos e o crédito segurado (que dispõem de colateral) passa a se sobrepor ao crédito fiscal.
  • 13
    O crédito direcionado é composto por operações cujos juros ou fonte de recursos são definidos pelo governo, como o financiamento habitacional, o crédito rural e os empréstimos do BNDES, enquanto que crédito com recursos livres são operações contempladas na Circular 2.957/1999 e formalizadas com taxas de juros livremente pactuadas entre os clientes e as instituições financeiras.
  • 14
    Para um aprofundamento, ver Mora (2015) e Oliveira e Wolf (2016).
  • 15
    Credit crunch é uma redução súbita e prolongada na disponibilidade geral de empréstimos.
  • 16
    Segundo Prates e Freitas (2013, p. 327) um fator que contribuiu para aceleração do crédito bancário às empresas em 2008 foram os contratos de crédito vinculados com operações com derivativos cambiais, um mecanismo de alto risco que garantia uma redução do custo enquanto a trajetória do real fosse de apreciação.
  • 17
    Entre as medidas adotadas, estavam a redução do compulsório para pequenos e médios bancos, a diminuição da alíquota adicional cobrada sobre o compulsório sobre depósitos à vista e a liberação do compulsório para a aquisição de carteiras de bancos menores. A compra dessas carteiras - feita principalmente pelo BB e CEF - foi fundamental para evitar que a crise de liquidez se convertesse em uma crise de insolvência (OLIVEIRA e WOLF, 2016, p. 15).
  • 18
    Incluíram, entre outras, o aumento gradual da alíquota do depósito compulsório sobre os depósitos à vista e a prazo, a elevação no adicional do compulsório para depósitos à vista e a prazo, a redução do limite máximo de dedução das compras de carteiras, etc.
  • 19
    Segundo o CEMEC (2015), o ROE (return on equity ou retorno sobre patrimônio líquido) das companhias abertas no Brasil, cuja média era de 18,3 em 2005-2010, caiu para 13,5% em 2011, 7,2% em 2012, 6,6% em 2013 e 5,5% em 2014.
  • 20
    Passou de 28,8 meses para recursos livres em janeiro de 2012 para 35,3 meses em dezembro de 2014, e para crédito direcionado de 42,0 meses para 58,1 meses no mesmo período, conforme dados do BCB.
  • 21
    EBITDA é a sigla de earnings before interest, taxes, depreciation and amortization.
  • 22
    Em que pese a tendência a maior fragilização financeira das firmas, não se configurou uma crise financeira no período, com aumento generalizado de inadimplência, deflação de dívidas e ativos, e crise bancária, mesmo em condições de uma recessão aguda. Isso se deve a um conjunto de fatores, que incluem o ajuste patrimonial dos bancos em direção a aplicações indexadas a Selic (ver na sequência), maior provisão para devedores duvidosos (idem) e renegociação das dívidas com clientes. Segundo Guimarães (2016), “com muitas empresas, inclusive as grandes, já operando com queima de caixa e sem liquidez para honrar vencimentos mais curtos, os bancos estão alongando pagamentos atrasados e sendo mais flexíveis na renegociação com os clientes, na tentativa de evitar que a lista de companhias em recuperação judicial engrosse mais”. Para um aprofundamento das razões porque não se configurou uma crise bancária em 2015-2016, ver Paula (2017).
  • 23
    Operações de compra ou venda de títulos públicos com compromisso de revenda ou recompra em uma data futura usadas pelo BCB para regular a liquidez no mercado de reservas bancárias.
  • 24
    As operações compromissadas se caracterizam pela venda não definitiva de títulos, com recompra a prazo e preço previamente definidos, sendo bastante utilizadas nas transações relativas ao mercado interbancário.
  • 25
    O spread médio do segmento dos bancos privados (nacional e estrangeiro) subiu de 26,3% a.a. em 2012 para 29,7% em 2013 e 32,8% em 2014, conforme BCB (2015, p. 19-21).
  • 26
    Para um aprofundamento, ver Feil e Slivnik (2017).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2019
  • Aceito
    26 Dez 2019
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