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BLINDAGEM EXTERNA, CONTROLES DE CAPITAL E INSERÇÃO DIFERENCIADA DA ÁSIA E DA AMÉRICA LATINA NA GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA (1995-2016)

EXTERNAL PROTECTION, CAPITAL CONTROLS, AND DIFFERENTIATED INSERTION OF ASIAN AND LATIN AMERICAN ECONOMIES INTO THE FINANCIAL GLOBALIZATION (1995-2016)

RESUMO

Este artigo analisa a inserção diferenciada das economias asiáticas e latino-americanas na globalização financeira entre 1995 e 2016, destacando a relação entre o saldo em transações correntes do balanço de pagamentos e o uso de controles de capitais. Argumenta-se que, no contexto da globalização financeira, a constituição de blindagem externa e o uso de controles de capitais são fundamentais para manter a taxa de câmbio real em um nível competitivo. Evidências dos seis maiores países da América Latina e dos Tigres Asiáticos e China (excluindo Taiwan) apontam que os países que lograram constituir blindagem externa, ou seja, com elevados e persistentes superávits em transações correntes do balanço de pagamentos mediante produção e exportação de produtos de alto valor agregado, foram menos dependentes de entradas de capital internacional mais voláteis, bem como mais capazes de usar controles de capital mais elevados e estáveis ao longo do tempo, e de manter a taxa de câmbio real em um nível competitivo.

PALAVRAS-CHAVE:
blindagem externa; controles de capital; taxa de câmbio; Ásia; América Latina

ABSTRACT

This paper analyses the differentiated insertion of Asian and Latin American economies into the financial globalization from 1995 to 2016, highlighting the relationship between the current account balance and the use of capital controls. It argues that, in the context of financial globalization, higher levels of external protection and the use of capital controls are fundamental to maintain the real exchange rate at a competitive level. Evidence from the six largest Latin American countries and the Asian Tigers and China (excluding Taiwan) show that countries with higher levels of external protection, that is, with high and persistent current account surpluses based on the production and export of high value-added products, were less dependent on more volatile international capital inflows and more able to use higher and more stable capital controls over time as well as to maintain the real exchange rate at a competitive level.

KEYWORDS:
external protection; capital controls; exchange rate; Asia; Latin America

INTRODUÇÃO

A globalização financeira deve ser compreendida como um resultado de transformações estruturais ocorridas no sistema monetário-financeiro internacional sob a hegemonia dos Estados Unidos (EUA), com destaque aos processos de liberalização e desregulamentação das finanças, que tornaram os mercados financeiros mais conectados entre si. Sob a égide do padrão sistêmico de riqueza financeirizado, episódios de inflação e deflação de ativos se tornaram cada vez mais frequentes, com efeitos desestabilizadores sobre as economias (BRAGA, 1997BRAGA, J. C. S. Financeirização global: O padrão sistêmico da riqueza do capitalismo. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. C. (Orgs.). Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização. São Paulo: Vozes, 1997. p. 195-242.; COUTINHO; BELLUZZO, 1998COUTINHO, L.; BELLUZZO, L. G. M. “Financeirização” da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, v. 7, n. 11, p. 137-150, dez. 1998.).

Diferentes países e regiões do mundo se inseriram de forma diferenciada nesse processo. E, nessa perspectiva, os casos da Ásia e da América Latina são particularmente notáveis. Enquanto a América Latina realizou ampla abertura financeira e, no período mais recente, acumulou reservas internacionais a partir do influxo de divisas por meio da conta financeira do balanço de pagamentos e exportações de commodities, a Ásia foi, de modo geral, bem mais cautelosa em seu processo de abertura financeira e acumulou reservas internacionais a partir de superávits persistentes e elevados em transações correntes do balanço de pagamentos, por meio de uma pauta de exportações crescentemente sofisticada.

Pode-se afirmar, pois, que os países asiáticos, de forma geral, constituíram blindagem externa, no sentido de que acumularam reservas internacionais mediante geração de superávits persistentes e elevados em transações correntes do balanço de pagamentos ao longo do tempo, a partir de produção doméstica e pauta de exportações crescentemente sofisticadas, vale dizer, com importância crescente de bens e serviços mais intensivos em conhecimento e tecnologia e, portanto, de maior valor agregado. Isso permitiu aos países asiáticos, em contraposição aos países latino-americanos, o uso de controles sobre os fluxos internacionais de capital mais elevados e estáveis ao longo do tempo.

Nessa perspectiva, este artigo tem o objetivo de analisar a inserção diferenciada da Ásia e da América Latina na globalização financeira, particularmente no que diz respeito à constituição de blindagem externa, tal como definida, e ao uso de controles sobre os fluxos internacionais de capital. Argumenta-se que, no contexto da globalização financeira, a constituição de blindagem externa e a utilização de controles de capital são fundamentais para permitir a manutenção da taxa de câmbio real em patamar competitivo. O artigo contribui, pois, no sentido de unir essas duas importantes dimensões que têm viabilizado uma inserção bem-sucedida de diversos países da periferia, destacadamente os asiáticos, na globalização financeira

No caso da América Latina, foram considerados os seguintes países: Brasil, México, Argentina, Colômbia, Chile e Peru, as seis maiores economias da região. No caso da Ásia, por seu turno, foram considerados os tigres da primeira e da segunda geração para os quais os dados de controle de capital utilizado, elaborado por Fernández et al. (2015), estavam disponíveis, a saber, Coreia do Sul, Cingapura, Hong Kong, Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Vietnã.1 1 Ou seja, dos tigres de primeira e segunda geração, somente Taiwan não foi contemplado. A China também foi contemplada. O período considerado foi de 1995 a 2016, todo o intervalo para o qual o índice de controles de capital utilizado estava disponível.

O artigo está dividido em três seções, além desta introdução e da conclusão. A seguir, realiza-se a discussão sobre blindagem externa e controles de capital, mostrando que essas duas estratégias de inserção das economias na globalização financeira são as mais indicadas, ainda que limitadas, nos marcos do atual sistema monetário-financeiro internacional. Depois disso, discute-se o processo de inserção da periferia asiática e latino-americana na globalização financeira, de modo a compreender os desafios impostos aos países dessas regiões nesse contexto. Por fim, analisa-se a inserção diferenciada da Ásia e da América Latina a partir das noções de blindagem externa e controles de capital.

1. BLINDAGEM EXTERNA E CONTROLES DE CAPITAL

O sistema monetário-financeiro internacional constitui um sistema hierarquizado. A moeda e os ativos financeiros dos Estados Unidos são a forma mais geral da riqueza internacional e é em relação a eles que as formas particulares dessa riqueza são avaliadas. Quanto mais distante do topo da hierarquia a moeda e os ativos financeiros nela denominada de um país estiverem, mais subordinadas as suas políticas nacionais estarão ao humor desses investidores (PRATES; CINTRA, 2008PRATES, D. M.; CINTRA, M. A. M. Keynes e a hierarquia de moedas: Possíveis lições para o Brasil. In: SICSÚ, J.; VIDOTTO, C. (Orgs.). Economia do desenvolvimento: Teoria e políticas keynesianas. Rio de Janeiro: Elsevier , 2008. p. 175-199.; DE CONTI; PRATES; PLIHON, 2014DE CONTI, B. M.; PRATES, D. M.; PLIHON, D. A hierarquia monetária e suas implicações para as taxas de câmbio e de juros e a política econômica dos países periféricos. Economia e Sociedade , v. 23, n. 2, p. 341-372, 2014.).

No atual sistema, os Estados Unidos são reconhecidamente um país com plena autonomia de política econômica. Embora essa posição privilegiada tenha sido reconhecida formalmente nos acordos de Bretton Woods, essa plena autonomia de política foi alcançada apenas depois do abandono dos compromissos assumidos no pós-guerra (TAVARES, 1985TAVARES, M. C. A retomada da hegemonia norte-americana. Revista de Economia Política , v. 3, n. 2, p. 5-15, 1985.; PRATES, 2005PRATES, D. M. As assimetrias do sistema monetário e financeiro internacional. Revista de Economia Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 9, n. 2, p. 263-288, 2005.).

Países cujas moedas são inconversíveis e que aderiram quase irrestritamente às finanças globalizadas, ou seja, por meio de uma forte abertura financeira, câmbio flutuante e busca por complementação da poupança doméstica, têm apresentado reduzida autonomia em implantar políticas domésticas. Em contraposição, países cujas moedas são inconversíveis e que, no entanto, possuem maior grau de autonomia doméstica, têm apresentado um regime macroeconômico caracterizado pela combinação de controles de capital, políticas de administração cambial e exportação líquida de capital.2 2 Essa discussão será retomada na seção 4.

Como mostrou Keynes (1984KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego. In: SZMRECSÁNYI, T. (Org). Keynes. São Paulo: Ática, 1984. p. 167-179, 2007KEYNES, J. M. A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 2007.), a forma como os detentores de riqueza desejam conservá-la ao longo do tempo depende de suas expectativas formadas em contexto de incerteza. As convenções prevalecentes funcionam como antídoto contra a incerteza e são muito importantes para definir a composição dos portfólios dos atores econômicos, entre ativos com maiores e menores graus de liquidez. Essas convenções, contudo, são apoiadas sobre bases frágeis e sujeitas a mudanças rápidas e pronunciadas.

O rompimento das convenções provoca alterações na composição dos portfólios dos atores econômicos e, dessa forma, na direção e no volume dos fluxos internacionais de capital, já que os investidores internacionais podem deslocar os seus recursos de um país para outro muito rapidamente, em contexto de globalização financeira. Os processos de inflação e deflação de ativos podem decorrer, pois, tanto a partir de movimentos autorreferenciais como de efeito contágio, pouco ou nada tendo relação com os fundamentos das economias.3 3 Isso não significa, no entanto, que os fundamentos macroeconômicos são desimportantes em relação à determinação da direção e da magnitude dos fluxos internacionais de capital. Significa, apenas, que os determinantes internos são subordinados aos determinantes externos, como a taxa de juros determinada pelo banco central dos EUA, o grau de aversão ao risco dos investidores globais e o nível de liquidez internacional. As mudanças na direção e no volume dos fluxos internacionais de capital também podem decorrer das estratégias de realização de ganhos realizadas pelos investidores globais, de modo a compensar perdas ocorridas em outros mercados. A volatilidade dos fluxos de capitais está intimamente relacionada, portanto, à lógica especulativa dos investimentos em moedas e ativos financeiros.

Keynes (1978KEYNES, J. M. Activities 1940-1944: Shaping the postwar world: The clearing union. Londres: Macmillan, 1978. (The collected writings of John Maynard Keynes . V. 25)) percebeu que a necessidade de evitar os efeitos desses movimentos bruscos de compra ou de venda sobre a economia é o que restringe o espaço para as políticas nacionais. Momentos de menor incerteza e melhora do estado geral de expectativas geram grandes entradas de capital estrangeiro, que pressionam no sentido de valorização da taxa de câmbio e permitem aos países adotarem políticas monetária e fiscal mais flexíveis, sendo o inverso verdadeiro. Os países que estão na base da hierarquia do sistema monetário-financeiro internacional devem compensar o menor prêmio de liquidez relativo de seus ativos por meio de taxas de juros mais elevadas.

As decisões dos grandes investidores globais a respeito da forma como eles conservarão a sua riqueza exercem grande influência sobre o comportamento dos fluxos de capital internacional, em razão da massa de riqueza administrada por eles, relativamente aos volumes negociados nas economias da periferia (BRAGA, 1997BRAGA, J. C. S. Financeirização global: O padrão sistêmico da riqueza do capitalismo. In: FIORI, J. L.; TAVARES, M. C. (Orgs.). Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização. São Paulo: Vozes, 1997. p. 195-242.; COUTINHO; BELLUZZO, 1998COUTINHO, L.; BELLUZZO, L. G. M. “Financeirização” da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, v. 7, n. 11, p. 137-150, dez. 1998.). Esses investidores consideram em suas decisões as avaliações das agências de classificação de risco, inclusive porque alguns deles são autorizados a investir apenas em ativos qualificados com grau de investimento. Em geral, mudanças nas notas atribuídas por essas agências levam os investidores a alterarem a composição de seus portfólios, o que serve de gatilho para o rompimento das convenções e do estado geral de expectativas (CINTRA, 2000CINTRA, M. A. M. A dinâmica dos mercados financeiros globais e as contradições da política monetária americana face à globalização financeira. Ensaios FEE, v. 21, n. 2, p. 183-206, 2000.).

A subordinação das políticas nacionais ao humor dos mercados financeiros internacionais restringe o raio de atuação do Estado para sustentar os níveis de emprego e renda nesse sistema. Evidentemente, essa interpretação contrasta com a abordagem convencional a respeito dos efeitos positivos dos fluxos de capital em termos de poupança externa, diversificação dos riscos e fator de disciplina sobre as políticas nacionais.4 4 Sobre a abordagem convencional, ver Obstfeld e Taylor (2004), Fischer (1997), Franco (1998) e IMF (2007).

Diante do sistema monetário-financeiro internacional hierarquizado, os países mais distantes do topo dessa hierarquia podem subitamente apresentar enormes dificuldades para honrar os seus compromissos externos. Dessa maneira, formas alternativas de ajuste do balanço de pagamentos são necessárias para que esses países não tenham a sua autonomia de política reduzida e, consequentemente, não sejam constrangidos quanto à sua capacidade de estimular os níveis de emprego e renda internos (DAVIDSON, 2011DAVIDSON, P. Post Keynesian macroeconomic theory: A foundation for successful economic policies for the twenty-first century. 2. ed. Cheltenham: Edward Elgar, 2011.).

Não por outra razão, Keynes (1978KEYNES, J. M. Activities 1940-1944: Shaping the postwar world: The clearing union. Londres: Macmillan, 1978. (The collected writings of John Maynard Keynes . V. 25)) propôs um mecanismo para o ajuste do balanço de pagamentos capaz de envolver tanto os países deficitários como os superavitários, de sorte a tornar esse ajuste expansionista. Embora ideal, contudo, o mecanismo de ajuste do balanço de pagamentos proposto por Keynes enfrentou grande resistência dos países superavitários, tendo os acordos de Bretton Woods sido bem mais cautelosos com relação a isso. De fato, a proposta de Keynes pressupunha um grau de cooperação internacional muito maior do que o que os países superavitários (os países mais ricos) estavam dispostos a aceitar em favor dos países deficitários - em geral, os mais pobres (AGLIETTA, 2004AGLIETTA, M. O FMI e a arquitetura financeira internacional. In: FERRARI FILHO, F.; PAULA, L. F. (Orgs.). Globalização financeira: Ensaios de macroeconomia aberta. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004, p. 204-254.).

Neste contexto, os países da periferia do capitalismo mundial, detentores de moedas inconversíveis no âmbito internacional, podem evitar problemas de restrição externa e assegurar maior autonomia de política econômica se eles forem capazes de constituir blindagem externa, ou seja, de gerar superávits elevados e persistentes em transações correntes do balanço de pagamentos a partir de uma estrutura produtiva doméstica capaz de propiciar uma pauta de exportações crescentemente sofisticada. Isso porque, dessa forma, consegue-se reduzir a dependência dos fluxos internacionais de capital mais voláteis, reduzindo a vulnerabilidade externa estrutural5 5 A relação entre acumulação de reservas internacionais a partir superávits em transações correntes do balanço de pagamentos, vulnerabilidade externa e grau de autonomia da política econômica, tem embasamento na literatura sobre o tema (MOHANTY; TURNER, 2006; CARDIM DE CARVALHO, 2010; PINTO; GONÇALVES, 2015). (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, G. C. Desajustes globais e inserção da periferia (1990-2010). Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 1, p. 157-187, 2011.; 2012OLIVEIRA, G. C. Instabilidade estrutural e evolução dos fluxos internacionais de capitais privados líquidos para a periferia (1990-2009). In: CINTRA, M. A. M.; GOMES, K. R. (Orgs.). As Transformações no sistema financeiro internacional. Brasília, DF: IPEA, v. 2, 2012. p. 501-545.).

O conceito de blindagem externa aqui apresentado, originalmente desenvolvido em Oliveira (2011OLIVEIRA, G. C. Desajustes globais e inserção da periferia (1990-2010). Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 1, p. 157-187, 2011., 2012OLIVEIRA, G. C. Instabilidade estrutural e evolução dos fluxos internacionais de capitais privados líquidos para a periferia (1990-2009). In: CINTRA, M. A. M.; GOMES, K. R. (Orgs.). As Transformações no sistema financeiro internacional. Brasília, DF: IPEA, v. 2, 2012. p. 501-545.), é compatível com a noção desenvolvida por Cardim de Carvalho (2010CARVALHO, F. J. C. The accumulation of international reserves as a defense strategy. In: GRIFFITH-JONES, S.; OCAMPO, J. A.; STIGLITZ, J. E. (Orgs.). Time for a visible hand: Lessons from the 2008 world financial crisis. Oxford: Oxford University Press, 2010. p. 269-286.) de reservas internacionais conquistadas, ou seja, de constituição de reservas internacionais a partir de superávits em transações correntes do balanço de pagamentos, bem como com o conceito de vulnerabilidade externa estrutural, desenvolvido por Pinto e Gonçalves (2015PINTO, E. C.; GONÇALVES, R. Globalização e poder efetivo: Transformações globais sob efeito da ascensão chinesa. Economia e Sociedade , v. 24, n. 2, p. 449-479, 2015.), relacionado à capacidade de um país resistir a pressões externas. O conceito de blindagem externa tal como ora apresentado, portanto, articula a questão da acumulação de reservas internacionais a partir de superávits elevados e persistentes em transações correntes do balanço de pagamentos com a questão do aumento do grau de sofisticação da estrutura produtiva e da pauta de exportações dos países, destacando os seus efeitos positivos para estes em termos de aumento do grau de autonomia da política econômica (redução da vulnerabilidade externa estrutural).

Nesse sentido, os superávits em transações correntes do balanço de pagamentos somente se traduzem em blindagem externa quando provenientes de produção e exportação de bens e serviços cada vez mais intensivos em conhecimento e tecnologia, com níveis crescentes de valor adicionado. Isso porque esses bens e serviços possuem maior capacidade de gerar mais renda e melhores empregos no plano doméstico e seus preços respondem mais a determinantes internos do que a fatores externos (diferentemente das commodities, por exemplo).

Essa é uma questão importante porque para muitos países com abundância de recursos naturais e mão de obra barata, como o Brasil e outros latino-americanos, isso significa a necessidade de resistir às pressões no sentido da especialização da produção e das exportações em setores relacionados a vantagens comparativas estáticas e, assim, de avançar na construção de vantagens comparativas dinâmicas, já que os setores para os quais eles teriam uma “vocação natural” tendem a gerar menos renda e piores empregos e a apresentar demanda e, sobretudo, preços mais instáveis no mercado internacional.6 6 Entretanto, o salto necessário para que os países mais atrasados alcancem a fronteira nesses setores e áreas está muito além da capacidade do setor privado desses países, o que significa que o estado nacional possui um importante papel a cumprir no processo de diversificação e integração das estruturas produtivas nacionais. Ver, por exemplo, Chang (2004).

Deve-se salientar, ainda, que os países mais distantes do topo da hierarquia do sistema monetário-financeiro internacional podem fazer uso de controles sobre os fluxos internacionais de capital para buscar evitar problemas nos balanços de pagamentos e assegurar maior autonomia de política econômica. Embora esses controles não afetem a causa dos movimentos de entrada e saída de capital estrangeiro, eles podem reduzir a violência com que esses movimentos frequentemente acontecem. Quanto mais sólida a blindagem externa de um país, maior a sua capacidade de implementar controles de capital mais elevados e estáveis ao longo do tempo, diante da menor dependência dos fluxos de capitais de curto prazo.

De fato, os controles de capitais nada mais são do que instrumentos utilizados pelo Estado para restringir o livre movimento de investimentos através das fronteiras. Esses controles podem afetar os incentivos à entrada ou à saída de investimentos estrangeiros, como é o caso da cobrança de impostos ou da exigência de depósitos compulsórios sobre esses fluxos, ou a possibilidade de entrar e sair do país, independentemente dos incentivos dos investidores, como a redução ou até a proibição desses fluxos7 7 Embora não sejam consideradas entre os instrumentos de controle de capitais, outras medidas também podem afetar os movimentos de entrada e saída de investimentos, como é o caso da regulação prudencial do sistema monetário e financeiro. Essas medidas buscam evitar a fragilização desse sistema ao evitar que os seus participantes assumam posturas mais arriscadas, como aquelas derivadas do descasamento de moedas ou currency mismatch. (CARDIM DE CARVALHO; SICSÚ, 2006CARVALHO, F. J. C.; SICSÚ, J. Controvérsias recentes sobre controles de capitais. In: FERRARI FILHO, F.; SICSÚ, J. Câmbio e controles de capitais: Avaliando a eficiência de modelos macroeconômicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 175-199.; PRIEWE, 2008PRIEWE, J. Capital account management or laissez-faire of capital flows in developing countries. In: ARESTIS, P.; PAULA, L. F. Financial liberalization and economic performance in emerging countries. London: Palgrave Macmillan, 2008. p. 26-51.; DAVIDSON, 2011DAVIDSON, P. Post Keynesian macroeconomic theory: A foundation for successful economic policies for the twenty-first century. 2. ed. Cheltenham: Edward Elgar, 2011.). Isso porque, como asseverou Keynes (1978KEYNES, J. M. Activities 1940-1944: Shaping the postwar world: The clearing union. Londres: Macmillan, 1978. (The collected writings of John Maynard Keynes . V. 25)), não faz sentido ter alta ou plena mobilidade internacional do capital sem alta ou plena mobilidade global dos demais fatores de produção.

Evidentemente, os controles devem se concentrar, principalmente, nos fluxos de capital que são mais voláteis, como os investimentos de portfólio. Outros fluxos menos voláteis podem ser funcionais para a economia nacional, como é o caso dos Investimentos Diretos Estrangeiros (IDE), que podem contribuir para o avanço do processo de diversificação e integração da estrutura produtiva nacional e, assim, da capacidade do país de gerar superávits elevados e persistentes em transações correntes do balanço de pagamentos.8 8 É importante observar, entretanto, que até mesmo o investimento direto mais estável pode ser acompanhado por diversas outras operações de caráter mais volátil, como é o caso de operações com derivativos, no mercado de futuros, opções e swaps, visando hedge ou até mesmo especulação, que podem fomentar os movimentos de entrada e saída de capitais (KREGEL, 2004).

2. CONTROLES DE CAPITAL: RECOMENDAÇÕES E EVIDÊNCIAS DE EFETIVIDADE NO PERÍODO RECENTE

Depois da crise financeira global deflagrada em 2008, a literatura mainstream economics passou a analisar cuidadosamente o uso de controles de capital. Trata-se de um tema que, há alguns anos, era tido como esgotado a partir de formulações como “trindade impossível”,9 9 Resultado do modelo Mundell-Fleming, o “trilema” ou “trindade impossível” sustenta a impossibilidade de combinação entre livre mobilidade de capitais, regime de câmbio fixo e independência da política monetária. Assim sendo, uma dessas condições deve ser abandonada para que as outras duas restantes possam ser viabilizadas. hipótese dos mercados eficientes10 10 De acordo com a hipótese dos mercados eficientes, o preço de mercado de um ativo reflete o seu valor fundamental, representando de forma plena, perfeita e racional as informações disponíveis. Ver Fama (1969). etc. O surgimento dessa nova literatura passou a defender o uso dos controles de capital e a analisar quais os condicionantes para a efetividade dessas medidas de regulação possuem explicações plausíveis.

Nos últimos anos, tem-se observado diversos economistas renomados do mainstream recomendando, em diferentes graus, o uso de controles de capital. Ghosh et al. (2014GHOSH, A. R.; QURESHI, M. S.; KIM, J. I.; ZALDUENDO, J. Surges. Journal of International Economics , v. 92, n. 2, p. 266-285, 2014.), por exemplo, defendem o uso de controles de capital como forma de amenizar a volatilidade desses eventos financeiros e chamam a atenção para a necessidade de políticas de coordenação entre economias emergentes e avançadas, diante dos fluxos financeiros internacionais em excesso destas para aquelas.

Na mesma linha, De Gregorio (2014DE GREGORIO, J. Capital Flows and Capital Account Management. In: AKERLOF, G.; BLANCHARD, O.; ROMER, D.; STIGLITZ, J (Eds.). What have we learned? Macroeconomic policy after the crisis. Massachusetts: MIT Press, 2014.) também apontou para a necessidade do uso de controles de capital por economias emergentes. Dentre diversas considerações, o autor ressalta que diversos fenômenos de sudden stops - parada súbita de influxos de capital - ocorrem em “países em desenvolvimento”11 11 No artigo, as expressões países ou economias em desenvolvimento, bem como países ou economias emergentes, estão entre aspas porque, a despeito de serem utilizadas pelos autores dos trabalhos citados ou pelas fontes de dados consultadas, com elas os autores deste artigo não querem remeter os leitores à ideia de desenvolvimento enquanto uma etapa do processo de desenvolvimento. Visto que o subdesenvolvimento corresponde a um tipo particular de desenvolvimento capitalista. Ver Furtado (1961). a despeito de estes apresentarem baixos níveis de déficit em transações correntes do balanço de pagamentos. O autor, contudo, chamou atenção para a absorção desnecessária de influxos financeiros. Para lidar com esse problema, recomenda a adoção de controles de capital, com as medidas de regulação combinadas com um regime de câmbio flexível, regime de metas para inflação e uma política fiscal sustentável. Nota-se, portanto, que a recomendação de câmbio flutuante e independência da política monetária não apareceu acompanhada da irrestrita mobilidade do capital, tal como preconizado pela “trindade impossível”.

A propósito, Rey (2015REY, H. Dilemma not trilemma: The global financial cycle and monetary policy independence. NBER Working Paper, n. 21162, p. 1-42, 2015.) também questiona a tese de “trindade impossível”, defendendo que as economias emergentes adotem controles de capital e medidas macroprudenciais que incidam, especialmente, sobre influxos de crédito externo e de títulos de dívida (debts inflows) no momento de boom do ciclo financeiro global, para elevar o grau de autonomia da política monetária desses países.

Para Eichengreen et al. (2011EICHENGREEN, B. et al. Rethinking Central Banking. Washington, DC: Brookings, 2011.), por seu turno, “países em desenvolvimento” deveriam recorrer aos controles de capital, em combinação com as medidas macroprudenciais, como forma de recuperar essa autonomia e, também, com o objetivo de conter a inflação de ativos financeiros.

Os efeitos da crise financeira deflagrada em 2008 também suscitaram a realização de estudos mais abrangentes sobre controles de capital, buscando analisar a efetividade de controles de capital que estão em vigor há mais tempo, anteriormente à crise financeira. Além dos controles propriamente ditos, a efetividade potencial das denominadas medidas macroprudenciais também tem sido estudada, tanto em relação aos “países emergentes” como aos desenvolvidos. Posto de outra forma, a literatura tem tentado descobrir se controles de capital funcionam e se, caso sim, em quais contextos, quais países, dentre outros fatores.

Habermeier et al. (2011HABERMEIER, K. F.; KOKENYNE, A.; BABA, C. The effectiveness of capital controls and prudential policies in managing large inflows. IMF Staff Discussion Note, n. 11/14, p. 1-35, 2011.), por exemplo, buscou identificar se os controles de capital impostos por algumas “economias emergentes” estavam sendo eficientes sob os seguintes parâmetros: i) reduzir a pressão de apreciação cambial; ii) aumentar a autonomia da política monetária; iii) alongar a maturidade do passivo externo; e iv) reduzir o volume líquido dos influxos de capital. Os resultados mostraram que os controles de capital apresentaram relativa eficácia em aumentar a autonomia da política monetária e em alongar a maturidade do passivo externo de quase todas “economias emergentes” analisadas. Os outros objetivos do uso de controles, entretanto, não foram satisfatoriamente observados.

Pasricha et al. (2018PASRICHA, G. K.; FALAGIARDA, M.; BIJSTERBOSCH, M.; AIZENMAN, J. Domestic and multilateral effects of capital controls in emerging markets. Journal of International Economics , v. 115(C), p. 48-58, 2018.), por sua vez, buscaram identificar os impactos domésticos e os denominados spillover effects12 12 Os spillover effects ocorrem quando, dada a imposição de algum controle de capital por um país, os fluxos de capital se dirigem a outra economia, geralmente caracterizada por possuir uma regulação mais frouxa sobre a conta financeira, apreciando a sua taxa de câmbio. que os controles de capital e as medidas macroprudenciais vêm exercendo sobre as variáveis macroeconômicas relacionadas ao trilema de “economias emergentes”. Os resultados mostraram que a efetividade geral dos controles foi reduzida no pós-crise, período caracterizado por alta liquidez global. Além disso, ao longo desse subperíodo, os spillover effects dos controles impostos por grandes “economias emergentes” foram mais intensos. Ambos afetaram, pois, negativamente a autonomia da política monetária dessas economias.

Diferentemente dos estudos cross-country, o artigo publicado por Forbes et al. (2016FORBES, K.; FRATZSCHER, M.; KOSTKA, T.; STRAUB, R. Bubble thy neighbour: Portfolio effects and externalities from capital controls. Journal of International Economics, v. 99(C), p. 85-104, 2016.) também propiciou uma importante contribuição à literatura de controles de capital e seus spillover effects. A análise dos controles de capital impostos pelas autoridades brasileiras entre 2006 e 2013 mostrou que essas medidas causaram spillover effects sobre países que possuíam semelhanças econômicas e financeiras com o Brasil. Ademais, os resultados desse estudo também evidenciaram que houve negative spillover effects sobre países vistos pelos investidores internacionais como suscetíveis de implementarem medidas similares de regulação. Posto de outra forma, houve fuga de capital dessa segunda categoria de economias.

Dessa forma, esse estudo contribuiu significativamente para o debate sobre os aspectos multilaterais dos controles de capital, visto que a imposição unilateral dessas medidas de regulação pode vir a se tornar uma nova política de “empobrecer a vizinhança”. Além disso, os spillover effects positivos e negativos também evidenciaram o fato de que os investidores são sensíveis a muito mais fatores econômicos e políticos do que geralmente se preconiza. Ou seja, um resultado diferente da premissa de que controles de capital são indesejáveis por simplesmente elevar o custo de capital.

À medida que a literatura sobre controles de capital foi avançando, diferentes abordagens sobre essas medidas de regulação começaram a surgir. Questões como diferentes instituições, modus operandi, intensidade e abrangência dos controles de capital foram sendo incluídos nos estudos sobre o tema. Em outras palavras, a literatura passou a questionar não apenas se os controles deveriam ser usados, mas, também, que tipo de controle seria desejável a depender de um contexto mais amplo.

Estando presente nesse debate sobre diferentes formas de imposição de controles de capital, Klein (2012KLEIN, M. W. Capital controls: Gates versus Walls. Brookings Papers on Economic Activity, p. 1-43, 2012.) fez uso de várias regressões com o objetivo de comparar a efetividade dos controles de capital impostos de forma permanente vis-à-vis os controles impostos de forma esporádica.13 13 Controles permanentes de capital são aqueles que são mantidos por um longo período, independentemente de seu nível de restrição/tributação, enquanto os controles esporádicos de capital são aqueles que são removidos após um curto período de tempo. Para mais detalhes, ver Klein (2012) e Fernández et al. (2016). Verificou-se que os “países em desenvolvimento” que têm mantido sua conta financeira permanentemente regulada (os denominados walls) apresentaram maiores taxas de crescimento econômico e menores taxas de inflação de ativos financeiros, comparativamente àqueles que regularam sua conta financeira de forma esporádica (os denominados gates), considerando o período 1995-2010. Também foi verificado que os denominados walls apresentaram maior resiliência, em termos de crescimento econômico e estabilidade financeira, durante a Grande Recessão (KLEIN, 2012KLEIN, M. W. Capital controls: Gates versus Walls. Brookings Papers on Economic Activity, p. 1-43, 2012.). Esses resultados, portanto, constituem um importante contrafactual à hipótese de que “economias emergentes” deveriam realizar uma forte abertura financeira, o que pressupõe eliminação dos controles de capital, com o objetivo de alcançar maiores taxas de crescimento e estabilidade financeira.

Fernández et al. (2016FERNÁNDEZ, A.; KLEIN, M. W.; REBUCCI, A.; SHINDLER, M.; URIBE, M. Capital control measures: A new dataset. IMF Economic Review, v. 64, n. 3, p. 548-574, 2016.), por seu turno, mostraram que ao longo do período de 1995-2013 os controles esporádicos de capital impostos pelas “economias emergentes” gates apresentaram correlação moderada entre si, especialmente quando analisados os ativos financeiros com maior liquidez, tanto com relação a operações de controle inflows (entrada de recursos financeiros) como sobre outflows (saída de recursos financeiros).14 14 Os autores coletaram informações sobre os controles de capital de jure impostos pelos países na base de dados do Annual Report on Exchange Arrangements and Exchange Restrictions (AREAR/FMI), em uma frequência anual. Já os controles permanentes de capital impostos pelas “economias em desenvolvimento” walls apresentaram forte correlação entre si, sendo que esse comportamento foi observado para uma classe mais abrangente de ativos financeiros e operações de crédito. Essa forte correlação esteve presente tanto entre controles sobre inflows como sobre outflows.

Esses resultados mostraram que os “países em desenvolvimento” walls têm se mostrado relativamente mais bem-sucedidos em evitar evasões dos controles impostos, assim como têm apresentado maior grau de sinergia entre as medidas de regulação adotadas, estando mais protegido de spillover effects de controles de capital impostos por outras economias, assim como de outros fatores desencadeadores de efeito contágio.

Por fim, mas não menos importante, vale destacar que a literatura sobre controles de capital também tem incorporado análises sobre as denominadas medidas macroprudenciais. Diferentemente dos controles de capital propriamente ditos, as medidas macroprudenciais não são discriminatórias pelo critério de residência do investidor. Tais medidas são implementadas a depender da moeda de denominação de uma dada transação financeira cross border.15 15 As principais medidas macroprudenciais são impostas sobre bancos e sobre o sistema financeiro em geral. Alguns exemplos são: limites impostos sobre bancos na abertura de posições no mercado futuro de câmbio; restrições no lançamento externo de initial public offering (IPO); regulações sobre empréstimos externos etc. Para mais detalhes, ver Ghosh, Qureshi e Sugawara (2014). Alguns artigos que estudam tanto os controles de capital como as medidas macroprudenciais atribuem o termo capital flows management measures (CFMs) para se referir a ambas medidas de regulação. Uma das principais características desses estudos é que eles mostram que, enquanto “economias emergentes” impõem tanto controles de capital como medidas macroprudenciais, países desenvolvidos apenas recorrem à última medida de regulação quando necessário. Além disso, as medidas macroprudenciais impostas por economias avançadas que vêm apresentando impacto mais forte são aquelas impostas sobre a saída de recursos de seus residentes (domestic outflows).16 16 Sobre essa literatura, ver Binici et al. (2010), Aizenman e Binici (2016) e Ghosh, Qureshi e Sugawara (2014).

3. GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA E INTEGRAÇÃO DIFERENCIADA DA PERIFERIA: ÁSIA X AMÉRICA LATINA

A análise dos processos de inserção da Ásia e da América Latina na globalização financeira revela um padrão bastante diferenciado, o qual contribuiu para compreender as diferentes trajetórias das economias das duas regiões a partir dos anos 1990. De modo geral, pode-se afirmar que essa inserção diferenciada, analisada a seguir, decorreu, em boa medida, das formas distintas que ambas as regiões se articularam com as suas respectivas economias-líderes regionais e que ambas as regiões foram afetadas pela crise da dívida externa dos anos 1980.

No tocante à primeira condição, vale destacar que o Acordo de Plaza, de meados dos anos 1980, suscitou um deslocamento da indústria japonesa para outros países asiáticos, inicialmente para os tigres de primeira geração (Coreia do Sul, Taiwan, Cingapura e Hong-Kong) e, depois, a partir do final dos anos 1980, para os tigres de segunda geração (Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Vietnã). Operou-se, nesse contexto, uma redefinição da divisão regional do trabalho, com a conformação de uma região bastante integrada do ponto de vista comercial e financeiro.

Com o recebimento de elevados Investimentos Estrangeiros Diretos (IEDs) japoneses, acelerado crescimento das exportações e acesso a financiamento externo, juntamente com políticas internas orientadas para o desenvolvimento, os tigres de primeira e segunda geração registraram crescimento econômico elevado nos anos 1990, com exceção do período envolvendo a crise deflagrada em 1997. Com a referida redefinição da divisão regional do trabalho, os tigres asiáticos exportavam manufaturados para os países desenvolvidos, de um lado, e conformaram mercados dinâmicos para os investimentos e as exportações de bens de capital do Japão, de outro.

E assim aconteceu, em grande medida, porque esses países não foram duramente afetados pela crise da dívida externa dos anos 1980, diferentemente dos países latino-americanos. No caso dos países asiáticos, o choque de juros do final dos anos 1970, realizado unilateralmente pelos EUA no âmbito da “diplomacia do dólar forte”, não resultou em uma restrição externa paralisante, tal como ocorrera nos países da América Latina.

Essas duas condições, em conjunto, contribuíram de forma relevante para propiciar uma inserção bastante diferenciada dessas economias na globalização financeira.

Vale registrar, ainda, que esses países também foram beneficiados pelo crescimento econômico dos EUA, que concorreu para dinamizar as exportações dos tigres de primeira e segunda geração. Sendo que os “novos tigres”, vale salientar, a partir do final dos anos 1980, passaram a contar, também, com os IEDs realizados pelos tigres de primeira geração.

Dessa forma, como assevera Medeiros (1997MEDEIROS, C. A. Globalização e inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização . 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. p. 279-346.), no caso asiático configurou-se um processo de desenvolvimento regional induzido pelo Japão, mas tendo como núcleo dinâmico a economia estadunidense. Isto é, o dinamismo da região foi apoiado, em uma ponta, nas importações de bens de capital do Japão, e, em outra ponta, nas exportações de bens de consumo para os EUA. Os tigres, embora tenham recebido substanciais IEDs nipônicos, registravam déficits comerciais com o Japão, os quais eram neutralizados pelas exportações desses países para as economias da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com destaque para os EUA.

No caso da América Latina, por sua vez, esse processo de inserção na globalização financeira ocorreu em um contexto de crise da dívida externa, crise fiscal e alta inflação. Ademais, a relação desses países com a economia-líder da região, os Estados Unidos, foi completamente diferente daquela verificada entre os tigres e o Japão. Isso porque os IEDs realizados pelos EUA visavam, fundamentalmente, a exploração dos mercados internos dos países latino-americanos, sendo destinados, preponderantemente, a setores non-tradables e baseados em operações de fusões e aquisições (PALMA, 2004PALMA, G. Gansos voadores e patos vulneráveis: a diferença da liderança do Japão e dos Estados Unidos no desenvolvimento do Sudeste Asiático e da América Latina. In: FIORI, J. L. (Org.). O poder americano. Petrópolis: Vozes , 2004. p. 393-454.; MEDEIROS, 1997MEDEIROS, C. A. Globalização e inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização . 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1997. p. 279-346.).

As condições prevalentes nos países asiáticos nos anos 1980 que permitiram uma inserção diferenciada na globalização, desse modo, estavam ausentes nos países da América Latina naquele período, os quais se confrontavam com crise da dívida externa, ajuste recessivo do balanço de pagamentos, deterioração dos termos de troca, escassez de crédito internacional, ausência de IEDs conectados com setores dinâmicos das economias e alta inflação. Dito de outra forma, a natureza geopolítica e geoeconômica da inserção da Ásia na globalização financeira foi muito diferente daquela que foi verificada na América Latina.

Com efeito, a inserção da América Latina na globalização financeira ocorreu, de forma preponderante, via conta financeira do balanço de pagamentos, com expressiva participação dos investimentos de portfólio. Tratou-se de uma estratégia de inserção baseada na abertura comercial e financeira, de um lado, e subordinada à lógica dos planos de estabilização de preços com âncora cambial implementados na região na primeira metade dos anos 1990, quando da volta dos fluxos voluntários internacionais de capital, de outro. De forma geral, dessa estratégia resultou baixo crescimento econômico e elevada vulnerabilidade externa dos países da região, particularmente entre os anos 1990 e a primeira metade dos anos 2000.

O processo diferenciado de inserção da Ásia e da América Latina na globalização, portanto, determinou trajetórias altamente distintas entre as economias de ambas as regiões. Enquanto os tigres de primeira e segunda geração, ainda que em diferentes intensidades, experimentaram um fenômeno típico de catching-up, com expressivo aumento do grau de diversificação das economias e ampliação dos encadeamentos interindustriais e intraindustriais, os países latino-americanos ficaram praticamente de fora da terceira revolução industrial iniciada nos anos 1980 e viram suas estruturas produtivas se tornarem ainda menos diversificadas, com o aumento do peso dos setores ligados a commodities na estrutura produtiva. Isso se refletiu, também, em diferenças marcantes no que diz respeito às pautas de exportações desses países: no caso dos asiáticos, com crescente peso de produtos mais sofisticados; no caso dos latino-americanos, com crescente participação das commodities.

Nos anos 2000, no contexto de continuidade do expressivo crescimento econômico chinês e alta dos preços das commodities, essa dependência da maioria dos principais países latino-americanos dos setores ligados a commodities foi potenciada. De modo geral, a inserção diferenciada da Ásia e da América Latina na globalização financeira esteve associada a desempenhos macroeconômicos altamente díspares entre as duas regiões, com expressiva vantagem da primeira em relação à segunda.17 17 Enquanto, por exemplo, a renda per capita em PPP (purchasing power parity, ou paridade do poder de compra) do Brasil cresceu modestos 24,5% entre 1990 e 2016, a da Malásia aumentou 152,7%, de Taiwan 200% e da Coreia do Sul nada menos que 227%. Peru e Chile foram exceções na América Latina, mas, também, com crescente dependência da produção e da exportação de bens primários e manufaturados associados a recursos naturais.

3.1 POLÍTICA DE ACUMULAÇÃO DE RESERVAS INTERNACIONAIS

Esse processo diferenciado de inserção dessas duas regiões na globalização esteve associado a duas situações distintas de acumulação de reservas internacionais: enquanto na América Latina a acumulação de reservas internacionais foi baseada na exportação de commodities e produtos manufaturados baseados em recursos naturais, altamente dependente dos preços internacionais desses bens, bem como no ingresso líquido de fluxos internacionais de capital (destacadamente de portfólio), na Ásia esse fenômeno ocorreu, fundamentalmente, a partir da geração de superávits em transações correntes do balanço de pagamentos, mediante exportações de bens crescentemente intensivos em tecnologia, de maior valor agregado. Essa diferença foi muito importante para os países da Ásia constituírem uma sólida blindagem externa, indispensável para lidar com a instabilidade dos fluxos internacionais de capital endógena ao sistema monetário-financeiro internacional contemporâneo.

A inserção periférica nas finanças globais levou parte importante dos países da periferia a constituir expressivos níveis de reservas internacionais como uma forma de proteção ante as súbitas reversões dos fluxos financeiros. Essa estratégia gerou um fenômeno inédito: o conjunto dos “países em desenvolvimento”, sob liderança da China, transformou-se em exportador líquido de capital.

As reservas internacionais dos “países emergentes e em desenvolvimento” passaram de US$ 717,32 bilhões, em 2000, para US$ 4,26 trilhões, em 2007, período coincidente com a expansão da liquidez internacional e o crescimento econômico a nível global. Nos anos 2008 e 2009, apesar de marcados pela crise global, as reservas continuaram a aumentar, atingindo US$ 5,49 trilhões. Posteriormente, alcançaram o nível máximo de US$ 7,96 trilhões, em 2013, sendo o volume reduzido expressivamente nos anos seguintes, até a marca de US$ 6,61 trilhões em 2016.

No caso dos “países emergentes e em desenvolvimento” asiáticos, o montante de reservas internacionais passou de US$ 317,75 bilhões, em 2000, para US$ 2,11 trilhões, em 2007, e continuou crescendo ininterruptamente até atingir o máximo de US$ 4,69 trilhões, em 2014, sob a liderança da China. Entretanto, em 2015 e 2016, houve importante redução de reservas, de US$ 790,27 bilhões.18 18 Esse movimento decorreu, sobretudo, da expressiva queda das reservas internacionais chinesas, em razão das incertezas associadas à desvalorização do renminbi (RMB) em relação ao dólar realizada pelo governo chinês, em 2015, bem como à redução, ainda que gradual, dos controles de capital entre 2013 e 2016, com destaque ao interregno 2014-2015 - em vista do projeto levado a cabo pelo Estado chinês de internacionalizar a sua moeda (CINTRA; PINTO, 2017).

Já no caso da América Latina e do Caribe, entre os anos 2002 e 2007, as reservas internacionais aumentaram consideravelmente, mas bem menos que no caso asiático. Os países da região elevaram suas reservas em US$ 284,62 bilhões, atingindo US$ 444,24 bilhões, em 2007. Nos anos posteriores, a despeito do menor crescimento econômico global e da reversão do ciclo de liquidez internacional, a região manteve um crescimento médio de suas reservas em torno de 10% anual até 2012, mantendo um nível médio de reservas internacionais em cerca de US$ 800 bilhões a partir de então.

Não obstante, apesar de terem acumulado magnitudes expressivas de reservas internacionais, manifestam-se diferenças fundamentais entre as duas regiões em tela, pois somente os asiáticos constituíram reservas internacionais a partir da “obtenção de saldos positivos, continuados e expressivos em transações correntes do balanço de pagamentos” (OLIVEIRA, 2011OLIVEIRA, G. C. Desajustes globais e inserção da periferia (1990-2010). Revista Tempo do Mundo, v. 3, n. 1, p. 157-187, 2011., p. 158), a partir de uma pauta de exportações crescentemente baseada em produtos mais sofisticados, de maior valor agregado. Ou seja, diferentemente dos latino-americanos, os países asiáticos lograram constituir blindagem externa.

A tabela 1 apresenta o saldo em transações correntes do balanço de pagamentos e a variação das reservas internacionais entre 1995 e 2016 para os países da Ásia e da América Latina selecionados. Pode-se verificar que, enquanto no caso dos tigres asiáticos os momentos de aumento significativo das reservas internacionais foram acompanhados por superávits expressivos em conta corrente do balanço de pagamentos, no caso dos países latino-americanos selecionados o padrão inverso foi observado, ou seja, o aumento das reservas internacionais ocorreu em um contexto de déficits expressivos em transações correntes do balanço de pagamentos. Chile e Argentina registraram situação diversa a essa somente no acumulado entre 2005 e 2009, com superávit em transações correntes superior, inclusive, à variação das reservas. Nos períodos seguintes, contudo, a economia chilena convergiu para o padrão latino-americano, enquanto a economia argentina registrou déficit em conta corrente no acumulado dos dois períodos subsequentes, tendo apresentado, inclusive, relevante redução das reservas internacionais entre 2010 e 2014. Em relação à Ásia, com algumas poucas exceções, como Vietnã, até 2005-2009, e Indonésia, a partir do interregno 2010-2014, o padrão verificado foi de aumento das reservas internacionais mediante, em boa medida, superávits em transações correntes do balanço de pagamentos.

Tabela 1
Variação das reservas internacionais e saldo em transações correntes: países selecionados da Ásia e da América Latina, 1995-2016 (em US$ bi)

De maneira geral, portanto, enquanto no caso das economias asiáticas as reservas internacionais foram constituídas, preponderantemente, a partir de superávits em transações correntes do balanço de pagamentos, no caso dos países latino-americanos isso ocorreu mediante superávits da conta financeira. Especialmente no caso dos três tigres de primeira geração analisados mais China, frise-se, os superávits em transações correntes foram obtidos mediante progressivo aumento das exportações de bens de média e alta intensidade tecnológica - diferentemente dos países latino-americanos, cuja pauta de exportações é baseada, preponderantemente, em commodities e manufaturados baseados em recursos naturais.

O gráfico 1 apresenta a participação das exportações de produtos de média e alta intensidade tecnológica no total das exportações dos respectivos países asiáticos e latino-americanos analisados, para os anos de 1995, 2005 e 2016. Pode-se verificar que, entre os países asiáticos, somente a Indonésia apresenta participação inferior à do Brasil, com exceção do México - “ponto fora da curva” em razão da grande importância das maquiladoras.19 19 Evidentemente, os dados dos tigres asiáticos, especialmente da segunda geração, também são influenciados pelos setores ligados a montagem de manufaturados. Não obstante, decerto não no decibel que se coloca para o caso mexicano, reconhecidamente uma economia com estrutura produtiva opaca. Ver, por exemplo, Mostafa (2007).

Gráfico 1
Participação dos produtos de alta e média intensidade tecnológica no total das exportações (em %): países selecionados da Ásia e da América Latina, 1995, 2005 e 2016

Entre 1995 e 2016, enquanto todos os países asiáticos analisados, exclusive Malásia e Cingapura, aumentaram de forma significativa, embora em diferentes magnitudes, o percentual das exportações de bens de alta e média intensidade tecnológica em relação ao total de suas respectivas exportações, os países latino-americanos registram aumentos muito tímidos, com participações muito inferiores das apresentadas pelos países asiáticos - com exceção do México, que registrou aumento, mas cujo setor de montagem infla a participação em questão, e do Brasil, que entre 1995 e 2016 registrou redução (Gráfico 1).

3.2 CONTROLES DE CAPITAL E TAXA DE CÂMBIO

Diversos países utilizam controles de capital para evitar variações cambiais excessivas ou tendências indesejadas da taxa de câmbio. Os controles devem ser entendidos como instrumentos de intervenção utilizados pelos Estados nacionais sobre o movimento internacional de capitais, geralmente orientados para evitar movimentos cambiais incompatíveis com os objetivos internos de política econômica. Os objetivos dos controles podem ser, contudo, diversos, incluindo a redução da volatilidade cambial, da apreciação cambial e da fuga de capital (CARDIM DE CARVALHO; SICSÚ, 2006CARVALHO, F. J. C.; SICSÚ, J. Controvérsias recentes sobre controles de capitais. In: FERRARI FILHO, F.; SICSÚ, J. Câmbio e controles de capitais: Avaliando a eficiência de modelos macroeconômicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 175-199.).

Para dimensionar os controles de capital utilizados pelos países selecionados da América Latina e Ásia, utilizou-se o índice de controle de capitais elaborado por Fernández et al. (2016FERNÁNDEZ, A.; KLEIN, M. W.; REBUCCI, A.; SHINDLER, M.; URIBE, M. Capital control measures: A new dataset. IMF Economic Review, v. 64, n. 3, p. 548-574, 2016.), o qual oscila entre 0 e 1, com 0 significando ausência de controles de capital e 1 significando a existência de controles de capital para os dez tipos de ativos financeiros que podem ser negociados externamente e foram considerados pelos autores - tanto sobre inflows como sobre outflows. Fernández et al. (2016FERNÁNDEZ, A.; KLEIN, M. W.; REBUCCI, A.; SHINDLER, M.; URIBE, M. Capital control measures: A new dataset. IMF Economic Review, v. 64, n. 3, p. 548-574, 2016.) coletaram as informações de controles de jure acionados pelos países na base de dados AREAR/FMI, sendo utilizadas variáveis binárias para cada tipo de transação sujeita a controle.20 20 Ou seja, é computado “1” em caso de controle e “0” em caso de ausência de regulação para cada ano. No total, são consideradas 32 transações financeiras externas que são alvos potenciais de controles de capital. Importante registrar que o índice em questão não captura a dimensão qualitativa, tampouco a magnitude do controle de capital utilizado pelos países. Isto é, um país que faz uso moderado de um tipo de controle tem o mesmo peso do que outro que faz uso exagerado dessa mesma modalidade de controle. Para mais detalhes, ver Fernández et al. (2016).

As Figuras 1, 2 e 3 apresentam o índice de controle de capitais referido para cada país analisado, em cada uma das duas regiões, considerando tanto controles sobre a entrada como a saída de capitais, bem como o índice das taxas de câmbio efetiva real para todos os países cujos dados estavam disponíveis na base International Financial Statistics, do FMI.21 21 Para os países cujos dados de taxa de câmbio efetiva real não são disponibilizadas pelo FMI, calculou-se a taxa de câmbio real, considerando os respectivos índices de preços ao consumidor (CPI) em relação ao CPI dos EUA. Foram os casos de Peru, Coreia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Tailândia e Vietnã. Apenas no caso da Argentina utilizou-se a taxa de câmbio nominal, em razão da ausência de série histórica de índice de preços do país.

Figura 1
Controles de capital e taxa de câmbio: Tigres Asiáticos de 1ª geração (exclusive Taiwan) mais China, 1995-2016

Figura 2
Controles de capital e taxa de câmbio: Tigres Asiáticos de 2ª geração, 1995-2016

Figura 3
Controles de capital e taxa de câmbio em países selecionados da América Latina, 1995-2016

No caso dos tigres asiáticos mais a China, no período considerado pode-se verificar que somente Hong Kong e Cingapura, dois dos maiores centros financeiros offshore do mundo, apresentaram índices de controles de capital baixos na região (Figuras 1 e 2). A Coreia do Sul, por sua vez, passou a apresentar índice abaixo do nível intermediário somente a partir de 2005, sendo que ainda no começo da segunda metade dos anos 1990, antes de o país ingressar na OCDE, esse índice era superior a 0,9. Todos os demais países contemplados, a saber, China, Filipinas, Malásia, Tailândia e Vietnã, apresentaram índices elevados de controles de capital, embora com variações importantes entre si.

Esses cinco países, além de terem apresentado índices de controles elevados, tiveram a seguinte característica: os respectivos índices não apresentaram grandes oscilações ao longo do tempo, como, por exemplo, ocorreu no caso do Brasil. Ou seja, os índices foram altos e sofreram mudanças mais graduais ao longo do tempo, dentro de um horizonte mais longo e abrangente de planejamento. Apresentaram, sim, oscilações importantes de caráter mais pontual no caso de alguns países, mas foram relativamente pouco frequentes. Um desses casos foi o do Vietnã que, depois de reduzir abruptamente os controles em 1996, rapidamente os reintroduziu diante da deflagração da crise asiática. Hong Kong, enquanto centro financeiro offshore, apresentou distintas trajetórias da taxa de câmbio no período, tendo esta apresentado elevado grau de oscilação.

No caso dos seis países latino-americanos considerados, três deles seguiram esse padrão de baixa oscilação do índice de controle de capitais, a saber, México, Colômbia e, sobretudo, Peru - que somente fez uso de qualquer tipo de controle entre 2008 e 2013, em um patamar bastante baixo. Vale salientar, contudo, que México e Colômbia apresentaram índices de controle relativamente elevados no período analisado, com a média em torno de 0,6, com tendência de estabilidade no caso do primeiro (depois da expressiva redução entre 1995 e 1996) e declinante no caso do segundo.

Os índices de Brasil, Chile e Argentina, por sua vez, registraram expressivas oscilações ao longo do intervalo, destacando-se a Argentina, que partiu de um grau de controle muito baixo dos fluxos internacionais de capital, em meados dos anos 1990, para um nível bastante elevado, depois do abandono do sistema de conversibilidade monetária - com intensificação do uso dos controles nos últimos anos, no contexto de crise econômica e cambial.

De modo geral, a experiência dos países latino-americanos analisados, com exceção do Peru, evidencia o uso dos controles de capital para evitar oscilações abruptas e/ou tendências indesejadas da taxa de câmbio.

Em relação ao comportamento das taxas de câmbio respectivas dos países selecionados da região, Brasil, Peru, Colômbia e Chile, importantes exportadores líquidos de commodities, apresentaram trajetórias bastante influenciadas pelos termos de troca, embora em diferentes intensidades. Dentre os países considerados, com exceção da Argentina, os que apresentaram maior volatilidade cambial foram o Brasil e Peru, respectivamente. Mas, enquanto Brasil fez uso bastante intenso de controles de capital, o Peru praticamente não utilizou instrumentos de controle ao longo de todo o período considerado. Contudo, a taxa de câmbio real do Peru oscilou de forma significativa ao longo do intervalo, tendo apresentado importante trajetória de apreciação entre 2003 e 2012, no contexto de alta de preço das commodities. No caso do Brasil, por sua vez, o fato de a ausência de controles e de uma administração dinâmica desses instrumentos não ter evitado movimentos pronunciados da taxa de câmbio não significa que os controles tenham sido ineficazes, pois sem as medidas adotadas decerto as oscilações teriam sido ainda mais pronunciadas.

O Chile, por seu turno, depois da adoção do regime de câmbio flutuante em substituição ao regime de bandas cambiais, em 1999, e do abandono dos controles de capital, entre 2006 e 2007, voltou a aplicar os controles em uma faixa intermediária a partir de 2008, com os incidentes sobre a saída de capital sendo superiores aos aplicados sobre a entrada. Sem a reintrodução dos controles, associada ao histórico de intervenções do banco central chileno no mercado de câmbio, decerto a trajetória de apreciação cambial iniciada em 2004, na esteira da elevação dos preços internacionais das commodities, teria prosseguido, sob o regime de câmbio flutuante. A estabilização da taxa de câmbio real efetiva no Chile ocorreu no exato momento em que a autoridade monetária chilena voltou a aplicar controles de capital.22 22 O Chile responde por aproximadamente 1/3 da produção mundial de cobre. Cerca de metade das exportações do Chile diz respeito às vendas externas do cobre. Ver Arellano (2012).

A Colômbia, depois de Argentina, Brasil e Peru, foi o país que apresentou maior volatilidade cambial no período, mesmo apresentando um índice de controle acima do nível intermediário. Trata-se de um outro caso bastante elucidativo de como os preços internacionais das commodities são capazes de influenciar a trajetória da taxa de câmbio.

O México apresentou a menor volatilidade cambial, depois do Chile, dentre os países latino-americanos contemplados. País com a menor importância das commodities em sua pauta de exportações entre os analisados, o México se mostrou bem menos suscetível aos efeitos do ciclo de commodities sobre sua taxa de câmbio que, no caso desse país, concorreu para depreciá-la, inclusive. Não obstante, apresentou índice de controle de capitais pouco acima do nível intermediário.

No caso dos tigres asiáticos mais China, no que diz respeito ao comportamento da taxa de câmbio no período considerado, somente a China apresentou trajetória de apreciação cambial mais bem definida entre 1995 e 2016, com o índice de câmbio efetivo real tendo passado de 100 para 63,6. Sabe-se, contudo, que o país apresentou crescimento excepcional do nível de produtividade. Entre 2005 e 2009 e entre 2010 e 2014, o superávit acumulado do país em transações correntes do balanço de pagamentos foi de US$ 1,4 trilhão e US$ 973,5 bilhões, respectivamente. Essa trajetória cambial, associada à política interna de aumentar o nível de consumo doméstico, contudo, tem concorrido para reduzir os superávits em transações correntes do país no período mais recente. Não obstante, deve-se salientar que a China partiu de um patamar de taxa de câmbio bastante subvalorizado, considerando o nível prevalecente em 1995.

Quase todos os países da região asiática contemplados, com exceção apenas de China e Cingapura, apresentaram expressiva depreciação cambial no período imediatamente posterior à crise de 1997. E, depois disso, apenas Filipinas registrou retorno da taxa de câmbio ao patamar anterior à crise. Considerando todos os tigres examinados mais China, somente China, Cingapura e Filipinas apresentavam, em 2016, um índice de taxa de câmbio real efetiva ou de taxa de câmbio real inferior ao prevalecente no início do período analisado, em 1995. Todos os demais países da região apresentaram depreciação cambial entre o início e o fim do intervalo. Os casos da Indonésia e do Vietnã são os mais emblemáticos: mesmo depois da expressiva depreciação cambial que se seguiu à crise asiática, seus respectivos índices de câmbio real continuaram apresentando depreciação, notavelmente no caso da Indonésia, país cuja desvalorização cambial no contexto da crise asiática foi a mais significativa dentre os países asiáticos analisados. Malásia também seguiu essa trajetória, mas de forma muito mais gradual, como pode ser verificado na Figura 2.

Ainda em relação à Ásia, Coreia do Sul, Filipinas e, sobretudo, Hong Kong e Tailândia, apresentaram trajetórias de valorização cambial depois da forte desvalorização ocorrida nos anos imediatamente posteriores à crise asiática. Mas somente o índice de taxa de câmbio efetivo real das Filipinas retornou, a partir de 2013, ao patamar prevalecente em 1995. Isso, vale salientar, mesmo com um índice de controles de capital bastante elevado apresentado pelo país. Não obstante, a variação cambial verificada no caso filipino foi uma das menores dentre esses quatro países em questão, pois, enquanto depois de 1997, o ponto máximo atingido pelo índice de taxa de câmbio considerado do país foi de 143, em 2004, no caso da Coreia do Sul foi de 168, em 2001, de Hong Kong foi de 194, em 2003, e da Tailândia foi de 185, em 2001. O índice de controles de capital das Filipinas, ademais, foi o mais elevado dentre os quatro considerados, o que certamente contribuiu para evitar uma depreciação bastante pronunciada de sua taxa de câmbio. Em 1998, auge de crise asiática, o índice agregado de controles de capital era de 0,75 nas Filipinas, ante 0,5 na Coreia do Sul, 0 em Hong Kong e 0,65 na Tailândia. Em 2005, o índice de controles nas Filipinas atingiu 0,95.

De modo geral, os dados e indicadores analisados sugerem que os controles de capital têm sido precipuamente utilizados para lidar com movimentos ou tendências indesejados da taxa de câmbio nos países de ambas as regiões analisadas. Mas, enquanto nos países asiáticos os controles foram, em geral, elevados e relativamente estáveis ao longo do tempo, o mesmo não se verificou nos países analisados da América Latina, com exceção do México e, principalmente, do Peru - que praticamente não fez uso de controles.

O fato de os asiáticos terem constituído blindagem externa, nos termos definidos neste artigo, certamente contribuiu para possibilitar a esses países a prática de controles de capital elevados e relativamente estáveis ao longo do tempo. Já nos países considerados da América Latina, como visto na seção anterior, a elevação das reservas internacionais entre 1995 e 2016 ocorreu em um contexto de elevados déficits em conta corrente do balanço de pagamentos, revelando a elevada dependência dos fluxos internacionais de capital dessas economias. O caso do Brasil, a propósito, foi o mais eloquente de todos.

Decerto, essa maior dependência dos países latino-americanos em relação aos fluxos internacionais de capital concorreu para esses países terem maior dificuldade para utilizar controles de capital elevados e relativamente estáveis ao longo do tempo. Isso significa que foram os países asiáticos, menos dependentes dos fluxos internacionais de capital para saldar seus compromissos externos ou acumular reservas, que se mostraram mais capazes de utilizar controles de capital mais elevados e estáveis ao longo do tempo, selecionando mais adequadamente o capital estrangeiro para os objetivos internos, incluindo a manutenção da taxa de câmbio em patamar competitivo.

CONCLUSÃO

A análise dos países asiáticos e latino-americanos considerados nesse artigo evidenciou que, no contexto da globalização financeira, a constituição de blindagem externa e a utilização de controles de capital são essenciais para permitir a manutenção da taxa de câmbio real em patamar competitivo e evitar movimentos ou trajetórias indesejados desse preço macroeconômico fundamental.

De modo geral, verificou-se que, enquanto nos países asiáticos analisados os controles de capital foram elevados e relativamente estáveis ao longo do tempo, o mesmo não se verificou nos países analisados da América Latina, com exceção de México e, principalmente, do Peru - que praticamente não fez uso de controles.

Justamente os países que constituíram blindagem externa e, portanto, que menos dependeram dos fluxos internacionais de capital, foram os que se mostraram mais capazes de utilizar controles de capital mais elevados e estáveis ao longo do tempo.

As experiências asiáticas e latino-americanas analisadas no artigo sugerem, pois, que o uso de controles de capital sem a constituição blindagem externa tende a ser menos estável ao longo do tempo, uma vez que, diante do risco de fuga de capitais, os países sem blindagem externa são pressionados a abandonar as medidas de controles sobre os fluxos internacionais de capital.

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    » http://unctadstat.unctad.org/EN/
  • 1
    Ou seja, dos tigres de primeira e segunda geração, somente Taiwan não foi contemplado.
  • 2
    Essa discussão será retomada na seção 4.
  • 3
    Isso não significa, no entanto, que os fundamentos macroeconômicos são desimportantes em relação à determinação da direção e da magnitude dos fluxos internacionais de capital. Significa, apenas, que os determinantes internos são subordinados aos determinantes externos, como a taxa de juros determinada pelo banco central dos EUA, o grau de aversão ao risco dos investidores globais e o nível de liquidez internacional.
  • 4
    Sobre a abordagem convencional, ver Obstfeld e Taylor (2004OBSTFELD, M., TAYLOR. A. M. Global capital markets: Integration, crisis, and growth. Cambridge: Cambridge University Press, 2004.), Fischer (1997FISCHER, S. Capital account liberalization and the role of the IMF. Essays in International Finance, v. 207, p. 1-10, 1997.), Franco (1998FRANCO, G. H. B. A inserção externa e o desenvolvimento. Revista de Economia Política , v. 18, n. 3, p. 71, 1998.) e IMF (2007IMF - INTERNATIONAL MONETARY FUND. Reaping the benefits of financial globalization. Washington, DC: IMF, 2007.).
  • 5
    A relação entre acumulação de reservas internacionais a partir superávits em transações correntes do balanço de pagamentos, vulnerabilidade externa e grau de autonomia da política econômica, tem embasamento na literatura sobre o tema (MOHANTY; TURNER, 2006MOHANTY, M.; TURNER, P. Foreign exchange reserve accumulation in emerging markets: What are the domestic implications? BIS Quarterly Review, p. 39-52, 2006.; CARDIM DE CARVALHO, 2010; PINTO; GONÇALVES, 2015PINTO, E. C.; GONÇALVES, R. Globalização e poder efetivo: Transformações globais sob efeito da ascensão chinesa. Economia e Sociedade , v. 24, n. 2, p. 449-479, 2015.).
  • 6
    Entretanto, o salto necessário para que os países mais atrasados alcancem a fronteira nesses setores e áreas está muito além da capacidade do setor privado desses países, o que significa que o estado nacional possui um importante papel a cumprir no processo de diversificação e integração das estruturas produtivas nacionais. Ver, por exemplo, Chang (2004CHANG, H. J. Chutando a escada: A estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo: UNESP, 2004.).
  • 7
    Embora não sejam consideradas entre os instrumentos de controle de capitais, outras medidas também podem afetar os movimentos de entrada e saída de investimentos, como é o caso da regulação prudencial do sistema monetário e financeiro. Essas medidas buscam evitar a fragilização desse sistema ao evitar que os seus participantes assumam posturas mais arriscadas, como aquelas derivadas do descasamento de moedas ou currency mismatch.
  • 8
    É importante observar, entretanto, que até mesmo o investimento direto mais estável pode ser acompanhado por diversas outras operações de caráter mais volátil, como é o caso de operações com derivativos, no mercado de futuros, opções e swaps, visando hedge ou até mesmo especulação, que podem fomentar os movimentos de entrada e saída de capitais (KREGEL, 2004KREGEL, J. Riscos e implicações da globalização financeira para a autonomia de políticas nacionais. In: FERRARI FILHO, F.; PAULA, L. F. (Orgs.). Globalização financeira: Ensaios de macroeconomia aberta . Petrópolis: Vozes, 2004. p. 31-58.).
  • 9
    Resultado do modelo Mundell-Fleming, o “trilema” ou “trindade impossível” sustenta a impossibilidade de combinação entre livre mobilidade de capitais, regime de câmbio fixo e independência da política monetária. Assim sendo, uma dessas condições deve ser abandonada para que as outras duas restantes possam ser viabilizadas.
  • 10
    De acordo com a hipótese dos mercados eficientes, o preço de mercado de um ativo reflete o seu valor fundamental, representando de forma plena, perfeita e racional as informações disponíveis. Ver Fama (1969FAMA, E. F. Efficient capital markets: A review of theory and empirical work. The Journal of Finance, v. 25, n. 2, p. 383-417, 1970.).
  • 11
    No artigo, as expressões países ou economias em desenvolvimento, bem como países ou economias emergentes, estão entre aspas porque, a despeito de serem utilizadas pelos autores dos trabalhos citados ou pelas fontes de dados consultadas, com elas os autores deste artigo não querem remeter os leitores à ideia de desenvolvimento enquanto uma etapa do processo de desenvolvimento. Visto que o subdesenvolvimento corresponde a um tipo particular de desenvolvimento capitalista. Ver Furtado (1961FURTADO, C. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1961.).
  • 12
    Os spillover effects ocorrem quando, dada a imposição de algum controle de capital por um país, os fluxos de capital se dirigem a outra economia, geralmente caracterizada por possuir uma regulação mais frouxa sobre a conta financeira, apreciando a sua taxa de câmbio.
  • 13
    Controles permanentes de capital são aqueles que são mantidos por um longo período, independentemente de seu nível de restrição/tributação, enquanto os controles esporádicos de capital são aqueles que são removidos após um curto período de tempo. Para mais detalhes, ver Klein (2012KLEIN, M. W. Capital controls: Gates versus Walls. Brookings Papers on Economic Activity, p. 1-43, 2012.) e Fernández et al. (2016FERNÁNDEZ, A.; KLEIN, M. W.; REBUCCI, A.; SHINDLER, M.; URIBE, M. Capital control measures: A new dataset. IMF Economic Review, v. 64, n. 3, p. 548-574, 2016.).
  • 14
    Os autores coletaram informações sobre os controles de capital de jure impostos pelos países na base de dados do Annual Report on Exchange Arrangements and Exchange Restrictions (AREAR/FMI), em uma frequência anual.
  • 15
    As principais medidas macroprudenciais são impostas sobre bancos e sobre o sistema financeiro em geral. Alguns exemplos são: limites impostos sobre bancos na abertura de posições no mercado futuro de câmbio; restrições no lançamento externo de initial public offering (IPO); regulações sobre empréstimos externos etc. Para mais detalhes, ver Ghosh, Qureshi e Sugawara (2014GHOSH, A. R.; QURESHI, M. S.; SUGAWARA, N. Regulating capital flows at both ends: Does it work? IMF Working Paper WP/14/188, p. 1-46, 2014.).
  • 16
    Sobre essa literatura, ver Binici et al. (2010BINICI, M.; SCHINDLER, M; HUTCHISON. Controlling capital? Legal restrictions and the asset composition of international financial flows. Journal of International Money and Finance , v. 29, n. 4, p. 666-684, 2010.), Aizenman e Binici (2016AIZENMAN, J.; BINICI, M. Exchange market pressure in OECD and emerging economies: Domestic vs. external factors and capital flows in the old and new normal. Journal of International Money and Finance, v. 66(C), p. 65-87, 2016.) e Ghosh, Qureshi e Sugawara (2014GHOSH, A. R.; QURESHI, M. S.; SUGAWARA, N. Regulating capital flows at both ends: Does it work? IMF Working Paper WP/14/188, p. 1-46, 2014.).
  • 17
    Enquanto, por exemplo, a renda per capita em PPP (purchasing power parity, ou paridade do poder de compra) do Brasil cresceu modestos 24,5% entre 1990 e 2016, a da Malásia aumentou 152,7%, de Taiwan 200% e da Coreia do Sul nada menos que 227%. Peru e Chile foram exceções na América Latina, mas, também, com crescente dependência da produção e da exportação de bens primários e manufaturados associados a recursos naturais.
  • 18
    Esse movimento decorreu, sobretudo, da expressiva queda das reservas internacionais chinesas, em razão das incertezas associadas à desvalorização do renminbi (RMB) em relação ao dólar realizada pelo governo chinês, em 2015, bem como à redução, ainda que gradual, dos controles de capital entre 2013 e 2016, com destaque ao interregno 2014-2015 - em vista do projeto levado a cabo pelo Estado chinês de internacionalizar a sua moeda (CINTRA; PINTO, 2017CINTRA, M. A. M.; PINTO, E. C. China em transformação: Transição e estratégias de desenvolvimento. Revista de Economia Política, v. 37, n. 2, p. 381-400, abr./jun. 2017.).
  • 19
    Evidentemente, os dados dos tigres asiáticos, especialmente da segunda geração, também são influenciados pelos setores ligados a montagem de manufaturados. Não obstante, decerto não no decibel que se coloca para o caso mexicano, reconhecidamente uma economia com estrutura produtiva opaca. Ver, por exemplo, Mostafa (2007MOSTAFA, J. Internacionalização mexicana recente: padrão de comercio exterior e crescimento econômico. 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Econômicas) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, Campinas, 2007.).
  • 20
    Ou seja, é computado “1” em caso de controle e “0” em caso de ausência de regulação para cada ano. No total, são consideradas 32 transações financeiras externas que são alvos potenciais de controles de capital. Importante registrar que o índice em questão não captura a dimensão qualitativa, tampouco a magnitude do controle de capital utilizado pelos países. Isto é, um país que faz uso moderado de um tipo de controle tem o mesmo peso do que outro que faz uso exagerado dessa mesma modalidade de controle. Para mais detalhes, ver Fernández et al. (2016FERNÁNDEZ, A.; KLEIN, M. W.; REBUCCI, A.; SHINDLER, M.; URIBE, M. Capital control measures: A new dataset. IMF Economic Review, v. 64, n. 3, p. 548-574, 2016.).
  • 21
    Para os países cujos dados de taxa de câmbio efetiva real não são disponibilizadas pelo FMI, calculou-se a taxa de câmbio real, considerando os respectivos índices de preços ao consumidor (CPI) em relação ao CPI dos EUA. Foram os casos de Peru, Coreia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Tailândia e Vietnã. Apenas no caso da Argentina utilizou-se a taxa de câmbio nominal, em razão da ausência de série histórica de índice de preços do país.
  • 22
    O Chile responde por aproximadamente 1/3 da produção mundial de cobre. Cerca de metade das exportações do Chile diz respeito às vendas externas do cobre. Ver Arellano (2012ARELLANO, J. P. M. El cobre como palanca de desarrollo para Chile. Estudios Públicos, n. 127, p. 123-159, 2012.).
  • CLASSIFICAÇÃO JEL:

    F3; F38; F41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2020
  • Aceito
    03 Mar 2021
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