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A MOEDA DIGITAL CHINESA E O FUTURO DO SISTEMA MONETÁRIO E FINANCEIRO INTERNACIONAL

THE CHINESE DIGITAL CURRENCY AND THE FUTURE OF THE INTERNATIONAL MONETARY AND FINANCIAL SYSTEM

RESUMO

Este artigo discute o papel que a moeda representa nas relações de poder dos Estados em relação aos agentes privados, bem como em relação aos seus pares no sistema internacional, a partir do caso da moeda digital chinesa. A análise do “e-Renminbi” parte do entendimento de que os Estados são a unidade básica do sistema internacional, de que eles disputam poder entre si e de que suas moedas são simultaneamente uma manifestação e uma fonte de poder. Esta pesquisa argumenta que as evidências existentes não autorizam qualquer diagnóstico definitivo de que o “e-Renminbi” representará uma ruptura iminente no sistema monetário e financeiro internacional centrado no dólar.

PALAVRAS-CHAVE:
Sistema monetário e financeiro internacional; poder monetário; moeda digital; renminbi; dólar

ABSTRACT

This study discusses the role currencies play in the power relations of States regarding private agents and their peers in the international system, based on the case of the Chinese digital currency. The “e-Renminbi” analysis starts by understanding that States are the basic unit of the international system, that they dispute power among themselves, and that their currencies simultaneously manifest and produce power. This study argues that existing evidence fails to warrant any definite diagnosis that the “e-Renminbi” will represent an imminent rupture in the dollar-centered international monetary and financial system.

KEYWORDS:
International monetary and financial system; monetary power; digital currency; Renminbi; Dollar

INTRODUÇÃO

Enquanto a economia global derretia em meio à crise da Covid-19, o governo chinês anunciava o lançamento da primeira moeda estatal digital (BOAR; WEHRLI, 2021BOAR, C.; WEHRLI, A. Ready, steady, go? - Results of the third BIS survey on central bank digital currency. BIS Papers , n. 114, 2021.; CHINA…, 2020CHINA aims to launch the world’s first official digital currency. The Economist, London, 23 abr. 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.economist.com/finance-and-economics/2020/04/23/china-aims-to-launch-the-worlds-first-official-digital-currency . Acesso em: 12 ago. 2022.
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). Em um único movimento, a China criou o contexto para desafiar simultaneamente o espaço das moedas digitais privadas e do dólar estadunidense, que por qualquer medida é a moeda mais utilizada ao redor do mundo (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.). As ambições do país asiático de internacionalizar a sua moeda e transformar o atual sistema monetário e financeiro internacional (SMFI) centrado no dólar não é nenhum segredo, e muito menos um desejo exclusivo dos chineses. No entanto, a China provavelmente é o único Estado com capacidade de desafiar a posição do dólar. O movimento pioneiro1 1 É crescente o número de autoridades monetárias que estudam a possibilidade de emitir uma moeda digital - e que até agora foi posta em prática somente pelo Banco Popular da China (BOAR; WEHRLI, 2021). De acordo com BIS (2020), as iniciativas neste sentido avançaram significativamente depois do anúncio do Facebook da criação da Libra e do surgimento da pandemia do Covid-19. Ver também Auer, Cornelli e Frost (2020). em lançar o renminbi2 2 Ao longo do texto trataremos renminbi (a “moeda chinesa”) e iuane (sua unidade de conta) como sinônimos, algo usual nos mercados financeiros globais. É importante lembrar que foi durante a dinastia Yuan (1271-1368), fundada pelo líder mongol Kublai Khan, que o papel moeda foi introduzido no mundo das finanças. digital (“e-Renminbi”, “e-RMB”) - também denominado de “digital currency electronic payment” (moeda digital de pagamento eletrônico) - potencialmente coloca a moeda chinesa em uma posição privilegiada para ocupar espaços que o dólar ainda não ocupa e confere a ela, sendo a única moeda estatal no formato digital até o momento, uma vantagem conceitual em relação às diversas moedas privadas digitais.

O advento do e-renminbi reacende as discussões sobre o futuro SMFI ao congregar pelo menos três temas que têm pautado as discussões na área: (i) as consequências da ascensão chinesa no século XXI para a conformação da ordem econômica e política global; (ii) o surgimento de moedas digitais privadas, como o Bitcoin, celebradas por alguns como a possibilidade de retirar do Estado o monopólio sobre a emissão e a regulação dos padrões monetários e da intermediação financeira; e (iii) a possibilidade de que o dólar deixe de ser a principal moeda de referência internacional, devido não apenas ao surgimento de concorrentes, como, também, pelo relativo declínio da economia estadunidense. Este contexto remete ao debate sobre o papel que a moeda representa nas relações de poder dos Estados em relação aos agentes privados, bem como em relação aos seus pares no sistema internacional, sendo este um dos temas fundantes da Economia Política Internacional (EPI) (COHEN, 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015., 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.; STRANGE, 1987STRANGE, S. The persistent myth of lost hegemony. International Organization, v. 41, n. 4, p. 551-574, 1987., 1988STRANGE, S. States and markets: An introduction to international political economy. London: Pinter Publishers, 1988.).

Investigar a natureza da moeda e entender como ela contribui para moldar as relações de poder entre os diversos atores do sistema internacional é importante para que se possa avançar na compreensão teórica da evolução das relações monetárias e financeiras internacionais (AGLIETTA, 2018AGLIETTA, M. Money: 5,000 years of debt and power. New York: Verso, 2018.; BLOCK, 1977BLOCK, F. L. The origins of international economic disorder: A study of United States international monetary policy from World War II to the present. Berkeley: University of California Press, 1977.; KIRSHNER, 2003KIRSHNER, J. (Ed.). Monetary orders: Ambiguous economics, ubiquitous politics. Ithaca: Cornell University Press , 2003.). Desde que o dólar assumiu a posição de principal moeda internacional no pós-Guerra, foram inúmeras as especulações de que “em breve” a moeda estadunidense perderia esta posição ou passaria a dividi-la com outras moedas (EICHENGREEN, 2011EICHENGREEN, B. Exorbitant privilege: The rise and fall of the dollar. Oxford: Oxford University Press, 2011.; EICHENGREEN; MEHL; CHITU, 2017EICHENGREEN, B.; MEHL, A.; CHITU, L. How global currencies work: Past, present and future. Princeton: Princeton University Press , 2017.; HELLEINER; KIRSHNER, 2012HELLEINER, E.; KIRSHNER, J. (Eds.). The future of the dollar. Ithaca: Cornell University Press , 2012.). Nos anos 1960, o economista canadense Robert Triffin apontava para as fragilidades da relação entre o dólar e o ouro. Nos anos 1970, com a ruptura do regime de câmbio fixo derivado do Acordo de Bretton Woods, especulava-se que o dólar perderia a sua força global, percepção que foi reforçada com a internacionalização do marco alemão e do iene japonês, nos anos 1980, e com o lançamento do euro, no final dos anos 1990. Mais recentemente, no cenário da Crise Financeira Global de 2008 (CFG), as apostas eram não apenas de um declínio do dólar, mas, também, de uma ascensão generalizada de potências emergentes, em geral simbolizada pelo agrupamento dos BRICS, e que agora se concentram no caso chinês.

Ao mesmo tempo, existe uma euforia em torno do papel a ser desempenhado pelas criptomoedas privadas, que dão vida ao velho sonho libertário de retirar do Estado o poder de monopólio da emissão monetária (SKIDELSKY, 2019SKIDELSKY, R. Money and government: The past and future of economics. London: Yale University Press , 2019.). Os entusiastas desta perspectiva não raro também nutrem esperanças sobre o retorno a um sistema do tipo padrão ouro internacional, como o que vigorou do final do século XIX até o início da 1° Guerra Mundial e que limitava o poder de emissão monetária do Estado. Subjacente a essas narrativas, estão visões de mundo que percebem o Estado como uma entidade que usurpa dos indivíduos a sua liberdade e cujo poder, se não puder ser eliminado, deve ser restringido tanto quanto possível, o que naturalmente inclui seu monopólio monetário. Enquanto os avanços tecnológicos têm impulsionado um desenvolvimento sem precedentes das moedas privadas através dos criptomercados - que, entre março de 2020 e o mesmo mês de 2021, passaram de um estoque de US$ 250 bilhões em capitalização com cerca de 5.100 instrumentos (HOUBEN; SNYERS, 2020HOUBEN, R.; SNYERS, A. Crypto-assets: Key developments, regulatory concerns and responses. Brussels: European Parliament (Policy Department for Economic, Scientific and Quality of Life Policies), 2020.) para um estoque de 1.750 bilhões e pouco mais de 8.700 criptoativos3 3 Última posição consultada em março de 2020. Para dados atualizados diariamente, ver: https://coinmarketcap.com. -, o frenesi financeiro em torno dessas moedas também não é novo. Ao longo da história, algumas moedas privadas perduraram mais do que outras, mas nenhuma sobreviveu, devido em grande parte, além de outros fatores, à inexistência de certos atributos nos agentes privados que são justamente aqueles que definem os Estados - como base territorial e capacidade de impor padrões e regras (AGLIETTA, 2018AGLIETTA, M. Money: 5,000 years of debt and power. New York: Verso, 2018.; NEAL, 2015NEAL, L. A concise history of international finance: From Babylon to Bernanke. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.). Neste sentido, ainda que os criptoativos representem um potencial de transformação nas relações financeiras domésticas e internacionais, é importante colocar em perspectiva a capacidade de moedas privadas ocuparem o espaço das moedas emitidas pelos Estados.

À luz desses desenvolvimentos recentes, o objetivo principal deste artigo é analisar o impacto do renminbi digital para o ordenamento do SMFI. Para tanto, parte-se das seguintes hipóteses: (i) o e-RMB é uma forma adicional de expressão da moeda chinesa, o que significa que, em princípio, ser digital não altera seu conteúdo; (ii) o conteúdo de uma a moeda está relacionado com o poder de seu emissor (a moeda manifesta-se através de uma relação social); (iii) a história sugere que não há motivos para esperar uma correspondência imediata entre o tamanho econômico de um país e uso internacional da moeda que ele emite; (iv) ao mesmo tempo, a falta desta correspondência gera tensões no SMFI; (v) isto acontece porque o uso internacional de uma moeda é também fonte de poder para seu emissor.

A contribuição principal deste artigo reside no tratamento desta inovação institucional - o lançamento da primeira moeda digital estatal - por um poder emergente, a China, cujas ambições em termos de projeção global têm estado no centro de uma abundante literatura sobre a conformação de uma eventual nova ordem internacional (ALLISON, 2017ALLISON, G. Destined for war: Can America and China escape Thucydides’s trap? Boston: Houghton Mifflin Harcourt, 2017.; FENG; HE; LI, 2019FENG, H.; HE, K.; LI, X. How China sees the world: Insights from China’s international relations scholars. London: Palgrave Macmillan, 2019.; KISSINGER, 2012KISSINGER, H. On China. New York: Penguin Books, 2012., 2014KISSINGER, H. World order. New York: Penguin Books , 2014.; MEARSHEIMER, 2019MEARSHEIMER, J. J. The great delusion: Liberal dreams and international realities. London: Yale University Press, 2019.; SHAMBAUGH, 2020SHAMBAUGH, D. (Ed.). China and the world. Oxford: Oxford University Press , 2020.; entre outros). Este tema, por mais candente que seja, é aqui apenas o pano de fundo para que possamos analisar se o e-renminbi representa um elemento potencial de ruptura no SMFI, liderado até aqui pelo dólar.

O artigo está dividido em cinco seções. Seguindo esta introdução, a primeira seção retoma conceitos básicos da moeda e de suas formas de representação, a partir da literatura keynesiana, enfatizando a diferença entre sua forma e seu conteúdo, bem como suas funções nas modernas economias de mercado. Isto nos permite diferenciar as moedas estatais das privadas e qualificar os instrumentos específicos que as representam, tais como os criptoativos. Esta seção aplica estes marcos conceituais para o caso do renminbi digital. A segunda seção discute o papel da moeda no plano internacional enquanto manifestação e fonte de poder dos Estados, o que é consubstanciado na existência de uma hierarquia entre as moedas nacionais no SMFI (COHEN, 1998COHEN, B. J. The geography of money. Ithaca: Cornell University Press, 1998., 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.; GOURINCHAS; REY; SAUZET, 2019GOURINCHAS, P.-O.; REY, H.; SAUZET, M. The international monetary and financial system. Annual Review of Economics, v. 11, p. 859-893, 2019.; PAULA; FRITZ; PRATES, 2017PAULA, L. F.; FRITZ, B.; PRATES, D. M. Keynes at the periphery: Currency hierarchy and challenges for economic policy in emerging economies. Journal of Post Keynesian Economics, v. 40, n. 2, p. 183-202, 2017.). A discussão sobre a relação entre moeda e poder estatal parte especialmente da literatura de EPI, que considera que as relações financeiras internacionais se estruturaram em um mundo de Estados que disputam poder entre si. Já a discussão sobre a hierarquização das moedas no plano internacional e o seu uso como instrumento do poder estatal recebe maior atenção através tanto da EPI quanto das tradições keynesianas e institucionalistas, que oferecem análises sobre a “hierarquia das moedas” (FRITZ; PAULA; PRATES, 2018FRITZ, B.; PAULA, L. F.; PRATES, D. M. Global currency hierarchy and national policy space: A framework for peripheral economies. European Journal of Economics and Economic Policies: Intervention, v. 15, n. 2, p. 208-218, 2018.; PRATES, 2020PRATES, D. Beyond modern money theory: A post-Keynesian approach to the currency hierarchy, monetary sovereignty, and policy space. Review of Keynesian Economics, v. 8, n. 4, p. 494-511, 2020.). A terceira seção discute os limites da ascensão da moeda chinesa para romper com o SMFI centrado no dólar e argumenta, com base na experiência histórica do SMFI, porque eventuais mudanças não devem se concretizar no futuro próximo. Por fim, a última seção conclui o artigo.

1. MOEDA E SUAS FORMAS DE REPRESENTAÇÃO

Ao refletir sobre os efeitos redistribuivos da instabilidade monetária vivida durante e após a Primeira Guerra Mundial, Keynes (1923KEYNES, J. M. A tract on monetary reform. London: MacMillan,1923., p. 1, tradução nossa) sugere que a moeda “[…] só é importante para o que ela vai adquirir”4 4 No original: “[…] is only important for what it will procure”. . Tal definição, que converge com a longa tradição de compreender a moeda a partir das suas funções - “a moeda é o que a moeda faz”5 5 No original: “money is what money does”. , já afirmava Hicks (1967HICKS, J. R. Critical essays in monetary theory. London: Clarendon Press, 1967., p. 1, tradução nossa) -, não deve obscurecer o fato de, já neste momento, Keynes reconhecer o papel central desta instituição para a reprodução da vida social. Por isso mesmo, com o amadurecimento de sua visão sobre a economia e a sociedade, o economista mais influente de sua geração foi aperfeiçoando conceitos e teorias. No Treatise on Money (KEYNES 1930KEYNES, J. M. A treatise on money. London: MacMillan , 1930. v. 1.), ele esclarece que a moeda existe exatamente para garantir que os agentes econômicos consigam transferir bens, serviços e ativos nos marcos em que tais transações se consubstanciam em instrumentos legalmente estruturados. Em suas palavras:

O próprio dinheiro, aquele pelo qual se quitam os contratos de dívida e os contratos de preço, e na forma de que se mantém o poder de compra geral, deriva seu caráter de sua relação com o dinheiro de conta [Money-of-Account], uma vez que as dívidas e os preços devem primeiro ter sido expressos em termos deste último.6 6 No original: “Money itself, that by delivery of which debt-contracts and price-contracts are discharged, and in the shape of which a store of General Purchasing Power is held, derives its character from its relationship to the Money-of-Account, since the debts and prices must first have been expressed in terms of the latter.” (KEYNES, 1930KEYNES, J. M. A treatise on money. London: MacMillan , 1930. v. 1., p. 3, tradução nossa)

A moeda é, portanto, mais do que um meio que facilita as trocas, pois representa a “gramática” dos mercados, a base de referência dos contratos. É unidade de conta, métrica que define a expressão, sempre em termos monetários, da riqueza (KEYNES, 1936KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. New York: Harcourt, Brace & Company, 1936., 1973KEYNES, J. M. A monetary theory of production. In: MOGGRIDGE, D. (Ed.). The general theory and after - Part 1: Preparation. London: Macmillan, 1973. v. 13, p. 408-411. (The collected writings of John Maynard Keynes).). Na mesma linha, Shaikh (2016SHAIKH, A. Capitalism: Competition, conflict, crises. Oxford: Oxford University Press , 2016., p. 167, tradução nossa) explica que:

O dinheiro é a gramática da troca. Ele surge naturalmente do processo de troca quando este é ampliado em seu alcance e regularizado em sua ocorrência. Como a gramática, o dinheiro é codificado e controlado pelo Estado em algum momento de seu desenvolvimento. Mas nem a gramática nem o dinheiro precisam do Estado para serem inventados.7 7 No original: “Money is the grammar of exchange. It arises naturally out of the process of exchange when the latter is extended in its reach and regularized in its occurrence. Like grammar, money is codified and controlled by the state at some point in its development. But neither grammar nor money requires the state for its invention.”

Em mais um exemplo convergente, Aglietta (2018AGLIETTA, M. Money: 5,000 years of debt and power. New York: Verso, 2018., p. 31-32, tradução nossa) argumenta que:

O dinheiro pode ser definido como uma relação de pertencimento: uma relação que liga cada membro de um grupo social ao todo. Nesse nível de abstração, o dinheiro se assemelha a uma linguagem. Ele produz significado para os outros. Esse significado é o valor: um espaço abstrato de medição no qual as diversas atividades que ocorrem dentro de um grupo de pessoas podem ser trocadas […] o dinheiro é o meio pelo qual a sociedade devolve a cada um de seus membros o que ela julga que cada um deles deu a ela. Essa definição deixa claro que o dinheiro é uma instituição externa aos atores econômicos, que possuem várias estratégias para acessá-lo. O dinheiro fornece o poder de ser um membro da sociedade de mercado, no nível dos montantes de dinheiro que podem ser mobilizados de acordo com a lógica predominante dentro daquela sociedade.8 8 No original: “Money can be defined as a relation of belonging: a relation that links each member of a social group to the whole. At this level of abstraction, money resembles a language. It produces meaning for others. This meaning is value: an abstract space of measurement in which the diverse activities that take place within a human group can be exchanged … money is the means by which society gives back to each of its members what it judges each of them to have given to it. This definition makes clear that money is an institution external to economic actors, who have various strategies for accessing it. Money provides the power to be a member of the market society, at the level of the amounts of money that can be mobilised according to the prevalent logic within that society.”

Na perspectiva keynesiana, a moeda funciona como uma ponte intertemporal para que os agentes mantenham seu patrimônio. Em um mundo onde predomina a incerteza, reter moeda, para além das funções transacionais e precaucionais, torna-se não apenas racional, como gera efeitos sobre o “lado real” das economias. Com medo do futuro, particularmente em um contexto de desemprego elevado e de deflação de preços de bens, serviços e ativos, os detentores de riqueza aumentam a preferência pela liquidez e decidem não gastar, como normalmente o fariam, na aquisição de bens e de ativos que geram empregos. Portanto, a moeda nunca é neutra. E isso ocorre exatamente porque a moeda é uma instituição social legalmente estruturada pelo poder estatal. Pode ser refúgio para a riqueza, particularmente quando a economia entra em espiral deflacionária, ou a fonte para sua redistribuição entre credores e devedores, quando seu valor em relação às demais formas de representação da riqueza torna-se excessivamente instável.

Assim, se no plano conceitual mais geral, a moeda é algo que serve como unidade de conta, meio de troca e reserva de valor, em tese, qualquer coisa - conchas ou metais preciosos - que outros agentes acreditem que tem e continuará tendo valor e, portanto, será aceita no futuro, pode se tornar elegível como tal. Ou seja, o que torna um determinando instrumento (físico ou não) uma moeda é a existência de uma rede de indivíduos que estão dispostos a trocá-lo por coisas que tenham valor - bens, serviços, outras moedas etc. Como destacado por Yuval Harari (2014HARARI, Y. N. Sapiens: A brief history of humankind. New York: Harper, 2014.), a moeda é um dos “mitos coletivos” mais importantes criados pela humanidade para avançar do ponto de vista material e cooperar em escala crescente.

No mundo moderno, existe uma distinção básica entre a moeda token (“token-based money”) e a moeda registrada em uma instituição financeira (“account-based money”) (BIS, 2020BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.p...
; BOAR; HOLDEN; WADSWORTH, 2020BOAR, C.; HOLDEN, H.; WADSWORTH, A. Impending arrival - A sequel to the survey on central bank digital currency. BIS Papers, n. 107, 2020.; BOAR; WEHRLI, 2021BOAR, C.; WEHRLI, A. Ready, steady, go? - Results of the third BIS survey on central bank digital currency. BIS Papers , n. 114, 2021.; CARSTENS, 2019CARSTENS, A. The future of money and the payment system: what role for central banks? Basel: Bank of International Settlements, 2019.). Atualmente, as formas mais comuns da moeda token são as notas e moedas emitidas pelos bancos centrais ao redor do mundo. As notas físicas são apenas um pedaço de papel pintado que têm valor porque existe uma rede de agentes que acredita que elas têm valor. Já a moeda registrada em uma instituição financeira é, por definição, uma moeda baseada na existência de um intermediário, tipicamente um banco que aceita depósitos. Indivíduos que possuem uma conta em um banco podem receber e enviar dinheiro para outros indivíduos que também tenham uma conta no banco através de uma ordem para que este realize a transação. Quando o banco debitar a conta do pagador e creditar a conta do recebedor, a transação estará completa.

A grande inovação trazida pelas criptomoedas é o advento do token digital (ARNER; AUER; FROST, 2020AUER, R.; CORNELLI, G.; FROST, J. Rise of the Central Bank digital currencies: Drivers, approaches and technologies. BIS Working Papers , n. 880, 2020.; AUER; CORNELLI; FROST, 2020AUER, R.; CORNELLI, G.; FROST, J. Rise of the Central Bank digital currencies: Drivers, approaches and technologies. BIS Working Papers , n. 880, 2020.; BIS, 2020BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.p...
; BOAR; HOLDEN; WADSWORTH, 2020BOAR, C.; HOLDEN, H.; WADSWORTH, A. Impending arrival - A sequel to the survey on central bank digital currency. BIS Papers, n. 107, 2020.; CARSTENS, 2019CARSTENS, A. The future of money and the payment system: what role for central banks? Basel: Bank of International Settlements, 2019.; HOUBEN; SNYERS, 2020HOUBEN, R.; SNYERS, A. Crypto-assets: Key developments, regulatory concerns and responses. Brussels: European Parliament (Policy Department for Economic, Scientific and Quality of Life Policies), 2020.). A moeda registrada em uma instituição financeira existe na forma digital há algum tempo - qualquer pessoa com uma conta no banco possui moeda na forma digital. O registro digital dos balanços dos bancos significa que hoje em dia os pagamentos são feitos de forma muito mais rápida e para muitos mais pares ao redor do mundo do que era possível no passado. No entanto, a arquitetura básica do funcionamento dos mecanismos de pagamento não mudou, no sentido de que as transações se efetuam praticamente da mesma maneira de quando eram feitas de forma física - debitando a conta do pagador e creditando a conta do recebedor. O token digital é revolucionário porque ele de fato representa uma mudança na arquitetura dos meios de pagamentos. Notas e moedas exigem o encontro físico das contrapartes para efetuar uma transação; mas moedas digitais como o Bitcoin, não. O Bitcoin e outras criptomoedas são moedas digitais que independem de um banco como intermediário. O registro de crédito e débito que normalmente seria feito pelo banco é feito a partir de um sistema descentralizado9 9 Este caráter descentralizado é apontado como uma vantagem pelos defensores das criptomoedas privadas, pois retira poder do Estado e de intermediários financeiros e o devolve, teoricamente, às pessoas comuns. Todavia, tal característica também gera falta de transparência, o que amplia o caráter especulativo destes instrumentos. Estimativas do Parlamento Europeu sugerem que quase metade das transações com Bitcoin tem uma possibilidade de ilicitude, como a lavagem de dinheiro (HOUBEN; SNYERS, 2020). , desenvolvido usando a tecnologia de blockchain, na qual os próprios usuários validam as transações uns dos outros.

Além de excluir o intermediário financeiro, as criptomoedas privadas também provocam o papel do Estado enquanto garantidor dos pagamentos. O Bitcoin, atualmente a mais popular das moedas digitais privadas, traz para a superfície as entranhas das disputas de poder que cercam os mitos e narrativas envolvendo Estados e moedas. Na leitura do ganhador do Prêmio Nobel Robert J. Shiller (2019SHILLER, R. J. Narrative economics: How stories go viral and drive major economic events. Princeton: Princeton University Press , 2019., p. 11, tradução nossa):

Estamos vivendo um período de transição peculiar na história da humanidade, no qual muitas das pessoas mais bem-sucedidas do mundo se veem como parte de uma cultura cosmopolita mais ampla. Nossos estados-nação às vezes parecem cada vez mais irrelevantes para nossas ambições. Bitcoin não tem nacionalidade, dando-lhe um apelo democrático e internacional. Inerente a sua narrativa pan-nacional está a ideia de que nenhum governo pode controlá-lo ou pará-lo. Em contraste, o papel-moeda antiquado, tipicamente com gravuras históricas de homens famosos na história de um país, sugere um nacionalismo obsoleto, algo para perdedores. O papel-moeda se assemelha de certa forma a pequenas bandeiras nacionais; é um símbolo da nacionalidade de alguém. Ter uma carteira de Bitcoin torna o proprietário um cidadão do mundo e, em certo sentido, psicologicamente independente das afiliações tradicionais.10 10 No original: “We are living in a peculiar transition period in human history, in which many of the world’s most successful people see themselves as part of a broader cosmopolitan culture. Our nation-states sometimes seem increasingly irrelevant to our ambitions. Bitcoin has no nationality, giving it a democratic and international appeal. Inherent in its pan-national narrative is the idea that no government can control it or stop it. In contrast, old-fashioned paper money, typically with historical engravings of famous men in a country’s history, suggests an obsolete nationalism, something for losers. Paper currency resembles little national flags in a way; it is a symbol of one’s nationality. Having a Bitcoin wallet makes the owner a citizen of the world and in some sense psychologically independent of traditional affiliations.”

No mundo das ideias, tanto faz se o emissor da moeda é um Estado ou um agente privado. Na prática, contudo, o fato de o Estado ter o poder de obrigar os agentes a usar a moeda que ele emite e garante, pelo menos dentro do seu território, faz com que suas moedas tenham poder desproporcional em relação às moedas emitidas por quem quer que não tenha um território (AGLIETTA, 2018AGLIETTA, M. Money: 5,000 years of debt and power. New York: Verso, 2018.; BIS, 2020BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
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; CARSTENS, 2019CARSTENS, A. The future of money and the payment system: what role for central banks? Basel: Bank of International Settlements, 2019.; COHEN, 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.). Perceber que o Estado ainda representa a unidade básica do sistema internacional é essencial para entender por que moedas emitidas por agentes privados são por natureza subordinadas às moedas emitidas por esses Estados. Empresas como o Facebook, que desenvolve a sua criptomoeda, a Libra, não possuem base territorial, força militar ou capacidade para exigir o pagamento de tributos em sua moeda. Por outro lado, as criptomoedas privadas conseguem exercer, ainda que em um escopo limitado, certas funções monetárias, como ser meio de pagamento (ou de troca) e reservas de valor, assim como outros ativos e instrumentos já o fazem. Mesmo que isso possa se expandir no futuro, parece prematuro imaginar o funcionamento de economias capitalistas complexas e sofisticadas sem parâmetros estáveis de precificação e denominação de contratos, uma vez que a existência de âncoras estáveis é essencial para garantir alguma ordem cotidiana nos processos decisórios de acumulação da riqueza privada.

Atualmente, o lastro das moedas se localiza no poder material e imaterial dos seus emissores, os Estados. Desde a ruptura do padrão dólar-ouro no início dos anos 1970, o lastro real deixou de existir. Com o estabelecimento da flutuação - livre ou administrada -, o mercado cambial passou a se comportar de forma muito mais próxima aos demais segmentos financeiros. O atual predomínio de padrões monetários fiduciários confirma a visão de Keynes (1923KEYNES, J. M. A tract on monetary reform. London: MacMillan,1923., 1930KEYNES, J. M. A treatise on money. London: MacMillan , 1930. v. 1., 1936KEYNES, J. M. The general theory of employment, interest and money. New York: Harcourt, Brace & Company, 1936., 1973KEYNES, J. M. A monetary theory of production. In: MOGGRIDGE, D. (Ed.). The general theory and after - Part 1: Preparation. London: Macmillan, 1973. v. 13, p. 408-411. (The collected writings of John Maynard Keynes).), que encontra eco em Carstens (2019CARSTENS, A. The future of money and the payment system: what role for central banks? Basel: Bank of International Settlements, 2019.) e BIS (2020)BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.p...
, de que a estabilidade no valor intertemporal da moeda é garantida pelo poder estatal, e não por uma “relíquia bárbara” como o ouro.

Neste sentido, a potencial ameaça do renminbi em relação ao dólar está relacionada antes ao seu conteúdo - ser a moeda garantida pelo Estado chinês - do que à sua forma - física ou digital. O renminbi digital é simplesmente uma forma adicional de expressão da moeda estatal chinesa. Em princípio, o fato de a moeda ser digital inova tanto quanto inovaram os diversos instrumentos históricos de expressão monetária, tais como o papel moeda, o cheque, os cartões de crédito e de débito e o uso do celular para realizar pagamentos. O fato de ser digital não altera o conteúdo da moeda. Por outro lado, é possível argumentar que, ao ofertar a primeira moeda estatal em formato digital, a China poderá ocupar espaços que o dólar não tem como adentrar e que este movimento irá fortalecer e eventualmente alterar o conteúdo da moeda chinesa, aumentando sua capacidade de desafiar o dólar. Mesmo se este for o caso, a próxima seção discute porque é improvável que o dólar deixe de ocupar o topo da hierarquia de moedas no futuro próximo.

2. MOEDA E PODER NO PLANO INTERNACIONAL

Ao longo da história, poucas foram as moedas capazes de exercer plenamente suas funções para além dos espaços jurisdicionais que as emitiam (COHEN, 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015., 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.; EICHENGREEN; MEHL; CHITU, 2017EICHENGREEN, B.; MEHL, A.; CHITU, L. How global currencies work: Past, present and future. Princeton: Princeton University Press , 2017.; NEAL, 2015NEAL, L. A concise history of international finance: From Babylon to Bernanke. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.). As moedas que se destacam no uso internacional são emitidas pelos Estados mais poderosos. Como colocado por Robert Mundell (1993MUNDELL, R. A. EMU and the International Monetary System: A transatlantic perspective. Austrian National Bank Working Paper, n. 13, 1993.), “grandes potências têm grandes moedas”. A experiência histórica sugere que existe alguma conexão entre moeda e poder do Estado, mas não é óbvio como isso ocorre: ser uma grande potência é o que torna a moeda competitiva ou ter uma moeda competitiva é o que torna um Estado uma grande potência? O nexo de causalidade aponta para as duas direções (COHEN, 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015.).

De um lado, ser uma grande potência torna sua moeda competitiva. Saindo como os grandes vencedores da 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos se encontraram na posição de consolidar a sua moeda formalmente no topo da hierarquia monetária. Vale dizer, a posição que o dólar assumiu no SMFI foi uma decisão política com base no poder assimétrico desfrutado pelos Estados Unidos no pós-Guerra (EICHENGREEN, 2011EICHENGREEN, B. Exorbitant privilege: The rise and fall of the dollar. Oxford: Oxford University Press, 2011.; STRANGE, 1988STRANGE, S. States and markets: An introduction to international political economy. London: Pinter Publishers, 1988.). No arranjo de Bretton Woods, que vigorou até o início da década de 1970, as moedas eram fixas com relação ao dólar e apenas o dólar era fixo em ouro. Na prática, isto significava que, enquanto os Estados Unidos podiam perseguir seus objetivos domésticos sem serem constrangidos pelo ajuste externo, todos os demais tinham que subordinar seus objetivos domésticos ao ajuste externo para manter a paridade com o dólar, que era a base do arranjo internacional. O então ministro da economia de Charles de Gaulle, Valéry Giscard d’Estaing, definiu esta liberdade macroeconômica dos Estados Unidos como um “privilégio exorbitante” (EICHENGREEN, 2011EICHENGREEN, B. Exorbitant privilege: The rise and fall of the dollar. Oxford: Oxford University Press, 2011., p. 4).

De outro lado, emitir uma moeda internacionalmente competitiva também serve para aumentar o poder do Estado. Os Estados Unidos já haviam ultrapassado a Grã-Bretanha em termos de tamanho econômico absoluto nos anos 1870, já eram a principal potência comercial em termos de valor de comércio exterior em 1913 e os maiores credores internacionais ao final da 1ª Guerra Mundial (CHITU; EICHENGREEN; MEHL, 2014CHITU, L.; EICHENGREEN, B.; MEHL, A. When did the dollar overtake sterling as the leading international currency? Evidence from the bond markets. Journal of Development Economics, v. 111, p. 225-245, 2014.). Ou seja, apesar de a decisão política de um arranjo internacional formal em torno do dólar ter sido feita apenas nos anos 1940, o dólar virou a moeda líder de reserva internacional em meados dos anos 1920, ainda que a libra tenha retomado a liderança por um breve período depois de 1931 (EICHENGREEN; FLANDREAU, 2009EICHENGREEN, B.; FLANDREAU, M. The rise and fall of the dollar (or when did the dollar replace sterling as the leading reserve currency?). European Review of Economic History, v. 13, n. 3, p. 377-411, 2009.). O arranjo de Bretton Woods veio para coroar (e reforçar) uma dominância que já ocorria na prática.

A frustração dos franceses era (e ainda é) compartilhada por diversos países, e muitos acreditavam que os Estados Unidos perderiam esta vantagem quando o resto do mundo não fosse obrigado a manter a paridade com o dólar. Contrariando a expectativa de muitos “declinacionistas”, porém, o domínio e o privilégio exorbitante dos Estados Unidos aumentaram desde o fim do Sistema Bretton Woods, mesmo com o relativo declínio da economia estadunidense (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.; ILZETZKI; REINHART; ROGOFF, 2019ILZETZKI, E.; REINHART, C. M.; ROGOFF, K. S. Exchange arrangements entering the twenty-first century: Which anchor will hold? The Quarterly Journal of Economics, v. 134, n. 2, p. 599-646, 2019.). O privilégio exorbitante pode ser entendido como a facilidade unilateral que os Estados Unidos têm de poder pagar com dólares suas dívidas internacionais. Isto significa que o dólar não é um meio imparcial de trocas internacionais, na medida em que representa a emissão de crédito para um Estado.11 11 Esta ideia aparece na literatura sob o conceito de seigniorage internacional. Domesticamente, seigniorage é o excesso do valor nominal de uma moeda com relação à produção. Internacionalmente, ela ocorre quando estrangeiros retêm moeda nacional de outro país, ou dívidas denominadas nesta moeda nacional, em troca de bens e serviços. Dito de outra forma, para o Brasil ter US$ 100, as empresas brasileiras precisam produzir bens e serviços no valor de US$ 100; para os Estados Unidos ter US$ 100, basta o FED imprimir moeda. Uma das maiores consequências de ser o hegemon do SMFI é a habilidade de emitir títulos que são altamente demandados pelo resto do mundo.12 12 Estimativas do JP Morgan apontam que no final de 2020 havia um estoque de instrumentos de dívida no mercado global da ordem de US$ 123 trilhões, dos quais US$ 46 trilhões (1/3 daquele total) emitidos diretamente por empresas e governos dos Estados Unidos (J.P. MORGAN ASSET MANAGEMENT, 2020, p. 50). O montante final de instrumentos denominados em dólares tende a ser maior, oscilando entre 40% e 50% daquele estoque (CGFS, 2020).

Isto sugere que a relação entre moeda e poder do Estado é mútua. Uma moeda é tanto causa quanto fonte de poder de um Estado (COHEN, 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015.). O ponto de partida para entender a importância de emitir uma moeda competitiva nas relações monetárias internacionais está no balanço de pagamentos. As relações de comércio e investimento provocam fluxos monetários que resultam em superávits ou déficits para os países. As economias estão todas ligadas pelos seus balanços de pagamentos: o déficit de uma é o superávit de outra. O risco de um desequilíbrio insustentável no balanço de pagamentos representa uma ameaça permanente para a independência de política econômica. Imagine se o governo brasileiro pudesse simplesmente ter emitido dívida em reais ou moeda para pagar seus credores internacionais nos anos 1980 e ter evitado a crise da dívida externa, a exemplo do que o governo dos Estados Unidos pode fazer, justamente porque sua moeda e os ativos denominados nela são aceitos mundo afora. Ou, como colocou o economista francês Jacques Rueff nos anos 1970, a possibilidade de ter “déficits sem lágrimas”.13 13 Por isso mesmo, os Estados Unidos conseguem manter um quadro de déficits estruturais na conta corrente do seu balanço de pagamentos pelo menos desde o final dos anos 1960. Por decorrência, sua posição internacional de investimentos - a diferença entre os ativos de residentes e os passivos (ativos de não residentes contra os residentes) - tornou-se deficitária nos anos 1980, e em 2019 atingiu a cifra de US$ 11 trilhões (ou 51% do PIB do país) (IMF, 2020a, p. 93).

Ainda que poucos duvidem que emitir uma moeda de uso internacional influencia o poder de um Estado, entender exatamente através de quais canais isso ocorre não é uma tarefa fácil. O primeiro passo é perceber (i) que as moedas não “são” internacionais, elas “estão” internacionais, e (ii) que os usos internacionais da moeda (unidade de conta, meio de troca e reserva de valor nos níveis público e privado), ainda que estejam todos interrelacionados, diferem em relação ao quanto eles adicionam ao privilégio exorbitante dos Estados. Assim, enquanto os Estados Nacionais possuem, ao menos formalmente, o monopólio da força, que ancora sua capacidade de definir as bases normativas que fundamentam as relações sociais dentro de seu território, no âmbito internacional, não existe nenhum instrumento monetário que se imponha por “força de lei”. Não há um “Estado Global” que detenha poder coercitivo em temas monetários e financeiros ou quaisquer outros. As moedas “concorrem” entre si no plano internacional e, portanto, precisam se validar diante dos usuários em potencial como sendo “seguras” e “eficientes” (COHEN, 1998COHEN, B. J. The geography of money. Ithaca: Cornell University Press, 1998., 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015., 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.).

Os resultados desta concorrência monetária revelam a percepção que os agentes econômicos possuem sobre a qualidade relativa das moedas. Esta, por sua vez, se relaciona diretamente com o poder político e econômico do seu emissor no sistema internacional. No plano político doméstico, os emissores precisam apresentar um histórico de estabilidade na preservação das “regras do jogo” nas relações mercantis, com particular ênfase na proteção dos credores. Quem haverá de confiar em um Estado que de forma recorrente repudia dívidas e se apropria dos credores? A solidez nas instituições políticas, sociais e econômicas é importante, assim como a sua projeção externa. Aqui entra a importância do poder expresso tanto nas esferas militar, econômica e de constelação de recursos naturais e humanos (hard power), quanto nas questões simbólicas (soft power).

Do ponto de vista econômico, uma moeda é competitiva se o país que a emite tem um histórico de estabilidade macroeconômica. Ademais, há de dispor de ampla rede de instituições e de instrumentos que dê segurança e liquidez aos pagamentos e transferência de ativos em nível internacional. Seus intermediários financeiros devem ter escala para atuar globalmente, ou seja, realizar empréstimos em sua moeda e garantir liquidez e segurança por meio dos instrumentos de custódia e de liquidação de contratos os mais diversos. Para tanto, também importam o tamanho dos estoques e fluxos transacionados, o domínio das tecnologias e a existência de poder político e capacidade de influir nas decisões dos demais atores.

Uma moeda nacional ou supranacional (como o euro) só consegue exercer plenamente as funções de moeda para além de suas fronteiras jurídicas originais caso a economia em questão seja grande, realize volumes expressivos de comércio global de bens e serviços e emita ativos - públicos e privados - em quantidades compatíveis com as necessidades de agentes econômicos locais e estrangeiros. Seus intermediários devem operar em praças financeiras ancoradas em uma infraestrutura jurídica e tecnológica que transmita segurança aos portadores de riqueza. Atualmente, os estoques de riqueza e os fluxos de bens e serviços são predominantemente registrados de forma escritural e transferidos por meios eletrônicos (MCKINSEY & COMPANY, 2019MCKINSEY & COMPANY. Global payments report 2019: Amid sustained growth, accelerating challenges demand bold actions. New York: Mckinsey & Company, 2019. Disponível em: Disponível em: https://www.mckinsey.com/~/media/mckinsey/industries/financial%20services/our%20insights/tracking%20the%20sources%20of%20robust%20payments%20growth%20mckinsey%20global%20payments%20map/global-payments-report-2019-amid-sustained-growth-vf.ashx . Acesso em: 12 ago. 2022.
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). Por isso mesmo, a infraestrutura de informática (equipamentos e softwares) e de meios de comunicação é vital para o bom funcionamento dos sistemas financeiros. Esta característica nas economias nacionais torna-se ainda mais importante para as transferências internacionais, o que confere importantes custos de entrada a este mercado.

O fato de que poucas moedas são capazes de reunir estas condições (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.; GOURINCHAS; REY; SAUZET, 2019GOURINCHAS, P.-O.; REY, H.; SAUZET, M. The international monetary and financial system. Annual Review of Economics, v. 11, p. 859-893, 2019.; NEAL, 2015NEAL, L. A concise history of international finance: From Babylon to Bernanke. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.) se revela através de uma estrutura hierárquica e assimétrica, na qual as moedas são percebidas pelos agentes econômicos como portadoras de qualidades distintas. Por mais que existam quase tantas moedas quanto países, na prática, o dólar é a língua franca que domina a gramática das relações monetárias e financeiras ao redor do mundo. O dólar é a única que exerce globalmente as funções de meio de troca, unidade de compra e reserva de valor. Ainda, de forma consistente desde o final da 2° Guerra Mundial, em torno de 2/3 dos ativos de reserva detidos pelos Bancos Centrais estão denominados nesta moeda (GOURINCHAS; REY; SAUZET, 2019GOURINCHAS, P.-O.; REY, H.; SAUZET, M. The international monetary and financial system. Annual Review of Economics, v. 11, p. 859-893, 2019.). O dólar é também líder no uso privado e público global para denominar contratos comerciais e financeiros. A plataforma da Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais (Society for Worldwide Interbank Financial Telecommunications - SWIFT, na sigla em inglês) informa que, em janeiro de 2021, 43% das transações internacionais (excluídas as operações internas à área do euro) nela registradas eram liquidadas em dólares (SWIFT, 2021SWIFT. RMB Tracker: Monthly reporting and statistics on renminbi (RMB) progress towards becoming an international currency. La Hulpe: SWIFT, 2021. Disponível em: Disponível em: https://www.swift.com/swift-resource/250281/download . Acesso em: 12 ago. 2022.
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). O euro aparece como a segunda moeda mais transacionada, com 37% dos pagamentos totais. O renminbi é a sexta principal moeda, disputando a posição com o dólar canadense, com pouco menos de 2%.

Portanto, o dólar é de longe a principal fonte de liquidez global e a maior referência para os contratos comerciais e financeiros. As estimativas mais recentes sobre o estoque de créditos em dólares estadunidenses na economia mundial, referentes ao final de 2019, apontavam para um total de US$ 65,4 trilhões, dos quais US$ 53,2 trilhões estão nos Estados Unidos e US$ 12,2 trilhões se localizam no resto no mundo. Os créditos totais em euros (quando medidos em dólares) equivalem à metade dos créditos existentes na moeda estadunidense, sendo que a parcela destes créditos que está fora dos países da área do euro representa 1/3 dos créditos em dólares no resto do mundo. No caso das estimativas para créditos em ienes (também medidos em dólares), os recursos correspondem a apenas 4% do estoque estadunidense (BIS, 2022BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Global liquidity indicators. Basel: Bank for International Settlements , 2022. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/statistics/gli.htm?m=2690 . Acesso em: 12 ago. 2022.
https://www.bis.org/statistics/gli.htm?m...
). As demais moedas apresentam participações ainda menores.

O dólar também aparece em destaque nas transações no mercado de moedas, cujo giro diário excede os US$ 6 trilhões (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.). A moeda estadunidense aparece como contraparte em metade destas transações. Já em termos de instrumentos derivativos, o dólar estadunidense figura como uma das pontas em 90% do volume transacionado em contratos de swap cambial. De acordo com a pesquisa trienal do BIS (2019a)BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Triennial central bank survey of foreign exchange and over-the-counter (OTC) derivatives markets in 2019. Basel: Bank for International Settlements , 2019a. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/statistics/rpfx19.htm . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.bis.org/statistics/rpfx19.ht...
, a moeda chinesa foi a oitava com maior volume de transação diárias do mercado cambial, sendo que: (i) comparando-se os resultados das pesquisas de 2016 e 2019, houve menor crescimento no uso do renminbi; e (ii) o giro efetivo do mercado cambial chinês é menor do que o projetado pelo modelo econométrico (BIS, 2019bBIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. BIS quarterly review: International banking and financial market developments: December 2019. Basel: Bank for International Settlements , 2019b. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/qtrpdf/r_qt1912.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
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, p. 35).

Ainda que exista uma relação entre o tamanho econômico e o uso de uma moeda, é importante perceber que o poder monetário não é um mero reflexo da dimensão das economias. Mesmo com o relativo declínio da economia estadunidense em termos de renda e comércio (ver a Tabela 1, no anexo APÊNDICE Tabela 1 Indicadores econômicos, securitários e demográficos para EUA, China, Brasil e América Latina, 1980-2019 EUA China Brasil América Latina PIB (% no total mundial) 1980-1985 30,6% 2,6% 1,4% 6,8% Dólares americanos 1995-2000 27,5% 3,1% 2,4% 6,6% 2019 24,8% 16,3% 2,1% 6,0% PIB (% no total mundial) 1980-1985 21,8% 2,8% 4,1% 11,6% Dólares internacionais 1995-2000 19,8% 8,5% 3,1% 9,5% Paridade de Poder de Compra 2019 15,1% 19,3% 2,4% 7,2% Exportações de Bens e Serviços 1980-1985 13,0% 0,9% 1,1% 4,7% (% do total mundial) 1995-2000 13,5% 2,6% 0,9% 4,4% Dólares correntes 2019 10,0% 10,5% 1,1% 4,7% População 1980-1985 5,6% 24,5% 3,0% 7,7% Habitantes 1995-2000 4,7% 20,8% 2,9% 8,0% (% no total mundial) 2019 4,4% 18,5% 2,8% 8,0% Estoque de Capital 1980-1985 29,3% 3,5% 1,9% 6,3% Dólares internacionais PPP 1995-2000 20,9% 5,8% 2,3% 6,9% (% no total mundial) 2017 11,8% 20,5% 3,1% 7,4% Gastos Militares 1980-1985 51,3% 2,0% * 0,7% 3,2% Valores Constantes 1995-2000 43,2% 3,1% 1,5% 3,3% (% no total mundial) 2019 38,4% 14,2% 1,5% 3,4% Nota: (*) 1989-1993. Fonte: Elaboração própria com base em IMF (2020b) (PIB e População), Feenstra, Inklaar e Timmer (2015) (Estoque de Capital), The World Bank ([2020]), SIPRI ([2020]) (Gastos Militares). ) (ILZETZKI; REINHART; ROGOFF, 2019ILZETZKI, E.; REINHART, C. M.; ROGOFF, K. S. Exchange arrangements entering the twenty-first century: Which anchor will hold? The Quarterly Journal of Economics, v. 134, n. 2, p. 599-646, 2019.), o dólar mantém entre 50% e 65% dos totais globais de fluxos cambiais, empréstimos bancários e emissões de dívida, denominação de contratos de comércio internacional, valor das reservas cambiais dos Bancos Centrais, dentre outras medidas. A China, por sua vez, amplia sua participação na renda, investimentos e comércio, sem que isso se traduza automaticamente em poder monetário. Em comparação, o Brasil e o conjunto das economias latino-americanas, que em determinados momentos tiveram um peso econômico relativo superior ao da China, possuem moedas pouco sólidas local e internacionalmente. Aqui as explicações teóricas sobre os determinantes da ascensão e queda da liderança monetária internacional ainda são limitadas, mas envolvem aspectos difíceis de ser mensurados, compreendendo noções amplas de um “poder estrutural” do líder, poder militar e inércia institucional.

A ideia de um “poder estrutural”, conforme desenvolvida por Susan Strange (1987STRANGE, S. The persistent myth of lost hegemony. International Organization, v. 41, n. 4, p. 551-574, 1987., 1988STRANGE, S. States and markets: An introduction to international political economy. London: Pinter Publishers, 1988.), sugere que alguns países são capazes de criar as regras que determinam como os jogadores podem ou não atuar. Os Estados Unidos têm usufruído de seu poder estrutural desde o pós-Guerra para definir as regras do jogo em temas securitários, políticos e econômicos. No caso das finanças e do comércio global, o padrão dólar-ouro, a criação do FMI e do Banco Mundial, o sistema GATT-WTO são exemplos de instituições econômicas multilaterais gestadas e moldadas pelos Estados Unidos em interação assimétrica com outros países. Quando estas regras deixaram de atuar no sentido dos seus interesses estratégicos, os Estados Unidos se respaldaram em sua posição assimétrica para reinventar ou repudiar as regras que eles mesmos criaram (BLOCK, 1977BLOCK, F. L. The origins of international economic disorder: A study of United States international monetary policy from World War II to the present. Berkeley: University of California Press, 1977.). São inúmeros os exemplos nesse sentido, mas basta lembrar o abandono do regime de câmbio fixo que ligava o dólar ao ouro (e as demais moedas ao dólar) no começo dos anos 1970 - cuja decisão unilateral foi simplesmente comunicada ao FMI e aos demais países membros do acordo -, ou o desmonte em curso da governança global do comércio. Ainda que, no princípio, este poder esteja de alguma forma relacionado ao tamanho das economias em termos de renda ou comércio, ao longo do tempo ele se retroalimenta, contribuindo para manter a economia líder no topo e para retardar adversários.

No período pós-Bretton Woods, economias grandes e internacionalizadas, como Japão e Alemanha, não foram capazes de conter as pressões da diplomacia financeira estadunidense, exatamente porque não tinham poder militar e político para tanto. Por isso mesmo, curvaram-se à diplomacia do dólar forte e ao posterior realinhamento das taxas de câmbio no começo dos anos 1980. O mesmo ocorreu com os países emergentes em desenvolvimento, quando da crise da dívida externa dos anos 1980 e durante as recorrentes crises financeiras nos anos 1990 e 2000. Tais episódios demostram, com igual clareza, a capacidade de exercício das dimensões relacionais - incidir sobre a ação de outrem - e estruturais - moldar as regras do jogo - do poder monetário estadunidense.

Para além das dificuldades estruturais e militares, os diversos concorrentes do dólar também enfrentaram o problema da inércia institucional (COHEN, 2015COHEN, B. J. Currency power: Understanding monetary rivalry. Princeton: Princeton University Press, 2015., 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019.; EICHENGREEN; MEHL; CHITU, 2017EICHENGREEN, B.; MEHL, A.; CHITU, L. How global currencies work: Past, present and future. Princeton: Princeton University Press , 2017.; HELLEINER; KIRSHNER, 2012HELLEINER, E.; KIRSHNER, J. (Eds.). The future of the dollar. Ithaca: Cornell University Press , 2012.). Resumidamente, a inércia implica que, para desbancar a moeda líder, não é o bastante ser apenas tão boa quanto ela; a moeda concorrente precisa ser melhor o suficiente para romper a preferência para com a moeda líder, que, justamente por ocupar a liderança, possui uma ampla rede de adeptos. Para os agentes públicos e privados, mudar de moeda também significa mudar de sistema, de idioma, de instituições. Mais do que isso, a migração para outra moeda de referência muitas vezes só faz sentido se for feita em conjunto pelos pares, pois ela serve justamente como um elo entre os agentes econômicos, mesmo que seja entre o mesmo agente ao longo do tempo (o que novamente retoma a ideia de moeda como uma construção social).

A percepção da moeda no plano internacional enquanto manifestação e fonte de poder dos Estados, poder esse consubstanciado na existência de uma hierarquia entre as moedas nacionais no SMFI, permite uma análise mais robusta sobre os limites da ascensão da moeda chinesa. Até o momento, ela tem uma participação marginal nas transações internacionais, e por maior que seja o potencial de sua ascensão, ele ainda não se concretizou. A existência de um renminbi digital pode ser um passo no sentido de uma eventual transformação do status quo. Porém, a estrada que se vislumbra para que a moeda chinesa se consolide globalmente é longa e sinuosa.

3. OS LIMITES DA MOEDA DIGITAL CHINESA NO MUNDO PÓS-PANDEMIA

A moeda chinesa provavelmente representa o rival mais perigoso que o dólar já enfrentou, mas estamos apenas no início do que pode vir a ser uma mudança do SMFI centrado no dólar. Justamente porque tantas vezes se alimentaram promessas de um declínio “inevitável” do dólar, é importante uma análise cautelosa sobre a real ameaça chinesa no âmbito das relações monetárias e financeiras internacionais. Ao mesmo tempo, é importante perceber que o potencial único da China se manifesta em um momento de grandes e rápidas transformações tecnológicas e de relativa vulnerabilidade dos Estados Unidos enquanto líder global, o que pode servir para catalisar rearranjos no SMFI.

A China saiu na frente dos demais países na introdução de uma moeda estatal digital. Nos últimos anos, as principais economias emergentes e avançadas aceleraram seus estudos sobre como e quando adotar este novo tipo de instrumento (AUER; CORNELLI; FROST, 2020AUER, R.; CORNELLI, G.; FROST, J. Rise of the Central Bank digital currencies: Drivers, approaches and technologies. BIS Working Papers , n. 880, 2020.; BIS, 2020BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.p...
; BOAR; HOLDEN; WADSWORTH, 2020BOAR, C.; HOLDEN, H.; WADSWORTH, A. Impending arrival - A sequel to the survey on central bank digital currency. BIS Papers, n. 107, 2020.; BOAR; WEHRLI, 2021BOAR, C.; WEHRLI, A. Ready, steady, go? - Results of the third BIS survey on central bank digital currency. BIS Papers , n. 114, 2021.). Nesse sentido, a China não é uma exceção. Todavia, o gigante asiático se viu em um contexto particular que estimulou o avanço nesta direção, pois: (i) a China já é o país que mais utiliza meios eletrônicos e digitais para a realização de pagamentos; (ii) suas empresas de tecnologia na nova economia digital e na área de telecomunicações estão disputando e, em alguns casos, liderando a fronteira tecnológica em áreas como 5G, comércio eletrônico, produção de equipamentos de telecomunicações, dentre outras; e (iii) seu Estado tem enorme capacidade de planejar e adotar diretrizes e padrões de produção e consumo, ou seja, é capaz de projetar e realizar suas políticas industriais e tecnológicas, sendo estas tributárias da estratégia de reposicionamento do país na ordem internacional. Um estímulo adicional para o governo chinês acelerar sua estratégia nesta área tem sido a guerra comercial com os Estados Unidos e o anúncio de que o Facebook planeja a sua moeda digital, a Libra (ARNER; AUER; FROST, 2020ARNER, D.; AUER, R.; FROST, J. Stablecoins: Risks, potential and regulation. BIS Working Papers, n. 905, 2020.; DEUTSCHE BANK RESEARCH, 2020DEUTSCHE BANK RESEARCH. The future of payments: Part III. Digital currencies: The ultimate hard power tool. Frankfurt: Deutsche Bank Research, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.dbresearch.com/PROD/RPS_EN-PROD/PROD0000000000504589/The_Future_of_Payments_-_Part_III__Digital_Currenc.pdf?undefined&realload=F31bZGql2YpDw7gYXZ98o/BHP1svE~k2ZEYqhIHy4q4YcPtJ8Nc5SV9z6izpME01 . Acesso em: 25 ago. 2022.
https://www.dbresearch.com/PROD/RPS_EN-P...
, p. 13).

Conquanto o e-renminbi possa contribuir para o avanço privado nas finanças digitais, ele serve para reafirmar o caráter estatal da moeda. De acordo com o BIS (2020)BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
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, as inovações privadas nos sistemas de pagamentos e nos instrumentos utilizados para viabilizar a transferência de bens, serviços e ativos financeiros, tais como as criptomoedas, são bem-vindas. Porém, ainda de acordo com o BIS, somente os entes estatais, especialmente os bancos centrais, teriam o poder de conferir estabilidade aos padrões monetários. Para a instituição, as moedas digitais desses bancos poderão representar um reforço positivo no mundo das finanças digitais, não só por dar estabilidade ao sistema como por representar um padrão mínimo de qualidade na prestação de serviços de pagamentos diante de atores privados que pretendam atuar neste segmento (BIS, 2020BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
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, p. 67-68; BOAR; HOLDEN; WADSWORTH, 2020BOAR, C.; HOLDEN, H.; WADSWORTH, A. Impending arrival - A sequel to the survey on central bank digital currency. BIS Papers, n. 107, 2020.). Nesse sentido, é possível que o renminbi digital possa contribuir para o avanço privado nas finanças digitais, disseminando as novas tecnologias que dão sustentação às moedas desse meio, inclusive as privadas. Isto pode tornar os usuários mais adaptados às novas formas de pagamentos digitais, suas plataformas de transferência, softwares de utilização e assim por diante. Em tese, isso poderia ajudar a alavancar os criptoativos, que, no entanto, permaneceriam em desvantagem enquanto moeda com relação ao renminbi e eventuais outras moedas estatais em formato digital.

O argumento que explica a inferioridade das moedas digitais privadas com relação ao e-renminbi também serve para discutir a ameaça que a moeda chinesa (física ou digital) representa para o dólar. O crescimento e potencial econômico da China não são garantias de que sua moeda irá desbancar aquela. Apesar de já ser a maior economia do mundo, quando se mede a renda em termos de paridade de poder de compra (Tabela 1, no Anexo APÊNDICE Tabela 1 Indicadores econômicos, securitários e demográficos para EUA, China, Brasil e América Latina, 1980-2019 EUA China Brasil América Latina PIB (% no total mundial) 1980-1985 30,6% 2,6% 1,4% 6,8% Dólares americanos 1995-2000 27,5% 3,1% 2,4% 6,6% 2019 24,8% 16,3% 2,1% 6,0% PIB (% no total mundial) 1980-1985 21,8% 2,8% 4,1% 11,6% Dólares internacionais 1995-2000 19,8% 8,5% 3,1% 9,5% Paridade de Poder de Compra 2019 15,1% 19,3% 2,4% 7,2% Exportações de Bens e Serviços 1980-1985 13,0% 0,9% 1,1% 4,7% (% do total mundial) 1995-2000 13,5% 2,6% 0,9% 4,4% Dólares correntes 2019 10,0% 10,5% 1,1% 4,7% População 1980-1985 5,6% 24,5% 3,0% 7,7% Habitantes 1995-2000 4,7% 20,8% 2,9% 8,0% (% no total mundial) 2019 4,4% 18,5% 2,8% 8,0% Estoque de Capital 1980-1985 29,3% 3,5% 1,9% 6,3% Dólares internacionais PPP 1995-2000 20,9% 5,8% 2,3% 6,9% (% no total mundial) 2017 11,8% 20,5% 3,1% 7,4% Gastos Militares 1980-1985 51,3% 2,0% * 0,7% 3,2% Valores Constantes 1995-2000 43,2% 3,1% 1,5% 3,3% (% no total mundial) 2019 38,4% 14,2% 1,5% 3,4% Nota: (*) 1989-1993. Fonte: Elaboração própria com base em IMF (2020b) (PIB e População), Feenstra, Inklaar e Timmer (2015) (Estoque de Capital), The World Bank ([2020]), SIPRI ([2020]) (Gastos Militares). ), a participação da moeda do país asiático nas transações internacionais não representa nem de longe uma ameaça para o dólar. Da mesma maneira, a posição financeira chinesa também está muito aquém da sua importância relativa em termos de comércio e posse líquida de ativos financeiros no exterior (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.; IMF, 2020aIMF - INTERNATIONAL MONETARY FUND. 2020 External Sector Report: Global imbalances and the COVID-19 crisis. Washington, DC: International Monetary Fund, 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/ESR/Issues/2020/07/28/2020-external-sector-report . Acesso em: 10 set. 2020.
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).

A lacuna entre o que a economia chinesa representa em termos reais e o papel que sua moeda ocupa no SMFI pode ser explicada, ao menos em parte, pelas dificuldades inerentes de esta ocupar o espaço de outras moedas internacionais, mas também pela própria posição do renminbi na hierarquia do SMFI. O apelo do renminbi enquanto moeda internacional requer certa liberalização financeira na China, para que os estrangeiros possam comprar e vender ativos denominados em renminbi. A abertura gradual da conta capital chinesa, no entanto, tem sido acompanhada por um aumento da vulnerabilidade da sua moeda, claramente reduzindo seu apelo enquanto unidade estável para os agentes econômicos públicos e privados.

Ao mesmo tempo, é verdade que, do ponto de vista político e social, vemos que os Estados Unidos estão em um momento frágil, com lideranças que tentam retirar o protagonismo do país no plano internacional em nome de um nacionalismo de viés populista (HAASS, 2018HAASS, R. A world in disarray: American foreign policy and the crisis of the old order. New York: Penguin Press, 2018.; IKENBERRY, 2020IKENBERRY, J. G. The next liberal order: The age of contagion demands more internationalism, not less. Foreign Affairs, v. 99, p. 133, 2020.; MEARSHEIMER, 2019MEARSHEIMER, J. J. The great delusion: Liberal dreams and international realities. London: Yale University Press, 2019.). Isso era a regra política pré-Segunda Guerra Mundial, e pode vir a ser o novo “velho normal”. Assim, o renminbi digital e, mais importante, o seu potencial avanço não seriam necessariamente uma demonstração da força chinesa - que existe, mas ainda se coloca em um patamar inferior -, mas, talvez, um reflexo adicional da vulnerabilidade atual dos EUA.

A despeito deste sucesso, não há garantias de que a ascensão econômica chinesa representará o estabelecimento de uma nova ordem financeira global. Um renminbi digital poderá ampliar o controle governamental sobre famílias e empresas, na medida em que os respectivos gastos para aquisição de bens, serviços e ativos diversos seriam mais facialmente rastreáveis. Poderá, pelas mesmas razões, aumentar a eficiência tributária. Adicionalmente, como destaca estudo recente do Deutsche Bank Research (2020DEUTSCHE BANK RESEARCH. The future of payments: Part III. Digital currencies: The ultimate hard power tool. Frankfurt: Deutsche Bank Research, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.dbresearch.com/PROD/RPS_EN-PROD/PROD0000000000504589/The_Future_of_Payments_-_Part_III__Digital_Currenc.pdf?undefined&realload=F31bZGql2YpDw7gYXZ98o/BHP1svE~k2ZEYqhIHy4q4YcPtJ8Nc5SV9z6izpME01 . Acesso em: 25 ago. 2022.
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, p. 3), o governo chinês poderá forçar as empresas locais e multinacionais a usarem esta nova forma de pagamentos, com efeitos potencialmente benéficos em sua estratégia de internacionalização. Estes e outros efeitos são prováveis, mas nenhum deles conduz de forma direta ou automática a uma nova ordem monetária e financeira. O dólar segue no topo da hierarquia monetária, graças ao poder material e imaterial do Estado que o emite, a inércia institucional e as fragilidades já demonstradas por eventuais concorrentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo analisou o impacto do renminbi digital para o ordenamento do SMFI. Esta análise partiu dos marcos conceituais da teoria keynesiana de que a moeda é uma instituição social legalmente estruturada pelo poder estatal e da literatura de EPI sobre moeda e poder. Nesse sentido, conclui-se que as moedas emitidas por agentes privados não representam uma ameaça de ruptura ao SMFI, estruturado em torno das moedas estatais. Mesmo assim, apesar de não estarem na mesma liga da competição pelo poder monetário, reconhece-se que os agentes privados configuram uma força capaz de alterar as preferências da sociedade e, assim, podem impactar o resultado da disputa entre os Estados.

Com relação à potencial ameaça do renminbi digital em relação ao dólar, conclui-se que ela estaria relacionada antes ao conteúdo da nova moeda - ser a moeda emitida pelo Estado chinês - do que a sua forma - física ou digital. Ainda assim, reconhece-se que o renminbi digital poderá ocupar espaços que o dólar ainda não tem acesso (vantagem do primeiro movimento), o que pode contribuir para alterar seu conteúdo. Além disso, a moeda digital chinesa poderá aumentar a capacidade de atuação do governo, contribuindo para o poder da China, o que também pode eventualmente alterar seu conteúdo.

A atual dominância do dólar no SMFI não é explicada simplesmente pela conveniência de reduzir custos de transações e pelos benefícios de externalidades em rede. O dólar é uma expressão do poder material e imaterial dos Estados Unidos (traduzido, por exemplo, na percepção mundial de que é o ativo mais seguro, especialmente em momentos de crise). O uso internacional do dólar é manifestação, mas também fonte, de poder para os Estados Unidos (“privilégio exorbitante”). Tal “privilégio exorbitante” ajuda a explicar por que as tensões resultantes da falta de correspondência entre tamanho econômico e uso internacional de uma moeda não irão, necessariamente, ser corrigidas através de uma distribuição “mais justa” do poder monetário internacional. O advento do renminbi digital adiciona novos elementos a esta disputa de poder estatal, mas não permite nenhum diagnóstico definitivo de que irá alterar as relações de poder subjacentes no SMFI.

Até aqui, a ascensão chinesa em todas as suas dimensões se deu no âmbito das regras comerciais e financeiras criadas no pós-guerra pelos Estados Unidos. A China não buscou alterar o status quo, mas se adaptou a ele e cresceu apostando em ampla integração comercial e financeira com o resto do mundo. Seu sucesso nesse sentido tem forçado os EUA a reavaliarem a conveniência de apoiar a “ordem liberal aberta” criada à sua imagem e semelhança. Nesse contexto, o nacionalismo populista da gestão Trump é menos surpreendente do que a defesa chinesa, recorrentemente expressa por Xi Jinping, de que o mundo siga aberto para os negócios. Essa aparente contradição possivelmente ganhará colorações mais intensas no “novo normal” pós-Covid-19.

Os poderes econômico, militar e político são os fundamentos da riqueza e de suas formas de expressão por meio dos padrões monetários. Se, por um lado, Estados fortes e grandes tendem a ter moedas que se tornam internacionais, por outro, a tradução entre tamanho econômico e poder monetário não é automática, direta ou imediata. Os Estados Unidos já eram a maior economia do mundo no final do século XIX, mas só chegaram ao topo da pirâmide monetária de Cohen depois da 2ª Grande Guerra Mundial. Neste momento, exerceram com a maior flexibilidade possível o poder estrutural descrito por Susan Strange (1987STRANGE, S. The persistent myth of lost hegemony. International Organization, v. 41, n. 4, p. 551-574, 1987., 1988STRANGE, S. States and markets: An introduction to international political economy. London: Pinter Publishers, 1988.). Por sua vez, Japão e Alemanha se recuperaram e reascenderam como locomotivas econômicas a partir dos anos 1950, sem, contudo, traduzir sua força econômica em poder monetário global. O poder estrutural seguiu firme nas mãos do país que ganhou a 2ª Guerra e, por isso mesmo, semeou suas bases militares ao redor do mundo e ampliou sua capacidade de projetar poder militar globalmente.

Ainda que a China seja reconhecida pelo establishment estadunidense como uma rival estratégica (UNITED STATES, 2020UNITED STATES. White House. United States strategic approach to the People’s Republic of China. Washington, DC: White House, [2020]. Disponível em: Disponível em: https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2020/05/U.S.-Strategic-Approach-to-The-Peoples-Republic-of-China-Report-5.24v1.pdf . Acesso em: 12 ago. 2022.
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), as evidências existentes não autorizam qualquer diagnóstico definitivo de que a sua moeda digital representará uma ruptura iminente no SMFI. A posição internacional do dólar segue muito sólida, menos pelos méritos da economia estadunidense, e mais pela falta de alternativas seguras e estáveis (COHEN, 2019COHEN, B. J. Currency statecraft: Monetary rivalry and geopolitical ambition. Chicago: University of Chicago Press, 2019., p. 104-106). A bem-sucedida ascensão econômica da China, pelo menos até aqui, ainda não outorga ao Estado chinês as condições objetivas para que a sua moeda e as suas instituições monetárias e financeiras se imponham como dominantes no plano global. Se tal possibilidade não pode ser descartada a priori, também não se deve superestimar o advento do renminbi digital.

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  • 1
    É crescente o número de autoridades monetárias que estudam a possibilidade de emitir uma moeda digital - e que até agora foi posta em prática somente pelo Banco Popular da China (BOAR; WEHRLI, 2021BOAR, C.; WEHRLI, A. Ready, steady, go? - Results of the third BIS survey on central bank digital currency. BIS Papers , n. 114, 2021.). De acordo com BIS (2020)BIS - BANK FOR INTERNATIONAL SETTLEMENTS. Annual economic report 2020. Basel: Bank for International Settlements, 2020. Disponível em: Disponível em: https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.pdf . Acesso em: 25 ago. 2022.
    https://www.bis.org/publ/arpdf/ar2020e.p...
    , as iniciativas neste sentido avançaram significativamente depois do anúncio do Facebook da criação da Libra e do surgimento da pandemia do Covid-19. Ver também Auer, Cornelli e Frost (2020)AUER, R.; CORNELLI, G.; FROST, J. Rise of the Central Bank digital currencies: Drivers, approaches and technologies. BIS Working Papers , n. 880, 2020..
  • 2
    Ao longo do texto trataremos renminbi (a “moeda chinesa”) e iuane (sua unidade de conta) como sinônimos, algo usual nos mercados financeiros globais. É importante lembrar que foi durante a dinastia Yuan (1271-1368), fundada pelo líder mongol Kublai Khan, que o papel moeda foi introduzido no mundo das finanças.
  • 3
    Última posição consultada em março de 2020. Para dados atualizados diariamente, ver: https://coinmarketcap.com.
  • 4
    No original: “[…] is only important for what it will procure”.
  • 5
    No original: “money is what money does”.
  • 6
    No original: “Money itself, that by delivery of which debt-contracts and price-contracts are discharged, and in the shape of which a store of General Purchasing Power is held, derives its character from its relationship to the Money-of-Account, since the debts and prices must first have been expressed in terms of the latter.”
  • 7
    No original: “Money is the grammar of exchange. It arises naturally out of the process of exchange when the latter is extended in its reach and regularized in its occurrence. Like grammar, money is codified and controlled by the state at some point in its development. But neither grammar nor money requires the state for its invention.”
  • 8
    No original: “Money can be defined as a relation of belonging: a relation that links each member of a social group to the whole. At this level of abstraction, money resembles a language. It produces meaning for others. This meaning is value: an abstract space of measurement in which the diverse activities that take place within a human group can be exchanged … money is the means by which society gives back to each of its members what it judges each of them to have given to it. This definition makes clear that money is an institution external to economic actors, who have various strategies for accessing it. Money provides the power to be a member of the market society, at the level of the amounts of money that can be mobilised according to the prevalent logic within that society.”
  • 9
    Este caráter descentralizado é apontado como uma vantagem pelos defensores das criptomoedas privadas, pois retira poder do Estado e de intermediários financeiros e o devolve, teoricamente, às pessoas comuns. Todavia, tal característica também gera falta de transparência, o que amplia o caráter especulativo destes instrumentos. Estimativas do Parlamento Europeu sugerem que quase metade das transações com Bitcoin tem uma possibilidade de ilicitude, como a lavagem de dinheiro (HOUBEN; SNYERS, 2020HOUBEN, R.; SNYERS, A. Crypto-assets: Key developments, regulatory concerns and responses. Brussels: European Parliament (Policy Department for Economic, Scientific and Quality of Life Policies), 2020.).
  • 10
    No original: “We are living in a peculiar transition period in human history, in which many of the world’s most successful people see themselves as part of a broader cosmopolitan culture. Our nation-states sometimes seem increasingly irrelevant to our ambitions. Bitcoin has no nationality, giving it a democratic and international appeal. Inherent in its pan-national narrative is the idea that no government can control it or stop it. In contrast, old-fashioned paper money, typically with historical engravings of famous men in a country’s history, suggests an obsolete nationalism, something for losers. Paper currency resembles little national flags in a way; it is a symbol of one’s nationality. Having a Bitcoin wallet makes the owner a citizen of the world and in some sense psychologically independent of traditional affiliations.”
  • 11
    Esta ideia aparece na literatura sob o conceito de seigniorage internacional. Domesticamente, seigniorage é o excesso do valor nominal de uma moeda com relação à produção. Internacionalmente, ela ocorre quando estrangeiros retêm moeda nacional de outro país, ou dívidas denominadas nesta moeda nacional, em troca de bens e serviços. Dito de outra forma, para o Brasil ter US$ 100, as empresas brasileiras precisam produzir bens e serviços no valor de US$ 100; para os Estados Unidos ter US$ 100, basta o FED imprimir moeda.
  • 12
    Estimativas do JP Morgan apontam que no final de 2020 havia um estoque de instrumentos de dívida no mercado global da ordem de US$ 123 trilhões, dos quais US$ 46 trilhões (1/3 daquele total) emitidos diretamente por empresas e governos dos Estados Unidos (J.P. MORGAN ASSET MANAGEMENT, 2020J.P. MORGAN ASSET MANAGEMENT. Guide to the markets. New York: J.P. Morgan Asset Management, 2020. Disponível em: Disponível em: https://weaverwealthnc.com/wp-content/uploads/2020/05/JPM-GTM-1Q21.pdf . Acesso em: 12 ago. 2022.
    https://weaverwealthnc.com/wp-content/up...
    , p. 50). O montante final de instrumentos denominados em dólares tende a ser maior, oscilando entre 40% e 50% daquele estoque (CGFS, 2020CGFS - COMMITTEE ON THE GLOBAL FINANCIAL SYSTEM. US dollar funding: An international perspective. CGFS Papers, n. 65, 2020.).
  • 13
    Por isso mesmo, os Estados Unidos conseguem manter um quadro de déficits estruturais na conta corrente do seu balanço de pagamentos pelo menos desde o final dos anos 1960. Por decorrência, sua posição internacional de investimentos - a diferença entre os ativos de residentes e os passivos (ativos de não residentes contra os residentes) - tornou-se deficitária nos anos 1980, e em 2019 atingiu a cifra de US$ 11 trilhões (ou 51% do PIB do país) (IMF, 2020aIMF - INTERNATIONAL MONETARY FUND. 2020 External Sector Report: Global imbalances and the COVID-19 crisis. Washington, DC: International Monetary Fund, 2020a. Disponível em: Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/ESR/Issues/2020/07/28/2020-external-sector-report . Acesso em: 10 set. 2020.
    https://www.imf.org/en/Publications/ESR/...
    , p. 93).
  • CLASSIFICAÇÃO JEL:

    F5; E42; G28.

APÊNDICE

Tabela 1
Indicadores econômicos, securitários e demográficos para EUA, China, Brasil e América Latina, 1980-2019

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2021
  • Aceito
    11 Jul 2022
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