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DESENVOLVIMENTO CONVIDADO OU PROJETADO? DEPENDÊNCIA, ESTADO E CAPITAL NACIONAL NO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NA COREIA DO SUL

INVITATIONAL OR PROJECTED DEVELOPMENT? DEPENDENCY, STATE AND NATIONAL CAPITAL IN CAPITALIST DEVELOPMENT IN SOUTH KOREA

RESUMO

A Coreia do Sul sempre é apontada como exemplo de país que superou a armadilha da renda média, com upgrading da estrutura produtiva dominada por conglomeradores nacionais (chaebols) e inserção internacional altamente competitiva. Como isso ocorreu é objeto de debate acadêmico caloroso. Neste artigo, identificamos três linhas de interpretações: i) neoclássica/neoliberal, a qual defende que a economia sul-coreana foi regida pelo livre-mercado, principalmente a partir dos anos 1980; ii) heterodoxa endogenista, a qual aponta o protagonismo do Estado; iii) dependentista radical, que enfatiza a característica positiva e determinante do contexto externo. Alternativamente, realçamos uma forma de associação dependente com a potência hegemônica (os Estados Unidos) que propiciou o controle oligopolista de empresas de capital nacional dos ramos líderes da indústria de transformação. Tal associação não pode ser entendida sem referência a conflitos sociais na península coreana e, em particular, à política do governo Park Chung-hee (1961-1979) em relação à estrutura de propriedade do capital e ao projeto de alcance da autonomia tecnológica. Mesmo depois das reformas liberalizantes forçadas em parte pela potência hegemônica nas décadas de 1980 e 1990, o controle oligopolista de empresas nacionais dos ramos líderes da indústria de transformação permaneceu fator estratégico para a manutenção da autonomia tecnológica e para a aliança entre os chaebols e o Estado na disputa global por mercados.

PALAVRAS-CHAVE:
Dependência externa; estrutura de propriedade do capital; autonomia tecnológica; investimento estrangeiro direto; chaebols

ABSTRACT

South Korea is always pointed out as an example of a country that overcame the middle-income trap, with the upgrading of the productive structure dominated by national conglomerates (chaebols) and a highly competitive international insertion. How this occurred is the subject of heated academic debate. In this article, we identify three lines of interpretation: i) neoclassical/neoliberal, which argues that the South Korean economy was governed by the free-market, mainly since the 1980s; ii) endogenist heterodox, which points to the protagonism of the State; iii) radical dependentist, which emphasizes the positive and determining characteristic of the external context. Alternatively, we emphasize a form of dependent association with the hegemonic power (the United States of America) that propitiated the oligopolistic control of national capital companies in the leading branches of the manufacturing industry. Such association cannot be understood without reference to social conflicts in the Korean peninsula and, in particular, to the policy of the Park Chung-hee government (1961-1979) regarding the capital ownership structure and the project of achieving technological autonomy. Even after the liberalizing reforms forced in part by the hegemonic power in the 1980s and 1990s, the oligopolistic control of national companies in the leading branches of manufacturing industry remained a strategic factor for the maintenance of technological autonomy and for the alliance between the chaebols and the State in the global dispute for markets.

KEYWORDS:
Foreign dependence; capital ownership structure; technological autonomy; foreign direct investment; chaebols

INTRODUÇÃO

A expansão econômica da Coreia do Sul a partir dos anos 1960, associada a um upgrading industrial e uma forte inserção exportadora, colocou a Coreia do Sul como referência de desenvolvimento econômico por ser um dos poucos países a ultrapassar a dita armadilha da renda média1 1 De acordo com Gill e Kharas (2007), esse conceito expressa uma situação de países em fase de estagnação ou baixo crescimento econômico, que já superaram as armadilhas da pobreza e a malthusiana, mas não conseguiram ultrapassar a armadilha da renda média, pois perderam as vantagens da mão de obra barata perante países mais pobres sem conseguir competir em capacitações tecnológicas com países de renda elevada. . A causa é objeto de amplo debate, destacando-se três linhas de interpretação: a neoclássica; a endogenista; e a dependentista:

  1. a interpretação neoclássica defende a hipótese de uma economia orientada pelos princípios do mercado seguindo um modelo export-led, sendo que o Estado teria uma presença ínfima apenas no sentido de criar arcabouço institucional para o bom funcionamento do mercado (BALASSA, 1982BALASSA, B. Development strategies and economic performance: a comparative analysis of eleven semi-industrial economies. In: BALASSA, Bela (Org.). Development Strategies in Semi-Industrial Economies. London: World Bank; The Johns Hopkins University Press, 1982.; BANCO MUNDIAL, 1987WORLD BANK. Korea: Managing the industrial transaction. Washington, DC: World Bank, 1987. v. 1-2. Disponível em: Disponível em: http://documents.worldbank.org/curated/en/ . Acesso em: 9 out. 2011.
    http://documents.worldbank.org/curated/e...
    , 1993WORLD BANK. The East Asian Miracle: economic growth and public policy. New York: Oxford University Press, 1993. v. 1-2. (World Bank Policy Research Report). Disponível em: Disponível em: http://www.wds.worldbank.org/external/default/WDSContentServer/IW3P/IB/1993/09/01/000009265_3970716142516/Rendered/PDF/multi_page.pdf Acesso em: 9 out. 2011.
    http://www.wds.worldbank.org/external/de...
    ; WESTPHAL; KIM, 1982WESTPHAL, L. E.; KIM, L. Korea: incentive policies and economic development. In: BALASSA, B. (Org.). Development Strategies in Semi-Industrial Economies. London: World Bank; The Johns Hopkins University Press, 1982.);

  2. a interpretação heterodoxa endogenista enfatiza condições locais e, especialmente, o Estado desenvolvimentista, criticando a falta de atenção à história pelos neoclássicos. Embora considere as condições externas favoráveis ao processo de desenvolvimento da Coreia do Sul, seria uma atuação específica do Estado que conduziu a acumulação de capital e o aumento das exportações industriais (AMSDEN, 1989AMSDEN. A. Asia’s Next Giant: South Korea and late industrialization. New York: Oxford University Press, 1989., 2001AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001.; CHANG, 1993CHANG, H.-J. The political economy of industrial policy in Korea. Cambridge Journal of Economics, v. 17, n. 2, p. 131-157, 1993., 1994CHANG, H.-J. The political economy of industrial policy. London: Macmillan, 1994.);

  3. dependentistas radicais e analistas do sistema-mundo criticam o modelo neoclássico, mas tendem a subestimar o papel do Estado ou de qualquer outro fator interno distintivo como responsável pelo desenvolvimento coreano. Para eles, é o cenário externo que determina o resultado: o sistema capitalista mundial sempre se mostrara favorável ao país desde a década de 1950, criando as condições para que a Coreia do Sul traçasse um caminho de “desenvolvimento a convite” dos Estados Unidos e das corporações estadunidenses e japonesas. As condições externas citadas são a oferta de financiamento externo que bancava gastos em moeda local e importações essenciais de insumos e bens de capital, o acesso por meio de acordo preferencial ao mercado dos Estados Unidos (EUA) e a disponibilidade de licenças tecnológicas e ajuda técnica de corporações estadunidenses e, especialmente, japonesas (ARRIGHI, 1996ARRIGHI, G. O longo século XX: Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996.; CHO, 2001CHO, Y. J. The international environment and Korea’s economic development during 1950s-1970s. Research Series on International Affairs, v. 2, 2001. Disponível em: Disponível em: www.sokang.ac.kr . Acesso em: 10 ago. 2012.
    www.sokang.ac.kr...
    ).

Compartilhamos com a segunda e a terceira posição a necessidade de transcender o formalismo neoclássico e deixar de abstrair a particularidade histórica sul-coreana. O problema é que endogenistas e dependentistas continuam realizando abstrações forçadas e unilaterais: o primeiro abstrai as condições internacionais - ou as tratam de forma muito marginal -; o segundo, as locais. A propósito, denominamos a terceira corrente de dependentista radical - ao contrário da versão histórico-estrutural da dependência discutida adiante - mesmo que ela inverta a previsão feita pelos autodenominados proponentes da Teoria Marxista da Dependência (TMD) no sentido de que só restaria o dilema socialismo ou barbárie aos países dependentes. Para o patrono da corrente (FRANK, 1969FRANK, A. G. Capitalism and underdevelopment in Latin America. New York: Monthly Review Press, 1969 [1967]. [1967]), o subdesenvolvimento é da natureza da expansão mundial do capitalismo, logo o desenvolvimento nos satélites só seria possível através da superação do capitalismo com base na ação de grupos populares revolucionários avessos a qualquer conciliação com o imperialismo e as burguesias nacionais. O desenvolvimento capitalista coreano refuta a previsão original da TMD, assim como o caso de Formosa (Taiwan) (AMSDEN, 1979AMSDEN, A. H. Taiwan’s economic history: A case of etatisme and a challenge to dependency theory. Modern China, v. 5, n. 3, p. 341-379, 1979.). No entanto, para tentar reintegrar a anomalia do desenvolvimento coreano à TMD, os defensores da TMD tendem a realçar a excepcionalidade das condições externas favoráveis (não reprodutíveis para outros países) e torná-las não apenas necessárias, como praticamente suficientes para explicar o desenvolvimento coreano. A interpretação endogenista, por sua vez, realça a excepcionalidade da ação econômica do Estado coreano e a considera condição necessária e suficiente, talvez para sustentar um argumento reformista otimista: desde que as políticas adequadas sejam executadas, sob certas condições, o caminho do desenvolvimento capitalista autônomo é reprodutível em outros países.

O problema metodológico da segunda e da terceira posição não é o formalismo e irrealismo neoclássicos, e sim o caráter contrafactual de suas proposições, que as torna pouco convincentes. Afinal, não é possível testar a situação em que só os determinantes internos ou só os determinantes externos operassem, ou outra em que os determinantes abstraídos funcionassem ao contrário do que realmente funcionaram. Só assim seria justificável realizar a abstração forçada e unilateral que cada interpretação propõe. Como isso é impossível, é necessário aprofundar o reconhecimento da historicidade que, paradoxalmente, é usada por cada corrente para criticar os neoclássicos (e não a si mesmas), e realizar uma análise histórica da combinação particular entre determinantes externos e internos na história sul-coreana.

Não pretendemos realizar essa tarefa neste artigo, mas contribuir para ela realçando um aspecto específico que diferencia a história sul-coreana: uma forma de associação com a potência hegemônica (os EUA) e com o capital estrangeiro que propicia o desenvolvimento e mesmo o controle oligopolista de empresas de capital nacional nos ramos líderes da indústria de transformação. Isso não foi determinado apenas pelas condições externas, mas por uma política deliberadamente buscada pelo governo Park Chung-hee (1961-1979). Ao contrário da ditadura de Rhee Syngman (1948-1960), passou-se gradualmente a limitar a entrada de filiais estrangeiras na indústria de transformação e explorar uma forma de associação internacional na qual corporações estadunidenses e japonesas eram estimuladas por acordos intergovernamentais a transferir tecnologias na forma de licenciamento para empresas sul-coreanas e não mediante o investimento direto externo (IDE) (AMSDEN, 1989AMSDEN. A. Asia’s Next Giant: South Korea and late industrialization. New York: Oxford University Press, 1989., p. 74-76).

Além do mais, de acordo com Amsden (2001AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001.), um dos principais aspectos do desenvolvimento econômico da Coreia do Sul foi priorizar investimentos pesados na construção e consolidação das habilidades nacionais próprias, sustentando a propriedade nacional de empresas nas indústrias de média tecnologia e maior inserção nos setores de alta tecnologia com base em líderes nacionais. Ou seja, o upgrading na estrutura produtiva da Coreia do Sul tem como fundamento o fortalecimento de “national capabilities” ou “indigenous companies”. Isso, segundo a autora, foi primordial para que a Coreia do Sul não aumentasse sua dependência do know-how estrangeiro para o crescimento do futuro, situação diferente do que aconteceu em países como Argentina, México e Brasil, cujo investimento estrangeiro foi predominante, mas esse mesmo investimento não promoveu o desenvolvimento da ciência e da tecnologia local2 2 De outra maneira, tal argumento já havia sido feito por Fernando Fajnzylber (1983, cap. 2-3). .

É digno de nota que Amsden (1979AMSDEN, A. H. Taiwan’s economic history: A case of etatisme and a challenge to dependency theory. Modern China, v. 5, n. 3, p. 341-379, 1979.) apresentou pela primeira vez suas pesquisas sobre o desenvolvimento econômico regional como evidências refutadoras da teoria da dependência, entendida por ela, segundo sua versão mais radical, que prescrevia a inviabilidade do desenvolvimento econômico em uma situação estrutural de dependência. Contraposto a tal tipo de determinação estrutural rígida e inescapável, Amsden privilegiou características das relações entre Estado e empresas que explicavam o sucesso de Taiwan em se desenvolver: o fato de que o Estado conseguiu manter os “preços errados” por um longo período a ponto de orientar a acumulação de capital das empresas nacionais na indústria de transformação e, ao mesmo tempo, subsidiá-las e reduzir seu risco tecnológico. Dez anos depois, Amsden (1989)AMSDEN. A. Asia’s Next Giant: South Korea and late industrialization. New York: Oxford University Press, 1989. estenderia o mesmo argumento em seu livro sobre a experiência da Coreia do Sul3 3 Alguns anos depois, a resenha de Amsden (1995, p. 671) para o livro de Martin Hart-Landsberg (1993) o censurava por não perceber que “o mundo mudara desde os grandes dias da teoria da dependência”. .

Finalmente, em Amsden (2001AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001.), dois argumentos são centrais para explicar o desenvolvimento econômico no leste asiático: i) um mecanismo de controle foi criado pelos Estados para disciplinar o comportamento das empresas - o banco estatal de investimentos, do qual as empresas nacionais dependiam para o financiamento de investimentos industriais com grande alavancagem; ii) a distribuição de renda menos concentrada criara um clima de “harmonia nacional”, que por sua vez gerava a oportunidade de ampliar a concentração da renda com ajuda de subsídios públicos a empresas privadas selecionadas. Enquanto tal padrão de distribuição de renda na Ásia possibilitara a concentração dos benefícios públicos para empresas nacionais selecionadas para dominar oligopólios, na América Latina, por sua vez, a concentração de renda elevada teria inibido os Estados a promoverem tamanha concentração de benefícios para empresas nacionais, levando-os a recorrer mais às filiais estrangeiras. Ao contrário, o receio de aprofundar a concentração de renda teria levado os Estados a preferir um modelo “difusionista” de benefícios para várias empresas ao mesmo tempo, limitando o crescimento de empresas específicas.

O problema é que, em Amsden (2001AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001.), são eliminadas mesmo as referências - já relativamente superficiais - feitas à Guerra Fria em Amsden (1989)AMSDEN. A. Asia’s Next Giant: South Korea and late industrialization. New York: Oxford University Press, 1989., superestimando o argumento pouco convincente associado à oportunidade que a “harmonia nacional” gerada pela distribuição menos desigual de renda abriu para ampliar a concentração da renda por meio de subsídios públicos a empresas privadas selecionadas na Ásia em comparação com a América Latina. Se tomarmos os dois principais casos nacionais comparados, Brasil e Coreia do Sul na década de 1960, o recurso explicativo à maior ou menor “harmonia nacional” parece insustentável. A ditadura Park Chung-hee (1961-1979) promoveu forte repressão aos sindicatos operários com discurso virulentamente anticomunista e empobreceu pequenos produtores de arroz, acelerando o êxodo rural, sobretudo de mulheres empregadas nas indústrias intensivas em trabalho (HART-LANDSBERG, 1993HART-LANDSBERG, M. The rush to development: economic change and political struggle in South Korea. New York: Monthly Review Press, 1993., cap. 8). A ditadura brasileira pós-1964, por sua vez, a despeito de partir de uma distribuição de renda relativamente bem mais concentrada, ampliou deliberadamente a concentração funcional da renda e tentou, em seus diversos governos, apoiar diferentes grupos empresariais eficazes em disputar recursos públicos sem excluir os outros (BARONE; BASTOS; MATTOS, 2017BARONE, R. S.; BASTOS, P. P. Z.; MATTOS, F. A. M. D. Capital humano ou capitalismo selvagem? Um Balanço da controvérsia sobre distribuição de renda durante o “milagre” brasileiro. Revista de Economia Contemporânea, v. 21, n. 3, jul./set. 2017. p. 1-25.; MORAES; BASTOS, 2022MORAES, R.; BASTOS, P. P. Z. O Estado em disputa: os objetivos do II PND e os interesses dos industriais. Nova Economia, v. 32, p. 181-204, 2022.).

Em uma espécie de contraponto à teoria da dependência que procurou refutar, é marcante, em Amsden (2001AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001.), o silêncio a respeito da interação entre política nacional e internacional no contexto da Guerra Fria em que o desenvolvimento capitalista periférico ocorreu. Se Estados Unidos e Japão aparecem na narrativa, são representados como modelos que os países periféricos de cada região - respectivamente América Latina e Leste da Ásia - aspirariam imitar e não como poderes diretamente envolvidos nos conflitos em torno à estrutura de propriedade do capital e como poderes capazes de viabilizar ou não o rápido crescimento das exportações industriais alcançado na Ásia e bloqueado na América Latina. O externo parece superposto ao interno na narrativa de Amsden (2001)AMSDEN, A. The Rise of “The Rest”: Challenges to the West from late-industrializing economies. New York: Oxford University Press, 2001., e não integrado a ele, mas tal operação abstrai as condições de possibilidade da criação e do sucesso do mecanismo de controle dos Estados sobre a diversificação industrial privada4 4 Na bibliografia brasileira, Carlos Aguiar de Medeiros (1997) se destaca na crítica correta ao nacionalismo metodológico da concepção institucionalista de Amsden e outros autores representativos, recorrendo a autores como C. Gore e Y. Akyus para realçar a importância da região como categoria analítica para além das economias e Estados nacionais e aquém do sistema-mundo. Neste texto, contudo, recorre ao conceito de “desenvolvimento a convite” — inicialmente cunhado por Immanuel Wallerstein (1979, p. 76 ss.) em contraposição aos conceitos de “estratégia de pegar a oportunidade” e “estratégia de autarquia” para designar casos nacionais caracterizados pela atração de investimento direto externo com pequeno encadeamento produtivo local, como Costa do Marfim e Quênia —, a partir de citação de outro expoente da concepção do sistema-mundo, Giovanni Arrighi (1996), que estende o conceito para caracterizar até mesmo o Japão. Arrighi (1996, p. 355) usa o conceito de “desenvolvimento a convite” em passagem citada por Medeiros (1997, p. 319), na qual afirma, por exemplo, que “o crescimento explosivo das exportações japonesas para o rico mercado norte-americano, bem como seu superavit comercial… não se deveu, de maneira alguma, a uma agressiva postura neomercantilista japonesa” e sim aos objetivos estadunidenses de baratear suprimentos. A unilateralidade da explicação de Arrighi está em não procurar discutir porque o Japão podia ofertar tais suprimentos, nas palavras do próprio Arrighi, “por um custo muito mais baixo do que era possível obtê-los nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar.” Tamanha desconsideração da importância do Estado nacional e sua política industrial, assim como do padrão japonês de centralização financeira, propriedade do capital e trajetória tecnológica peca por unilateralidade, e perde nuances do uso original do conceito de “desenvolvimento a convite” para designar um padrão mais pobre e dependente de inserção semiperiférica. Tal desconsideração inerente a este uso do conceito de “desenvolvimento a convite” não é crítica aplicável à complexidade da contribuição do professor Medeiros para o entendimento do desenvolvimento comparado — e nem a uma terceira acepção do mesmo conceito em Medeiros e Serrano (1999) — contribuição essa que entendemos que pode ser melhor enraizada conceitualmente na própria tradição latino-americana, particularmente na versão histórico-estrutural da teoria da dependência tal como abordada adiante. .

Como apontado por Peter Evans (1987EVANS, P. Class, state, and dependence in East Asia: lessons for Latin Americanists. In: DEYO, F. C. (Ed.). The political economy of the new Asian industrialism. Ithaca: Cornell University Press, 1987, p. 203-226.), a Guerra Fria se caracterizou por grande interpenetração entre política internacional e nacional, o que criou estruturas e condições de possibilidade novas para a acumulação de capital no leste da Ásia se comparadas à América Latina. A propósito, não foi nem o Guomindang em Formosa, nem a ditadura Park Chung-hee na Coreia do Sul, e sim o Estado Novo liderado por Getúlio Vargas que inaugurou o uso de trunfos geopolíticos para exigir dos EUA a transferência de tecnologia e recursos financeiros de governo a governo para desenvolver uma indústria pesada sob controle nacional, iniciando com a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) (BASTOS, 2005BASTOS, P. P. Z. Raízes do desenvolvimento: sonhos prussianos e cooperação panamericana no Estado Novo. Novos Estudos Cebrap, v. 71, p. 127, 2005.). Já no final da II Guerra Mundial, contudo, as condições externas nunca mais seriam propícias para repetir essa forma de associação, exatamente quando Vargas procurava generalizar o modelo da CSN para outros ramos industriais (BASTOS, 2004BASTOS, P. P. Z. O presidente desiludido: A campanha liberal e o pêndulo de política econômica no governo Dutra (1942-1948). História Econômica e História das Empresas, v. 7, n. 1, p. 99-135, 2004., 2010BASTOS, P. P. Z. Liberal esclarecido ou aliado fiel? Sobre a natureza da política econômica externa brasileira no governo Dutra (1946-1951). Economia, v. 11, n. 4, p. 285-320, 2010.; CORSI, 2000CORSI, F. L. Estado Novo: política externa e projeto nacional. São Paulo: Editora Unesp , 2000.). No segundo governo, por exemplo, até mesmo os recursos limitados prometidos para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE) via Comissão Mista Brasil-Estados Unidos foram cortados quando o governo brasileiro perdeu o trunfo político associado ao monopólio de minerais estratégicos de que os EUA dependiam (BASTOS, 2006BASTOS, P. P. Z. A construção do nacional-desenvolvimentismo de Getúlio Vargas e a dinâmica de interação entre Estado e mercado nos setores de base. Economia, v. 7, p. 239-275, 2006., 2012BASTOS, P. P. Z. Ascensão e crise do projeto nacional-desenvolvimentista de Getúlio Vargas. In: BASTOS, P. P. Z.; FONSECA, P. (Orgs.). A Era Vargas: Desenvolvimentismo, economia e sociedade. São Paulo: Editora Unesp, 2012.). Assim, a industrialização pesada ocorreu no Brasil na década de 1950 tendo as filiais europeias (e algumas japonesas, em especial na construção naval) como empresas industriais líderes nos ramos de bens de capital e bens de consumo durável, exigindo a resposta rápida de filiais estadunidenses para dividir os ramos líderes da indústria de transformação, bloqueando uma trajetória de expansão industrial para a empresa privada brasileira que seria seguida no Leste asiático (FAJNZYLBER, 1983FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de America Latina. Ciudad de México: Centro de Economia Transnacional (CET); Nueva Imagen, 1983.).

Enquanto os EUA bloqueavam a solução “asiática” no Brasil (cujo governo não tinha poder de barganha para forçar o contrário nem mesmo perante a classe dominante local), a solução “varguista” seria implementada em parte do Leste da Ásia. Tanto para EUA quanto para Japão, apoiar o desenvolvimento capitalista sul-coreano e taiwanês era fundamental para assegurar o alcance de seu principal objetivo de política externa na Ásia, ou seja, conter o avanço do comunismo, que desde cedo contou com a rebelião camponesa como elemento central. A importância da geopolítica, contudo, não pode ser entendida como contraposta à importância de “fatores internos” como é comum em certas análises influenciadas pela teoria da dependência. Afinal, foi a rebelião camponesa vitoriosa na China e, quase no mesmo momento, no norte da Coreia - e não apenas a proximidade geográfica com a União Soviética - que contribuiu para tornar o Leste da Ásia uma região geopoliticamente importante. Ou seja, a importância geopolítica regional não é uma variável “exógena”, sendo em larga medida o resultado de conflitos sociais e políticos internos aos diversos países da região, que tinham vasos comunicantes políticos e ideológicos que atravessavam fronteiras e que explodiam especialmente na forma de rebeliões camponesas.

Isto é muito claro no processo de reforma agrária na Coreia do Sul (KIM, 2016KIM, I. Land reform in South Korea under the U.S. Military Occupation, 1945-1948. Journal of Cold War Studies, v. 18, n. 2, p. 97-129, Spring 2016.). Ela é a origem da desconcentração relativa da propriedade e da renda característica do país no período de industrialização, mas não resultou da “harmonia nacional” e sim de conflito social agudo. A reforma agrária na Coreia do Sul costuma ser vista como um acontecimento estritamente associado à intervenção dos EUA no país, mas não se indica o quanto tal intervenção respondeu a conflitos internos à península. Kim (2016KIM, I. Land reform in South Korea under the U.S. Military Occupation, 1945-1948. Journal of Cold War Studies, v. 18, n. 2, p. 97-129, Spring 2016.) mostra que, em 1946, a Coreia do Norte anunciou seu plano de reforma agrária. O eixo do programa era a distribuição gratuita aos camponeses de terras confiscadas de proprietários que não foram compensados por suas perdas. Com isso, os Estados Unidos, para evitar a ampliação de ideais comunistas no seio do campesinato da Coreia do Sul, iniciou seu próprio plano de distribuir terras agrícolas anteriormente pertencentes a indivíduos, empresas e governo japoneses. Contudo, a reforma agrária implementada pelos EUA foi bastante parcial, na medida em que distribuiu apenas 18,7% de todas as terras agrícolas. Isso aconteceu porque as autoridades americanas entendiam que a reforma agrária era necessária para combater o apelo do comunismo, mas conflitos internos na Coreia do Sul impediam que o governo de ocupação avançasse mais nessa pauta. Esses conflitos internos eram marcados pelas propostas de reforma agrária dos três principais movimentos políticos da época:

  1. Partido Comunista Coreano (Korean Communist Party - KCP) propôs distribuir terras agrícolas gratuitamente após confiscar não apenas a propriedade de colaboradores japoneses e coreanos, mas também as terras dos proprietários coreanos não colaboradores;

  2. República Popular da Coreia (Korean People’s Republic) defendia confisco terras de propriedade de japoneses e de colaboradores coreanos com o colonialismo japonês, seguido de distribuição gratuita aos agricultores;

  3. e o Partido Democrático Coreano (Korean Democratic Party) ícone das forças conservadoras, concordou em espírito com a necessidade de reforma agrária, mas exigia consistentemente a compra de terras agrícolas pelos camponeses a preços de mercado, após aquisição pelo governo com compensação adequada aos proprietários.

De acordo com Kim (2016KIM, I. Land reform in South Korea under the U.S. Military Occupation, 1945-1948. Journal of Cold War Studies, v. 18, n. 2, p. 97-129, Spring 2016.), dados os laços dos EUA com os conservadores na Coreia do Sul, o governo de ocupação patrocinou apenas o início da reforma agrária, sendo apenas distribuídos 18,7% do total de terras, com quase 63% das famílias rurais ainda sem terras, vivendo de locação. Após a ocupação, é o próprio governo coreano que, sob forte pressão campesina, dará continuidade ao processo ao longo da década de 1950. Ao final do processo, a proporção de arrendatários caiu de 81% para 5,7% do total de lavradores e, do total de terras cultivadas, a proporção das áreas arrendadas caiu de 60% para 15%, promovendo o declínio da poderosa classe latifundiária integrada ao grande capital comercial.

Os fatos da imbricação entre conflitos internos e internacionais e, dado o apoio da potência hegemônica, o desenvolvimento econômico acelerado de Coreia do Sul e Formosa podem até refutar a versão mais determinista da teoria da dependência, como quis Amsden (1979AMSDEN, A. H. Taiwan’s economic history: A case of etatisme and a challenge to dependency theory. Modern China, v. 5, n. 3, p. 341-379, 1979.). No entanto, a autora desconsiderou outra versão denominada por Peter Evans (1987EVANS, P. Class, state, and dependence in East Asia: lessons for Latin Americanists. In: DEYO, F. C. (Ed.). The political economy of the new Asian industrialism. Ithaca: Cornell University Press, 1987, p. 203-226.) como histórico-estrutural5 5 Sobre o método histórico-estrutural, ver Bastos (2020). . Essa versão foi desenvolvida a partir do livro de Cardoso e Faletto (2004CARDOSO, F. H.; FALETTO, E. Dependência e desenvolvimento na América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004 [1970]. [1970]) na forma de uma sociologia comparada do desenvolvimento, para a qual a relação entre desenvolvimento e dependência seria menos determinista e mais elástica, admitindo diferentes formas de inserção e desempenho das sociedades dependentes na economia mundial. O conceito de dependência focaria as relações de poder que permitem que determinados grupos sociais internos orientem o sistema nacional no sentido de certa forma de inserção econômica internacional e de aliança política com países e grupos estrangeiros, ou seja, a dependência é necessariamente internalizada de diferentes formas (BASTOS; HIRATUKA, 2020BASTOS, P. P.; HIRATUKA, C. The foreign economic policy of Dilma Rousseff’s government and the limits of dependency. Latin American Perspectives, v. 47, n. 2, p. 25-46, mar. 2020.).

Embora a autonomia plena esteja fora de questão enquanto o país subdesenvolvido estiver integrado e ocupe uma posição subordinada na estrutura global do sistema capitalista, as formas de inserção e dependência podem variar historicamente em razão de dois processos relacionados. Em última instância, as transformações no sistema internacional podem modificar as formas de dependência ao mudar o contexto no qual se inserem os países dependentes, criando restrições ou abrindo oportunidades para o desenvolvimento capitalista nas regiões dependentes. A forma de integração das diferentes regiões e países, contudo, em primeira instância variaria em função do modo como o sistema econômico e político local reagiria aos novos condicionantes externos. A reação poderia se dar no sentido de reforçar as restrições ou de explorar as oportunidades.

Para que um país dependente avance no processo de industrialização, nesse sentido, não basta que o sistema internacional abra a possibilidade, por exemplo, através de novas formas de investimento externo que promovem não necessariamente a especialização primário-exportadora dos países subdesenvolvidos, mas contribuem para sua própria industrialização por meio da chamada “internacionalização do mercado interno”. Também é necessário que grupos locais, que percebem a industrialização como uma ameaça de perda de status e riqueza, sejam superados por coalizões favoráveis. Essas coalizões industrializantes podem contar não apenas com frações da burguesia, dos trabalhadores e das camadas médias, mas também com o capital estrangeiro e seus representantes locais nos casos de desenvolvimento dependente.

Assim, a estagnação e mesmo a regressão estrutural não seria um resultado inexorável da dependência enquanto tal, mas apenas o efeito de uma das formas que ela pode assumir. A dependência poderia inclusive resultar no desenvolvimento das forças produtivas em direção à industrialização e, assim, ter relativo apoio político até em parte das camadas médias e populares. Caberia, então, realizar uma análise das diferentes situações de dependência levando em conta a particularidade dos condicionantes externos, de um lado, e da estrutura econômica e das relações de poder locais, de outro. O vetor resultante dessas forças seria, em cada situação nacional de dependência, um certo potencial de desenvolvimento das forças produtivas e reposicionamento no cenário internacional que diferenciaria todo caso de desenvolvimento dependente.

Tal sociologia comparada permite fugir do “nacionalismo metodológico”, sem cair na determinação rígida de situações nacionais de dependência pelo sistema mundial, ou seja, exige investigar comparativamente as formas de combinação específicas entre determinantes externos e internos que exprimem diferentes formas de associação dependente que, por sua vez, conferem maior ou menor autonomia para as estratégias de desenvolvimento capitalista no sentido da diversificação para ramos industriais intensivos em capital e tecnologia.

O problema dessa análise, comparada à versão conhecida como Teoria Marxista da Dependência (TMD), é que a pesquisa ganha em flexibilidade e alcance comparativo, mas tende a subestimar os limites materiais colocados pela dependência (MARINI, 2000MARINI, R. M. Razões do neodesenvolvimentismo (resposta a Fernando Henrique Cardoso e a José Serra). In: MARINI, R. M.; SADER, E. Dialética da dependência: uma antologia da obra de Ruy Mauro Marini. Petrópolis: Vozes, 2000 [1978]. [1978]). Limites econômicos estruturais são pouco estudados, superestimando-se as condições políticas internas que permitem que o “convite” ao capital estrangeiro seja feito - e aceito - desde que o país periférico ofereça um “ambiente de negócios” propício para atrair as filiais estrangeiras. Tal problema teórico não se repete, contudo, nas obras originárias da chamada Escola da Unicamp, que rejeitam o “politicismo” e enfatizam limites materiais dificilmente contornáveis. Assim, enfatizam a necessidade de mudanças estruturais locais complicadas e penosas, como novas formas de centralização financeira, instituições de coordenação de decisões e avanço da diversificação no ramo de bens de produção que eventualmente possibilitem novas formas de associação externa menos desfavoráveis. Nas palavras de Maria da Conceição Tavares (cabe partir analiticamente de):

os aspectos internos do movimento de acumulação de capital… (pois) a partir desta análise é que se pode compreender de forma integrada os problemas de ‘abertura externa’ da economia brasileira e de sua articulação ‘dependente’ com o sistema internacional… Trata-se sim de analisar o potencial interno de acumulação e diversificação da estrutura produtiva e, a partir daí, ver como esta se articula com as relações internacionais… A intervenção do Estado e, em particular, seu próprio potencial de acumulação interno, tem necessariamente de expandir-se e de preceder a nova forma de articulação com o capital internacional. Este último nunca entrou ‘sozinho’, a desenvolver ou ‘subdesenvolver’, por sua conta e risco, as forças produtivas internas de um país…a rearticulação do sistema capitalista em escala internacional não permite detectar de que forma a dinâmica contraditória da expansão global subordina as estruturas internas de acumulação das economias periféricas. Estas, embora de forma diferente das economias centrais, têm uma dinâmica interna de expansão que pode enquadrar-se, ou não, de modo favorável dentro da dinâmica global do sistema. (TAVARES, 1998TAVARES, M. C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 1998 [1975]. [1975], p. 131-138)

Tais mudanças estruturais locais não permitem aos Estados das economias periféricas prescindirem da associação externa para obtenção de recursos financeiros, tecnologias patenteadas e, eventualmente, mercados para exportações industriais, pois o potencial de desenvolvimento nacional autônomo no chamado capitalismo tardio (MELLO, 1986MELLO, J. M.C. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1986 [1975]. [1975]) é bloqueado pelas estruturas herdadas do passado colonial ou semicolonial, de um lado, e pelo grau avançado de concentração e centralização do capital e complexidade tecnológica alcançado pelo capital monopolista no centro do capitalismo mundial desde a virada para o século XX, de outro. Tais condições são muito mais restritivas do que as vigentes no momento das industrializações retardatárias do século XIX (OLIVEIRA, 2003 [1985])OLIVEIRA, C. A. B. Processo de industrialização: Do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Editora Unesp , 2003 [1985].. De todo modo, a depender do encaminhamento político de mudanças estruturais locais, governos desenvolvimentistas podem tentar, em situações de dependência, a superação de barreiras financeiras, tecnológicas e de escala para a trajetória de convergência aos padrões das economias capitalistas desenvolvidas. Dada a grandeza do desafio, não surpreende que a convergência seja frustrada na quase totalidade dos países periféricos subdesenvolvidos, mesmo onde a vontade política exista por um tempo6 6 Não há espaço para desenvolver mais o tema aqui, sugerindo ao leitor as obras clássicas de Tavares (1998 [1975]), Mello (1986 [1975]) e Oliveira (2003 [1985]) ou a síntese recente de Bastos (2021). .

Seja como for, a depender do modo de centralização financeira e da trajetória tecnológica propiciados, em última instância, por uma forma relativamente benéfica de associação externa, a própria posição da economia dependente na divisão internacional do trabalho pode mudar favoravelmente em longo prazo, entrando em contradição com formas pretéritas de dependência e aumentando a autonomia da estratégia de desenvolvimento capitalista local. Esse é o caso típico de Coreia do Sul e Taiwan e, de modo mais dramático, da China. A partir dessa linha de interpretação e buscando combinar determinantes externos e internos, Lima (2013LIMA, U. M. et al. Desenvolvimento capitalista e inserção externa na Coreia do Sul: A economia política da diversificação industrial e do comércio exterior de bens de capital (1974-1989). 2013. Tese (Doutorado) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013., 2017LIMA, U. M. A inserção da Coreia do Sul na cadeia global automobilística: Foco sobre as políticas públicas. Brasília, DF: IPEA, p. 207-268, 2017.) ofereceu uma interpretação alternativa para a trajetória de desenvolvimento da Coreia do Sul. O autor defendeu a hipótese de que a profunda transformação estrutural e upgrading em seu comércio exterior entre os anos 1960 e 1980 foi possível devido a um contexto externo inicialmente favorável, sobretudo, em decorrência de um conjunto de características históricas que a diferenciaram de outras economias de industrialização tardia, em quatro dimensões: i) a estrutura de propriedade do capital caracterizada pelo controle oligopolista do capital nacional sobre a indústria de transformação; ii) a centralização financeira comandada por bancos estatais e conglomerados privados nacionais; iii) organização empresarial caracterizada pela oligopolização e conglomeração de mercados industriais sob comando do capital nacional; e iv) absorção/desenvolvimento tecnológico iniciados com licenças de uso de tecnologias externas e combinados com investimento de pesquisa e desenvolvimento local com forte apoio de institutos de pesquisa estatais.

Tudo isso foi condicionado por um contexto internacional favorável. Afinal, como vários autores associados à interpretação endogenista mostraram, o Estado coreano foi muito ativo para desenvolver estas características. No entanto, não se pode provar que poderia ter feito isso caso não aproveitasse as oportunidades existentes no cenário político internacional: nenhum outro caso nacional repetiu tais características fora do Leste Asiático, onde havia vantagens geopolíticas que propiciaram preferências comerciais e, principalmente, a transferência de tecnologias através de licenciamento e não de IDE, complementada por recursos financeiros de governo a governo e não mediante filiais proprietárias de tecnologias.

Dito isto, o objetivo central deste artigo é analisar a dinâmica da política de propriedade do capital e busca da autonomia tecnológica na relação entre Estado e chaebols, considerando que tanto a ação do Estado quanto o cenário externo foram favoráveis ao desenvolvimento capitalista na Coreia do Sul. Uma vez que as corporações sul-coreanas exploraram o controle oligopolista do mercado interno e o apoio estatal para alianças tecnológicas e, em seguida, o desenvolvimento tecnológico próprio que propiciou penetração crescente nos mercados externos, as corporações sul-coreanas tornaram-se menos dependentes não apenas da ação estatal como também de condições externas favoráveis para continuar se expandindo local e internacionalmente. Desenvolvemos este ponto no terceiro item, em que abordamos o período a partir da década de 1990. Esta conjuntura é importante porque as condições externas mudaram radicalmente, à medida que, na administração Bill Clinton, os Estados Unidos promoveram uma guerra comercial contra a Coreia do Sul e aproveitaram a crise financeira de 1997 para desestruturar várias instituições que propiciaram o desenvolvimento industrial acelerado nas décadas anteriores. As próprias corporações sul-coreanas apoiaram, pelo menos em parte, o movimento de desregulamentação (MEDEIROS, 2011MEDEIROS, C. A. The political economy of the rise and decline of developmental states. Panoeconomicus, v. 58, n. 1, p. 43-56, 2011., p. 53).

Contudo, a despeito das expectativas do governo Clinton, as possibilidades de entrada do IDE no mercado coreano continuaram limitadas por outro motivo: o desenvolvimento de capacitações pelas corporações sul-coreanas que as permitiram defender não apenas seu controle oligopolista do mercado nacional, mas suas parcelas crescentes do mercado global. É neste momento que fica mais evidente a importância que, no desenvolvimento capitalista na Coreia do Sul, teve o controle oligopolista de empresas de capital nacional nos ramos líderes da indústria de transformação, algo não reprodutível fora do Leste Asiático.

1. ESTRUTURA DE PROPRIEDADE DO CAPITAL NA ORIGEM DA INDUSTRIALIZAÇÃO PESADA DA COREIA DO SUL

A estrutura de propriedade do capital na economia sul-coreana teve grande influência da colonização japonesa em diversos aspectos da sua formação e consolidação, principalmente no que se refere à presença maciça de grandes grupos empresariais privados nacionais cujo controle familiar se destaca e se propaga por diversos setores da economia. Além disso, esses grupos mantêm uma importante relação com o governo coreano, o que confere, por sua vez, um caráter fundamental ao modelo de desenvolvimento econômico implementado no país. Esses grupos ficaram conhecidos como chaebols, grandes conglomerados empresariais privados nacionais familiares que atuam em diversos setores da economia, cuja relação com o governo foi decisiva no processo de implementação do modelo de desenvolvimento econômico do país. Essa relação vai implicar em uma estrutura de propriedade do capital em que as empresas estatais e os chaebols serão elementos essenciais no processo de diversificação industrial orientado para as exportações, além de uma política de restrições ao investimento estrangeiro direto (IED)7 7 Para muitos autores, os Chaebols coreanos foram resultados da experiência japonesa com os Keiretsu. Os “keiretsu” são uma maneira de organizar as relações entre empresas de setores produtivos distintos que inclui intensa participação cruzada na propriedade de cada uma pelas outras (participação acionária cruzada), diretorias cruzadas, filiação a um mesmo “main-bank”, processos de consulta recíproca mais ou menos permanentes e relações estáveis de compra e venda de insumos entre si (GERLACH, 1989). .

Paralelamente, a participação de empresas estatais também se destaca ao longo desse processo possibilitando, com ajuda da sua conjunção com os grandes conglomerados nacionais, uma base sólida para o desenvolvimento de uma estrutura industrial diversificada e orientada para as exportações, sobretudo durante as fases marcadas pelos Planos Quinquenais e estrategicamente importante para manter a Coreia do Sul em um patamar de competitividade internacional no período recente.

Associado a essa estrutura de controle dos ativos produtivos por grandes corporações nacionais, um elemento importante que sobressai diz respeito ao mecanismo de recepção do fluxo de investimento estrangeiro direto (IED) do país. Nesse âmbito, pode-se constatar mais uma particularidade da estratégia de desenvolvimento econômico da Coreia do Sul segundo a qual o governo coreano atuou em favor do financiamento dos investimentos por meio de empréstimos externos, notadamente provenientes dos EUA e Japão entre os anos 1960 e 1980, ao passo que impôs regras para o recebimento de IED pelo menos até o final da década de 1990.

Como mostram Lee e Lee (2019LEE, K.; LEE, J. National innovation systems, economic complexity, and economic growth: country panel analysis using the us patent data. Journal of Evolutionary Economics, v. 30, p. 897-928, 2019.), entre 1962 e 1978, na primeira e segunda fases de catch-up tecnológico da Coreia do Sul, os esforços de capacitação se basearam principalmente em importação de tecnologias, com acordos de transferência via licenciamento. Para obter a tecnologia necessária para modernizar a indústria, o governo flexibilizava os critérios de autorização de importação conforme a essencialidade da tecnologia associada ao desenvolvimento das estruturas produtivas orientadas por planos quinquenais. Na terceira fase, chamada de “acelerado processo de catching-up tecnológico”, entre meados dos anos 1980 a meados dos anos 1990, as empresas sul-coreanas, percebendo a limitação do licenciamento e da transferência de tecnologia incorporada, começaram a estabelecer seus próprios centros internos de pesquisa e desenvolvimento. Com isso, aumentaram a produção de produtos intensivos em conhecimento, como as indústrias de eletrônicos, automóveis e engenharia mecânica. É um período de forte ascensão do investimento em pesquisa e desenvolvimento (P&D), com internalização da capacidade tecnológica (“Indigenous Innovation”).

Em virtude do amadurecimento e construção de suas capacidades nacionais como resultado das estratégias implementadas, começou a quarta fase do catch up tecnológico da Coreia do Sul, com a liberalização do mercado de capitais, investimento estrangeiro direto e importação de bens estrangeiros. Entretanto, as capacidades tecnológicas construídas pelas empresas nacionais fizeram com que elas se transformassem nas líderes no processo de inovação. Os chaebols lideram os registros e solicitações de patentes, de modo que o Sistema Nacional de Inovação da Coreia do Sul tem altos graus de nacionalidade na produção do conhecimento, originalidade e diversificação tecnológica. Por exemplo, em 2000, em termos de registros de patentes, 69% das patentes concedidas pertenciam as dez principais empresas sul-coreanas (LEE; LEE, 2019LEE, K.; LEE, J. National innovation systems, economic complexity, and economic growth: country panel analysis using the us patent data. Journal of Evolutionary Economics, v. 30, p. 897-928, 2019.).

Durante grande parte do processo de transformação da estrutura produtiva na Coreia do Sul, prevaleceram políticas restritivas com relação à entrada de IED no país, corroborando para a garantia de soberania nacional das grandes empresas com os chaebols e exercendo forte influência e poder de mercado na economia sul-coreana. Nesse sentido, os planos quinquenais tiveram papel fundamental no decorrer do processo de consolidação da estrutura de propriedade nas mãos dos capitalistas nacionais, na medida em que traçavam funções básicas que deveriam ser direcionadas ao investimento estrangeiro direto. Contudo, cabe ressaltar que, durante o 1° Plano Quinquenal (1962-1966), no qual o desenvolvimento da indústria leve foi o seu maior destaque, o controle sobre a entrada de capital estrangeiro ainda era bastante reduzido o que, por sua vez, possibilitou a entrada de subsidiárias estrangeiras no país sem maiores restrições.

Segundo Kim (2005KIM, L. Da imitação à inovação: A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coreia. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.), no final dos anos 1960 e a partir dos anos 1970, com o 2º Plano Quinquenal (1967-1971) e o 3º Plano Quinquenal (1972-1976), o governo coreano intensificou a sua política de restrição estabelecendo maior controle sobre as entradas de IED por meio de medidas, tais quais a proibição de empresas estrangeiras que concorressem com as empresas nacionais tanto no mercado interno quanto no externo; exigência de performance exportadora às filiais que entrassem no país e a determinação do nível de participação estrangeira limitado a aproximadamente 50%. Ainda de acordo com Chang (1993CHANG, H.-J. The political economy of industrial policy in Korea. Cambridge Journal of Economics, v. 17, n. 2, p. 131-157, 1993.), o IED durante a década de 1970 teria ocorrido apenas nas áreas de desenvolvimento dos recursos naturais com a finalidade de apoiar a expansão da indústria pesada e química, que eram os símbolos e objetivo maior do terceiro Plano Quinquenal. Cumpre salientar que o controle sobre a entrada de IED também foi implementado por outros países asiáticos, por exemplo a China.

Em estudo de Lane (2021)LANE, N. Manufacturing revolutions: industrial policy and industrialization in south Korea. [s. l.: s. n.], 31 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3890311 . Acesso em: 23 jun. 2023.
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, o autor analisa os impactos da política industrial na Coreia do Sul, principalmente em relação à política do Plano Quinquenal (1972-1976), a qual tinha o objetivo de fomentar a indústria pesada e a indústria química. Lane (2021)LANE, N. Manufacturing revolutions: industrial policy and industrialization in south Korea. [s. l.: s. n.], 31 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3890311 . Acesso em: 23 jun. 2023.
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usa o modelo de diferença em diferença (DD) para fazer testes contrafactuais, avaliando os impactos nos setores beneficiados pelo 3º Plano Quinquenal e os setores não beneficiados, assim como analisando os impactos no período anterior, durante e posterior à implementação das medidas do 3º Plano. Os resultados mostram três dimensões dos impactos positivos da política industrial:

  1. Em primeiro lugar, houve impactos positivos e significativos da política industrial, com os setores da indústria pesada e química tendo expansão em sua produção mais de 100% do que os setores não beneficiados; a produtividade do trabalho cresceu mais de 60%. Houve também efeitos significativos da política industrial no crescimento do emprego e no desempenho das exportações, com os preços apresentando deflação de 10% para a indústria pesada e química, como resultado do crescimento da produtividade;

  2. Em segundo lugar, o impacto da política industrial na transformação industrial é durável, já que as indústrias pesada e química desenvolveram vantagem comparativa dinâmica e em longo prazo, cumprindo o objetivo do Plano Quinquenal de elevar a inserção externa da Coreia do Sul em itens com maior valor agregado. Após 1979, os resultados do desenvolvimento industrial permaneceram significativamente mais altos em comparação com a indústria não beneficiada. As estimativas mostram que os produtos da indústria pesada e química tiveram uma probabilidade 13% maior de obter vantagem comparativa nos mercados de exportação globais após 1973. A vantagem comparativa revelada dos produtos do setor aumentou 30% a mais do que outras exportações de manufaturados no mesmo período.

  3. Em terceiro lugar, as políticas de estímulos à indústria pesada e química impactaram positivamente o desenvolvimento industrial a jusante, assim como as vantagens comparativas em longo prazo entre os exportadores a jusante. Os setores a jusante com fortes ligações à indústria pesada e química expandiram-se durante o período das medidas do 3º Plano Quinquenal. Na verdade, o autor demonstra que os impactos a jusante e nas vantagens comparativas tiveram efeitos em longo prazo.

Os estudos de Lane (2021)LANE, N. Manufacturing revolutions: industrial policy and industrialization in south Korea. [s. l.: s. n.], 31 jun. 2021. Disponível em: Disponível em: https://ssrn.com/abstract=3890311 . Acesso em: 23 jun. 2023.
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são relevantes e fortalecem a hipótese deste artigo, porque o autor mostra que o sucesso da política industrial na Coreia do Sul está associado a uma construção de capacidade burocrática por parte do Estado na implementação e condução das políticas industriais capazes inclusive de influenciar a estrutura da propriedade. Ou seja, o Estado coreano direcionou a entrada de investimentos estrangeiros diretos para setores considerados estratégicos, que também contaram com política de crédito subsidiado via bancos públicos, metas de exportação e sistema de punição para desempenho insuficiente. Especificamente com relação ao papel do IDE na Coreia do Sul, o autor mostra que ele teve efeito de transbordamento (spillover), elevando a produtividade dos produtores de insumos a montante, que, por sua vez, repassaram os benefícios aos usuários de produção a jusante.

A implementação do 4° Plano Quinquenal (1977-1981) prosseguiu com a estratégia de promoção às exportações através do incremento e diversificação da pauta exportadora sul-coreana por bens de maior valor agregado e intensivos em tecnologia como, por exemplo, produtos eletroeletrônicos. A ênfase dada aos setores relacionados às atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) durante essa fase do processo contou mais uma vez com a associação entre o governo coreano e os grandes conglomerados (chaebols), no qual o primeiro promoveu um conjunto de políticas de incentivos, subsídios e reserva de mercado que beneficiou os últimos. Haja vista que, com o início do processo de abertura da economia a partir da década de 1980, houve um acréscimo de entradas de IED, mas com a participação do capital estrangeiro ainda em menor proporção do que o capital privado nacional, além de ficar restrito aos setores menos estratégicos.

Mesmo que nos anos 1980 passasse a predominar uma política de liberalização para o IED, ainda permaneceram na Coreia do Sul medidas restritivas que mantiveram o predomínio das grandes empresas nacionais no mercado coreano. Por exemplo, nos anos 1980, a participação dos subsetores industriais abertos ao capital estrangeiro sai de 44% em 1970 para 66% em 1984. Para liberalizar a entrada, o “sistema de lista negativa” - no qual o IDE só é vedado em setores explicitamente listados - substituiu o “sistema de lista positiva”, no qual todos os setores eram vedados exceto os explicitamente listados (KIM, 2005KIM, L. Da imitação à inovação: A dinâmica do aprendizado tecnológico da Coreia. Campinas: Editora da Unicamp, 2005.).

Sobre esse movimento que acontece nos anos 1980, dois fatores devem ser levado em consideração para que se compreenda que a decisão do governo coreano em adotar uma política de liberalização na estrutura de propriedade está associado à própria estratégia do governo de avanço da estrutura industrial sul-coreana: i) como no 4° Plano Quinquenal, um dos objetivos principais era fazer com que a indústria sul-coreana avançasse em setores mais intensivos em P&D, o governo viu como estratégica a presença de investimentos estrangeiros diretos para desenvolverem a infraestrutura necessária para ciência e tecnologia, assim como as atividades de P&D; ii) é importante considerar que esse processo de liberalização aconteceu quando a estrutura industrial sul-coreana alcança um nível de desenvolvimento suficiente para poder concorrer com empresas estrangeiras tanto no mercado interno como também no mercado externo, não comprometendo assim a força da estrutura produtiva nacional (KIM, 1997KIM, E. M. Big business, strong state: collusion and conflict in South Korean development, 1960-1990. New York: The State University of New York Press, 1997.).

A partir do início da década de 1980, o governo começa então a implementar uma política menos restritiva às importações e adotar uma maior liberalização da entrada de IED no país intensificada, sobretudo, após a crise financeira que atingiu o continente asiático em 1997. Segundo Sakong e Koh (2010SAKONG, II; KOH, Y. The Korean economy: Six decades of growth and development. Seoul: Korea Development Institute, 2010. Disponível em: Disponível em: www.kdi.re.kr . Acesso em: 8 maio 2011.
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), essa mudança de política no início da década de 1980 também teria forte relação com o cenário de expansão da dívida externa que atingiu principalmente os países em desenvolvimento, fazendo com que o governo coreano adotasse uma política de redução da dependência dos empréstimos estrangeiros, incentivando o IED por intermédio de sistemas capazes de alcançar esse objetivo. Nesse ínterim, a Coreia do Sul apresentou o aviso prévio de redução tarifária em 1984 com vistas a ajudar as empresas a se prepararem para isso, passando a reduzir as tarifas gradualmente ao longo de um período de 11 anos. Ainda em 1984, o governo coreano também substitui o sistema de lista positiva utilizado até então por um sistema de lista negativa no qual todas as indústrias não listadas estavam abertas para a aprovação do IED (KIM; HWANG, 2000KIM, J.-D.; HWANG, S.-I. The role of foreign direct investment in Korea’s economic development: productivity effects and implications for the currency crisis. In: The Role of Foreign Direct Investment in East Asian Economic Development: NBER-EASE Volume 9. Chicago: University of Chicago Press, 2000. p. 267-294., p. 269). O arcabouço favorável ao IDE seria acentuado na década de 1990.

2. O NEOLIBERALISMO NA COREIA DO SUL E O PAPEL DA CONCORRÊNCIA OLIGOPOLISTA NA RELAÇÃO DO CAPITAL NACIONAL COM AS CORPORAÇÕES GLOBAIS

Iniciada a década de 1990, as políticas liberalizantes ganham ainda mais força em diversas economias ao redor do mundo. Na Coreia do Sul, em particular, algumas políticas são adotadas no âmbito da abertura do mercado, entre as quais podemos destacar: i) abertura dos mercados de distribuição; ii) plano de liberalização dos mercados financeiros; iii) melhoria dos regulamentos de investimento direto no exterior; iv) sistema de transações financeiras de nome real; e v) o Plano de Internacionalização da moeda Won (SAKONG; KOH, 2010SAKONG, II; KOH, Y. The Korean economy: Six decades of growth and development. Seoul: Korea Development Institute, 2010. Disponível em: Disponível em: www.kdi.re.kr . Acesso em: 8 maio 2011.
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).

Segundo Murilo e Sung (2013)MURILLO, D.; SUNG, Y. Understanding Korean capitalism: chaebols and their corporate governance. [S. l.: s. n.], 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.esadegeo.com/download/PR_PositionPapers/43/ficPDF_ENG/201309%20Chaebols_Murillo_Sung_EN.pdf . Acesso em: 25 set. 2017.
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, nos anos 1990, principalmente após a crise de 1997, surgiu uma crescente campanha anti-chaebol na Coreia do Sul. Por exemplo, o governo de Kim Young-sam (1992-1998) promoveu o “Fair Trade Commission” em nível de ministério, a fim de punir empresas que não seguissem os novos princípios de governança corporativa. Com isso, vários presidentes de chaebols foram processados por subornar ex-ministros, como Lee Kun Hee da Samsung e Kim Woo Jung de Daewoo.

Em meio a esse processo de abertura da economia, a política de liberalização do investimento estrangeiro direto incluiu a abolição de várias obrigações relacionadas ao IED e aumentou o número de categorias de negócios a serem liberalizadas. Com a adesão da Coreia do Sul à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 1996, o governo tomou novas medidas em direção à abertura do setor de serviços, incluindo serviços financeiros, telecomunicações e distribuição. Segundo Read (2002READ, R. Foreign direct investment and the growth of Taiwan and Korea. In: IBRG FDI: country case studies conference, grange-over-sands. [S. l.: s. n.], 2002. p. 13-14.), após a abolição da maioria das restrições sobre entradas de IED, apenas dois setores teriam permanecido fechados (rádio e transmissão de TV) e outros 27 setores se encontrariam parcialmente restritos. De acordo com o autor, essas restrições se apresentam geralmente na forma de proporção máxima de IED nas empresas envolvidas nesses setores, algo em torno de 49%, embora algumas sejam ainda mais baixas, como 30%. Entre esses setores se incluem agricultura, pesca, mídia impressa, energia, transporte, telecomunicações, bancos e seguros. Ou seja, os setores mais estratégicos, mesmo após o processo de abertura da economia sul-coreana, continuaram sendo controlados em grande medida por corporações nacionais (READ, 2002READ, R. Foreign direct investment and the growth of Taiwan and Korea. In: IBRG FDI: country case studies conference, grange-over-sands. [S. l.: s. n.], 2002. p. 13-14., p. 26), garantindo assim ao país maior autonomia na sua trajetória de desenvolvimento na medida em que historicamente as empresas nacionais sul-coreanas corroboram substancialmente com o elevado nível de investimento no país.

Vale ressaltar ainda que a maioria das restrições ao investimento em carteira também foram eliminadas, levando em consideração limites de compra e venda de títulos e valores mobiliários, limites máximos de participação em 23 empresas e a necessidade de registro antes que os estrangeiros pudessem de fato investir. Outra característica em torno do fluxo de IED para a Coreia do Sul é que este, historicamente, recebeu grande volume proveniente do Japão, o qual foi responsável por aproximadamente 50% de todas as entradas até 1989. Desde então, houve um acréscimo na participação de outras regiões com destaque para os Estados Unidos e Países Baixos que representaram cerca de 30 e 50% dos influxos, com uma considerável participação de outros países da Europa (READ, 2002READ, R. Foreign direct investment and the growth of Taiwan and Korea. In: IBRG FDI: country case studies conference, grange-over-sands. [S. l.: s. n.], 2002. p. 13-14., p. 27).

Ainda assim, durante esse período, outro aspecto distintivo da liberalização do capital estrangeiro na economia sul-coreana advém do fato de que o governo promoveu maior incentivo ao mecanismo de fusões e aquisições (F&A) de empresas nacionais por empresas estrangeiras, permitindo no início o que alguns autores descrevem como fusões e aquisições “amigáveis”, as quais teriam ainda de passarem por aprovações do conselho de administração dessas empresas nacionais a fim de aprovar ou não o acordo. Uma medida importante nesse sentido foi a implementação da Lei de Promoção de Investimentos Estrangeiros em 1998. Por meio dessa determinação, o governo passou a permitir fusões e aquisições “hostis” e a liberalizar a aquisição de imóveis por estrangeiros, além de implementar outras medidas com intuito de facilitar a entrada de investidores estrangeiros. Dentre algumas dessas medidas, Sakong e Koh (2010SAKONG, II; KOH, Y. The Korean economy: Six decades of growth and development. Seoul: Korea Development Institute, 2010. Disponível em: Disponível em: www.kdi.re.kr . Acesso em: 8 maio 2011.
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) destacam:

Os incentivos de investimento envolvendo isenções fiscais foram estendidos para dez anos e sua cobertura foi expandida para incluir indústrias de alta tecnologia, serviços de suporte industrial e negócios localizados em zonas de investimento estrangeiro. Em abril de 1998, o Centro de Serviços de Investimento da Coreia (KISC) foi estabelecido no âmbito da KOTRA para prestar serviços de balcão único a potenciais investidores estrangeiros. O KISC foi renomeado Invest Korea em 2003, depois de expandir a organização e o pessoal. Em 1999, foi introduzido um sistema de Provedor de Justiça para tratar de reclamações de investidores estrangeiros. (SAKONG; KOH, 2010SAKONG, II; KOH, Y. The Korean economy: Six decades of growth and development. Seoul: Korea Development Institute, 2010. Disponível em: Disponível em: www.kdi.re.kr . Acesso em: 8 maio 2011.
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, p. 146, tradução nossa)

Min (2006MIN, B. S. et al. Trade and foreign direct investment patterns in the republic of Korea in the aftermath of the 1997 Asian financial crisis. Asia-Pacific Trade and Investment Review, v. 2, n. 1, p. 82, 2006.) também atenta para o fato de que os investimentos estrangeiros só seriam aprovados a participar de fusões e aquisições mediante permissão do conselho da empresa em questão e do Ministry of Finance and Economy (MOFE), desde que o tamanho total dos ativos fosse inferior a 2 trilhões de wons, algo em torno de 2 bilhões de dólares.

Por outro lado, Carney e Child (2013CARNEY, R. W.; CHILD, T. B. Changes to the ownership and control of East Asian corporations between 1996 and 2008: The primacy of politics. Journal of Financial Economics, v. 107, n. 2, p. 494-513, 2013.) apontam para o fato de que, mesmo com uma maior abertura a partir dos anos 1990, há evidências da persistência de um caráter concentrado e centralizado da estrutura de propriedade do capital nas grandes corporações nacionais sul-coreanas entre os anos 1990 e 2000. Um exemplo que corrobora para a análise dos autores é o da aquisição da Kia Motors pela Hyundai. Com a crise que atingiu a economia sul-coreana entre 1997-1998, o Grupo Kia chegou a acumular dívidas superiores a US$ 10,7 bilhões, o que, após um período de indecisão, acabou levando o governo da Coreia do Sul a concordar em leiloar ativos da Kia Motors. A disputa pelo controle da empresa esteve majoritariamente entre a Hyundai e a Ford, contudo, diante de alegações de que o nacionalismo econômico seria a solução mais racional, a grande vencedora acabou sendo a empresa sul-coreana, Hyundai. Essa ação é um dos exemplos que deixa em evidência a continuidade do caráter de concentração da propriedade do capital como uma forte estratégia presente do processo de desenvolvimento sul-coreano, segundo a qual, o controle de empresas, principalmente em setores estratégicos, deve permanecer decisivamente nas mãos de agentes nacionais. Com a fusão, o conglomerado Hyundai-Kia passou a deter participação de 72% no mercado sul-coreano de automóveis (LIMA, 2017LIMA, U. M. A inserção da Coreia do Sul na cadeia global automobilística: Foco sobre as políticas públicas. Brasília, DF: IPEA, p. 207-268, 2017., p. 228).

Ainda segundo Carney e Child (2013CARNEY, R. W.; CHILD, T. B. Changes to the ownership and control of East Asian corporations between 1996 and 2008: The primacy of politics. Journal of Financial Economics, v. 107, n. 2, p. 494-513, 2013.), no geral, a separação de propriedade e controle dessas empresas passou por poucas mudanças, com a continuidade de muitas empresas controladas por grupos familiares, mantendo a estratégia de participações cruzadas. Enquanto em alguns países da região do leste asiático houve uma maior redução da participação familiar no controle das firmas, na Coreia do Sul esse percentual parece ter aumentado de 1996 a 2008, passando de 1,61 firmas por família para 3,22 em 2008. Também houve, segundo os autores, um aumento significativo na proporção de empresas que são controladas por um único acionista, tal efeito seria reflexo, então, do aumento no uso da “estrutura de pirâmide” como arranjo institucional dominante na economia sul-coreana. Eles constatam ainda que o domínio estatal também apresentou significativo incremento após a crise financeira de 1997.

Outro elemento importante relacionado à estrutura da propriedade é que, após os efeitos deletérios da crise de 1997 na economia sul-coreana, muitos estudos apontam que um dos principais motivos que explicam a maior permissão de entradas de IED no país é a transferência de tecnologia e de know-how gerencial pelas multinacionais. Contudo, Min (2006MIN, B. S. et al. Trade and foreign direct investment patterns in the republic of Korea in the aftermath of the 1997 Asian financial crisis. Asia-Pacific Trade and Investment Review, v. 2, n. 1, p. 82, 2006.) encontra indicativos de que, ao contrário do que se esperava, o IED teria se mantido concentrado sobretudo em indústrias intensivas em mão de obra e não em indústrias intensivas em capital e tecnologia, tendo apenas 9,4% do IED localizado nas indústrias designadas para transferência de tecnologia em 1996. Ou seja, a transferência de tecnologia por meio da participação de empresas estrangeiras durante a década de 1990 não parece ter exercido maiores alterações na estrutura de propriedade do capital, mas sim exercendo papel complementar na estratégia da Coreia do Sul de aprimoramento tecnológico, o que aponta para a continuidade do domínio dos chaebols na estrutura de propriedade da economia sul-coreana.

Ao analisar o fluxo de investimento estrangeiro direto entre final dos anos 1980 até 2019, verifica-se no Gráfico 1 que o processo de abertura realizado a partir dos anos 1980, mesmo considerando todas as restrições mantidas pelo governo coreano, teve resultado relevante, já que, após 1996, o IDE tem um substancial crescimento, saindo de um volume de entrada de US$ 1,390 bilhão em 1989 para US$ 10,726 bilhões em 1999 e US$ 17,913 bilhões em 2017, com queda em 2019, principalmente como resultante de perda de dinamismo da China.

Gráfico 1
Coreia do Sul: entrada de investimento estrangeiro direto, 1989-2019 (em US$ milhões)

Embora os indicadores apontem para esse crescimento relevante de entrada do IDE no país, o ambiente de investimento estrangeiro direto na Coreia do Sul é avaliado como um dos menos competitivos no sentido de abertura da sua economia para empresas estrangeiras quando comparado a outros países, pois muitos analistas consideram que o processo de abertura foi limitado, mantendo muitas restrições do capital externo, em particular por causa do sistema de participação cruzada dos chaebols.

Segundo Ham Kim e Woochan Kim (2008KIM, H.; KIM, W. Changes in Korean corporate governance: a response to crisis. Journal Applied Corporation Finance, v. 20, n. 1, Winter 2008. Disponível em: Disponível em: http://webuser.bus.umich.edu/ehkim/articles/changeskorean-jacf2008.pdf Acesso em: 25 set. 2017.
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), antes da crise de 1997, nem a estrutura propriedade do chaebol, nem as instituições jurídicas sul-coreanas encorajavam a “governança corporativa” na Coreia do Sul - ou seja, a subordinação dos conselhos de direção aos objetivos de curto prazo do mercado de capitais. Em 1996, os acionistas controladores das grandes chaebols detinham uma média de 23% das ações em circulação, mas efetivamente controlavam 68% dos votos através de várias formas de participações conhecidas como cross- and circular-holdings em subsidiárias e firmas relacionadas aos grandes chaebols. Esse controle deu aos proprietários dos chaebols o poder de nomear os principais managers e board de suas empresas afiliadas. Também importantes foram as práticas de financiamento das afiliadas dos chaebols, que dependiam dos “mercados de capitais internos” criados pelos conglomerados das numerosas empresas afiliadas e firmas relacionadas. Para os autores, os chaebols sempre conseguiram evitar as forças disciplinadoras do mercado de capitais e dos valores corporativos, mesmo que isso implicasse em incentivos distorcidos e em um crescimento com diversificação associados à destruição de valor.

Após a crise de 1997, novas leis e regulamentos foram implementados para aumentar a transparência corporativa, supervisão, e a responsabilidade. Para Ham Kim e Woochan Kim (2008KIM, H.; KIM, W. Changes in Korean corporate governance: a response to crisis. Journal Applied Corporation Finance, v. 20, n. 1, Winter 2008. Disponível em: Disponível em: http://webuser.bus.umich.edu/ehkim/articles/changeskorean-jacf2008.pdf Acesso em: 25 set. 2017.
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), os efeitos dessas leis e regulamentos sobre a qualidade da governança das corporações sul-coreanas foram positivos.

Nesse pacote de reformas, uma das principais contribuições foi a revisão da lei de Monopoly Regulation and Fair Trade Act, a qual colaborou para a redução das barreiras para empresas estrangeiras incorporarem empresas sul-coreanas e para que as empresas sul-coreanas se preocupassem mais em aumentar o valor para os acionistas.

Com o apoio e assistência do Fundo Monetário Internacional (FMI) , a estrutura regulatória foi reforçada e o ambiente de negócios tornou-se mais globalizado: o Korean Stock Exchange (KSE) - Bolsa de Valores da Coreia - foi aberta aos investidores estrangeiros, o que levou a um aumento do financiamento direto nas empresas sul-coreanas por meio do mercado de ações, enquanto houve queda do volume de financiamento indireto, como o banco de empréstimos coreanos. Para os chaebols, isso levou ao surgimento do debate da necessidade de as empresas aderirem ao paradigma de gerenciamento orientado para os acionistas e do chamado ativismo dos acionistas, ou seja, a um processo de separação entre propriedade e gestão, enfraquecendo assim a influência das famílias na condução das empresas. Além disso, os esforços do governo para melhorar a transparência corporativa obrigaram os grandes chaebols a apresentar demonstrações financeiras combinadas para aumentar a transparência dos investimentos e transações entre as empresas afiliadas.

Com relação ao investimento em portfólio, o maior salto durante a primeira onda de abertura de conta de capital foi dado durante a presidência de Kim Young Sam (1993-1998). No contexto de uma estratégia mais ampla de Segyewha (globalização), ele buscou “modernizar” o país em termos econômicos, diminuindo o papel do Estado como financiador direto do setor privado e alavancando os mercados financeiros internacionais. Embora as autoridades tenham aberto o mercado de ações para estrangeiros em 1992, elas mantiveram rígidas restrições às compras de ações, notadamente um teto de 10% sobre o valor das ações listadas de qualquer empresa que não residentes poderiam deter coletivamente; o teto aumentou gradualmente para 18% em 1996. Além disso, os formuladores de políticas não permitiram que não residentes investissem na maioria dos tipos de títulos de renda fixa e impuseram limites às compras que poderiam fazer, mantendo assim uma barreira significativa à entrada (LEITERITZ, 2014LEITERITZ, R. J. Capital account policy in south korea: the informal residues of the developmental state. Colombia Internacional, n. 83, p. 235-265, 2014.).

Kim Dae JungJUNG, K.; KWON, S. Y. Ownership structure and earnings informativeness: evidence from Korea. The International Journal of Accounting, v. 37, n. 3, p. 301-325, 2002. (1998-2003) assume o governo em meio à crise financeira de 1997. Por meio de acordo com o Fundo Monetário Internacional, implementa uma abordagem big bang da liberalização financeira por meio da qual o mercado financeiro foi

amplamente aberto a investidores estrangeiros, incluindo participações acionárias e investimentos no setor bancário (MO, 2008MO, J. The Korean economic system: ten years after the crisis. In: MACINTYRE, A.; PEMPEL, T. J.; RAVENHILL, J. Crisis as Catalyst: Asia’s dynamic political economy. Ithaca: Cornell University Press, 2008. p. 251-270.). Em troca de receber empréstimos de emergência do FMI, o governo sul-coreano teve que concordar com uma maior liberalização de sua conta de capital e maior acesso para intermediários estrangeiros. A abertura ocorreu em duas etapas. A primeira etapa (implementada em 1º de abril de 1999) foi concebida para liberalizar as operações de câmbio de empresas e instituições financeiras relacionadas com suas atividades externas. Para manter um nível de prudência, era necessária a apresentação de relatórios ex-post facto. Em abril de 1999, a nova Lei de Operações de Câmbio substituiu o sistema de lista positiva por uma lista negativa, que permitia todas as transações em conta de capital, exceto aquelas expressamente proibidas por lei e decreto presidencial. Na segunda etapa (implementada no final de 2000), o foco passou para a liberalização das transações de conta de capital por pessoas físicas. Algumas salvaguardas foram postas em prática para proteger os mercados domésticos de condições de mercado extremamente desfavoráveis. Por exemplo, as restrições à negociação do won em mercados estrangeiros por não residentes não foram levantadas porque as autoridades queriam manter sua influência sobre o movimento da moeda (LEITERITZ, 2014LEITERITZ, R. J. Capital account policy in south korea: the informal residues of the developmental state. Colombia Internacional, n. 83, p. 235-265, 2014.).

Como resultado do processo de abertura da conta de capital, observa-se uma dinâmica de maior instabilidade no comportamento do investimento em portfólio na Coreia do Sul (Gráfico 2). Em momentos de crise, como a crise da Ásia em 1997, o estouro da bolha tecnológica nos EUA entre 2000 e 2002, e a crise na economia global de 2008 e 2009, observa-se a dinâmica de instabilidade no fluxo de investimento em portfólio.

Gráfico 2
Investimento em portfólio, 1991-2020 (em US$ milhões)

Este movimento em direção às finanças de mercado foi contrarrestado depois da crise financeira global de 2008. O cenário inicial do governo de Lee Myung-bak (2008-2013) foi de intensificação dos desafios competitivos, que foram amplificados em 2008 por um aumento nos preços globais do petróleo, crescentes preocupações com as mudanças climáticas e o início da crise financeira global de 2008, que estourou poucos meses após a posse de Lee como presidente. Em resposta a esses desafios, o governo Lee adotou uma agenda de ativismo financeiro tridimensional, principalmente com a finalidade de reduzir a vulnerabilidade externa do país e, simultaneamente, fortalecer as empresas nacionais e as instituições financeiras públicas. Seus pilares centrais foram a criação de um “megabanco” coreano para financiar a expansão agressiva de grandes empresas sul-coreanas; a re-regulamentação dos fluxos de capital em curto prazo para dominar as atividades especulativas, garantir a estabilidade financeira interna e impulsionar o investimento produtivo; e a expansão do financiamento de políticas para empresas não chaebol da Coreia do Sul (THURBON, 2016THURBON, E. Developmental Mindset: the revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press, 2016.).

O próprio presidente Lee, em uma palestra pública no início de 2010LEE, K.-K. The post-crisis changes in the financial system in Korea: Problems of neoliberal restructuring and financial opening after 1997. [S. l.]: Third World Network (TWN), 2010., defendeu que o papel principal das finanças precisava ser reconsiderado, e que as finanças deveriam estar intimamente ligadas à economia produtiva, de modo que era necessário impor controle de capital no país. Daí em diante, o governo começou a criticar duramente os bancos por pagarem dividendos aos acionistas, em vez de conceder empréstimos a empresas locais sem caixa para impulsionar o investimento produtivo. Os principais formuladores de políticas também começaram a defender publicamente o desenvolvimento de novos tipos de controles de capital que poderiam limitar a fuga de capitais e incentivar os fundos para atividades produtivas (THURBON, 2016THURBON, E. Developmental Mindset: the revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press, 2016.).

O mais relevante com relação à estrutura de propriedade do capital é a lógica de re-regulamentação da conta de capital, controlando o câmbio e também a dinâmica da entrada do investimento estrangeiro no país. O Ministry of Strategy and Finance (MOSF) anunciou as principais medidas: um imposto sobre os empréstimos em moeda estrangeira dos bancos; imposto sobre os passivos nos depósitos dos bancos (com o objetivo de desencorajar os bancos de manterem muitas dívidas denominadas em dólares); impostos sobre compras estrangeiras de títulos do governo; reintroduziram os impostos retidos na fonte e sobre ganhos de capital nas compras de dívida do governo e do banco central em janeiro de 2001; e intervenção do governo no mercado de câmbio, quando demonstrasse desequilíbrio e instabilidade; e reduziu significativamente os tetos de derivativos de câmbio para bancos locais e estrangeiros. Além disso, ao considerar essas medidas, a Coreia do Sul teve a legislação nacional e internacional a seu lado. Internamente, de acordo com a Foreign Exchange Transactions Act da Coreia do Sul de 1961, o Ministério das Finanças manteve o direito legal de intervir no mercado de câmbio em tempos de instabilidade. Internacionalmente, a Coreia do Sul tinha certeza de excluir o Foreign Exchange Transactions Act da cobertura do Free Trade Agreement entre EUA-Coreia (THURBON, 2016THURBON, E. Developmental Mindset: the revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press, 2016.).

Além do mais, ao apresentar as medidas sobre os fluxos de capitais, o governo adotou o discurso de que estava implementando medidas de caráter macroprudencial destinadas a limitar o acúmulo de risco sistêmico e os custos macroeconômicos da instabilidade financeira. Com isso, a estratégia do governo era priorizar a implantação de ferramentas regulatórias anticíclicas para evitar maiores impactos dos ciclos de crédito e booms de preços de ativos. Por conta dessas medidas sustentadas no caráter macroprudencial e nas leis internas do país, as intervenções, portanto, não violariam nenhuma das obrigações internacionais da Coreia do Sul. Essas medidas, destinadas a limitar o comércio de moeda, minimizar o acúmulo de dívidas em curto prazo e prevenir a fuga de capitais, todas parecem ter funcionado a favor da Coreia do Sul, protegendo o país de alguns dos piores efeitos da crise de 2008 (BAKER, 2013BAKER, A. The new political economy of the macroprudential ideational shift. New Political Economy, v. 18, n. 1, p. 112-139, 2013.; THURBON, 2016THURBON, E. Developmental Mindset: the revival of financial activism in South Korea. Ithaca: Cornell University Press, 2016.).

Outro aspecto que deve ser levado em consideração na dinâmica da implementação das medidas de controle de capital são os impactos que o fluxo de capital em curto prazo tem no câmbio, principalmente sobre os impactos que isso poderia causar nas exportações, variável fundamental para a dinâmica do crescimento econômico do país, dado que as exportações correspondem a quase 40% da demanda agregada. Para Leiteritz (2014LEITERITZ, R. J. Capital account policy in south korea: the informal residues of the developmental state. Colombia Internacional, n. 83, p. 235-265, 2014.), as restrições ao fluxo de capital internacional para a economia sul-coreana tinham dois objetivos principais: i) limitar a fragilidade financeira associada às reversões de capital e ii) aumentar o espaço político disponível para exercer controle sobre os principais preços macroeconômicos como a taxa de câmbio e a taxa de juros, principalmente para permitir políticas anticíclicas. Ao fazê-lo, as autoridades sul-coreanas exibiram seu pragmatismo tradicional em termos de política financeira: modelo mental compartilhado pelo qual o governo implanta uma regulação seletiva e firme, sem exageros, mas que envia fortes sinais aos setores e mercados privados, principalmente aos principais atores do PIB coreano, os chaebols, que prezam por uma taxa de câmbio mais estável e favorável às suas exportações (Gráfico 3).

Gráfico 3
Taxa de câmbio nominal, 1991-2020 (em won/US$)

Para Murilo e Sun (2013)MURILLO, D.; SUNG, Y. Understanding Korean capitalism: chaebols and their corporate governance. [S. l.: s. n.], 2013. Disponível em: Disponível em: http://www.esadegeo.com/download/PR_PositionPapers/43/ficPDF_ENG/201309%20Chaebols_Murillo_Sung_EN.pdf . Acesso em: 25 set. 2017.
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, mesmo considerando as mudanças ocorridas na estrutura de propriedade e na organização industrial da Coreia do Sul, os chaebols continuam sendo um dos principais elementos de processo de desenvolvimento do país, principalmente quando se considera a sua relação com as políticas industriais do governo coreano. Nesse sentido, os autores afirmam que a forma histórica de atuação dos chaebols criou um conjunto de vantagens competitivas que permanecem na estrutura de propriedade e organização industrial da Coreia do Sul, quais sejam: i) vantagens de gerenciamento específicas, especialmente quando um líder carismático desenvolve uma visão clara que é então implementada com ajuda de planos cuidadosamente planejados; ii) sucesso no lobby político, desenvolvimento de capital social e apoio dos governos e líderes políticos; iii) alto grau de empreendedorismo economicamente eficaz: os chaebols são agressivos no lançamento de novos produtos, novas linhas de produtos, compra e fusão com outras corporações, assim como entrada em novos mercados domésticos e internacionais; iv) sistemas de gerenciamento variados, mas muito sólidos: alguns são autocráticos, enquanto outros são mais orientados para grupos. Samsung e Hyundai, por exemplo, são organizados verticalmente, enquanto outros são mais horizontais; v) uma tendência à aversão a risco financeiro (mas não ao tecnológico), o que ajuda a proteger a saúde financeira do grupo; vi) e uma perspectiva em longo prazo na gestão: os executivos familiares tendem a se comportar de forma mais responsável e a buscar estratégias em longo prazo, ao contrário de CEO profissionais que se inclinam a seguir metas mais imediatas e em curto prazo.

Outro ponto relevante que deve ser levado em consideração é que as autoridades sul-coreanas deram preferência à contratação de empréstimos (endividamento externo) para o financiamento do seu projeto de transformação da estrutura econômica, promovendo a transferência de tecnologia, sobretudo por meio de licenças e outros acordos técnicos, ao contrário do IDE. Essa estratégia contou com essencial participação do governo coreano em relação à política de estrutura de propriedade, a qual mesmo com a abertura da economia de forma gradual a partir da década de 1980, permitiu uma maior entrada de investidores estrangeiros nos anos 1990 e 2000.

Segundo Lee e Han (2006LEE, S.-J.; HAN, T. The demise of “Korea, Inc.”: paradigm shift in Korea’s developmental state. Journal of Contemporary Asia, v. 36, n. 3, p. 305-324, 2006.), as reformas do FMI e o novo ambiente político estabeleceram um novo posicionamento com relação ao capital estrangeiro de maneira que as empresas estrangeiras passaram a ser recebidas como atores legítimos para o progresso econômico do país. Ademais, durante toda a fase anterior, os níveis de investimento estrangeiro direto no país se mostraram bastante incipientes, indicando a visão dominante até então de que o capital estrangeiro atuava de forma predatória e exploradora.

Lee e Han (2006LEE, S.-J.; HAN, T. The demise of “Korea, Inc.”: paradigm shift in Korea’s developmental state. Journal of Contemporary Asia, v. 36, n. 3, p. 305-324, 2006.) também constatam que, após o processo de abertura, o controle dos grandes conglomerados (chaebols) pelas famílias fundadoras sofreu algumas modificações no sentido de que muitas dessas famílias passaram a ter diretamente pequena porcentagem das ações em circulação de seus principais negócios conseguindo, porém, continuar controlando essas empresas por meio de participações cruzadas entre os grupos. Esse mecanismo conferiu então a preservação do controle familiar entre os principais grupos empresariais da Coreia do Sul. Por exemplo, enquanto a participação da família fundadora do grupo Samsung era diretamente de 4,8%, o controle de 46,3% das participações cruzadas de empresas membros do grupo conferia quase metade do total de ações da empresa ao controle familiar (BANCO MUNDIAL, 1998 apudLEE; HAN, 2006LEE, S.-J.; HAN, T. The demise of “Korea, Inc.”: paradigm shift in Korea’s developmental state. Journal of Contemporary Asia, v. 36, n. 3, p. 305-324, 2006., p. 312).

Yonhap (2018)YONHAP. Chaebol owner families shareholdings top W150tr. The Korean Herald, 12 set. 2018. Disponível em: http://m.koreaherald.com/view.php?ud=20180912000156.
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, ao apresentar o atual cenário de controle de propriedade desses conglomerados, destaca que as famílias proprietárias dos cem maiores conglomerados da Coreia do Sul têm mais de 150 trilhões de won, ou seja, cerca de US$ 133 bilhões de dólares em ações, apresentando mais de 30% do valor já entregue a seus filhos. A proporção para três descendentes do principal grupo sul-coreano, o grupo Samsung, foi de 39,4%, enquanto o segundo conglomerado por controle familiar do país, o grupo Hyundai Motor, registrou 43,2% com Taeyoung e outros cinco chaebols apresentando números superiores a 90%.

Dessa maneira, o controle de setores considerados estratégicos para o país, em particular os mais intensivos em tecnologia - como a indústria automobilística e eletroeletrônica -, seguem com significativa restrição à participação do capital estrangeiro, embora tenha sido implementado no país medidas de abertura para a entrada do IDE.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As interpretações sobre o desenvolvimento coreano que rejeitam o paradigma neoclássico tendem a enfatizar sua historicidade, mas o fazem de modo diferente e, a seu modo, insuficiente. Autores dependentistas nos asseguram que as condições externas que acompanharam o desenvolvimento coreano foram tão excepcionais (não reprodutíveis para outros países) e favoráveis a ponto de serem suficientes para explicar o desenvolvimento capitalista que, assim, assemelha-se menos a um “convite” do que a uma força atratora avassaladora do contexto exterior. Endogenistas, por sua vez, reconhecem, mas subestimam as condições externas favoráveis, sobrestimando a atuação específica do Estado que conduziu a acumulação de capital e o aumento das exportações industriais.

Neste artigo, apresentamos evidências para refutar as duas abstrações forçadas e sugerir que, na análise de processos históricos de desenvolvimento, combinem-se metodologicamente os determinantes externos e internos específicos a cada experiência. Não é o caso de repetir aqui, sequer sinteticamente, as evidências alinhavadas na reconstituição de um modelo historicamente único de associação externa e controle oligopolista de empresas nacionais dos ramos líderes da indústria de transformação. Cabe-nos, talvez, duas sugestões de natureza diferente para novos pesquisadores. A sugestão de ordem metodológica mais geral é que, na academia, procurem realizar uma reflexão introspectiva a respeito dos valores políticos que podem induzir a pesquisa na direção de abstrações convenientes à ação política, mas refutáveis na análise histórica de processos de desenvolvimento ou, pior, sequer refutáveis porque contrafactuais. Pedimos licença para concluir com uma sugestão axiológica: na ação, pensem em sustentar valores políticos em promessas de futuro e na análise de suas condições de realização, e não em abstrações unilaterais do passado.

Em meio ao processo de abertura da economia, a política de liberalização do investimento estrangeiro direto incluiu a abolição de várias obrigações relacionadas ao IED e aumentou o número de categorias de negócios a serem liberalizadas. Com a adesão da Coreia do Sul à OCDE em 1996, o governo toma novas medidas em direção à abertura do setor de serviços, incluindo serviços financeiros, de telecomunicações e de distribuição.

Entretanto, neste artigo mostramos que, mesmo com uma maior abertura a partir dos anos 1990, há evidências de que ainda persiste um caráter concentrado e centralizado da estrutura de propriedade do capital nas grandes corporações nacionais sul-coreanas entre os anos 1990 e 2000. No geral, a separação de propriedade e controle dessas empresas passou por poucas mudanças, com a continuidade de muitas empresas controladas por grupos familiares, mantendo a estratégia de participações cruzadas. Enquanto em alguns países da região do leste asiático houve uma maior redução da participação familiar no controle das firmas, na Coreia do Sul esse percentual parece ter aumentado de 1996 a 2008, passando de 1,61 firmas por família para 3,22 em 2008. Também houve, segundo os autores, um aumento significativo na proporção de empresas que são controladas por um único acionista, tal efeito seria reflexo, então, do aumento no uso da “estrutura de pirâmide” como arranjo institucional dominante na economia sul-coreana. Eles constatam ainda que o domínio estatal também apresentou significativo incremento após a crise financeira de 1997 (CARNEY; CHILD, 2013CARNEY, R. W.; CHILD, T. B. Changes to the ownership and control of East Asian corporations between 1996 and 2008: The primacy of politics. Journal of Financial Economics, v. 107, n. 2, p. 494-513, 2013.).

Outro elemento importante relacionado à estrutura da propriedade é que, após os efeitos deletérios da crise de 1997 na economia sul-coreana, muitos estudos apontam que um dos principais motivos que explicam a maior permissão de entradas de IED no país é a transferência de tecnologia e de know-how gerencial pelas multinacionais. Contudo, Min (2006MIN, B. S. et al. Trade and foreign direct investment patterns in the republic of Korea in the aftermath of the 1997 Asian financial crisis. Asia-Pacific Trade and Investment Review, v. 2, n. 1, p. 82, 2006.) encontra indicativos de que, ao contrário do que se esperava, o IED teria se mantido concentrado, sobretudo em indústrias intensivas em mão-de-obra e não em indústrias intensivas em capital e tecnologia, tendo apenas 9,4% do IED localizado nas indústrias designadas para transferência de tecnologia em 1996. Ou seja, a transferência de tecnologia por meio da participação de empresas estrangeiras durante a década de 1990 não parece ter exercido maiores alterações na estrutura de propriedade do capital, mas sim exercendo papel complementar na estratégia da Coreia do Sul de aprimoramento tecnológico, o que aponta para a continuidade do domínio dos chaebols na estrutura de propriedade da indústria de transformação na economia sul-coreana.

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  • 1
    De acordo com Gill e Kharas (2007)GILL, I.; KHARAS, H. (Orgs.). An East Asian renaissance: ideas for economic growth. The World Bank, 2007. DOI: https://doi.org/10.1596/978-0-8213-6747-6.
    https://doi.org/10.1596/978-0-8213-6747-...
    , esse conceito expressa uma situação de países em fase de estagnação ou baixo crescimento econômico, que já superaram as armadilhas da pobreza e a malthusiana, mas não conseguiram ultrapassar a armadilha da renda média, pois perderam as vantagens da mão de obra barata perante países mais pobres sem conseguir competir em capacitações tecnológicas com países de renda elevada.
  • 2
    De outra maneira, tal argumento já havia sido feito por Fernando Fajnzylber (1983, cap. 2-3)FAJNZYLBER, F. La industrialización trunca de America Latina. Ciudad de México: Centro de Economia Transnacional (CET); Nueva Imagen, 1983..
  • 3
    Alguns anos depois, a resenha de Amsden (1995AMSDEN, A. H. Reviewed work: the rush to development: economic change and political struggle in south Korea by Martin Hart-Landsberg. Economic Development and Cultural Change, v. 43, n. 3, Apr. 1995. p. 669-671., p. 671) para o livro de Martin Hart-Landsberg (1993)HART-LANDSBERG, M. The rush to development: economic change and political struggle in South Korea. New York: Monthly Review Press, 1993. o censurava por não perceber que “o mundo mudara desde os grandes dias da teoria da dependência”.
  • 4
    Na bibliografia brasileira, Carlos Aguiar de Medeiros (1997MEDEIROS, C. A. Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Orgs.). Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.) se destaca na crítica correta ao nacionalismo metodológico da concepção institucionalista de Amsden e outros autores representativos, recorrendo a autores como C. Gore e Y. Akyus para realçar a importância da região como categoria analítica para além das economias e Estados nacionais e aquém do sistema-mundo. Neste texto, contudo, recorre ao conceito de “desenvolvimento a convite” — inicialmente cunhado por Immanuel Wallerstein (1979, p. 76 ss.)WALLERSTEIN, I. The capitalist world-economy. Cambridge University Press, 1979. em contraposição aos conceitos de “estratégia de pegar a oportunidade” e “estratégia de autarquia” para designar casos nacionais caracterizados pela atração de investimento direto externo com pequeno encadeamento produtivo local, como Costa do Marfim e Quênia —, a partir de citação de outro expoente da concepção do sistema-mundo, Giovanni Arrighi (1996ARRIGHI, G. O longo século XX: Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996.), que estende o conceito para caracterizar até mesmo o Japão. Arrighi (1996, p. 355)ARRIGHI, G. O longo século XX: Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Trad. de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Editora Unesp, 1996. usa o conceito de “desenvolvimento a convite” em passagem citada por Medeiros (1997, p. 319)MEDEIROS, C. A. Globalização e a inserção internacional diferenciada da Ásia e da América Latina. In: TAVARES, M. C.; FIORI, J. L. (Orgs.). Poder e dinheiro: Uma economia política da globalização. Rio de Janeiro: Vozes, 1997., na qual afirma, por exemplo, que “o crescimento explosivo das exportações japonesas para o rico mercado norte-americano, bem como seu superavit comercial… não se deveu, de maneira alguma, a uma agressiva postura neomercantilista japonesa” e sim aos objetivos estadunidenses de baratear suprimentos. A unilateralidade da explicação de Arrighi está em não procurar discutir porque o Japão podia ofertar tais suprimentos, nas palavras do próprio Arrighi, “por um custo muito mais baixo do que era possível obtê-los nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar.” Tamanha desconsideração da importância do Estado nacional e sua política industrial, assim como do padrão japonês de centralização financeira, propriedade do capital e trajetória tecnológica peca por unilateralidade, e perde nuances do uso original do conceito de “desenvolvimento a convite” para designar um padrão mais pobre e dependente de inserção semiperiférica. Tal desconsideração inerente a este uso do conceito de “desenvolvimento a convite” não é crítica aplicável à complexidade da contribuição do professor Medeiros para o entendimento do desenvolvimento comparado — e nem a uma terceira acepção do mesmo conceito em Medeiros e Serrano (1999)MEDEIROS, C.; SERRANO, F. Padrões monetários internacionais e crescimento. In: FIORI, José Luís (Org.). Estados e moedas no desenvolvimento das nações. Petrópolis: Vozes, 1999. — contribuição essa que entendemos que pode ser melhor enraizada conceitualmente na própria tradição latino-americana, particularmente na versão histórico-estrutural da teoria da dependência tal como abordada adiante.
  • 5
    Sobre o método histórico-estrutural, ver Bastos (2020BASTOS, P. P. Z. Formação econômica do Brasil de Celso Furtado: método, esquema analítico e projeto político. Cadernos do Desenvolvimento, v. 15, n. 27, p. 227-262, jul./dez., 2020.).
  • 6
    Não há espaço para desenvolver mais o tema aqui, sugerindo ao leitor as obras clássicas de Tavares (1998TAVARES, M. C. Acumulação de capital e industrialização no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 1998 [1975]. [1975]), Mello (1986MELLO, J. M.C. O capitalismo tardio. São Paulo: Brasiliense, 1986 [1975]. [1975]) e Oliveira (2003 [1985])OLIVEIRA, C. A. B. Processo de industrialização: Do capitalismo originário ao atrasado. São Paulo: Editora Unesp , 2003 [1985]. ou a síntese recente de Bastos (2021BASTOS, P. P. Z. Tardio, desigual e combinado: A origem do projeto intelectual da Escola de Campinas e a contribuição de Maria da Conceição Tavares. In: FUCIDJI, J.R. (Org.). As narrativas de Clio: Ensaios de interpretação histórica e metodológica. Curitiba: CRV, 2021.).
  • 7
    Para muitos autores, os Chaebols coreanos foram resultados da experiência japonesa com os Keiretsu. Os “keiretsu” são uma maneira de organizar as relações entre empresas de setores produtivos distintos que inclui intensa participação cruzada na propriedade de cada uma pelas outras (participação acionária cruzada), diretorias cruzadas, filiação a um mesmo “main-bank”, processos de consulta recíproca mais ou menos permanentes e relações estáveis de compra e venda de insumos entre si (GERLACH, 1989GERLACH, M. Keiretsu organization in the Japanese economy: analysis and trade implications. In: JOHNSON, C.; TYSON, L.; ZYSMAN, J. Politics and productivity: the real story of why Japan works. New York: Harper Business, 1989.).
  • 8
    CLASIFICAÇÃO JEL: O2; O3; L5.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Set 2022
  • Aceito
    30 Maio 2023
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