INTRODUÇÃO
Devido aos efeitos adversos decorrentes da utilização de herbicidas sintéticos, tais como a acumulação de resíduos tóxicos no ambiente, o desenvolvimento de resistência pela planta e as consequências indesejadas para os organismos não alvo (Jana & Biswas, 2011), muitos pesquisadores vêm priorizando estudos sobre agricultura sustentável, em busca de substâncias vegetais para serem utilizadas no controle de plantas daninhas (Dayan et al., 2009; Cantrell et al., 2012). Alguns metabólitos, majoritariamente provenientes do metabolismo secundário, liberados por espécies vegetais, denominados aleloquímicos, interferem na sobrevivência de outros vegetais no ambiente, influenciando no seu crescimento e induzindo, como defesa, o estresse oxidativo (Bogatek & Gniazdowska, 2007). Consequentemente, os aleloquímicos agregam potencial para utilização na agricultura. Muitos desses aleloquímicos são rapidamente biodegradados no ambiente, o que reduz o risco de a substância vir a ser fonte de contaminação (Jana & Biswas, 2011). No Brasil, estudos no controle de Senna occidentallis L., conhecida popularmente como “fedegoso” ou “mata-pasto”, residem no fato de que sementes dessa espécie apresentam um histórico de contaminação de plantações de forrageiras, ou seja, de plantas que servem como alimento para herbívoros. A ingestão de sementes de S. occidentalis por bovinos e aves leva a degeneração das suas fibras musculares, sendo, portanto, S. occidentalis, tóxica (Komer et al., 1994; Haraguchi et al., 1998).
Cleome é o maior gênero da família Cleomaceae, englobando 180 a 200 espécies (Aparadh et al., 2012) e a esse gênero pertence a espécie Cleome guianensis Aubl.. C. guianensis é uma erva ereta de 20 a 60 cm de altura, folhagens bem desenvolvidas e flores de cor amarelo claro, sendo encontrada em locais rochosos e sedimentares (Silva et al., 2009). Essa espécie é de ampla distribuição, está presente desde os Estados Unidos, encosta oeste do México, Guatemala, Cuba ocidental, Colômbia, Guiana Inglesa até o Brasil, onde é encontrada na região norte (Amazonas, Amapá, Pará, Roraima e Tocantins) na região nordeste (Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe), na região Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso) e na região Sudeste (Minas Gerais) (Martius et al., 2005).
Estudos têm demonstrado os benefícios provenientes da utilização do gênero Cleome no âmbito da saúde (McNeil et al., 2010, 2012; Hashem, 2011; Narendhirakannan et al., 2007; Bbowankule et al., 2008; Devi et al., 2002; Dixit & Gupta, 2009; Motnal et al., 2011) e também evidenciado o seu efeito fitotóxico (Jana & Biswas, 2011), porém nenhum dado a respeito da atividade fitotóxica da espécie C. guianensis foi postulado.
A importância do gênero Cleome no Brasil reside no fato de que folhas e raízes de suas espécies são utilizadas na medicina tradicional como estomáquicas e estimulantes do aparelho digestivo, eficazes na leucorréia. Externamente, utiliza-se o suco das folhas para a redução de otites supuradas e as raízes são eficazes no tratamento de bronquites asmáticas (Leal et al., 2007). No gênero Cleome são relatadas a presença de alcalóides (Delaveau et al. 1973), flavonóides (Sharaf et al., 1997; Mahmoud et al., 2003), fenoxicoumarina (Ramachandran, 1979), diterpenos cembranos (Collins et al., 2004), Esteróides glicosídeos (Srivastava, 1982), triterpenos dammaranos (Ahmed et al., 2001) e sais de amônio quaternários (Mc Lean et al., 1996).
Sendo assim, o objetivo desse estudo foi avaliar o potencial fitotóxico do óleo volátil das folhas de C. guianensis sobre a espécie daninha S. occidentalis, por meio de ensaios sobre o crescimento inicial, além de determinar a ocorrência de alterações no estresse oxidativo de S. occidentalis como defesa devido à liberação de aleloquímicos por C. guianensis.
MATERIAL E MÉTODO
Folhas de Cleome guianensis Aubl. (Cleomaceae) foram coletadas em 12 de abril de 2011, as 8:35 h, no Vale do Urucum em Corumbá, MS, coordenadas 57º03’02,3” W e 19º01’04,7 S, e um exemplar foi incorporado no herbário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Voucher número 22853). As folhas coletadas foram submetidas a processos de hidrodestilação por quatro horas em aparelho do tipo Clevenger modificado, seguido pela extração exaustiva do destilado com hexano. Após a remoção do solvente, o rendimento do óleo bruto foi de 0,65% em relação ao material fresco.
Para o preparo das soluções, o óleo volátil foi emulsionado com Tween 80ª 1,0% e dissolvido em água destilada para a obtenção da solução estoque na concentração de 5 µg/mL. As demais concentrações (0,5; 1,0 e 2,5) foram preparadas por diluição. Como controle, foi utilizada uma solução de Tween 80 a 1,0%. Para os bioensaios de germinação, as placas de Petri (4,0 cm de diâmetro) contendo papel filtro Whatman nº 1,0, autoclavadas, receberam 5,0 mL de água destilada e 30 sementes de S. occidentalis distribuídas aleatoriamente, com quatro repetições para cada solução. Após a semeadura, 3,0 ml da solução de cada concentração do óleo foram distribuídos em dois papéis-filtro e colados na tampa da placa evitando o contato direto com as sementes (Alves et al., 2004). Neste ensaio de germinação e crescimento inicial, a semente não necessita de luz para germinar, tendo em vista que no processo germinativo a respiração é o processo que inclui gasto de energia para o crescimento inicial, não sendo a luz necessária para que ocorra a germinação. Como controle, procedimento similar foi utilizado, porém, com ausência das soluções contendo os óleos voláteis. As placas de Petri foram fechadas, envolvidas com filme plástico e levadas a uma câmara de germinação do tipo BOD, com condições de luz, umidade e temperatura constantes: 30ºC e fotoperíodo de 12 horas (Brasil, 2009). Após sete dias de incubação, foi determinada a porcentagem de germinação e a porcentagem de crescimento da raiz primária e do hipocótilo. Em seguida, as plântulas foram utilizadas para a determinação do peso seco (Macias et al., 2000).
Para a avaliação das enzimas envolvidas no estresse oxidativo, cerca de dez plântulas submetidas aos diferentes tratamentos foram maceradas em almofariz com nitrogênio liquido, e o pó resultante foi homogeneizado com tampão fosfato de Sódio, pH 7,0, 50 mM, contendo EDTA 2 mM e PVP 1,0% (Marques & Xavier-Filho, 1991). Os extratos foram centrifugados a 4.000 rpm e em seguida os sobrenadantes foram acondicionados em freezer a -18°C até o momento das análises. As preparações para a extração das enzimas foram realizadas a 4 °C.
A quantidade total de proteínas solúveis presentes nas plântulas submetidas a diferente concentração dos óleos voláteis foi determinada de acordo com Bradford (1976), onde concentrações de Albumina sérica bovina foram utilizadas como referência, sendo adicionado o reagente em 50 µl de extrato enzimático, e as leituras realizadas a 594 nm.
Para a avaliação do estresse oxidativo, foram realizados ensaios enzimáticos da catalase, peroxidase, peroxidação lipídica e superóxido dismutase. A atividade da catalase foi medida em um meio contendo 67 mM de tampão fosfato de potássio (pH 7,0), H2O2 (10 mM), e 0,1-0,4 mg de proteína do extrato enzimático. O consumo de H2O2 foi monitorado a 240 nm (ε, 0,036 mM-1cm-1) (Aebi, 1984).
A atividade da peroxidase (POD) foi medida em um meio contendo tampão fosfato de Potássio 25 mM (pH 6,8), H2O2 (10 mM) guaiacol (2,6 mM) e 0,1-0,4 mg de proteína do extrato enzimático. A formação de Tetraguaicol (ε, 25,5 mM-1 cm-1) foi monitorada a 470 nm (Pütter, 1974).
Atividade de superóxido dismutase (SOD) foi medida de acordo com Giannopolitis & Ries (1977). O meio continha tampão fosfato de potássio 50 mM (pH 7,8), L- metionina 6,5 mM, nitroblue tetrazolium 150 uM, riboflavina 4 μ M e 0,02-0,1 mg de proteína do extrato enzimático. A reação foi iniciada pela ativação de uma luz (20 W), iluminando o meio durante 20 minutos a 30º C. Uma unidade de atividade de SOD (U) foi definida como a quantidade de enzima necessária para causar uma inibição de 50% da taxa de fotorredução (NBT) a 560 nm, e os resultados foram expressos como unidades de SOD. μg. proteína-1.
A peroxidação lipídica foi medida em um meio contendo 0,1% de ácido tricloroacético, 0,5% de ácido tiobarbitúrico e 0,1-0,4 mg de proteína do extrato enzimatico (Gomes-Junior et al., 2006). No momento da leitura, as amostras foram centrifugadas a 20.000 rpm durante 5 minutos e a absorbância do sobrenadante foi lida a 534 nm. A atividade foi expressa como porcentagem de MDA produzidos, medida do estímulo de peroxidação lipídica.
As atividades das enzimas foram calculadas segundo Bracht et al. (2003). Para cada uma das enzimas descritas foi acrescentado o extrato enzimático e os reagentes específicos para a atividade avaliada. A absorbância dessas amostras foi monitorada durante 0 a 9 minutos e em seguida foi plotado um gráfico para cada dosagem enzimática, para obtenção da variação da tangente [α tg= ΔA/ Δt] (onde: ΔA= a variação da absorbância; Δt = a variação do tempo em minutos). Após as leituras das absorbâncias das enzimas, a atividade foi calculada em μmol. min-1 [Atividade (μmol min-1)= vol de incubação x α tg (min -1)/ϵ= unidades de enzima] (onde: ϵ= Coeficiente de extinção molar da enzima).
Todos os ensaios foram realizados em triplicata, os dados foram submetidos à análise de variância e, quando os efeitos dos tratamentos mostraram-se significativos (p < 0,05) em relação ao controle, as médias foram comparadas pelo teste de Dunnet.
Nos gráficos, os resultados são representados em porcentagem em relação ao controle, sendo que o zero representa o controle, valores positivos representam estímulo e valores negativos representam inibição (Macias et al., 2006).
RESULTADO E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos a partir dos bioensaios de germinação e crescimento inicial (Figura 1) demonstraram que os óleos voláteis das folhas de C. guianensis possuem ação fitotóxica sobre S. occidentallis, visto que a germinação (Figura 1a) das sementes dessa espécie se mostrou inibida em todas as concentrações testadas, com maior efeito para a concentração de 5,0 µg/mL (56% de inibição). Após sete dias de incubação com os óleos de C. guianensis, a raiz primária (Figura 1b) e o hipocótilo (Figura 1c) mostraram- se reduzidos, com valores de inibição da raiz primária superiores a 50% para as concentrações de 1,0 µg/mL (54% de inibição); 2,5 µg/mL (61% de inibição) e 5,0 µg/mL (83% de inibição), e com valores de inibição do hipocótilo superiores ou iguais a 50% para as concentrações de 2,5 µg/mL (50% de inibição) e 5,0 µg/mL (57% de inibição). Sugere-se, dessa forma, que algum metabólito presente no óleo de C. guianensis pode ser responsabilizado por causar esse efeito negativo sobre o crescimento da raiz primária e do hipocótilo de S. occidentalis. Todas as concentrações afetaram o peso seco (Figura 1d) das plântulas de S. occidentalis, entretanto esse efeito inibitório não foi igual ou superior a 50%.

FIGURA 1 Efeito dos óleos voláteis de C. guianensis sobre o crescimento inicial de S. occidentallis. (a) porcentagem de germinação (b) raiz primária (c) hipocótilo (d) peso seco. Dados expressos em percentual em relação ao controle. *A média do tratamento difere significativamente em comparação com a média do controle, pelo teste de Dunnet (p < 0,05).
Outras espécies do gênero Cleome também já tiveram sua atividade alelopática comprovada. Jana & Biswas (2011) isolaram das raizes de Cleome viscosa o ácido lacto nonanoico, responsável pela ação inibitória dessa planta sobre sementes de arroz, mostarda e de grama. Da mesma forma, o extrato metanólico das vagens de Cleome arabica exerceu um potente efeito negativo na germinação das sementes de alface, bem como no crescimento dessas plântulas, devido a danos celulares na raiz correlacionados a redução mitótica (Ladhari et al., 2014). Portanto, sugere-se que algumas espécies do gênero Cleome concorram pela sobrevivência no ambiente liberando aleloquímicos.
A análise do estresse oxidativo (Figura 2) demonstrou que as concentrações dos óleos voláteis de C. guianensis alteraram a atividade das enzimas antioxidantes estudadas em S. occidentalis. A atividade da catalase (Figura 2a) e peroxidase (Figura 2b) aumentou em função das concentrações dos óleos voláteis. A concentração de 5,0 µg/mL aumentou a atividade da catalase e peroxidase em 2,2 μmol.H2O2.min-1 e 6,3 μmol.tetraguaiacol.min-1, respectivamente. Embora a concentração de 0,5 µg/mL não tenha afetado a peroxidação lipídica (Figura 2c) em S. occidentallis, as concentrações de 1,0 µg/mL, 2,5 µg/mL e 5,0 µg/mL aumentaram a produção de malondialdeído, e este efeito pode ser decorrente da toxicidade. De maneira similar ao que ocorreu nos testes envolvendo as enzimas catalase e peroxidase, a enzima SOD (Figura 2d) se mostrou aumentada nos indivíduos de S. occidentalis em todas as concentrações do óleo volátil de C. guianensis. O maior valor para a atividade da enzima SOD foi verificado para a concentração 5,0 µg/mL, datando 5,9 U.mg-1. O aumento da atividade das enzimas catalase, peroxidase, SOD e também da atividade de malondialdeído em S. occidentallis pode ser atribuído a ação de substâncias presentes no óleo de C. guianensis, responsáveis por estimular reação de defesa ao influenciar no estresse oxidativo de S. occidentalis.

FIGURA 2 Efeito dos óleos voláteis de C. guianensis sobre o estresse oxidativo em plântulas de S. occidentallis. (a) Catalase (b) peroxidase (c) peroxidação lipídica (d) SOD. *A média do tratamento difere significativamente em comparação com a média do controle, pelo teste de Dunnet (p < 0,05).
Recentemente, foi sugerido que aleloquímicos influenciam no crescimento das plantas vizinhas devido a indução do estresse oxidativo (Bogatek & Gniazdowska, 2007). Porque, embora as reações de oxidação sejam cruciais para a vida, elas também podem ser danosas. Assim, as plantas mantêm um complexo sistema antioxidante composto por enzimas como glutationa redutase, ascorbato peroxidase, catalase, SOD e peroxidases, para eliminar radicais tóxicos produzidos durante o estresse oxidativo e manter-se viva durante exposição a condições adversas (Haribabu & Sudha, 2011).
Oracz et al, (2007), por exemplo, enfatizaram que o aumento da atividade enzimática do sistema antioxidante em sementes de mostarda submetidas ao extrato de girassol não foi suficiente para protegê-las dos danos desencadeados pelas espécies reativas de oxigênio. A atividade de radicais livres e da catalase também se mostrou alterada nas raízes de tomate em contato com a espécie Callicarpa accuminata (Cruz-Ortega et al., 2002), bem como a atividade das enzimas glutationa redutase, SOD, ascorbato peroxidase, e peroxidase de Lycopersicon esculentum submetido a Siyos deppei (Lara-Nunez et al., 2006).
A composição dos óleos voláteis das espécies pertencentes ao gênero Cleome é bastante diversa e pouco se conhece a respeito das atividades exercidas especificamente por seus constituintes. O óleo das partes aéreas de C. serrata coletadas na Jamaica nos estudos de McNeil et al. (2012) apresentou 14 componentes, dentre os quais os mais abundantes foram (Z)-fitol (53,0%) e 2-tilhexil-ftalato (DEPH) (14,7%). Da mesma forma, (Z)- fitol foi o constituinte mais abundante presente no óleo extraído das partes aéreas de C spinosa da Jamaica, sendo responsável por 31,3% do óleo. No mesmo estudo, quando se extraiu o óleo somente das folhas dos indivíduos, o (Z)-fitol ainda se manteve como o constituinte presente em maior quantidade (19,5%) (McNeil, 2010). Já o óleo essencial das partes aéreas de C. brachycarpa, coletadas no Irã, apresentou como componentes majoritários tunbergol (46,1%) seguido pelo alfa-eudesmol (12,7%) (Rassouli & Dadras, 2014). Também do Irã, o óleo proveniente das partes aéreas de C. coluteoides apresentou como componentes majoritários piperitone (40,4%) e decanal (18,7%) (Mazloomifar et al., 2003).
Da mesma forma, é importante observar que, mesmo quando se considera o óleo de somente uma espécie, ocorre variação na sua composição dependendo do indivíduo analisado, pois muitos fatores, tais como variação geográfica, condições do ambiente (como irrigação, incidência de luz e tipo de solo), época de colheita, idade da planta, fatores genéticos e fisiológicos influenciam nesse aspecto.
CONCLUSÃO
O óleo das folhas de C. guianensis, interferiu na germinação e no crescimento inicial de S. occidentallis, além de aumentar a atividade das enzimas catalase, peroxidase e SOD envolvidas no combate ao estresse oxidativo. Sendo assim, o óleo das folhas de C. guianensis pode ser útil para o manejo dessa espécie daninha. Entretanto, são necessários estudos que demonstrem o perfil químico deste óleo volátil para auxiliar em bioensaios a fim de identificar substâncias presentes no óleo com potencial fitotóxico.