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Adolescência: reflexões psicanalíticas

RESENHAS

Adolescência: reflexões psicanalíticas

Pedro Henrique Bernardes Rondon

Psicanalista, membro efetivo da SPCRJ. Rua Santa Clara, 50/616, 22041-010, Rio de Janeiro RJ. Tel. (21)2256-3515; phrondon@domain.com.br

Marta Rezende Cardoso (org.), Nau Editora. Rio de Janeiro, 2001, 140 p.

Marta Rezende Cardoso, autora que no momento está pesquisando a adolescência sob a perspectiva da violência que tão gravemente afeta esses sujeitos na contemporaneidade, organiza esta coletânea em que apresenta um trabalho seu, resultado da referida pesquisa, juntamente com textos de outros sete expressivos autores do cenário psicanalítico nacional e internacional na atualidade.

A partir de perspectivas diversas, os autores falam de aspectos da problemática da adolescência contemporânea que a todo momento nos colocam diante de dificuldades na compreensão e no manejo dos jovens em todos os campos, não só na clínica psicanalítica, mas também no campo social, especialmente no terreno das relações familiares. Assim, é bem-vinda uma coletânea como esta, em que os autores procuram oferecer aos leitores sua compreensão acerca daquilo que se passa nas experiências de transformação e de ruptura dos adolescentes, abordando os conflitos internos e externos que acarretam, acrescidas das exigências da cultura, das quais eles têm que dar conta.

Em "Adolescência e violência: uma questão de fronteiras", Marta Rezende Cardoso busca alcançar uma compreensão metapsicológica dos fenômenos da violência associada à adolescência, recorrendo ao estudo psicanalítico aprofundado dos processos de subjetivação desses indivíduos. O adolescente, em meio à crise por que se vê passando, sente-se ultrapassado pela intensidade de suas próprias sensações, em perigo de perder a capacidade de se distinguir do outro, de diferenciar o dentro e o fora. Este perigo se estende ao nível da relação entre as instâncias psíquicas e ao das fronteiras de seu ego. Sentindo-se "possuído", por tais excessos e pelos objetos-fonte dessa violência, ele pode tentar como saída a expulsão violenta da excitação traumática que o desorganiza. O adolescente é visto, então, como tentando controlar onipotentemente, no plano externo, aquilo de que não dá conta no plano interno.

Cardoso sugere então que, na luta entre a dependência aos objetos e a busca da autonomia, a violência comporta uma dimensão de domínio sobre o outro, para instaurar um processo de separação: "Através de atos violentos, tenta-se inverter o processo, transformar passividade em atividade, formação de um estranho 'compromisso' entre o desejo de marcar uma diferença e o desejo de uma aproximação extrema com o outro."

O artigo de Jean Laplanche, "Pulsão e instinto: oposições, apoios e entrecruzamentos", inicia-se com uma discussão sobre o uso dos termos pulsão e instinto. A grande descoberta de Freud, diz ele, é o sexual infantil, o "sexual" levado além dos limites da diferença sexual. O que a psicanálise nos ensina é que no homem o sexual de origem intersubjetiva, portanto o pulsional, o adquirido, vem antes daquilo que é inato: a pulsão vem antes do instinto, o fantasma vem antes da função: "e quando o instinto sexual chega, o lugar já está ocupado".

Laplanche argumenta que, não tendo mecanismo endógeno inato, a sexualidade infantil não poderia surgir juntamente com a autoconservação. A simples fantasmatização das funções corporais de apego e de autoconservação não conferiria caráter sexual a funções somáticas. Diz ele que fazer surgir o sexual a partir da insatisfação da autoconservação, seria algo como tirar "um coelho da cartola". "Mas é preciso que alguém tenha colocado o coelho na cartola — e foi o adulto quem o colocou aí." Alude então à teoria da "sedução generalizada", lembrando que através do contato com o adulto que cuida dele é que o pequeno ser humano vai ficando contaminado e comprometido pelo sexual adulto. Essa relação recíproca de comunicação e de mensagens fica infiltrada pelo inconsciente sexual do adulto.

Nada permite ver, na evolução mais ou menos caótica da pulsão sexual, alguma coisa que se inscreva num esquema acabado, preparando a puberdade como se fosse um objetivo. Mesmo assim Freud quis efetuar essa reinscrição da pulsão no instinto, quando descreveu uma espécie de desenvolvimento programado no qual sexualidade infantil, sexualidade da puberdade e sexualidade adulta estão em continuidade.

A opinião de Laplanche é de que conviria falar de dois tipos de latência: uma latência pulsional, definida por Freud, ligada ao recalcamento e ao Édipo, situada entre a idade de 5 ou 6 anos e a puberdade, e uma latência instintiva, aquela definida pela "visão popular sobre a sexualidade". Isto é, uma latência que existe do nascimento à puberdade, durante a qual só a pulsão tem livre curso. Na adolescência, então, duas correntes heterogêneas confluem — e nada garante que se combinarão harmoniosamente: de um lado, a pulsão e o fantasma infantil; do outro, o instinto da puberdade. A pulsão sexual ocupa o lugar decisivo, do nascimento à puberdade. É ela que desaparece no inconsciente, e é objeto da psicanálise.

"Tá tudo dominado! — Adolescência e violência originária" é o artigo de Paulo de Carvalho Ribeiro e Maria Teresa de Melo Carvalho. Estes autores abordam alguns aspectos das manifestações de comportamentos violentos tão comuns na adolescência, afirmando que muito mais do que considerá-las apenas fenômenos culturais, é preciso compreender suas raízes no psiquismo, especialmente pela inevitável associação de violência e sexualidade. Tratando de maneira sintética as bases metapsicológicas das origens da sexualidade, apoiando-se nas contribuições de Laplanche e de Jacques André, e "pondo para trabalhar" as idéias que Paulo C. Ribeiro expôs em seu livro O problema da identificação em Freud: o recalcamento da identificação feminina primária (São Paulo, Escuta, 2000), os autores apresentam seu estudo da adolescência de maneira atraente e estimulante.

Teresa Pinheiro, em "Narcisismo, sexualidade e morte", mostra que a adolescência é o momento exemplar para a compreensão da dupla função da sexualidade, como conceito articulador entre o psíquico e o somático e como metáfora da condição humana, momento também em que todas as feridas e fragilidades ficam expostas. Discorrendo sobre a questão do narcisismo e da sublimação, discutindo o envolvimento da problemática do envelhecimento dos pais no desenvolvimento dos filhos, a autora propõe uma tentativa de compreender as dificuldades da adolescência, nos dias de hoje, com o despertar para a sexualidade genital, a castração, o equilíbrio narcísico, e com as possibilidades que a sociedade pós-moderna oferece para lidar com essas questões.

Jacques André, em "Feminilidade adolescente", diz que a puberdade, chegada da genitalidade à maturidade, não corresponde ao nascimento da sexualidade humana. Esta já tem uma longa história, iniciada com a primeira sucção, por cima da qual a genitalidade nascente vem enxertar-se. Então, a irrupção da sexualidade pubertária não encerra o capítulo da sexualidade infantil: antes reabre suas brechas, reaviva seus conflitos. A partir dessa argumentação, o autor trata de temas como a masturbação e, finalmente, a anorexia e a bulimia, em suas relações com a feminilidade.

Jacqueline Cavalcanti Chaves, em "Amor e ódio nos relacionamentos afetivos da contemporaneidade" mostra que, paralelamente ao ideal amoroso romântico, surgem hoje em dia novos códigos de relacionamento e novas formas de sociabilidade. O "ficar com", comum entre os jovens, é um exemplo destes códigos e caracteriza-se pela busca de prazer imediato e pela ausência de compromisso com o outro. Levando adiante idéias desenvolvidas em trabalho anterior, a autora toma como exemplos o "ficar com" e a relação amorosa virtual, para explorar o modo pelo qual o sujeito lida com sua ambivalência na atualidade, tendo em vista que a experiência amorosa é "limitada, ambivalente, imprevista e imperfeita", considerando algumas características das sociedades ocidentais contemporâneas, como a ênfase dada ao consumo, ao prazer imediato, à diversão permanente e ao bem-estar absoluto.

Em "Jakob Willem Katadreufe: força e crueldade sem pertencimento", trabalho de Elisa Maria de Ulhôa Cintra, temos minuciosa e sensível análise do filme holandês Caráter, que serve à autora como material para a discussão daquilo que chama de "eixo narcísico do desenvolvimento". Como se constitui um adolescente cujo anseio por poder físico e intelectual e cuja aspiração à auto-suficiência domina o seu horizonte? Empregando em seu estudo noções como a de pulsão de domínio, Cintra diz que antes de mais nada será preciso verificar se houve, em sua história, experiências significativas de ser acolhido, de pertencer. O pertencimento implica sentir-se parte de um núcleo humano onde predominam trocas afetivas e capacidade de reconhecer o outro. "Os pais reconhecem o filho, e são por ele reconhecidos; a mãe reconhece o homem como seu homem e como pai de seus filhos e é por ele reconhecida."

Hugo Mayer, em "Passagem ao ato, clínica psicanalítica e contemporaneidade", discute a questão de que na clínica atual há elementos que permitem pensar em uma mudança nos quadros clínicos, e justificam inovações na técnica e nas abordagens terapêuticas, defendendo que não apenas mudaram os conteúdos desses quadros e a visão que temos sobre eles. Assim, não podemos subestimar o fato de que nos últimos anos ficaram evidentes formas de manifestação da patologia mental, como as adicções, as doenças psicossomáticas, os distúrbios da alimentação, que não podem ser reduzidas às estruturas clínicas clássicas. Para fundamentar sua postura, discute o impacto das modificações sociais e culturais no mundo da globalização e do neoliberalismo, a velocidade das comunicações e as exigências de satisfação imediata, sobre as relação familiares e sociais, com suas repercussões na formação da estrutura psíquica infantil, determinando déficit identificatório, pobreza de representações e estreitamento do campo de elaboração, que explicariam o aumento da atuação dos impulsos, no lugar de seu processamento simbólico, em particular nos adolescentes.

Todos aqueles que se interessam pelas questões próprias da adolescência, seja no sentido do trabalho clínico psicanalítico ou no da compreensão do fenômeno no plano social e no meio familiar encontrarão, nos textos que compõem esta coletânea, material clínico e teórico que certamente enriquecerá sua reflexão a partir da visão psicanalítica dos fenômenos da adolescência contemporânea, e da articulação entre psicanálise e cultura.

Recebido em 4/11/2001. Aprovado em 8/11/2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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