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Pânico e desamparo na atualidade

Panic and helplessness in contemporary society

Resumos

Procura-se articular o que Freud denominou "mal-estar na civilização" às psicopatologias contemporâneas, examinando-se a relação da incidência do pânico com as modalidades subjetivas emergentes. Diante do deslocamento da ordem paterna como referencial central, o desamparo do sujeito contemporâneo tornou-se agudo. Na tentativa de proteção contra o desamparo, o sujeito pode fazer uso de modalidades subjetivas que privilegiam o masoquismo. O pânico seria efeito do desamparo na contemporaneidade, uma forma de padecimento em que está em jogo o masoquismo como figura da servidão.

Pânico; desamparo; subjetividades emergentes; psicopatologias contemporâneas; masoquismo


Pretends to articulate what Freud called "civilization and its discontents" to contemporary psychopathologies, examining the relationship between the incidence of panic symptoms and contemporary ways of subjectivity construction. In face of current displacement of paternal order as a central reference, the helplessness of the subject became severe, acute. To protect himself from a radical helplessness, masochist ways may be privileged. The panic is an effect a helplessness in contemporary society, a suffering form where masochism appears as a figure of servitude.

Panic; helplessness; emergent subjectivities; contemporaries' psychopathologies; masochism


ARTIGOS

Pânico e desamparo na atualidade

Panic and helplessness in contemporary society

Lucianne Sant'Anna de Menezes

Psicanalista; mestre pelo Instituto de Psicologia da USP; membro efetivo do Depto. de Formação em Psicanálise, Instituto Sedes Sapientiae; membro do conselho editorial da revista Boletim (DFP/ISS); membro do Lapsi (Laboratório de Psicanálise e Análise do Discurso), da USP; lucianne@usp.br

RESUMO

Procura-se articular o que Freud denominou "mal-estar na civilização" às psicopatologias contemporâneas, examinando-se a relação da incidência do pânico com as modalidades subjetivas emergentes. Diante do deslocamento da ordem paterna como referencial central, o desamparo do sujeito contemporâneo tornou-se agudo. Na tentativa de proteção contra o desamparo, o sujeito pode fazer uso de modalidades subjetivas que privilegiam o masoquismo. O pânico seria efeito do desamparo na contemporaneidade, uma forma de padecimento em que está em jogo o masoquismo como figura da servidão.

Palavras-chave: Pânico, desamparo, subjetividades emergentes, psicopatologias contemporâneas, masoquismo.

ABSTRACT

Pretends to articulate what Freud called "civilization and its discontents" to contemporary psychopathologies, examining the relationship between the incidence of panic symptoms and contemporary ways of subjectivity construction. In face of current displacement of paternal order as a central reference, the helplessness of the subject became severe, acute. To protect himself from a radical helplessness, masochist ways may be privileged. The panic is an effect a helplessness in contemporary society, a suffering form where masochism appears as a figure of servitude.

Keywords: Panic, helplessness, emergent subjectivities, contemporaries' psychopathologies, masochism.

INTRODUÇÃO

Este artigo é fruto de minha dissertação de mestrado: "Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade. Um estudo psicanalítico", apresentada ao Instituto de Psicologia da USP em setembro de 2004. Trabalhamos com o padecimento do sujeito contemporâneo por meio do estudo do pânico.

UMA PERSPECTIVA PSICANALÍTICA PARA O ESTUDO DO PÂNICO

Apresentamos esta pesquisa com o intuito de contribuir para a discussão das novas formas de mal-estar nas subjetividades emergentes e os desafios impostos por elas à clínica psicanalítica contemporânea.

A modalidade de sofrimento psíquico, mais especificamente conhecida como "ataque de pânico", ocupa um lugar proeminente nos debates contemporâneos no campo da psicopatologia. Em virtude da criação, em 1980, da categoria psiquiátrica "transtorno do pânico" ou "síndrome do pânico",1 1 Breviário de Critérios Diagnósticos do DSM-III-R / American Psychiatric Association (1990, p.91-3) e Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10 / Organização Mundial de Saúde (1994, p.341-2). esta classificação, fundada nas bases "operacionais" e "pragmáticas" que norteiam a perspectiva objetivante da psiquiatria norte-americana, ultrapassa o âmbito profissional e vem tendo muita repercussão na mídia escrita e falada.

Que contribuições o referencial psicanalítico pode dar a esse debate contemporâneo, uma vez bem circunscritos os campos epistemológicos distintos aos quais se articulam a psicopatologia psiquiátrica e psicopatologia psicanalítica?

Nesse sentido, primeiramente é necessário marcar a epistemologia da psicanálise com a finalidade de circunscrever o campo em que estamos estudando o pânico. Dessa maneira, o termo "pânico", difundido pelo mundo contemporâneo por meio da psiquiatria, é usado, aqui, enquanto suplência e não em oposição ao biológico. Isso quer dizer que não se trata de nos ocuparmos do pânico como uma categoria nosográfica, conforme descrita pela psiquiatria contemporânea como "síndrome do pânico" ou "transtorno do pânico", mas sim, de abordá-lo a partir da perspectiva da psicanálise freudiana, o que significa atribuir-lhe um estatuto de pertinência, tanto do ponto de vista metapsicológico quanto clínico, uma vez que as abordagens teórico-metodológicas desses dois campos (psiquiatria e psicanálise) são absolutamente distintas. Desse modo, procuramos ampliar o debate para além das concepções biologizantes e empíricas de uma vertente da psiquiatria contemporânea, como definir um campo próprio à psicanálise no tratamento desse quadro psicopatológico.

Introduzir uma perspectiva psicanalítica para o estudo desse estado afetivo extremo de angústia implica marcar a pertinência a um campo clínico e discursivo próprios, além do rompimento com o discurso ideológico que desimplica o sujeito em relação a seu sofrimento.

Reportando-nos a Freud, é possível observar que a temática do pânico não é estranha à evolução de sua teoria da angústia. O início de seu trajeto teórico, em 1895 (1980, p.109-16, 112-3), no quadro da neurose de angústia, a sintomatologia dos denominados ataques de angústia, muito se assemelha aos componentes dos ataques de pânico, conforme descritos no DSM-III-R (1990, p.91-3) e CID-10 (1994, p.341-2). Posteriormente, em 1921 (1980, p.122-3), Freud descreve o pânico como uma angústia neurótica provocada pelo rompimento dos laços emocionais que unem o indivíduo a um líder (ideal) e aos membros do grupo e, tal situação, libera um medo gigantesco e insensato.

Sob esse prisma, nossa proposta geral é abordar o pânico como um dos fenômenos do campo psicopatológico do angustiante, referido na obra freudiana, e sua contextualização na atualidade. Para levar a cabo esta proposta, procuramos, por um lado, situar a metapsicologia do pânico a partir da noção de desamparo no discurso freudiano, enfatizando a condição de desamparo do sujeito no mundo e, por outro lado, introduzir a questão das psicopatologias contemporâneas, objetivando o recorte do pânico como um processo de produção social, um dos efeitos do desamparo na contemporaneidade.

Neste sentido, nosso objetivo principal é articular o que Freud denominou "mal-estar na civilização" às psicopatologias contemporâneas, examinando a relação da incidência da sintomatologia do pânico com os modos de subjetivação na atualidade.

O trabalho com essas questões exige o manejo simultâneo das teorias freudianas da angústia e da cultura e da temática relativa às novas formas de subjetivação e seus efeitos nos sujeitos e nos laços sociais, vertente da pesquisa na qual foram importantes as contribuições de alguns autores do campo da sociologia, como Anthony Giddens e Zygmunt Bauman.

AS PSICOPATOLOGIAS CONTEMPORÂNEAS E A METAPSICOLOGIA DO PÂNICO

Certas formas de sofrimento psíquico podem ser consideradas psicopatologias da atualidade, no sentido de expressões dos modos de subjetivação promovidos pela sociedade contemporânea. Há um estilo de sociedade em pauta que gera condições e possibilidades para produção de determinadas psicopatologias como típicas de sua época. Isso não quer dizer, necessariamente, que são psicopatologias inéditas, mas são novas formas de padecimento expressas por meio do pânico, da bulimia, da anorexia, das disposições depressivas, das toxicomanias, das psicossomatizações, dentre outras, que ganham espaço progressivo na cena social atual. Concordamos com Birman (2001a, p.192), para quem existe um processo de produção social dessas psicopatologias que encontra as suas condições de possibilidade na ética da sociedade atual. Para este autor, a

"... psicopatologia da pós-modernidade se caracteriza por certas modalidades privilegiadas de funcionamento psicopatológico, nas quais é sempre o fracasso do indivíduo em realizar a glorificação do eu e a estetização da existência que está em pauta. Esta é justamente a questão da atualidade.(...) Quando se encontra deprimido e panicado, o sujeito não consegue exercer o fascínio de estetização de sua existência, sendo considerado, pois, um fracassado segundo os valores axiais dessa visão de mundo." (BIRMAN, 2001b, p.168-9, grifo do autor)

Essas formas de sofrimento integram e expressam, na sua sintomatologia, redes de significações entrelaçadas ao redor de ideais predominantes na atualidade. Desse modo, trabalhamos com a idéia de que existe um processo de produção social do pânico, pela via do espectro de valores que impera no mundo atual. Portanto, a questão da identificação e dos ideais, do narcisismo e da alteridade e da subjetividade na atualidade são pontos fundamentais neste estudo.

No que diz respeito à metapsicologia do pânico, adotamos a hipótese sugerida por Pereira (1999) de que o desamparo constitui para Freud uma noção metapsicológica capaz de delimitar as bases psicopatológicas do fenômeno do pânico, segundo uma perspectiva psicanalítica. Desse modo, a noção freudiana de desamparo (Hilflosigkeit) é nosso operador metapsicológico fundamental que permitirá o entendimento do pânico como uma manifestação clínica do desamparo e como uma das expressões do mal-estar que marca, na atualidade, a relação do sujeito com a cultura.

A NOÇÃO DE DESAMPARO NO PENSAMENTO FREUDIANO E A MOTIVAÇÃO BÁSICA DO PÂNICO

De maneira sucinta, a noção de Hilflosigkeit implica numa dimensão de desamparo, independentemente de sua concreta efetivação numa situação traumática. Há, portanto, a condição de desamparo, fundante e estruturante do psiquismo e a situação de desamparo, como concretização dessa condição instalada na situação traumática, relativa ao excesso pulsional que não pôde ser simbolizado, ou seja, ao inundamento pulsional no psiquismo, à instalação da angústia automática. Nesse sentido, o pânico é expressão da instalação de uma situação de perigo interna insuportável para o sujeito: a situação de desamparo, a situação de ausência de ajuda.2 2 Curiosamente, a palavra Hilflosigkeit, traduzida na língua portuguesa por "desamparo", significa "ausência de ajuda", "não ter ajuda", ou seja, não há mais ajuda possível, não tem mais a mãe nem o pai nem ninguém que proteja o indivíduo (Cf. Wahrig, Deutsches Wörterbuch). O perigo é o de perder o amor do objeto,3 3 Recordemos que, para Freud (1927/1980, p.43), "a impressão terrificante do desamparo na infância despertou a necessidade de proteção através do amor". Na função de proteção, a mãe é substituída pelo pai mais forte, que retém essa posição pelo resto da infância. Entretanto, "o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais poderoso". o perigo é o desabamento de todo o mundo simbolicamente organizado. Em outras palavras: o retorno para o desamparo (Hilflosigkeit) original.4 4 Lembremos que, para Freud (1927/1980, p.36), "é a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem que reconhecer."

O pânico faz parte de uma gama de diferentes formas do afeto de angústia, distinguíveis entre si, e que constituem, na visão de Freud, o campo do angustiante: das Angstlichen.5 5 Freud chama de "o angustiante" ( das Ängstlichen) um campo psicopatológico que reúne fenômenos heterogêneos ligados à angústia tais como: o sinal de angústia, o terror, o medo, o sentimento inquietante de estranheza e o pânico. O "campo do angustiante" se configura no texto "O estranho" (1919/1980, p.275-6), assim como em outros momentos de sua obra em que aparece a tentativa de delimitar categorias específicas e, conseqüentemente, distintas ligadas ao fenômeno da angústia. Portanto, trata-se de um campo amplo e, nessa medida, extremamente útil para investigação do pânico sob o prisma psicanalítico, tendo em vista que essa noção aponta para especificidades psicopatológicas erigidas sobre o fundo da angústia. Sob esse ponto de vista metapsicológico, o pânico corresponde ao afeto de angústia despertado pelo confronto súbito do sujeito com a condição fundamental de desamparo que, até então, estava enuviada. Consideramos que a função materna falha no aspecto de permitir que a criança passasse por um lento e progressivo processo de desilusão e de subjetivação de um mundo que não corresponde àquele que ela imaginava (onipotência narcísica), portanto, que permitisse que a descoberta da realidade do desamparo pudesse ser uma experiência tolerável.

Sob esse prisma, o pânico diz respeito à angústia despertada pelo desabamento da ilusão de um ideal protetor onipotente, que garantia a estabilidade do mundo psíquico organizado longe de incertezas, da falta de garantias e de indefinições. O pânico é uma das possibilidades afetivas que o sujeito encontrou no enfrentamento da condição de desamparo fundante e insuperável na constituição da vida psíquica. Ser tomado pelo pânico atesta que o sujeito não conseguiu subjetivar a condição de desamparo. Essa é a motivação básica do pânico: a perda do ideal protetor ou o medo da perda do amor.

Nesse sentido, a abordagem psicanalítica do pânico exige o questionamento do lugar ocupado pela figura do pai onipotente que protege e reúne os homens, ou seja, o lugar do desamparo (Hilflosigkeit), como sugere Freud.

A DUPLA FACE DO DESAMPARO: UM CAMINHO PARA COMPREENSÃO DO PÂNICO NA ATUALIDADE

Podemos dizer que a problemática do desamparo na obra freudiana tem dupla face: a face erótica e sexual, que diz respeito a um lugar infantil e à sexualidade traumática vinda da mãe – o desamparo original estruturante do psiquismo (FREUD, 1926/1980); e a face da falta de garantias do sujeito sobre seu existir e sobre seu futuro (FREUD, 1927/1980 e 1930/1980), que é obrigado a uma renúncia pulsional como condição para viver em sociedade. Recordemos que para Freud o desamparo também é o motor da civilização. O homem ergueu a civilização numa tentativa de diminuir seu desamparo diante das forças da natureza, dos enigmas da vida e, sobretudo, da própria morte. O desamparo no campo social Freud (1930/1980) chamou de mal-estar (Unbehagen), tendo em vista que a relação do sujeito com a cultura é permeada pelo antagonismo irremediável entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização.

Na medida que a construção do psiquismo se dá no entrelaçamento entre a pulsão e a cultura, o sintoma, na concepção freudiana, apontando para a dimensão da subjetividade, traz em si uma mensagem do conflito individual, familiar e social do ser humano. Dessa maneira, as formações de sintomas são, em última instância, uma maneira que o sujeito encontra de se organizar dentro de um grupo.

Nossa hipótese é de que o pânico, na atualidade, seria expressão de um modo que o sujeito encontrou de se organizar na sociedade contemporânea, respondendo aos subsídios que a organização social atual oferece para que ele se sustente para além da cena familiar. Essa hipótese é pertinente, na medida em que FREUD se refere ao fenômeno do pânico, por um lado, como um fenômeno do campo da angústia e, por outro, como algo advindo de uma estrutura de relação de grupo. Foi isso que ele trabalhou em Psicologia de grupo e análise do ego (1921/1980).

PROCESSOS SUBJETIVOS E A CENA SOCIAL ATUAL: O PADECIMENTO DO SUJEITO CONTEMPORÂNEO

Sob o prisma freudiano, a construção da identificação e dos ideais, seja do indivíduo, seja do grupo, é marcada por processos subjetivos que devem ser desenvolvidos para que seja mantida tanto a organização individual quanto a organização social que têm como referencial central, como organizador simbólico, a ordem paterna.6 6 Conforme trabalhado, principalmente, nos textos: "Totem e tabu" (1913/1980); "Sobre o narcisismo: uma introdução" (1914/1980); "Psicologia de grupo e análise do ego" (1921/1980); "O ego e o id" (1923/1980); "O futuro de uma ilusão" (1927/1980) e "O mal-estar na civilização" (1930/1980). Esses processos se dão entre duas formas de existência da subjetividade: entre os registros do narcisismo (ego ideal/amor de si) e da alteridade (ideal de ego, superego/amor de outro).

Por conseguinte, para Freud, os ideais orientam os laços sociais sustentados pelo desejo e pelas identificações e, nesse sentido, a construção dos laços sociais é um efeito da problemática do indivíduo em relação aos ideais e às identificações, portanto, em relação aos processos narcísicos e alteritários. O sujeito oscila entre os pólos do narcisismo e da alteridade, o que configura duas modalidades conflitantes de subjetividade: autocentrada e descentrada.

Entretanto, a cena social atual oferece poucas possibilidades para experiências de alteridade, na medida que os ideais da cultura contemporânea, que têm como valores soberanos a glorificação do eu e a estetização da existência7 7 Vide p.5 a respeito das psicopatologias contemporâneas como efeito de um processo de produção social que encontra as suas condições de possibilidade na ética da sociedade atual. (BIRMAN, 2001), incitam o sujeito para o pólo do narcisismo, da subjetividade autocentrada, ficando o mesmo restrito e aprisionado em si mesmo. Quando a alteridade vai cedendo lugar para o narcisismo, vão se configurando modos hegemônicos de produção de subjetividade. Não há lugar para diferenças. O sujeito contemporâneo forja uma identidade imaginária em que, nas identificações imaginárias, parte de si para si mesmo, tendo, como conseqüência, uma referência autônoma e independente da maneira como é visto pelo outro. As formações imaginárias causam o impacto de uma falsa realidade, poupando os sujeitos da dúvida e da incerteza e congelando seus afetos e pensamentos.

As subjetividades contemporâneas caracterizam-se pelo apagamento da alteridade, em que a tendência é uma redução do homem à dimensão da imagem. Há uma ênfase no "exterior" em detrimento do "interior": o que interessa é o brilho, a cena, o espetáculo, o sucesso a qualquer preço, a imediatez, a captação narcísica do outro. Em conseqüência disso, as relações sociais são, predominantemente, regidas pelo imaginário, constituindo-se uma subjetividade em que há o deslocamento da ordem paterna como referencial central. Esse quadro provoca efeitos no sujeito, efeitos nos modos de subjetivação, que apontam para a fragilização dos vínculos sociais, dos laços mútuos e da constituição e permanência dos grupos. O padecimento do sujeito contemporâneo é efeito das subjetividades que tiveram de tecer laços sociais horizontais, confrontando-se com o desamparo e o mal-estar na relação com o outro.

DO MAL-ESTAR DE FREUD AO MAL-ESTAR NA ATUALIDADE: A QUESTÃO DO PÂNICO

No sentido do que desenvolvemos até agora, as formas de sofrimento manifestadas pelos sujeitos são indissociáveis das transformações que remodelam o campo social.

Segundo Giddens (1991) e Bauman (1998), modernidade refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que, posteriormente, tornaram-se, de certa maneira, mundiais em sua influência. Dessa forma, o termo modernidade implica uma série de transformações sociais, materiais, políticas e intelectuais a partir da emergência e difusão do Iluminismo, e que acabaram por se misturar à Revolução Industrial e às transformações geradas pelo capitalismo. O Iluminismo enunciou o "ideal de felicidade" segundo o qual o homem dominaria a natureza com base na razão científica e constituiria uma sociedade igualitária. Essa mentalidade embalou as realizações e aspirações humanas daí provenientes, determinando a ideologia de uma dinâmica social caracterizada pela inovação permanente e por uma "obsessiva marcha adiante". Houve, portanto, uma alteração da ordem social, ou seja, da ordem tradicional para a ordem moderna. Mas, certamente, este não é o cenário social atual e, tampouco, o ideal iluminista se concretizou.

Da mesma forma que a modernidade alterou a ordem social com suas conquistas tecnológicas, científicas, culturais e políticas, algo semelhante ocorreu no século XX, sobretudo nas últimas décadas. Vimos surgir novos estilos, costumes de vida e diferentes formas de organização social. É evidente o declínio da esfera pública e política, a mistura entre o público e o privado, as novas formas de identidade social, o impasse histórico do socialismo, a expansão dos fundamentalismos, os tribalismos, as conseqüências que a informatização gerou na produção material e no cotidiano, a crise ecológica e as dimensões da globalização.

Nessa esteira, a modernidade não promoveu a superação do mal-estar (Unbehagen), resultado do excesso de ordem e da escassez de liberdade. Ao contrário, na sua máxima radicalização, o que fez foi apenas "re-configurar" o mal-estar. O mal-estar contemporâneo é efeito da desregulamentação e do excesso de liberdade individual (privatização), é fruto do excesso pulsional e da fragilidade de simbolização. Nesse sentido, tem uma marca essencialmente traumática, o que aponta para a vulnerabilidade psíquica do homem contemporâneo, assim como destaca o pânico entre os modos atuais de sofrimento humano.

Dessa maneira, as condições atuais do mal-estar na civilização dizem respeito ao vazio existencial produzido pela destruição da narrativa:8 8 No quadro da atualidade predominam as modalidades de sociabilidade em que a subjetividade articulada à historicidade humana não é mais valorizada e, conseqüentemente, as mediações simbólicas e regulações narcísicas vão desaparecendo. O movimento da historicidade humana se constrói num eixo temporal a partir do presente, avaliando o passado e projetando-se no futuro. É essa "narrativa", esse "enredo" dominante, por meio do qual somos inseridos na história, que parece ter sido destruído. O universo simbólico para onde o sujeito se remetia não lhe serve mais de suporte. Essa idéia é desenvolvida por Birman (1997) no livro Estilo e modernidade em psicanálise e também por Bauman (1998) em O mal-estar na pós-modernidade. o sujeito contemporâneo está à mercê da solidão e do vazio. No cume desse quadro, o desamparo do sujeito tornou-se agudo, assumindo formas radicais como o pânico, por exemplo, que irrompe quando o sujeito se depara com o abismo terrorífico da experiência do vazio.

Esse contexto remete a nossa hipótese de que o pânico, na atualidade, seria expressão de um modo que o sujeito encontrou de se organizar na sociedade contemporânea, respondendo aos subsídios que a organização social atual oferece para que ele se sustente para além da cena familiar, tendo em vista que o pânico expressaria o descompasso entre as exigências do tipo psicológico ideal atual, da exaltação desmesurada do eu e da estetização da existência, e a incapacidade no cumprimento dessas exigências, portanto, efeito de um processo de produção social, expressão do mal-estar na contemporaneidade.9 9 Vide p.5 e 8, a respeito das psicopatologias contemporâneas e dos ideais na atualidade. O panicado faria parte da categoria dos chamados consumidores falhos que, segundo BAUMAN (1998, p.22), são pessoas que não são capazes de ser seduzidas "pela infinita possibilidade e constante renovação promovida pelo mercado consumidor, de se regozijar com a sorte de vestir e despir identidades, de passar a vida na caça interminável de cada vez mais intensas sensações e cada vez mais inebriante experiência". São os fracassados, segundo a visão de mundo (ideal da cultura) atual, fracassam no exercício da rapidez e infixidez, da infinita possibilidade da constante renovação, da sedução e promessa de felicidade que a mudança permanente traz. São excluídos sociais. Todavia, paradoxalmente, são indivíduos que estão dizendo "não" a essa forma impositiva de ser, denunciando a sua maneira que, na atualidade, estamos mais à mercê da desregulamentação e da liberdade individual, como dissemos antes.

Desse modo, circunscrevemos o pânico como um modo de padecimento que expressa o mal-estar na contemporaneidade, entendendo-o como um dos efeitos do desamparo do sujeito contemporâneo, para quem a experiência de impotência/desamparo é elevada a um ponto radical.

DUAS POSSÍVEIS ARTICULAÇÕES METAPSICOLÓGICAS A RESPEITO DO PÂNICO

Na medida que, na atualidade, os sujeitos passaram a verticalizar10 10 A mudança do "elo social vertical (pai orientado)" para o "elo social horizontal" foi um dos temas discutidos no Segundo Encontro Mundial dos Estados Gerais da Psicanálise,entre 30 de outubro e 2 de novembro de 2003, no auditório do Hotel Glória, Rio de Janeiro. o campo das relações horizontais em busca de proteção diante da impossibilidade do confronto com o desamparo, o sujeito, na tentativa de evitar o desamparo radical, pode fazer uso de modalidades subjetivas que privilegiam o masoquismo, a servidão e a violência. Esse novo ângulo para abordar as questões de nosso interesse gerou novas linhas de investigação a respeito do quadro psicopatológico do pânico, com desdobramentos fundamentais relativos à metapsicologia do pânico.

Dessa maneira, o desenrolar de nosso estudo culminou em duas possíveis articulações metapsicológicas que se complementam. Para compreendê-las, lembremos que partimos do pressuposto de que a motivação básica do pânico é o rompimento com o ideal.

A relação conflituosa entre ego e ideal do ego/superego é expressa por meio do sentimento de culpa que, nas suas variadas relações com a angústia, diz respeito tanto ao mal-estar quanto ao medo do superego. Portanto, o sentimento de culpa é fruto das exigências do superego em relação ao ego e das exigências da civilização voltadas à dominação da agressividade, implícita no ser humano (FREUD, 1930/1980). Pode acontecer o rompimento do vínculo libidinal que liga, especificamente, o ego com seu ideal, no caso de o ego não suportar as injunções superegóicas relativas às exigências dos ideais. No nosso estudo trabalhamos com a idéia de que o ideal do ego é uma subestrutura do superego.11 11 Em Freud não é fácil delimitar a noção de ideal do ego, na medida que a mesma está ligada à elaboração da noção de superego. Entretanto, é inegável que há uma nuance entre ideal do ego e superego e que nem sempre o próprio Freud usou a ambos como sinônimos, tendo em vista que em seus últimos textos apareceu essa distinção, por exemplo, em Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1932/1980, p.86) e Esboço de psicanálise (1938/1980, p.171). Esse fato é discutido por comentadores de Freud como, por exemplo, Strachey ( Obras completas) e Laplanche & Pontalis ( Vocabulário de Psicanálise). Justamente porque há uma problemática sem resposta clara em torno dessa questão, é que optamos em nosso estudo pela sugestão de Laplanche & Pontalis (1986, p.644) de que "se mantivermos, pelo menos como subestrutura particular, o ideal do ego, então o superego surge, principalmente, como uma instância que encarna uma lei e proíbe a sua transgressão". O fato de apontar o ideal do ego como uma função do superego ou uma subestrutura particular, portanto, não como sinônimos, é importante para nós tendo em vista que a motivação básica do pânico é o rompimento das catexias libidinais direcionadas para o ideal, o que não é o mesmo que dizer que é o rompimento com o superego. Nesse sentido, o superego falha na sua função de manter o ideal. Situamos o pânico como efeito de um aumento do sentimento de culpa12 12 Lembremos que para Freud (1930/1980) o problema mais importante no desenvolvimento da civilização é um crescente fortalecimento do sentimento de culpa e que em resultado do conflito surgido da ambivalência da eterna luta entre pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos) "acha-se a ele inextrincavelmente ligado um aumento do sentimento de culpa, que talvez atinja alturas que o indivíduo considere difíceis de tolerar"(p.157-8). que o sujeito não pôde tolerar. Essa é a primeira articulação metapsicológica.

Nesse quadro, o sujeito pode erotizar a culpa como meio de fazê-la suportável, transformando-a, assim, em fonte de satisfação masoquista. Dessa maneira, mantém o nível de culpa, investindo-a de maneira masoquista.

Entendemos que, no pânico, estamos lidando com um superego feroz, cruel e sádico que, ao contrário de estabelecer barreiras para a satisfação pulsional desregrada, fomenta-a, tomando para si a força pulsional para aumentar sua tirania ao ego. Nesse modo de sofrimento, parece que há um engrandecimento da vertente rígida e sádica do superego, em detrimento da vertente relativa à sua função de agente da lei. Ou seja, o superego feroz e sádico não estabelece limites adequados para um bom funcionamento psíquico, segundo as regras do princípio de prazer; ao contrário, impõe ao psiquismo um modo de agir que desconsidera o desejo e a singularidade. E, como conseqüência, acaba por conduzir o sujeito de volta ao modo de funcionamento psíquico no registro do ego ideal, da onipotência narcísica, ficando o sujeito assujeitado ao regime do masoquismo primário.

Entretanto, o masoquismo também é uma modalidade da mesma relação entre ego e superego, ou seja, da necessidade que o ego sente da punição infligida pelo superego. A diferença está no fato de que na culpa, o ego "se submete" ao superego; e no masoquismo, o ego "deseja essa submissão". O sujeito procura a própria culpa e se dá a satisfação masoquista da punição. Há uma autopunição (culpa) infligida pelo superego, mas, na realidade, o que o sujeito visa é a punição pelo pai (edipiano).

Essa situação tem ponto de âncora na cena social atual, tendo em vista que o imperativo de agir a qualquer preço, somado à precariedade de referências subjetivas, leva o sujeito para o regime do masoquismo, como meio de proteção contra o desamparo radical no mundo atual. O fundamental nessa categoria, como um dos efeitos das subjetividades emergentes, não é que o sujeito sinta prazer com a dor, mas que ocupe posição de humilhação e assujeitamento na relação com o outro (FORTES, 2003). No pânico está em jogo o masoquismo como figura de servidão. Essa é a segunda articulação metapsicológica.

O MASOQUISMO COMO FIGURA DA SERVIDÃO: UMA PROPOSTA PARA PENSAR A QUESTÃO DO PÂNICO NA ATUALIDADE

Lembremos que um dos impasses que a modernidade criou para o sujeito foi o fato de não poder contar mais com a figura do pai protetor onipotente, isto é, "o pai não garante mais nada em termos de proteção subjetiva" (BIRMAN, 2001a, p.157). Foi isso que Freud (1930/1980) mostrou em o Mal-estar na civilização caracterizando este mal-estar como uma nostalgia do pai e um apelo à proteção do pai, presentes em qualquer sofrimento neurótico, em qualquer imaginário neurótico. Portanto, algo da ordem do masoquismo: o apelo à proteção do pai como forma de proteção contra o desamparo é um traço masoquista fundamental.

Na cena social atual, o masoquismo, como uma das formas que o sujeito encontrou de proteger-se contra o desamparo radical, implica em efeitos sob a forma de um pacto: "você me protege do desamparo e em troca eu me submeto a qualquer coisa" (posição de servidão ao outro). Disso decorre que há um pacto masoquista subjacente à experiência do sujeito contemporâneo (FORTES, 2003), portanto, subjacente às formas de sofrimento, ao mal-estar atual. Em conseqüência disso, o pânico pode ser entendido como um dos efeitos da situação traumática em que a subjetivação torna-se um processo de sujeição.

Dessa maneira, diante do desamparo radical, o sujeito contemporâneo abre mão de seu bem maior: a liberdade, pois em troca de uma segurança ilusória ele se oferece como escravo. Essa posição de servidão caracteriza uma condição de extrema miséria psíquica, na medida que o sujeito está inserido na proteção da onipotência narcísica, no registro do ego ideal e não arrisca o imprevisível, ou seja, não se aventura na experiência da castração. Ele se submete aos seus iguais, em laços sociais tecidos horizontalmente segundo a lógica da verticalidade. Desse modo, diante das angústias que surgem no exercício do desejo o sujeito se submete ao conforto da posição masoquista.

Sob este prisma, a experiência de submissão ao outro remete-nos, outra vez à questão do pai, ou seja, o lugar do pai nesta experiência que, no caso do pânico, como sugere Pereira (1999, p.264-8), tem o teor do Grande Fiador13 13 Para uma análise detalhada desta questão, ver Pereira (1999) no capítulo 13: "A psicopatologia do pânico à luz do desamparo". Transcendental de sua existência: "uma instância divina, onipotente e transcendental" que o sujeito acometido pelo pânico "supõe ser a única capaz" de sustentar sua vida "contra os perigos inimagináveis que a ameaçam". Em outras palavras, "o sujeito em pânico parece dirigir-se diretamente a uma instância que supõe capaz de simbolizar de modo completo, sem resto, a sua experiência inominável" (p.275).

É uma tentativa neurótica de restaurar no plano imaginário a figura de um ideal onipotente que proteja o sujeito e dê um destino para seu desamparo. No pânico há um pedido de amor desesperado, de reconhecimento, dirigido ao pai protetor onipotente e transcendente, ao pai pré-histórico, o único que pode libertá-lo de sua terrível vivência de estar morrendo. O pânico constitui-se num apelo do sujeito para não ser abandonado a seu próprio desamparo, apelo esse que, no circuito pulsional, diz respeito à ativação do masoquismo primário.

Pereira (1999) afirma que a relação entre desamparo e pedido de amor que há no pânico "mostra-se de modo incontestável. Apenas a demanda não está endereçada a um outro humano em particular, mas, antes de tudo, ao Grande Fiador Transcendental da existência. (...) Toda sua existência é condicionada à presença em pessoa desse Outro propício" (p.268).

Nesse sentido, quando o sujeito que sofre de pânico condiciona sua existência à presença em pessoa do Grande Fiador Transcendental, seus laços com o outro implicam num pacto masoquista, transformando sua existência em assujeitamento na relação com o outro. No evitamento da condição fundamental de desamparo, o sujeito acometido pelo pânico acaba por ocupar a posição de submissão como forma de refúgio contra o desamparo, contra a ameaça da perda do amor, buscando afastar a angústia que a experiência de desamparo lhe impõe. É sob esse prisma que o pânico se articula com o masoquismo: a pessoa cultua o outro, submete-se a um outro qualquer, dando-lhe o direito de fazer o que quiser com seu corpo e sua alma, desde que esse outro a proteja de uma situação de desamparo.

Nesse contexto, o pânico não poderia jamais ser compreendido, simplesmente, como uma resposta afetiva de angústia automática. Pelo contrário, ser tomado de pânico atesta a dimensão de desamparo fundamental sobre a qual se desenrola o funcionamento psíquico.

O pânico na contemporaneidade é tanto a expressão máxima do ponto a que pode chegar o sentimento de desproteção que acomete as pessoas, como é expressão radical da submissão masoquista a que o sujeito pode chegar como forma de proteção contra as incertezas da vida.

O atual cenário em que nos inserimos é colorido, muitas vezes de choque e pavor, de cenas de brutalidade, destruição e violência que provocam indignação, desilusão e impotência em todos aqueles que se posicionam contra a injustiça, contra a degradação e a depredação do ser humano. O pânico nos traz a seguinte questão: como tornar tolerável a experiência do desamparo num mundo desamparado?

Recebido em 30/3/2005. Aprovado em 30/8/2005.

  • AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (1990) Breviários de critérios diagnósticos do DSM-III-R. São Paulo: Manole, p.91-93.
  • BAUMAN, Z. (1998) O mal-estar na pós-modernidade. Rio de janeiro: Zahar.
  • BIRMAN, J. (1997) Estilo e modernidadeem psicanálise. São Paulo: Editora 34.
  • _______. (2001) O mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • _______. (2001a) "Subjetividades contemporâneas", Psychê Revista de Psicanálise, ano V, n.7, São Paulo, p.151-69.
  • ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE. (1994) Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde CID-10, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, p.341-2.
  • FORTES, I. (2003) "O masoquismo: uma figura da servidão", in: Soberanias (org. ÁRAN, M.). Rio de Janeiro: Contra Capa, p.75-80.
  • FREUD, S. (1980) Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Imago Editora.
  • (1895) "Sobre os critérios para destacar da neurastenia uma síndrome particular intitulada neurose de angústia", v.III, p.101-38.
  • (1913) "Totem e tabu", v.XIII, p.13-191.
  • (1914) "Sobre o narcisismo: uma introdução", v.XIV, p.85-119.
  • (1919) "O estranho", v. XVII, p.273-314.
  • (1921) "Psicologia de grupo e análise do ego", v. XVIII, p.89-179.
  • (1923) "O ego e o id", v.XIX, p.13-83.
  • (1924) "O problema econômico do masoquismo", v.XIX, p.197-212.
  • (1926) "Inibições, sintomas e angústia", v. XX, p.107-210.
  • (1927) "O futuro de uma Ilusão", v. XXI, p.13 -71.
  • (1930) "O mal-estar na civilização", v. XXI, p.75-177.
  • GIDDENS, A. (1991) As conseqüências da modernidade São Paulo: Unesp.
  • MENEZES, L.S. (2004) Pânico: efeito do desamparo na contemporaneidade. Um estudo psicanalítico São Paulo, Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
  • PEREIRA, M.E.C. (1999) Pânico e desamparo: Um estudo psicanalítico. São Paulo: Escuta.
  • WAHRIG, G. (1980) Deutsches Wörterbuch. Munique: Mosaik Verlag.
  • 1
    Breviário de Critérios Diagnósticos do DSM-III-R / American Psychiatric Association (1990, p.91-3) e Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-10 / Organização Mundial de Saúde (1994, p.341-2).
  • 2
    Curiosamente, a palavra
    Hilflosigkeit, traduzida na língua portuguesa por "desamparo", significa "ausência de ajuda", "não ter ajuda", ou seja, não há mais ajuda possível, não tem mais a mãe nem o pai nem ninguém que proteja o indivíduo (Cf. Wahrig,
    Deutsches Wörterbuch).
  • 3
    Recordemos que, para Freud (1927/1980, p.43), "a impressão terrificante do desamparo na infância despertou a necessidade de proteção através do amor". Na função de proteção, a mãe é substituída pelo pai mais forte, que retém essa posição pelo resto da infância. Entretanto, "o reconhecimento de que esse desamparo perdura através da vida tornou necessário aferrar-se à existência de um pai, dessa vez, porém, um pai mais poderoso".
  • 4
    Lembremos que, para Freud (1927/1980, p.36), "é a defesa contra o desamparo infantil que empresta suas feições características à reação do adulto ao desamparo que ele tem que reconhecer."
  • 5
    Freud chama de "o angustiante" (
    das Ängstlichen) um campo psicopatológico que reúne fenômenos heterogêneos ligados à angústia tais como: o sinal de angústia, o terror, o medo, o sentimento inquietante de estranheza e o pânico. O "campo do angustiante" se configura no texto "O estranho" (1919/1980, p.275-6), assim como em outros momentos de sua obra em que aparece a tentativa de delimitar categorias específicas e, conseqüentemente, distintas ligadas ao fenômeno da angústia. Portanto, trata-se de um campo amplo e, nessa medida, extremamente útil para investigação do pânico sob o prisma psicanalítico, tendo em vista que essa noção aponta para especificidades psicopatológicas erigidas sobre o fundo da angústia.
  • 6
    Conforme trabalhado, principalmente, nos textos: "Totem e tabu" (1913/1980); "Sobre o narcisismo: uma introdução" (1914/1980); "Psicologia de grupo e análise do ego" (1921/1980); "O ego e o id" (1923/1980); "O futuro de uma ilusão" (1927/1980) e "O mal-estar na civilização" (1930/1980).
  • 7
    Vide p.5 a respeito das psicopatologias contemporâneas como efeito de um processo de produção social que encontra as suas condições de possibilidade na ética da sociedade atual.
  • 8
    No quadro da atualidade predominam as modalidades de sociabilidade em que a subjetividade articulada à historicidade humana não é mais valorizada e, conseqüentemente, as mediações simbólicas e regulações narcísicas vão desaparecendo. O movimento da historicidade humana se constrói num eixo temporal a partir do presente, avaliando o passado e projetando-se no futuro. É essa "narrativa", esse "enredo" dominante, por meio do qual somos inseridos na história, que parece ter sido destruído. O universo simbólico para onde o sujeito se remetia não lhe serve mais de suporte. Essa idéia é desenvolvida por Birman (1997) no livro
    Estilo e modernidade em psicanálise e também por Bauman (1998) em
    O mal-estar na pós-modernidade.
  • 9
    Vide p.5 e 8, a respeito das psicopatologias contemporâneas e dos ideais na atualidade.
  • 10
    A mudança do "elo social vertical (pai orientado)" para o "elo social horizontal" foi um dos temas discutidos no Segundo Encontro Mundial dos Estados Gerais da Psicanálise,entre 30 de outubro e 2 de novembro de 2003, no auditório do Hotel Glória, Rio de Janeiro.
  • 11
    Em Freud não é fácil delimitar a noção de ideal do ego, na medida que a mesma está ligada à elaboração da noção de superego. Entretanto, é inegável que há uma nuance entre ideal do ego e superego e que nem sempre o próprio Freud usou a ambos como sinônimos, tendo em vista que em seus últimos textos apareceu essa distinção, por exemplo, em
    Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1932/1980, p.86) e
    Esboço de psicanálise (1938/1980, p.171). Esse fato é discutido por comentadores de Freud como, por exemplo, Strachey (
    Obras completas) e Laplanche & Pontalis (
    Vocabulário de Psicanálise). Justamente porque há uma problemática sem resposta clara em torno dessa questão, é que optamos em nosso estudo pela sugestão de Laplanche & Pontalis (1986, p.644) de que "se mantivermos, pelo menos como subestrutura particular, o ideal do ego, então o superego surge, principalmente, como uma instância que encarna uma lei e proíbe a sua transgressão". O fato de apontar o ideal do ego como uma função do superego ou uma subestrutura particular, portanto, não como sinônimos, é importante para nós tendo em vista que a motivação básica do pânico é o rompimento das catexias libidinais direcionadas para o ideal, o que não é o mesmo que dizer que é o rompimento com o superego.
  • 12
    Lembremos que para Freud (1930/1980) o problema mais importante no desenvolvimento da civilização é um crescente fortalecimento do sentimento de culpa e que em resultado do conflito surgido da ambivalência da eterna luta entre pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos) "acha-se a ele inextrincavelmente ligado um aumento do sentimento de culpa, que talvez atinja alturas que o indivíduo considere difíceis de tolerar"(p.157-8).
  • 13
    Para uma análise detalhada desta questão, ver Pereira (1999) no capítulo 13: "A psicopatologia do pânico à luz do desamparo".
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Jan 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2005

    Histórico

    • Aceito
      30 Ago 2005
    • Recebido
      30 Mar 2005
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