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O diagnóstico estrutural e sua relação com a transferência em um tratamento analítico

Resumos

Busca-se refletir, a partir de um enfoque psicanalítico, sobre a questão do diagnóstico estrutural em um caso clínico e sua relação com o lugar que o analista ocupa na relação transferencial. Com base nos fenômenos relatados durante as sessões, destaca-se um leque de possibilidades quanto ao diagnóstico estrutural do caso - neurose, psicose ou perversão -, ressaltando-se que ele só pode ser pensado com base na especificidade da relação transferencial estabelecida com o analista. Uma particularidade deste caso clínico permitiu abordar o lugar que o tecido significante da poesia e da música ocupou diante do sem-sentido da morte.

Psicanálise; diagnóstico estrutural; transferência; poesia


A structural diagnostic and its relationship with transference in analytical treatment. In this article my aim will be to reflect, from a psychoanalytic view, on the question of structural diagnosis in a clinical case and its relationship with transference. Based on the phenomenon described during the sessions I pinpoint several possible structural diagnosis of the case - neurosis, psychosis, or perversion - and highlight the fact that the diagnosis can only be considered based on the specificity of the transference relationship established with the analyst. A characteristic of this specific clinical case was that it allowed us to analyze the role the poetry and music significant played in facing the senselessness of death.

Psychoanalysis; structural diagnosis; transference; poetry


ARTIGOS

O diagnóstico estrutural e sua relação com a transferência em um tratamento analítico1 1 Este texto é uma versão do trabalho apresentado na Reunião do GT "Pesquisa em Psicanálise", no 10º Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Anpepp, em Aracruz, Espírito Santo, 2004.

Walkiria Helena Grant

Professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP; analista-membro da Associação Campinense de Psicanálise. wal@usp.br

RESUMO

Busca-se refletir, a partir de um enfoque psicanalítico, sobre a questão do diagnóstico estrutural em um caso clínico e sua relação com o lugar que o analista ocupa na relação transferencial. Com base nos fenômenos relatados durante as sessões, destaca-se um leque de possibilidades quanto ao diagnóstico estrutural do caso — neurose, psicose ou perversão —, ressaltando-se que ele só pode ser pensado com base na especificidade da relação transferencial estabelecida com o analista. Uma particularidade deste caso clínico permitiu abordar o lugar que o tecido significante da poesia e da música ocupou diante do sem-sentido da morte.

Palavras-chave: Psicanálise, diagnóstico estrutural, transferência, poesia.

ABSTRACT

A structural diagnostic and its relationship with transference in analytical treatment. In this article my aim will be to reflect, from a psychoanalytic view, on the question of structural diagnosis in a clinical case and its relationship with transference. Based on the phenomenon described during the sessions I pinpoint several possible structural diagnosis of the case — neurosis, psychosis, or perversion — and highlight the fact that the diagnosis can only be considered based on the specificity of the transference relationship established with the analyst. A characteristic of this specific clinical case was that it allowed us to analyze the role the poetry and music significant played in facing the senselessness of death.

Keywords: Psychoanalysis, structural diagnosis, transference, poetry.

Neste trabalho buscarei refletir, a partir de um enfoque psicanalítico, sobre a questão do diagnóstico estrutural em um caso clínico e sua relação com o lugar que o analista ocupa na transferência, bem como o lugar que a poesia ocupou na direção deste tratamento. Doralice,2 2 A escolha deste nome buscou uma homologia: permitir a ruptura entre dois outros nomes — Dora e Alice —, e ter, no primeiro nome — Dor(a) —, um significante atrelado à pulsão de morte. é assim que vou chamá-la aqui, tinha 26 anos quando iniciou seu tratamento, dizendo que sua vida estava parada há cinco anos: deixara de freqüentar a faculdade, na qual só voltava para refazer sua matrícula todo início de ano; não trabalhava, não gostava de gente — só de bichos —, morava sozinha e o aspecto marcante do seu tratamento analítico, durante o primeiro ano, era a dificuldade de falar: fazia silêncios prolongados e o vazio era uma característica marcante ao longo das sessões. Quando questionada sobre sua vida, a resposta freqüente era o mutismo. Muitas vezes me perguntei o que a mantinha freqüente em todas as sessões, às vezes entrava e saía sem dizer uma palavra.

O significante transferencial que a mobilizou a marcar sua primeira sessão comigo foi a "tonalidade de minha voz", que ela havia podido ouvir em uma palestra. Qual o lugar da voz na constituição deste sujeito e na direção deste tratamento? Retomo o fato traumático, tal como relatado por ela e que teria ocorrido cinco anos antes do início do tratamento, que fizera com que "sua vida ficasse parada": após ter mantido relações sexuais com sua ex-terapeuta durante meses e, sem que ela entendesse o que havia acontecido, houve uma comunicação, desta "terapeuta", de que "a relação" estava terminada: ela não deveria nunca mais retornar àquele consultório. Sua reação foi quebrar tudo o que pôde até que sua mãe chegasse para levá-la para casa. Cinco anos se passaram e ela continuava com a mesma questão: por que o fim? Por que sua ex-terapeuta não a teria ajudado a elaborar esta ruptura? Seria ela, Doralice, homossexual? No passado, relata já ter tido relações prazerosas com um namorado, mas desde o rompimento com a ex-terapeuta havia tentado aproximar-se de homens. Seu corpo, porém, "era morto" para o amor. Tentava estudar e não entendia o que lia.

Se uma análise começa pela transferência sustentada por um amor imaginário, sabemos que este amor deverá ser transmutado para um amor dirigido ao saber, um saber que se inventa continuamente... Dito de outra maneira: se a relação analítica inicial busca criar um vínculo com o analista colocado na posição de ideal de eu, lugar em que o sujeito se vê visto pelo outro e que lhe permite comprazer-se de um eu ideal, tal como antes lhe era assegurado pela visada especular de qualquer um dos seus pais, ou se o "analista encarna o objeto ‘a’, que na separação vem tapar a abertura constituída pela divisão ou alienação inaugural do sujeito" (SAFOUAN, 1991, p.215), o manejo do trabalho analítico deverá buscar fazer com que o analista possa decair de qualquer um destes lugares que asseguram uma dimensão do engano.

Retomando o diálogo entre Sócrates e Alcebíades no Banquete, citado por Lacan no Seminário VIII (LACAN, 1960-61/1992), os algamata, objetos preciosos que são supostos por Alcebíades estarem contidos em Sócrates, de maneira correlata esta operação seria realizada pelo analisando que passa a supô-los estarem contidos na figura do analista, fazendo dele uma figura amável. Ocorre que esta estratégia, a de supor o outro como contendo estes objetos preciosos capazes de oferecer a completude, é da ordem de um simulacro, e Sócrates, de maneira sábia, faz um elogio a Agatão, transferindo a ele os supostos objetos agalmata; Sócrates sabia que não os tinha. Este material nos permite ressaltar o fato de que a relação dual é da ordem de uma fantasia infantil onde era possível se inscrever a possibilidade de um paraíso em que a falta, a dor e a morte não existiriam — o outro seria o depositário dos agalmata. Num contraponto à fantasia infantil, a direção da análise busca cavar a falta, a descontinuidade, a fim de que ela ocupe o lugar de uma mola propulsora para que o sujeito possa, circunscrito às suas possibilidades, reinventar sua vida. Tal manejo na análise vale como uma bússola para o analista, quando sua hipótese da estrutura do analisante é a de ser uma neurose, ou seja, uma estrutura psíquica marcada pela operação edípica, em que a falta é constitutiva do sujeito e os sintomas relatados têm como uma das funções tamponar a falta como um impossível de suportar.

Nas primeiras sessões, mais além de Doralice interrogar-se sobre sua sexualidade, ou seja, perguntar-se se o seu desejo dirigia-se a homens ou mulheres; "sentir-se tonta" — assim que a sessão era interrompida —, numa tentativa de prolongar o tempo da sessão, mas que ficava absolutamente bem assim que se deparava com tal impossibilidade; e, às vezes, ter pequenos desmaios, mas assim que eu saía da sala ela se recuperava de imediato... me fizeram formular, como uma primeira hipótese diagnóstica, tratar-se de histeria grave. Ou seja, havia um núcleo de sofrimento em sua fala relativo à insatisfação da relação sexual, seja com figuras de mulheres, seja com figuras de homens; havia também formações sintomáticas que solicitavam o olhar da analista sobre seu corpo como condição possível de sua existência. De outro lado, havia o mutismo e passagens ao ato que poderiam ser indicadores de uma psicose. Ocorre que a clínica psicanalítica não é uma clínica norteada pelos fenômenos relatados e/ou observados, ela é uma clínica estrutural, o que implica que o diagnóstico só é possível a partir da relação transferencial estabelecida com o analista. É a partir do discurso do analisante e do lugar que este coloca o analista na parceria sintomática, que podemos pensar o diagnóstico estrutural de um caso clínico. À diferença do diagnóstico dado pela psiquiatria, o diagnóstico na clínica psicanalítica pode estender-se no tempo e, nestas entrevistas iniciais, o diagnóstico estrutural mantinha-se como uma questão.

Retomo a relação transferencial inicial estabelecida com Doralice: a analista continha o objeto pulsional "voz", o objeto a, elevado à categoria do objeto que tem a propriedade de tapar a fenda constituída na alienação e/ou divisão inaugural do sujeito. Sua maneira de ouvir a voz que "faltava" durante as sessões, foi a de fazer telefonemas em situações e horários os mais variados, de maneira freqüente, beirando momentos de desespero — buscava o real de minha voz, buscava "uma palavra que a tirasse do desespero, da solidão". Relatou numerosas vezes sua relação com a ex-terapeuta e, cada vez que a (re)contava tentava receber de mim uma garantia da sua verdade. Como relacionar este fato com sua história de vida?

Da sua infância disse ter "nascido de uma sapatada" que seu pai atirara em sua mãe: isto precipitara o parto. Dois meses depois, sua mãe estava grávida novamente e, junto com os quatro filhos, foge do marido para São Paulo. Este pai "sumiu da vida de todos". Ela voltou a vê-lo na adolescência: uma vez. Doralice recusa-se a falar do pai, tudo o que pôde dizer, em quatro anos de tratamento, foi que ele trabalhava numa companhia aérea e que escolhera seu nome numa lista de passageiros de um vôo. Da mãe, destaca o fato de que nunca ela, Doralice, era vista por sua mãe, esta só tinha olhos para a irmã, que nascera sete meses depois, quando a família, já sem o pai, estava em São Paulo. Lembra-se de crises infindáveis de gritos que dava em sua infância e depois de uma fase muita longa — três anos —, em que permaneceu "sem voz", como "uma autista". Nesta mesma fase, faz um quadro de anorexia e lembra-se do gosto de sangue na boca, diante da violência com que sua mãe resolvera alimentá-la. A imagem que tem dela, criança, é a de estar encolhida num cantinho da casa, "ouvindo a voz da mãe" cantar durante todo o dia. Sua mãe não sabia falar com ela, não a olhava e ela tentava entender o que a mãe falava e sentia, pelo texto das letras escolhidas para serem cantadas. Aí está a voz como objeto condensador de gozo, marcante em sua vida e que foi o significante fundamental no estabelecimento da transferência com a analista.

Jerusalinsky (2004, p.51) diz que muitos dos pacientes de Bruno Bettelheim, na Orthogenic School eram artificialmente psicotizados e alguns deles, vários deles, fabricados como autistas nos campos de concentração. Ressalta que uma criança maltratada não é autista, justamente porque ela tem que se defender do outro. Ela tem que estar muito atenta ao que o outro lhe propõe. As crianças artificialmente autistizadas como na psicose, são aquelas submetidas a um prolongado e ininterrupto período de indiferença do outro. Doralice foi submetida a um longo período de indiferença: ninguém falava com ela, nem a mãe, nem os irmãos, pois "ela era uma chata que só gritava e tinha medo de tudo; acordava à noite e gritava, pois tinha medo de uma cadeira vazia que ficava em seu quarto". Em resposta a esta situação, fez um quadro que se assemelhou ao autismo, mas teve recursos para, do mundo do silêncio e da indiferença, voltar a viver. A maneira que encontrou foi inventar "uma casinha imaginária, onde só ela vivia e que não precisava de nada, nem de ninguém para viver". Somente ela tinha a chave desta casinha e passava tempos sem abri-la, mergulhada num silêncio infinito. Sua dificuldade de fazer laços sociais era marcante e, a partir da adolescência passaram a ocorrer fenômenos de errância.

O estado de desamparo, termo tão constantemente usado por Freud, o Hilflosigkeit, ressalta a total dependência do bebê humano com relação à mãe, e, portanto, a onipotência desta que, através de seu dom de dar ou não dar alimento, carinho; ser ou não capaz de ver, escutar e dar significações aos gestos e murmúrios do bebê, poder influenciar de forma decisiva a estruturação psíquica do seu filho. Em Doralice, podemos dizer ter se inscrito em sua memória marcas de um desamparo profundo, uma sensação de ser "engolida pela bocarra do crocodilo" — mãe, uma vez que o pau que impede que esta boca se feche — o falo paterno —, estava (quase)3 3 Este termo não consta da citação de Lacan. ausente (LACAN, 1969-1970/1991, p.129). Este desamparo tem sua outra face marcada pela falta de recursos psíquicos para que o bebê possa se subjetivar, a partir da operação de separação do outro materno. Doralice fica à mercê do fantasma materno: ser um nada — um objeto que nem é visto, nem ouvido. No que tange à função paterna, destaco o fato dele tê-la nomeado e depois "voado"... O traço marcante da presença paterna, pela repetição trazida nas sessões, foi a "sapatada", a agressão imposta à mãe e a precipitação de seu nascimento. O pai, ao invés de introduzir a lei, introduz a brutalidade (uma sapatada), que culmina com a separação da família, deste pai. Sabemos que a função paterna "está no anel que faz manter-se tudo junto", o (pai)-falo-mãe-criança (LACAN, 1955-1956/1985, p.358). Teria este pai, através das incidências significantes possíveis neste caso, exercido sua função paterna que é a produzir efeitos da metáfora subjetiva na estruturação psíquica deste sujeito? Este é um caso que me colocou, desde o início, uma questão quanto ao diagnóstico diferencial entre neurose histérica e psicose.

A QUESTÃO DA ESTRUTURA

Algumas vezes ela me dizia: "Hoje quebrei tudo em casa". "Se você quiser me conhecer, assista ao filme Betty Blue; sou igual a ela: você já o assistiu?" Eu disse que não, e pedi para que me contasse algo sobre Betty Blue. Silêncio. Uma vez mais, esta situação se repetiu — ela "quebrou tudo" —, falou de Betty Blue, e havia algo da não-palavra capaz de dizer o que acontecera antes desta passagem ao ato: era da ordem de um silêncio. Estava triste, pois seu namorado havia viajado e não entrava em contato com ela... Após algumas sessões, a verdade, recalcada, pôde ser reconstituída durante a sessão: recorda-se de ter presenciado seu namorado beijando outra mulher, lembra-se dele ao sair de carro em alta velocidade, e de ela ter voltado para o apartamento e começado a quebrar tudo. Mais tarde, um telefonema: ele havia morrido num acidente automobilístico. Ela quebra tudo...

Betty Blue é um filme de Jean Benoix, que nos coloca frente à trajetória de uma mulher que, despedida do emprego, sem casa, nem família, acaba indo morar com um homem chamado Zorg, com quem vinha mantendo relações sexuais. Ocorre que este homem trabalha para um patrão digno de ser comparado ao pai da horda primitiva: impunha tarefas a Zorg quase impossível de serem cumpridas. Betty tem, desesperadamente, que fazer deste homem um homem verdadeiro, reconhecido, e cada vez que ele não coloca um limite às demandas desmedidas do patrão, ela, de maneira imprevisível, começa a jogar e quebrar tudo da casa. Ela busca, na parceria amorosa, um homem re-conhecido para que ela possa, escrever um norte — dele e dela — e, quando algo ameaça a concretização deste sonho, faltam a ela recursos simbólicos para lidar com a dor, e a crise psicótica irrompe — ela quebra tudo.

Pontuo uma diferença marcante nos dois casos: se em ambos houve uma forclusão significante, isto é, não havia nada no simbólico capaz de dizer da dor, e o real do ato foi a resposta possível, em Doralice ressalto ter havido, num tempo a posteriori, a possibilidade de repescagem da polissemia das palavras. O trabalho do desvelamento do recalque foi possível, como pude acompanhar durante a sessão, o que permitiu a reconstituição da verdade sobre a traição e a morte do seu namorado.

Outro aspecto freqüente em Doralice era a errância: saía de casa por dias, sem que ninguém soubesse o que acontecia com ela. Quando isto acontecia, "a família" deixava recados para mim; sabiam que no dia e no horário da sessão ela reapareceria — e de fato, ela não faltava às sessões, seja porque saíra andando sem destino, seja porque, mais tarde e com câncer, tivesse sido internada num hospital — fugia do hospital e ia à sessão. Num episódio de errância, recebi uma ligação de uma delegacia de polícia: ela havia sido recolhida e não sabia seu endereço, só sabia o número do meu celular. Apresenta-se a mim como Dora e não sabia com quem estava falando. Digo a ela que no passado ela havia dito chamar-se Doralice, e que nós tínhamos horários regulares toda a semana... Digo que a estaria esperando na próxima semana. Ao trabalharmos a questão do nome com o qual se apresentou para mim no telefone, na sessão seguinte a este episódio, ela me diz, pela primeira vez, que sua mãe chamava-se Alice: "É, fiquei só com o Dora, sem o Alice". O nome próprio é uma marca diferencial, é um significante que nos marca como únicos, separados do Outro: neste episódio delirante, Doralice corta o significante Alice/mãe do seu nome, apresentando-se como Dora. Algo da ordem de uma separação se deu entre ela e a mãe. Se de um lado houve um trabalho de separação com relação à figura materna, de outro, escuto o que restou: um nome para nomeá-la, cujo significante está atrelado ao campo de um gozo mortífero: Dor(a).

Uma passagem pela drogadição: passa a freqüentar um grupo que se reúne para se drogar, começa a comparecer drogada às sessões e sua fala fica totalmente comprometida, e eu, após algumas sessões em que tentava trabalhar este fato, decido interromper o trabalho, uma vez que ela não conseguia mais falar, por efeito da droga. No próximo dia pede para que eu reconsidere a continuidade do nosso trabalho: ela não havia usado crack por 24 horas, e não pretendia mais se aproximar daquele grupo. Falou sobre o crack, falou da dificuldade de ficar sozinha quando saía da sessão e a oferta de maior número de sessões foi suficiente para que ela não retornasse ao mundo das drogas.

Apesar da presença dos aspectos neuróticos, psicóticos e perversos acima relatados, é na especificidade da relação transferencial que a questão do diagnóstico pôde ser pensada.

A QUESTÃO TRANSFERENCIAL

Calligaris, em Introdução a uma clínica diferencial das psicoses (1991), nos diz que qualquer tipo de estruturação do sujeito — seja ela neurótica, psicótica, ou perversa —, é uma estruturação de defesa. Tal estruturação de defesa permite ao sujeito se subjetivar, eleger alguma significação que possa nortear sua vida; algum estatuto simbólico para que seu corpo-carne — organismo — seja recoberto por um tecido significante cuja conseqüência é a erotização do corpo. Mas de que defesa estamos falando? De qual perigo nos defendemos e como pensar nas diferentes formas de defesa atreladas às três grandes estruturas psíquicas: neurose, psicose e perversão? A defesa estruturar-se-ia "contra o que seria, imaginariamente, o seu destino se ele não se defendesse estruturando-se: — ser reduzido ao seu corpo — o objeto de uma Demanda imaginária do Outro —, perder-se como objeto de gozo do Outro" (CALLIGARIS, 1991, p.14).

A operação de defesa implica a possibilidade da inscrição de uma operação metafórica, ou seja, uma significação é construída no lugar da oferenda do real da carne. Dito de outra maneira, diante da Demanda de gozo do Outro materno, ao invés de nos oferecermos como objeto-carne — operação que anula o processo de subjetivação de um sujeito —, o sujeito cria uma via alternativa que é a da ordem de uma metáfora: designar uma coisa por meio do nome de outra coisa, ou seja, uma substituição significante. Assim, a operação metafórica permitiria que, no lugar do real do corpo, pudesse ser oferecido ao Outro materno uma outra coisa, uma significação desta Demanda. Para que esta operação metafórica possa ocorrer é necessário acreditarmos haver um terceiro, alguém capaz de Saber — um saber sexual —, sobre esta Demanda imaginária do Outro materno, caminho aberto para que a significação metafórica possa ser construída.

Ainda tendo como referência o texto de Calligaris (1991), sigo o questionamento que o autor faz à p.14: "em que diferem então o saber neurótico e o saber psicótico"?

A aposta neurótica é que haja "ao menos um" que saiba lidar com a Demanda do Outro, então o saber vai ter um sujeito suposto, e a problemática da defesa vai se jogar na relação (dívida, em geral) de cada sujeito com o "ao menos um" que sabe. Para exemplificar este fato, retomo a relação do sujeito obsessivo com a dívida, tão explorado no caso relatado por Freud em O Homem dos Ratos (FREUD, 1909/1973): a questão da dívida dos óculos que o Homem dos Ratos faz enquanto prestava serviço militar e a intrigante rede de impossibilidades tecida por ele para que a dívida não pudesse ser saldada. Manter a dívida, como dívida, tinha uma conexão com a dívida paterna — uma dívida que seu pai não pagara na mocidade; mais do que isto, ela estava atrelada a uma divida impagável para com seu pai... Esta dívida seria uma metáfora da dívida que ele tem para com este pai capaz de ser o "ao menos um" capaz de ter o saber de como lidar com a Demanda materna, saber este capaz de libertá-lo da morte subjetiva ao introduzi-lo no mundo das palavras. Ressalto que o resultado desta operação, em que o houve a intervenção da função paterna, é a do sujeito encontrar-se referido a um saber, e ter seu mundo organizado em função de um marco central — o significante fálico —, em torno do qual são medidas todas as significações. No campo da relação transferencial, a parceria do analisando com o analista, quando a estrutura do analisando é neurótica, é marcada pela suposição de saber ao analista, num evidente deslocamento do saber, antes atribuído, pelo analisando, ao pai.

"A escolha psicótica é aparentemente outra: ela não passa pela referência a um sujeito suposto saber, embora passe certamente pela referência a um saber de defesa (...)" (CALLIGARIS, 1991, p.14). Ou seja, na psicose, não há a incidência da operação edípica ligando o saber suposto de como lidar com a demanda imaginária do Outro materno à figura paterna. Uma das conseqüências desta falta da função paterna operando esta interdição é a de não haver uma significação primordial e medida para todas as outras significações, como ocorre na neurose. Na psicose não haveria uma "organização centralizada do seu saber e do seu mundo" (CALLIGARIS, 1991, p.15), o que vai se refletir, por exemplo, na errância do psicótico no mundo, errância que pode ter uma significação: por exemplo, a de construir, nesta errância, um fio condutor do seu destino. Assim, na psicose, não haveria uma figura de pai suposto saber como lidar com a demanda imaginária do Outro materno e, o que resta ao psicótico é, ele mesmo, criar condições para que se proteja da Demanda deste outro, construindo um saber para tanto. No que tange à relação transferencial, o analista pode fazer parte deste caminho de errância do sujeito psicótico e, apenas ser convocado a ser um secretário do alienado, mas pode, também, ser interpelado como um saber.

Doralice me diz que a relação construída entre nós duas permitiu que a "chave de sua casinha tivesse sido usada, agora ela estava aberta, e eu era a responsável". Atribui a mim um saber sobre sua vida: certa vez me telefona de madrugada, numa noite fria e chuvosa, sem saber onde estava, após ter andado sem rumo por dias, e espera que eu lhe ofereça um norte. Às vezes, durante as sessões fazia perguntas sobre o manejo da análise, buscava um saber que acreditava que eu o tivesse como um saber acabado, fechado. Nesta situação, o analista pode pensar que está lidando com um paciente perverso, porque, a partir do momento em que ele está sendo

"interpelado como um saber, e não como um sujeito suposto a este saber, ele pode achar que está lidando com um paciente perverso, ou seja, um paciente cujo problema é exatamente a usurpação do saber dele. Ele pode estar lidando com um paciente perverso, que procura uma cumplicidade, na qual vai chegar a um desafio possível, tomando para si o saber do analista, para colocar-se, ele mesmo, na posição de sujeito deste saber." (CALLIGARIS, 1991, p.20)

Retomo, aqui, a questão do diagnóstico estrutural deste caso, ou seja, o que fazia questão de uma posição minha: sua relação com as drogas, sua relação promíscua com homens e mulheres, fenômenos que não são suficientes para pensarmos numa perversão, pois na relação transferencial estabelecida com a analista nunca houve marcas de cumplicidade ou de desafio. Ela tem sido marcada, ora pela importância de ter alguém capaz de olhá-la e escutá-la para fazê-la existir, ora interpelando um saber "da psicanalista que sabe sobre o inconsciente" numa busca de apropriar-se de marcos possíveis para construir um norte para si mesmo, recursos para lidar com a angústia dos episódios de errância por dias, em que é incapaz de recordar seu nome, seu endereço... A falta de palavras para dizer de algo, os silêncios como os da ordem da não-palavra possível, nos remetem ao mecanismo da forclusão, que coexiste com a operação de recalque, e destaco a possibilidade metafórica que permitiu uma operação de extensibilidade simbólica por meio do trabalho que ela pôde fazer, no decorrer do trabalho analítico, com a música e a poesia: estes são aspectos suficientes para que falemos de um caso cujo diagnóstico é de uma neurose histérica, coexistindo com o mecanismo de forclusão.

Marie-Hélène Brousse, citada por Miller (1998, p.104), diz: "Num seminário havido em 1996, Jacques Alain-Miller colocava em evidência no ensino de Lacan duas formalizações da clínica: uma estruturalista, outra borromeana; uma descontinuista e categorial, a outra elástica e fundada sobre uma generalização da forclusão. "

É desta clínica borromeana, elástica, no sentido de que existe a possibilidade de pensarmos a coexistência de fenômenos das diferentes estruturas coexistindo num mesmo sujeito e focando o mecanismo da forclusão como sendo inerente a todas as estruturas, enquanto manifestação do Real, que destacamos para pensar o diagnóstico deste caso. Quanto ao fato de a hipótese da forclusão ser um mecanismo generalizado no ser humano, ressalto que também o Nome-do-Pai o foi nos últimos trabalhos de Lacan: o ponto de capitonê (ou convergência) generaliza o Nome-do-Pai. Assim, podemos questionar, em cada caso, ali onde faltou, ou foi de ordem incipiente — como no caso de Doralice — o Nome-do-Pai, qual poderia ser o elemento capaz de produzir um efeito de amarração, de afivelamento, de grampo, capaz de produzir efeitos de subjetivação e, portanto, permitir ao sujeito jogar com certa extensibilidade da ordem simbólica. Neste caso, a poesia e a música vão aparecer como operadores de consistência, criando condições para que o simbólico, o imaginário e o real continuem se mantendo juntos.

‘VOCÊ TEM CÂNCER’

Doralice, durante o tratamento, havia encontrado o amor na figura de um cantor — sua voz era maravilhosa —, havia começado a trabalhar e ganhar o suficiente para sustentar-se sozinha, sem a interferência materna. Um ano depois, seu companheiro morre num acidente automobilístico, ela o nega para somente depois viver este luto. Pouco tempo depois desta morte, ela começa a sentir fortes dores abdominais e o diagnóstico médico é: "Você tem câncer no útero". Ela fala deste diagnóstico com muita dificuldade e, depois disto, o silêncio! Ela não falava nada sobre o câncer. Para mim, ficava uma questão: como pensar o fato de tal diagnóstico não provocar que um sujeito fale sobre o que está acontecendo no seu corpo? Como pensar o fato de que um sujeito não busque implicar-se neste sintoma? O fato era que ela nada falava do câncer, e o mutismo voltou a reinar nas sessões durante semanas, até que "uma estrela" passou a funcionar como causa de desejo.

O LUGAR DA POESIA NUM TRATAMENTO ANALÍTICO

Como pensar o lugar da poesia em um tratamento psicanalítico?

Como nos autorizar a construir uma ponte entre o material poético trazido pelo analisando e aspectos seus, inconscientes, que buscam uma maneira de expressão?

Freud (1907/1973, p.1.335) nos diz que "o poeta dirige a atenção ao inconsciente de seu próprio psiquismo, espreita as possibilidades de desenvolvimento de tais elementos e lhes permite chegar à expressão estética em lugar de reprimi-los por meio da crítica". A criação poética seria uma forma de expressão de aspectos inconscientes, mas à diferença dos sintomas neuróticos, ela se nos apresenta envolta numa beleza estética, permitindo àqueles que a lê compartilhar deste meio para expressar algo particular.

Lacan, partindo da Lingüística, ciência da linguagem humana, ressalta que a dimensão da escrita é dada pela leitura do que se ouve do significante, e o que se ouve do significante é o significado. Neste sentido, Lacan particulariza a dimensão da escrita, introduzindo a dimensão do sujeito, que, ao escutar um significante, atrelará a ele um significado, referente à especificidade de sua história.

Caldas (2003), ao escrever sobre a "literatura o e o gozo", destaca que o significante pode ser tomado em duas vertentes: a do significante propriamente dito e a do gozo. Enquanto significante propriamente dito, ocupa o lugar de uma construção na cadeia da linguagem que produz um sentido e um saber. No que diz respeito ao gozo, o significante é letra, marca diferencial que se escreve sem portar uma significação e indica um ser de gozo, mais além do sentido. Assim, podemos encontrar o significante e a letra amalgamados num mesmo significante, ou seja, poderia haver, na escuta de um dado significante, a produção de um sentido, e /ou de um fora-de-sentido.

"O significante como sentido remete à ausência de objeto, mas como letra, produz um afeto que incide no corpo, um efeito de gozo que torna o objeto presente. Assim, o Witz marca tanto a ausência do objeto, evidenciada pelo equívoco significante, como sua presença, pelo fragmento de gozo que possibilita." (CALDAS, 2003, p.22)

Em decorrência deste material, destacamos que a letra na escrita literária, e nos textos musicais, serve de suporte para duas modalidades de gozo: o gozo do significante, dado pelo sentido e que produz um saber; e o gozo da letra, um gozo fora-de-sentido, que produz um efeito de gozo capaz de tornar o objeto presente. Assim, cantar um trecho de música o dia inteiro, declamar uma estrofe de um poema inúmeras vezes nos convoca a pensar a possível relação entre um texto que era público — posto que publicado/gravado —, e algo que é particular de um sujeito. Nossa aposta é a de que a busca da repetição incessante de um texto poético, por exemplo, permita a extração de um gozo mais além do saber do sujeito, um gozo que toma seu valor de real. Assim, a repetição de um texto poético, veicula, por um lado, uma articulação com um saber, com o Outro da linguagem, e, por outro, o ponto-limite em que se pode dizer de um gozo impossível de saber.

Jorge Semprun (1995), em A escrita ou a vida, obra em que relata memórias de um tempo vivido no campo de concentração em Buchenwald, como prisioneiro do nazismo, suportando condições subumanas, como fome, frio, trabalhos forçados, humilhações e o defrontamento diário com a face da morte: seja no segurar as mãos de um colega querido que morria, seja ao olhar e cheirar a subida dos rolos de fumaça constante de corpos carbonizados que saíam das chaminés dos fornos crematórios, nos fala da importância da poesia em sua vida. Semprun nos diz ter tido sempre muita sorte com os poetas.

"Quer dizer: meu encontro com suas obras sempre foram oportunos. Sempre topei, no momento oportuno com a obra poética que podia me ajudar a viver, me fazer avançar na acuidade da minha consciência do mundo. Assim foi com César Vallejo. Assim mais tarde com René Char e com Paul Celan." (2005, p.61)

A escrita ou a vida; a escrita como uma forma de buscar tecer uma rede simbólica possível para se sustentar diante do buraco traumático da experiência vivida em Buchenwald; a escrita que, por outro lado, também o levava a reviver o limite da dor possível de ser contornada pela linguagem e que o colocava quase na exclusão do que se podia denominar vida.

Mais além de pensarmos a validade do uso de textos literários para a discussão de temas psicanalíticos, Doralice traçou seu caminho, trazendo a literatura e a música para dentro das suas sessões...

Era um entardecer e a revoada dos pássaros, os múltiplos sons que ecoavam da janela da sala de atendimento, provocaram em Doralice uma constatação: "Os pássaros continuam cantando, as folhas das árvores continuam balançando ao vento, as estrelas vão continuar brilhando no céu, muito depois que a morte me levar!" Como é mesmo aquele poema "Ora, direis, ouvir estrelas..., como é mesmo?". Durante algumas sessões a lembrança deste poema insistia em se fazer presente, ela falava da importância das estrelas, da beleza de poder falar com elas à noite... Um tempo depois, este poema "apareceu" em minhas mãos — não tenho dúvidas de que, mesmo sem o saber conscientemente, eu também o procurava; decidi dar a ela uma cópia de "Ouvir estrelas", de Olavo Bilac.

OUVIR ESTRELAS Olavo Bilac "Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto

A Via-láctea, como um pálio aberto,

Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,

Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!

Que conversas com elas? Que sentido

Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!

Pois só quem ama pode ter ouvido

Capaz de ouvir e de entender estrelas."

(Poesias, Via-láctea, 1888)

Doralice leu em voz alta o poema, pediu-me que o lesse junto com ela, levou-o consigo. Ela passa a recitar o poema, a ir à noite para "ver e falar" com as estrelas, e, a partir daí, trazer outros poemas nas sessões, pontuar metáforas de fatos de sua vida expressos na escrita da poesia. As estrelas, no poema de Bilac, permitem aos que têm ouvido capaz de ouvir e entender o que dizem, fazer com elas uma parceria mágica! Doralice havia feito tal parceria: a de buscar uma presença que a tirava da solidão e a convocava a reescrever sua vida. Um dia disse: "Quando eu virar uma estrela, você vai continuar me olhando no céu?" Uma ex-trela... significante que insistia pelo efeito de uma escuta singular que permitiu uma aproximação possível da morte, um fim que seria, magicamente, atrelado a uma presença: "quando eu me tornar uma ex-....." teria ainda a presença do olhar da analista?

Cirurgia de um tumor, silêncio sobre tudo o que se passou com ela, e logo depois, dores, biópsia: outro foco cancerígeno... Seu discurso gira em torno da idéia do suicídio, de fugir da dor da doença pela via da morte precipitada. Na sessão que tivemos naquela semana, falou desta dor, voltou a falar em suicídio... No final daquele dia, "apareceu" na hora em que eu entrava no carro para ir embora, e me pediu para que guardasse como lembrança dela, a letra de uma música de Chico Buarque de Holanda: "Futuros amantes". Deu-me um papel em que se lia:

FUTUROS AMANTES Chico Buarque

Não se afobe, não

Que nada é pra já

O amor não tem pressa

Ele pode esperar em silêncio

Num fundo de armário

Na posta-restante

Milênios, milênios

No ar

E quem sabe, então

O Rio será

Alguma cidade submersa

Os escafandristas virão

Explorar sua casa

Seu quarto, suas coisas

Sua alma, desvãos

Sábios em vão

Tentarão decifrar

O eco de antigas palavras

Fragmentos de cartas, poemas

Mentiras, retratos

Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não

Que nada é pra já

Amores serão sempre amáveis

Futuros amantes, quiçá

Se amarão sem saber

Com o amor que eu um dia

Deixei pra você

Ela pediu para que eu guardasse uma música/poema que falava de um amor impossível, um amor que deixara marcas, escritos, e estes deveriam ficar guardados a fim de que, no futuro, pudessem servir para enlaçar outros amantes. Deixava comigo o futuro, a esperança de um novo amor... Despedia-se da vida.

Recebi o poema, li. Já dentro do carro, olhei para ela e disse: "Não se afobe não, nada é pra já..."

Fui embora. Com este refrão da música de Chico, apostei nos efeitos da suspensão da promessa de suicídio que Doralice fizera na sessão e que, naquele gesto, falava — sem palavras —, mais uma vez!

Ela não se afobou!

Durante sessões subseqüentes, ela trouxe a magia que foi escutar aquela interpretação. Perdida, sem esperança, escutou, e acreditou, na possibilidade de estender o tempo simbólico da sua vida. Passaram-se dois anos desde então, ela continuou sob tratamentos médicos, falando nada sobre o câncer, e a poesia passou a ocupar lugar importante neste tratamento.

Doralice manifesta uma paixão pela ignorância naquilo que diz respeito ao câncer, seu corpo sofre, a dor se faz presente... Há aí um cifra de gozo que teima em não se fazer passar pela ordem significante, há aí um gozo em posicionar-se como vítima deste Outro do destino...

Se o mutismo resguarda uma dimensão de gozo do corpo, por outro lado, a extensibilidade simbólica do seu tempo pôde ser tecida com os fios significantes da poesia e da música: canta, nas sessões, trechos de música clássica; ouve a sonoridade da voz que tem!

É pela via da poesia e da música que ela pôde se aproximar do sem-sentido da morte — frente à morte, não existe cura, só nos resta mudarmos de posição frente ao que é impossível mudar. A criação poética é testemunha do não-sentido; ela recria, transforma, brinca... Como Sheerazade, Doralice buscou o em-canta-mento da poesia, estendendo o seu tempo simbólico com mil e um acordes...

REFERÊNCIAS

BILAC, O. (1888) "Ouvir estrelas". Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br. Acesso em: 5 de novembro de 2006.

CALDAS, H. (2003) Literatura — A arte do parlêt(t)re. Correio, n. 40. Belo Horizonte: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, p.20-26.

CALLIGARIS, C. (1989) Introdução a uma clínica diferencial das psicoses. Porto Alegre: Artes Médicas.

FREUD, S. (1973) Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva. (1907) "El delirio y los sueños en la "Gradiva" de W. Jensen", v.II, p.1.285-1.336. (1909) "Análisis de un caso de neurosis obsesiva", v.II, p.1.441-1.528.

JERUSALINSKY, A. (2004) Seminários III. São Paulo: Instituto de Psicologia da USP.

LACAN, J. (1955-1956/1985) O Seminário livro 3, As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

_______. (1960-1961/1992) O Seminário livro 8, A transferência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

_______. (1964/1979) O Seminário livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.

_______. (1969-1970/1991) O Seminário livro 17, L’envers de la pychanayse. Paris: Seuil.

MILLER, J. (1998) "A conversação", in Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: A conversação de Arcachon. São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira.

SAFOUAN, M. (1991) A transferência e o desejo do analista. Campinas: Papirus.

SEMPRUN, J. (1995) A escrita ou a vida. São Paulo: Companhia da Letras.

Recebido em 2/8/2006. Aprovado em 16/11/2006.

  • BILAC, O. (1888) "Ouvir estrelas". Disponível em: http://www.revista.agulha.nom.br Acesso em: 5 de novembro de 2006.
  • CALDAS, H. (2003) Literatura A arte do parlêt(t)re. Correio, n. 40. Belo Horizonte: Revista da Escola Brasileira de Psicanálise, p.20-26.
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  • MILLER, J. (1998) "A conversação", in Os casos raros, inclassificáveis, da clínica psicanalítica: A conversação de Arcachon. São Paulo: Biblioteca Freudiana Brasileira.
  • SAFOUAN, M. (1991) A transferência e o desejo do analista. Campinas: Papirus.
  • SEMPRUN, J. (1995) A escrita ou a vida. São Paulo: Companhia da Letras.
  • 1
    Este texto é uma versão do trabalho apresentado na Reunião do GT "Pesquisa em Psicanálise", no 10º Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da Anpepp, em Aracruz, Espírito Santo, 2004.
  • 2
    A escolha deste nome buscou uma homologia: permitir a ruptura entre dois outros nomes — Dora e Alice —, e ter, no primeiro nome — Dor(a) —, um significante atrelado à pulsão de morte.
  • 3
    Este termo não consta da citação de Lacan.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Recebido
      02 Ago 2006
    • Aceito
      16 Nov 2006
    Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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