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Entre subjetividade e cientificidade: a tomada de decisão hoje

ENTREVISTA

Entre subjetividade e cientificidade: a tomada de decisão hoje* * Publicado em La décision entre médecine et psychanalyse. Enjeux contemporains (D. Brun, Ed.), Paris: Éditions Études freudiennes, 2009.

Entrevista com Alain Vanier e Catherine Vanier, conduzida por Pierre-Louis Fort

PIERRE-LOUIS FORT: A tomada de decisão é algo essencial em medicina: é preciso decidir sem parar, com urgência ou não, conscientemente ou não. Ora, as repercussões de uma decisão são das mais complexas, e não podemos evitar questionar-nos acerca dos mecanismos psíquicos que acompanham e/ou dirigem esse ato: como se toma uma decisão no domínio médico?

ALAIN VANIER: O ato médico é fundamentalmente um ato que implica uma decisão. Uma decisão é necessária em função do movimento clássico: exame do doente, diagnóstico, decisão e terapêutica. Esse encadeamento pode parecer lógico no espírito médico, mas a medicina mudou há alguns séculos (em todo caso, pelo menos dois), e essa mudança se acelerou ainda mais ao longo dos últimos anos. Porque o que está em jogo agora é que vivemos no ideal de uma decisão sem sujeito: uma espécie de puro discurso técnico-científico que, a partir de determinado número de dados, conduziria a uma decisão favorável. Ora, isto é no mínimo problemático, porquanto nos apoiamos nos costumes, articulados a um sistema de normas, e essas normas (de boa saúde, ou clínicas) se baseiam apenas em médias. É, portanto, em função dos casos estimados em relação a essa média que as coisas vão ser decididas.

A produção das normas médicas atualmente é uma espécie de convite ou de imperativo: torna-se uma conduta moral no campo social. Assim como há um imperativo impessoal que diz: "não fume, não beba, tenha tanto de taxa de colesterol, tal valor de pressão arterial", e assim por diante, da mesma maneira o ideal seria uma decisão que se impusesse de maneira lógica, sem que houvesse algum sujeito que, em dado momento, avaliasse uma situação...

Outrora os médicos tomavam uma decisão em seu espírito e consciência. O gesto do parteiro que rejeitava uma criança mal formada, por exemplo, podia ser um gesto muito discutível (com base em que princípio ele adotava esse gesto?), mas ele o assumia como algo que pertencia ao seu registro de médico. Podese reler Zola ou mesmo Balzac para encontrar exemplos, e isso durou bastante tempo. Hoje em dia o ideal de uma decisão sem sujeito faz com que, quando os médicos são levados a tomar alguma decisão - porque, seja como for, a prática da medicina não se exonerou disso -, eles têm bastante dificuldade de encontrar pontos de apoio para essa decisão, seja no discurso social ou no discurso do princípio ético. Donde surge certo número de recursos: as comissões de ética, as reuniões, etc. Esses dispositivos não deixam de ter interesse, mas é frequente que levem a que ninguém responda pela decisão em seu próprio nome.

Há nisso algo que é uma constante das posições modernas, tanto a propósito daquilo que a modernidade fez de melhor (a propósito dos encargos coletivos, das decisões democráticas, etc.), quanto ao que fez de mais assustador (como os campos de extermínio, conforme demonstrou Hanna Arendt), uma máquina sem sujeito. Se quiséssemos, poderíamos dizer a mesma coisa da quebra da bolsa de valores: mesmo que seja possível apontar tal ou qual responsável, é bem sabido que o sistema se consumiu sozinho.

Essa dimensão de funcionamento autônomo está presente no ideal médico. Catherine pode nos pôr a par disso a propósito de territórios como a neonatologia, no qual o peso a partir do qual é possível reanimar um bebê que acabou de nascer é estabelecido por uma decisão arbitrária ou por normas da OMS, as quais mudam regularmente.

Se em determinados casos, porém, a decisão não deixa margem a dúvidas, em outras a questão é extremamente problemática. Catherine poderia dar muitos exemplos de médicos que, ante uma mesma situação clínica, não reagiriam da mesma maneira.

CATHERINE VANIER: O território da neonatologia é tipicamente aquele em que a decisão se impõe de maneira crucial: o pediatra reanimador é chamado à sala de parto e tem que tomar a decisão de reanimar ou não a criança que acabou de nascer. E tem muito pouco tempo para isso. É sabido que bastam 3 minutos e meio sem oxigênio para que um cérebro seja destruído. A decisão, portanto, deve ser muito rápida. Efetivamente há normas que são levadas em conta, conforme Alain dizia - por exemplo, as relativas ao peso corporal. Há também normas em função do momento em que a criança nasce (em que semana de gestação, por exemplo - na atualidade, está em 22 semanas/500 gramas), ou de seu estado. Evidentemente, se a criança nasce morta, mesmo que seja uma gestação a termo, como não se sabe há quanto tempo ela não está mais respirando, a questão se apresenta de maneira diferente. É preciso então basear-se no que vai dizer o parteiro, que estava lá todo o tempo do parto, no que ele pensa do que fornecido pela monitoração e pelos demais registros dos ritmos do coração do bebê, para ser possível fazer uma ideia. O problema ocorre, sobretudo, quando nasce uma criança que respira sozinha, mas que não está dentro das normas determinadas. O que fazer nesse momento? O médico vai ter que tomar a decisão, o que ele não pode evitar, mesmo baseando-se numa quantidade de protocolos, de pequenos itens. É possível ver, então, dois pediatras que, exatamente nas mesmas condições, vão agir de maneiras diferentes: um vai reanimar a criança; o outro, não. São convicções pessoais.

Eu me lembro de um pediatra - eu trabalho em ressuscitação há vinte anos - que me dizia: "Mas o que é que você quer? Eu me sinto obrigado a reanimar. Cada vez que reanimo uma criança nessas condições, tenho a impressão de que a estou retirando das mãos do demônio". Ademais, cada qual tem sua própria bagagem, sua história pessoal, como esse ressuscitador, que teve um irmãozinho morto ainda bebê, e, certamente, não foi por acaso que escolheu a reanimação do bebê...

O que se tenta, portanto, é colocar limites à volta desses médicos. Mais ainda, eles próprios tentam colocar essas barreiras para si mesmos, a fim de que as decisões sejam tomadas de maneira objetiva, não subjetiva.

PIERRE-LOUIS FORT: O movimento atual consistiria, portanto, em dessubjetivar a decisão, em torná-la quase autônoma, e em multiplicar o apoio em torno das tomadas de decisão. Então, a gente se protegeria por meio de referências pré-estabelecidas ou de critérios de todo tipo. Mas as referências e os critérios não são extremamente lábeis, suscetíveis de mudar?

CATHERINE VANIER: Em neonatologia uma quantidade enorme de estudos são feitos para saber como se tomam as decisões nos diferentes países. Esses estudos mostram, efetivamente, que em função do país a atitude pode ser totalmente diferente, seja para as decisões de reanimação ou as de parada de reanimação. Em determinados países os médicos desejam a participação dos pais nessa tomada de decisão. Nos países nórdicos em geral - toda a cultura anglo-saxônica - a participação dos pais é solicitada. No sul, em compensação, os médicos pensam que é desejável poder continuar a decidir sem os pais.

ALAIN VANIER: Tudo isso é efetivamente muito mais complexo, uma vez que se há alguma coisa sobre a qual a ciência não pôde dizer nada no nosso mundo, é sobre a vida. Na ciência do vivo, nunca se sabe o que é a vida. Há, então, critérios de morte cada vez mais variados, da parada cardíaca aos encefalogramas de morte cerebral etc., mas esses critérios mudam - supõe-se que são estabelecidos mediante consenso, o que evidencia, antes de tudo, a ausência de critério absoluto. Aliás, vê-se bem isso no debate religioso: a partir de que momento pode-se considerar que um sujeito está vivo? Será que é o momento do encontro dos gametas? Será que é no fim de três meses de gravidez? Será que é no fim de quatro meses? Variam as possibilidades de interrupção voluntária de gravidez: mudam-se as datas, acrescentam-se quinze dias... Essas questões, portanto, são totalmente arbitrárias e se fundamentam em critérios - outrora isso era evidente, porque os critérios éticos eram ligados ao laço social e à ideologia comum de um grupo social, apoiados sobre uma referência transcendental. Hoje em dia a ciência os subverteu permanentemente, mas não tem nada para propor nesse lugar.

PIERRE-LOUIS FORT: No fundo, os progressos da ciência não viriam complicar a tomada de decisões?

CATHERINE VANIER: Atualmente ressuscitam-se crianças cada vez menores. Por que, então, não as reanimar, uma vez que se sabe fazer isso no nível tecnológico? Em seguida vêm as consequências da reanimação... É outra coisa. É difícil decidir isso na hora. Não se sabe como uma criança vai reagir à reanimação.

Vamos tomar duas crianças reanimadas, ambas de mesmo tempo de gestação, com o mesmo peso e nas mesmas condições de nascimento: uma delas vai sair com uma ressonância magnética perfeitamente normal, sem problemas neurológicos nem pulmonares, ao passo que a outra estará fortemente prejudicada ao sair do hospital. Consequentemente, como correr esse risco, uma vez que, de certa maneira, não se sabe como a criança vai reagir a essa reanimação? No momento atual, a tendência em todos os países é antes ir-se àquilo que se chama reanimação em espera. Quando a criança parece não estar mal demais ao nascer, ela é reanimada: então, está em "reanimação em espera", quer dizer, se espera para ver como isso vai evoluir, para decidir pela continuação ou não da ressuscitação, após discutir com os pais. Todos os especialistas dizem que é importante introduzir os pais nas providências, dizendo-lhes: "Estas são as nossas inquietações, eis onde nos encontramos, o que pensamos fazer. Como vocês veem isso?" Depois, tudo depende de cada serviço e, evidentemente, da relação que o médico vai ter com os pais. E é aí que tudo se complica - de maneira geral, é nesse ponto que os médicos apelam aos analistas.

PIERRE-LOUIS FORT: A medicina e a psicanálise como duas entidades complementares, então?

ALAIN VANIER: Eu gostaria de lembrar a ligação entre emergência da psicanálise e progresso científico: o fato de que a medicina, tornando-se científica, abandonou um tipo de relação entre médico e doente. Essa virada remonta ao final do século XIX/início do século XX (embora possa ser percebida desde 1800). Mas a grande virada data da Segunda Guerra Mundial. Nessa ocasião, a medicina deu um passo a propósito da cientificidade, e certo número de analistas, como Balint, fizeram desse lugar seu terreno de pesquisas. Foi como uma resposta a um chamado ou a alguma coisa que era esperada da parte dos médicos.

No fundo, o ideal da medicina seria reduzir o médico e seu paciente a puros sujeitos da ciência. Mas o puro sujeito da ciência é uma ficção, isto é, que essa tradução é sempre impossível, mesmo que o lado corpo/máquina esteja presente como um ideal e como algo que estrutura a medicina do ponto de vista de seu trâmite estratégico. Sobra daí nada menos do que o corpo vivido, o que foi experienciado, o que Lacan chamava "o gozo do corpo" (um corpo é feito para gozar, é trabalhado pelo desejo, etc.) é algo absolutamente impossível de eliminar.

O problema hoje em dia não é tanto que isso tenha mudado, no sentido de que os médicos não teriam mais nada a ver com isso em sua prática; essa questão persiste e, nesta, eles são confrontados, mas isso não tem mais lugar no discurso da medicina. É nesse ponto que a psicanálise pode ser atuante.

PIERRE-LOUIS FORT: Mas a lógica da decisão médica de qualquer modo conta com atores que são sujeitos.

ALAIN VANIER: Eu me lembro bem da época em que me formei em medicina: eu fazia substituições, e me lembro de um clínico geral - que substituí - o qual, a propósito de um paciente que eu tinha visto por ocasião da substituição anterior, me explicou que lhe dera um empurrãozinho: "Esse vivia pedindo para partir", disse. Hoje em dia os médicos têm muito mais medo desse tipo de ato. É claro que há o fantasma, a fantasia médico-legal, o temor à justiça, etc., mas nada disso é evidente como tal, porque se vê, por exemplo, que os processos na França, apesar de todas as suspeitas em relação aos médicos, não aumentaram consideravelmente. Existem, mas não se passou ao sistema anglo-saxão ou ao ataque metódico aos médicos. Vê-se bem que há aí uma dimensão fantasística que tem mais a ver com a maneira pela qual a parte que implicaria a subjetividade dos médicos não é mais levada em conta pela medicina, embora continue existindo no ato médico.

PIERRE-LOUIS FORT: Há uma dimensão que ainda não abordamos realmente, que é a do tempo, da temporalidade na decisão.

ALAIN VANIER: O tempo da decisão não coincide obrigatoriamente com o momento consciente da decisão. Isso é bem visível em nós mesmos: quando tomamos uma decisão muito importante, o momento em que ela é tomada conscientemente, - o momento em que nos dizemos: "vou fazer isto" -, não é o mesmo em que a decisão foi tomada. Podemos nos dar conta de que a decisão já estava tomada há muito tempo, que, de certo modo, já sabíamos, mais ou menos. Ou então vamos nos envolver em alguma coisa dizendo permanentemente: "Isso não é o que eu deveria ter feito", etc. Há elementos que dobram as posições de decisão. Assim, há pessoas cuja posição subjetiva é sempre a de dar um jeito para que a decisão seja tomada por outro, ou de pedir a outro a autorização para decidir.

O ato segue uma lógica temporal que absolutamente não é o modelo "científico" do desenvolvimento da decisão. Esse modelo faz com que a partir de determinado número de premissas, de conhecimentos, etc., a decisão se produziria seguindo uma árvore lógica de decisões. Hoje em dia é isso que acontece para a medicina ou para certo número de práticas: há uma árvore de decisões, e terminamos chegando a uma decisão a tomar. Ora, o movimento temporal não é linear, um procedimento binário no qual seria eliminada uma possibilidade para se ficar com a outra, com o todo nos conduzindo a uma decisão. É muito mais complicado do que isso. O melhor exemplo é toda a discussão que existe hoje, depois da quebra da bolsa de valores, a propósito dos modelos matemáticos utilizados que, como modelos matemáticos, talvez sejam justos, mas conduziram à catástrofe, porque foram deixados de lado os efeitos psicológicos como, por exemplo, o pânico.

Alguém como Jean-Pierre Dupuy mostrou a engrenagem imaginária dos pânicos. Fundamentando-se em trabalhos como os de Gunther Anders, ele se interessou também por nosso relacionamento com as catástrofes previsíveis, e pela noção de princípio de precaução. O problema é que nós não podemos acreditar nisso. Haveria determinado número de decisões que deveriam ter sido tomadas, mas que não o foram por causa dessa incredulidade. Muitos artigos sobre a recente quebra da bolsa de valores se valem de análises largamente publicadas que a anunciavam, mas nas quais não era possível acreditar: "Ele já sabia, primeiro que todo mundo", é o que se lê hoje. Então, as decisões obedecem a lógicas muito complexas.

PIERRE-LOUIS FORT: Essa complexidade e essa questão do tempo permitem propor também a questão do retorno pessoal sobre a decisão. Uma vez tomada a decisão, vai haver uma vertigem ou um problema em relação ao fato de ter feito uma opção. Como é que isso retorna em seguida?

CATHERINE VANIER: Estas são questões que os médicos que dirigem esses serviços conhecem bem. Há dois casos no que se refere a esse retorno: no plano individual e no plano do grupo.

Há o retorno que isso pode ter para o próprio médico, ligado ao momento em que ele estava completamente sozinho na sala de trabalho e em que tomou a decisão de reanimar - ou não. Esses são os médicos que vêm lhe contar que há três noites não dormem, que finalmente se perguntam se era aquilo o que deveriam ter feito. Eles tentam recuperar os critérios que os impeliram a fazer antes tal coisa do que aquela outra. Mas ao mesmo tempo, isso lhes escapa. Algumas vezes eles podem estar em algo que os maltrata e lhes causa grande sofrimento. Tudo isso se refere ao médico sozinho, àquele que não teve, no estado atual das coisas, um lugar onde pudesse falar a respeito, a não ser nos serviços de analistas que propõem grupos de ajuda. Lembro-me de um médico, chefe de ressuscitação, que me dizia: "É um trabalho ao qual ninguém pode se dedicar por muito tempo, porque nele a gente perde a saúde psíquica, Somos obrigados a passar a outra coisa em seguida, porque é pesado demais".

O segundo tipo de retorno é aquele que ocorre nos fenômenos de grupo. No momento atual, quando, por exemplo, um bebê está no serviço e que é decidida sua reanimação, toda a equipe está envolvida. Isto é, que se dá um jeito para que vários participem da decisão: há primeiramente uma reunião de todos os médicos entre eles, que vão falar juntos daquilo que devem fazer; depois, reunião de toda a equipe em sentido amplo, isto é, puericultora, etc. Tenta-se realmente fazer com que isso seja falado com elas, e que elas possam dizer alguma coisa sobre o que ouvem, como vivem a possibilidade de uma parada da reanimação dessa criança. E bem se vê que se esse trabalho prévio não for feito no momento em que é decidida a parada da reanimação, haverá enorme alvoroço na equipe, haverá rancores da parte dos cuidadores contra os médicos, contra o chefe da sala de reanimação de modo geral. É sempre ele, coitado, o bode expiatório, uma vez que é o responsável. Há, portanto, retornos algumas vezes muito difíceis para eles.

PIERRE-LOUIS FORT: Imagino que, no caso da reanimação em espera, essa questão do retorno seja particularmente forte.

ALAIN VANIER: A "reanimação em espera" é muito interessante do ponto de vista da decisão. Esse tempo de suspensão da decisão, submetida aos protocolos de algum modo, tem efeitos complicados não apenas sobre os sujeitos e sobre os pais, mas também sobre as equipes.

CATHERINE VANIER: Sobre a equipe, certamente, mas eu diria que antes de tudo sobre os bebês. Essa reanimação em espera é terrível. Reanima-se a criança sem apostar que ela vá viver. É reanimada porque eles dizem a si mesmos: "Vamos ver como isso evolui". Ela está lá na sala e é admitido aos pais: "Escutem, nós não sabemos tudo". Não é a mesma coisa que o caso de uma criança que nasce com dificuldades, ou que precisa de reanimação e, num primeiro momento, sempre é dito aos pais: "Neste momento não podemos lhes dizer nada. Vamos ver como isso evolui. Vamos lhes dizer alguma coisa dentro de uma hora, dentro de duas horas. Venham regularmente, nós os manteremos a par das reações dela, de como vai passando, de sua evolução". Mas já se decidiu reanimá-la. No caso anterior, não houve a decisão de reanimar a criança, mas a de não a deixar morrer. Fica em suspenso. Como Alain diz, isso não é uma decisão; é a decisão de não decidir. Então nos vemos com uma criança conectada a aparelhos, sem que tenhamos decidido se podíamos apostar em sua vida de certo modo. O avanço dos dias e das horas é que vai nos dizer se verdadeiramente tomamos a decisão de prosseguir com essa reanimação. Até esse momento, a decisão não será verdadeiramente tomada.

PIERRE-LOUIS FORT: Portanto, adiamos, e a criança é posta entre parênteses pela equipe, completamente desinvestida de alguma maneira?

CATHERINE VANIER: Sim. Entre parênteses para os pais, entre parênteses para os médicos. Evidentemente você pode bem imaginar que para os cuidadores que estão lá - e não falamos para os pais -, debruçar-se sobre a incubadora de um bebê em reanimação de espera é mais difícil do que dizer: "Oi nenenzinho, como você se chama? A gente vai fazer tudo para te salvar".

Há, geralmente, um discurso muito caloroso por parte das equipes. Todos os psi que trabalham nas salas de reanimação têm trabalhado muito, e hoje isso mostra seus resultados: há verdadeira abordagem aos bebês na maioria das salas. Não há somente os cuidados de conforto em que se procura não fazer barulho demais nem jogar muita luz nos olhos deles. Há mais: há realmente algo de um acolhimento humano que procura se instituir nos serviços de neonatologia, porque os médicos se dão conta de que isso é importante e, mais concretamente, porque há alguns anos é obrigatório empregar um psi nas salas de reanimação. Em suma, o trabalho de todas essas pessoas fez com que tenha havido movimento desse lado. Mas o problema persiste para a reanimação em espera, que constitui verdadeira dificuldade para os cuidadores: passa-se pouco pelo quarto para ir ao encontro do bebê. As pessoas se contentam em vigiar os aparelhos e se limitam mais espontaneamente aos gestos técnicos apenas.

PIERRE-LOUIS FORT: Enfim, nos vemos com a decisão de uma espécie de 'não decisão', que é algo bastante inumano.

CATHERINE VANIER: Totalmente inumano, quer dizer que a criança está unicamente ligada aos aparelhos; as pessoas não têm mais seus reflexos de humano que se dirige a um humano. O problema que começo a perceber - porque já há algum tempo que existem salas de reanimação em espera - é que quando se decide levar adiante essa reanimação e que isso vale a pena, há uma tremenda dificuldade para recuperar o bebê. Há bebês que estão fora de contato. Um prematuro, mesmo que não tenha mais de 500 gramas, está incrivelmente presente, incrivelmente conversador, inacreditavelmente em busca de contato e de comunicação. É espantoso ver isso. Eu própria, quando comecei a trabalhar em reanimação, fiquei surpresa com essa espécie de demanda de apego que um bebê pode ter. Ora, para os bebês que estão no final de uma reanimação em espera, essa demanda não está mais lá: eu não encontro mais o olhar do bebê, não consigo mais captar seu interesse quando falo com ele, ao passo que normalmente a mínima palavra vinda de você quando você se liga na incubadora, é uma coisa espantosa. Aí é como se eles tivessem dito: "Escuta: você me colocou entre parênteses. Quanto a mim, eu me retirei".

Um dos grandes problemas hoje em dia a propósito das reanimações de prematuros são os pesados riscos de sequelas neurológicas e pulmonares. E quando você não tem sequelas neurológicas ou pulmonares, encontra-se, nessa população, uma percentagem realmente mais importante de psicoses, de distúrbios invasivos do desenvolvimento, de autismo, e de graves problemas na escolarização. Evidentemente se apresenta a questão de saber por que haveria tais problemas em crianças que têm ressonância magnética perfeita. Como a medicina tem tendência a confundir a estrutura e as funções, a partir do momento em que o cérebro está bem, pensamos que tudo vai funcionar. Mas descobrimos que - esse é o grande mistério - mesmo quando o cérebro está absolutamente sem sequelas, nem tudo funciona! Não há aquisição da linguagem, não há aquisição das possibilidades de pôr em prática as aprendizagens. A hipótese que faço é que o risco do lado das crianças sem sequelas é um problema psi, como dizem atualmente as pesquisas, ligado a esse tempo de reanimação em espera em que a criança não pode, em momento algum, ser reconhecida como existente ou como sujeito, e em que ninguém imagina nada a respeito dela. Não se pode imaginar nada, nem mesmo seu nome que, algumas vezes, não vai lhe ser dado. Não se sabe se ela existe. Uma criança nascida sem ter nascido, ao passo que nasceu de verdade! A violência que é feita a esse bebê é certamente algo como passar liquid paper por cima de todo um tempo da história de uma vida. Uma lacuna que é muito difícil de recuperar, particularmente chocante quando recebemos em análise esses antigos grandes prematuros, quando têm 7, 8, 9 anos. Muito frequentemente os professores dizem: "Essa criança não pensa". Os pais dizem: "Ela tem brancos, tem ausências". De fato, encontramos em crianças dessa idade algo dessa lacuna de nascimento, algo de uma impossibilidade de representar, de falar, de imaginar. Isso é uma coisa muito fácil de localizar nas terapias de antigos prematuros, essa dificuldade de imaginar. Tudo porque essa criança não foi imaginada, porque ela não foi apanhada no nosso imaginário. Ela não foi pensada. E aos sete anos de idade se vê na impossibilidade de pensar, mesmo que fale, mesmo que esteja na escola. Basta que se trate de construir um pouco de alguma coisa para ela, de ter uma representação dessas coisas, ela não pode mais; ela não tem mais fantasias, você não consegue engatar alguma coisa por onde ela possa seguir e contar uma história, por exemplo. Ela vai repetir a história que ouviu.

PIERRE-LOUIS FORT: Estatisticamente, a reanimação em espera, como é que isso acaba?

CATHERINE VANIER: Nesse ponto você propõe uma questão voltada para estudos que estão em curso, uma vez que o problema da reanimação em espera é, de qualquer maneira, bastante recente. É também bastante recente que haja muitos grandes prematuros e, por ora, a visão retrospectiva de que dispomos é restrita. Seja como for, é preciso esperar dez anos a partir da ocasião em que o bebê esteve em reanimação em espera para poder realmente dizer em que ponto se está. Portanto, atualmente estamos num tempo muito inicial.

Por ora, os primeiros testemunhos de pais - quando o bebê sai da sala de reanimação e vai bem - falam da dificuldade que têm para entrar em contato com ele. Esses são, talvez, os primeiros testemunhos. Por ora, entretanto, estamos apenas no estágio do bebê, estamos no começo de alguma coisa. Somente dentro de algum tempo é que saberemos quais as consequências da reanimação em espera. Parece-me bastante inevitável, todavia, que haja consequências. Como é que um bebê vai encontrar a força de permanecer um mês no vazio?

ALAIN VANIER: A reanimação em espera está ligada àquilo que dizíamos há pouco: é uma pessoa pela qual ninguém vai se empenhar subjetivamente. O médico de outrora, mesmo quando estava perdido, dizia: "Meu senhor, a gente vai tirá-lo daí, a gente vai salvá-lo". Aquele médico adotava uma posição subjetiva que sabia que era cheia de riscos e que, no limite, ia se frustrar. Essa posição podia passar por mentira, podia gerar problemas, mas manifestava uma atitude do sujeito, e apoiava os pais, permitia-lhes investir na criança. Penso que temos aí um bom sintoma disso que caracteriza a medicina moderna e, de maneira mais geral, o laço social moderno, isto é, o ideal de transparência. É o ideal do Iluminismo: a transparência quanto a si mesmo e aos outros - se bem que as Luzes logo em seguida tiveram uma parte de sombra. O romantismo manifestava essa parte de sombra das Luzes, evidenciava aquilo que estas não podiam tratar. E a aposta de Freud - encontramos aí o fundamento da psicanálise - foi de que essa parte de sombra pode ser tratada pela razão, quer dizer, que está igualmente submetida à razão.

Isso me faz pensar em coisas simples: por exemplo, será que o ato falho depende de uma decisão? Esta é uma questão muito importante para os psicanalistas. Será que é um mau envolvimento dos circuitos neuronais que faz com que eu deixe cair este copo no momento em que o apanhava, ou será manifestação de minha ambivalência ante a ideia de servir uma bebida à pessoa para quem eu o levava? Será um equívoco, ou algo que depende de uma decisão proveniente de outro registro? Aliás, podemos falar de decisão no nível inconsciente? Freud, entretanto, falava de escolha da neurose.

Há outros fenômenos como esse: por exemplo, o efeito placebo, que é algo irredutível na medicina. Vamos terminar encontrando apoios biológicos para o efeito placebo, mas vai ser muito mais difícil encontrarmos a razão que faz com que se desencadeiem ou não os efeitos, que o efeito placebo se produza em certas pessoas e não em outras numa dada situação. É sabido hoje em dia que determinado número de medicamentos tinham sucesso por efeito de placebo - era importante dispor de medicamentos que só tinham essa função (o fato de que a Seguridade Social não pague o reembolso tira deles certa credibilidade, convém dizer). É sabido também que o efeito placebo pode ser reforçado - havia um excelente trabalho publicado em Recherche há alguns anos sobre esta questão - se a tomada do medicamento se acompanhasse de efeitos colaterais!

CATHERINE VANIER: Isso torna o caso mais sério.

ALAIN VANIER: É isso. O sujeito sentia alguma coisa em seu corpo. Em vez de simplesmente dar glicose, dá-se um emético! O sujeito tem algumas sensações físicas, e isso reforça o efeito placebo. É preciso saber que boa parte dos psicotrópicos que utilizamos não tem efeito nitidamente superior ao efeito placebo reforçado. Vê-se, então, como, de certo modo, toda essa parte que a medicina moderna científica procura eliminar de seu discurso reencontra seu lugar, porém mediante uma crença no efeito de tal ou qual produto.

PIERRE-LOUIS FORT: Por parte do paciente?

ALAIN VANIER: E do médico, que acredita no produto. Aliás, é sabido que quanto mais o médico acredita num produto, mais eficaz este será para o paciente. Há outro ponto que me parece muito importante, porque recebo certo número de médicos em análise, e já me aconteceu várias vezes de atender médicos para quem o retorno de decisão que tinha sido tomada em tal ou qual momento deixava importantes vestígios no plano subjetivo. Vamos tomar o caso de um médico levado a interromper a vida de um paciente, talvez mesmo de alguém próximo a ele. Mesmo que todos os elementos científicos e todos os dados biológicos convirjam - e que, no fundo, esse é um meio de abreviar os sofrimentos de alguém que pena inutilmente -, o fato de não existir discurso social que legitime completamente esse ato, para determinados médicos é causa de sofrimento. Penso num médico que tinha abreviado os sofrimentos de um colega mais velho. Para ele isso adquiriu significação a propósito da morte do pai, etc., que imediatamente desencadeou culpabilidade e sofrimento psíquico consideráveis. Vê-se bem que esse ideal de neutralização, em que a entrada em jogo da dimensão subjetiva é obliterada, tem custo elevado.

Um último ponto a propósito da questão da ressuscitação: estamos numa cultura em que um dos derradeiros territórios sagrados, para todo o mundo, é a vida. Walter Benjamim tinha uma maneira muito particular de pensar isso. Dizia que: "Sobre a origem do dogma que afirma o caráter sagrado da vida, valeria a pena fazer uma pesquisa. É possível, é mesmo verossímil, que esse dogma seja recente, a título de derradeiro descarrilamento do pensamento ocidental enfraquecido que busca no cosmologicamente impenetrável o sagrado que perdeu."

A vida não foi sempre sagrada - podia-se perder a vida pela honra, pela nação, por ideias, etc. O paradoxo dessa sacralização da vida é que ela se acompanha de uma inclinação eugenista. Danielle Brun propôs há alguns anos um colóquio para abordar essa questão na série de colóquios "Psicanálise e medicina", e que era "O mito ou a busca da criança perfeita".1 1 Referência DB. Ora, como havemos de definir esse eugenismo? Em que se fundamenta? Na sua capacidade de guardar seu lugar no aparelho de produção? O corolário é que são eliminadas essas crianças que são futuros inadaptados, por meio do diagnóstico pré-natal, num tempo em que temos cada vez menos instrumentos sociais para poder acolhê-las. Simultaneamente, a medicina neonatal produz outras dessas crianças.

Esta é uma questão que alguém como Jacques Rancière tinha proposto num outro nível. Ele mostrava o paradoxo das ONGs ocidentais que, vindo ajudar certo número de populações, tinham como alvo esses mesmos países nos quais o Ocidente guerreava. Vê-se a ambiguidade desse movimento de compaixão e, nesse sentido, penso que a medicina é exemplar, mas não está sozinha. O pensamento econômico também se apoia num discurso que seria sem falhas, "científico", totalmente calculável e totalmente capaz de fazer previsões. Tratase, portanto, de movimento generalizado na nossa cultura. Penso, entretanto, que é aí no campo da medicina que as contradições ou as aporias desse tipo de discurso se manifestam da maneira mais nítida. Isso faz com que toda reflexão sobre a medicina hoje em dia seja fundamentalmente política, no sentido mais amplo do termo.

PIERRE-LOUIS FORT: Mais concretamente, no nível da decisão, como articular psicanálise e medicina?

ALAIN VANIER: Há um apelo aos "psi" nos serviços, a começar pelas especialidades mais desenvolvidas no plano técnico. Quanto mais adiantada tecnicamente a especialidade, mais se apela aos psi.

No campo da medicina de hoje os médicos anunciam tudo - uma vez que o ideal de transparência faz com que se deva dizer tudo ao paciente. Anunciar a alguém que ele é esquizofrênico, por exemplo - estou pensando num caso muito recente - tem efeitos em cascata que podem ser dramáticos. Os médicos o fazem porque vivem isso como um novo imperativo, próprio para desfazer os efeitos nefastos do "paternalismo" terapêutico. Os psi que tratem de administrar em seguida o efeito, algumas vezes traumático, que isso possa vir a ter.

Penso que a posição original de Catherine procede da de Ginette Raimbault, de Balint, de determinado número de analistas que têm trabalhado nesse campo: esse pensamento que não é algo que dependesse de uma especialidade separada da medicina, porque os mais bem situados são os médicos. E quando é feito por eles, quando é feito com eles, é aí que as coisas transcorrem da melhor maneira, e não num recorte de especialidades.

Esse recorte coloca problemas. Vê-se bem na medicina em rede. Em certos centros de tratamento do câncer, acontece com muita frequência que os pacientes venham à consulta (ou os pacientes que você recebe como analista) completamente desamparados, porque não sabem de que médico dependem: do quimioterapeuta? Do radioterapeuta? Do cirurgião? De seu clínico geral, em relação a quem eles têm o sentimento de que não podem confiar integralmente porque ele não teria a competência técnica? Às vezes eles têm a impressão de que entre o quimioterapeuta, o radioterapeuta e o cirurgião há discordâncias, das quais têm o sentimento de ser o joguete. Em certo número de centros de tratamento de câncer hoje em dia tenta-se remediar isso, mas penso que essas derivações evidenciam algo que é o horizonte problemático de determinada concepção da medicina. Ainda uma vez estou falando no nível do modelo que impregna as práticas médicas, bem mais do que das práticas efetivas, em que os médicos assumem riscos sem parar. Eu não ouço isso como um processo a abrir contra a medicina, nem como um desejo passadista de voltar às decocções dos médicos de Molière, porquanto a medicina trouxe progressos consideráveis, mas também impôs um resgate que pertence ao seu discurso. Assim, como consequência do progresso técnico, por exemplo, a descoberta fortuita de um aneurisma, por ocasião de um exame de ressonância magnética, vai levar a propor uma operação que não é isenta de riscos, para reduzi-lo - ao passo que, sem saber disso, o sujeito poderia talvez viver a vida inteira e morreria de outra coisa... Essas descobertas fortuitas hoje em dia propõem problemas éticos. Isso também não quer dizer que é preciso decidir abster-se. Mas não se dispõe de qualquer critério rigoroso, estamos ainda no cerne daquilo que constitui a decisão propriamente médica. É frequente, nesses casos, que os médicos façam uma proposta ao paciente dizendo: "É você quem decide. Você ou as pessoas que estão à sua volta". Algumas vezes, quando os pacientes não estão conscientes, essa decisão é tomada por quem está à volta. Ora, é uma decisão ilusória por parte de quem está à volta, porquanto estes não têm os meios de decidir. Portanto, a mínima inflexão da voz do médico, sua convicção pessoal mais ou menos bem disfarçada, vai ter influência.

Eu estava pensando numa observação de Didier Dreyfuss:2 2 Didier Dreyfuss: Questions d'éthique em reanimation médicale. em reanimação - e isso é ainda mais verdadeiro quando se trata de bebês como esses de que a Catherine fala - são aplicados cuidados a pessoas que não consentiram nisso. Quer dizer, que as pessoas estão em coma, aos bebês ninguém pergunta nada, os pais estão em posição de consentir, mas não sabem em quê. No fundo, apresentam-se elementos científicos: o médico faz o catálogo, por exemplo, dos riscos corridos pela criança em determinadas lesões cerebrais. Mas será isso fundamentalmente calculável, estritamente previsível? É, portanto, solicitado aos pais que tomem uma decisão apoiada somente nos elementos fantasísticos construídos pelos dados do médico. Isto é: eles vão reagir em função dos elementos de sua própria história. Vê-se bem como essa decisão esclarecida é um engodo, mas um engodo do qual o sistema precisa para funcionar hoje em dia.

PIERRE-LOUIS FORT: Tanto mais que a decisão é prenhe de consequências, e que o sujeito se descobre inteiramente despreparado em relação ao que vai acontecer?

ALAIN VANIER: É uma ilusão obsessiva pensar que podemos dominar todas as consequências de um ato. É claro que podemos calcular, podemos avaliar, mas há sempre uma parte absolutamente imprevisível.

Há uma parte que, de todo modo, não pode ser dominada. Evidentemente, é algo muito problemático, pois se as estatísticas podem dar números em relação a uma situação clínica, apesar de tudo o que está em jogo, essa é uma situação singular. E o singular se opõe a determinada lógica do grande número, porque pouco lhe importa se 90% dos casos saem sem sequelas, se você fizer parte dos outros 10%. A questão é muito problemática. Lacan falava de "falha epistemológico-somática" para destacar a relação do discurso da medicina tornada científica com o corpo como gozo, a relação ao desejo, ao sentido que a vida pode ter para cada um.

CATHERINE VANIER: A propósito da tomada de decisão com os pais, em reanimação, por exemplo, há evidentemente os elementos de que Alain fala, o fato de que a decisão deles depende do que o médico vai lhes dizer. Estão completamente perdidos, os pais! Mas aquilo que ouvem nunca é mais do que a construção do médico. Mesmo que haja muitos elementos objetivos, há aí dentro também a parte de subjetividade do médico. Eis aí o que eles terão para se orientar.

O que se sabe, além disso, é que se trata de uma situação gravíssima. Pensa-se resolver o problema dizendo: "Vamos perguntar aos pais. Afinal, eles amam essa criança, com a vivência que ela tem, ou não a amam?" Você percebe bem a que isso remete... Evidentemente, muitos dos pais que não querem ter um filho com alguma desvantagem vão lhe dizer que querem que a ressuscitação prossiga... Há toda essa questão da culpabilidade em relação a isso.

ALAIN VANIER: Jogar em cima dos pais o peso da decisão, dizer aos pais que decidam sobre a morte de seu filho.

CATHERINE VANIER: Você se dá conta das consequências terríveis que advirão. Tenho acompanhado mulheres que tinham feito ressonância magnética porque o médico tinha lhes explicado que, em vista da tremenda má-formação cardíaca da criança, seria muito melhor que ela não chegasse a ver o dia. Elas tomam, então, a decisão que lhes parece melhor fazendo essa ressonância magnética, mas passam 10 anos em análise depois disso porque, seja como for, isso nunca é totalmente anódino.

O que Alain estava dizendo também é importante: uma criança que vai ter alguma desvantagem, o que é que se está fazendo de sua felicidade de viver? E depois esta questão: "De que egoísmo terei dado mostras ao decidir interromper uma vida que certamente ia ser pesada para mim? Que egoísmo! Era meu filho, como é que eu pude querer que ele morresse?" Isso remete a coisas absolutamente dramáticas para os pais. Há todo um trabalho que podemos levar os médicos a fazer com os pais - por exemplo, quando pensamos que vamos ser levados a fazer uma parada da reanimação - preparando com os pais essa parada de ressuscitação. É preciso - e isso está marcado na maioria dos estudos que versam sobre a questão do lugar dos pais nas paradas de reanimação - destacar a importância do passo a passo. Quer dizer que não é preciso um protocolo, não é necessário dizer: "É preciso fazer assim para todos os pais". É preciso realmente deixar que os pais digam o que vai ser mais importante para eles nesse tempo da parada da reanimação, é preciso dar-lhes tempo. Quando realmente está decidida a parada da reanimação, a questão não se apresenta mais. E quando a questão se apresenta, convém deixar aos pais a possibilidade de falar disso suficientemente.

PIERRE-LOUIS FORT: Fundamentalmente a decisão é uma questão sobre a vida e a morte? A jogada é realmente essa.

CATHERINE VANIER: É essa a jogada, absolutamente. É nisso que trabalhamos. É preciso que os médicos aceitem também refletir um pouco sobre a questão da morte. Porque numa sala de ressuscitação, é também questão da morte. É uma coisa na qual se tenta não pensar muito numa sala de reanimação, mas nesse lugar somos confrontados à morte o tempo todo. Estivemos assim durante cinco meses com uma menininha que estava conosco à espera de um transplante coraçãopulmão. Todas as manhãs, esperávamos que o computador nos mostrasse em que lugar do mundo poderíamos encontrar um coração-pulmão para transplantar a essa menina. Ela morreu ao fim de cinco meses. O grande transtorno é que hoje em dia falamos de "cuidados paliativos" em reanimação neonatal.

Com essa menina, esse trabalho foi absolutamente decisivo para a equipe, poder acompanhar essa criança, poder supor o sujeito, sem deixá-la de lado porque não dispúnhamos de solução médica, e que não podíamos decidir nada senão acompanhá-la para que ela sofresse o mínimo possível, e para que lhe faltasse o mínimo de oxigênio possível. Quando ela faleceu, isso foi muito importante para toda a equipe. Desde aí nunca mais acolhemos os bebês seguintes da mesma maneira. Alguma coisa tinha mudado de verdade nessa ideia de que, afinal, uma vida de quatro meses é uma vida, que não se pode colocá-la entre parênteses e em espera; uma vida de dois dias é uma vida, e o serviço deve acolher uma criança e deve supô-la sujeito, mesmo que isso não seja evidente, mesmo que, talvez, ela vá morrer. Mas isso não impede que nasça e ela vai nascer nesse serviço aí com esses pais aí. Ela vai ser inscrita numa história, ela não vai ser uma criança em espera, entre parênteses, em suspenso.

ALAIN VANIER: Poderíamos dizer que, no fundo, se propõe a mesma pergunta que se propôs na ocasião do surgimento das procriações medicamente assistidas. Eu me lembro de uma discussão com Emile Papiernik, um dos pioneiros dessas práticas. Solange Faladé, psicanalista da Escola Freudiana, tinha proposto a questão da posição do médico como demiurgo. Pode-se pensar, aliás, no médico de A valsa do adeus, de Kundera, que trata as esterilidades com seu esperma, e todas as crianças da região começam a ficar parecidas com ele.

O interesse é que os médicos possam reconhecer que uma parte de sua prática não se apoia na ciência, permanece no território do sagrado, e sempre é recebida como tal, queiram eles ou não, mesmo que não queiram mais isso ou que possam não saber mais nada disso. O retorno de uma dimensão religiosa não apenas na cultura, mas também na medicina, deve nos questionar. Sem dúvida é por isso que Lacan dizia que sempre se considerou como "missionário do médico". De certo modo, a medicina manifesta na nossa época os relacionamentos novos que mantemos com a questão da vida e da morte.

PIERRE-LOUIS FORT: E nesse laço morte-vida, uma das grandes questões atualmente é também a da eutanásia, tema evidentemente ligado à problemática da decisão.

ALAIN VANIER: Vê-se bem que na questão da eutanásia o primordial não são os critérios científicos, mas sim os culturais ou religiosos, porquanto a questão não é tratada da mesma maneira nos países protestantes e católicos. Vê-se bem que esse não é um problema estritamente científico, como gostaríamos de pensar, mas implica toda uma pilha de elementos que nada têm a ver com a ciência.

CATHERINE VANIER: E o que fica complicado para os médicos é que isso implica a obrigação de levar em conta o passo a passo. Não se pode ter um protocolo como esse.

Tem havido estudos acerca das paradas de reanimação, ainda ontem eu li um, em que o nec plus ultra é que o bebê morra nos braços dos pais. Havia testemunhos absolutamente extraordinários de pais que diziam: "É insuportável". Para determinados pais isso pode ser muito importante; para outros, é insuportável. Mas os médicos algumas vezes ficam tão angustiados que, se esse for o protocolo, pensam que o pai vai fazer melhor o seu luto se tiver tido seu filho morrendo em seus braços. É uma aberração pensar isso.

ALAIN VANIER: É da mesma ordem que a presença dos pais no parto. Em alguns casos, isso é antes prejudicial.

CATHERINE VANIER: Os pais afirmam que se sentem culpados. Há uma mãe que me disse "É terrível. Diziam-me: 'Pegue-o nos braços'". Ela me contou: "Eu não podia tocar nele. Por que não me deixavam em paz?". Portanto, isso obriga os médicos a decidir a cada vez. Mas lá, então, há ainda aquilo que não pode ser decidido: o que é que precisamos fazer? O que é o melhor para este paciente? O que é que vai ser melhor para este bebê aqui? Isso os obriga a repensar a cada vez. E é verdade que se vê bem que há todo um sistema de protocolos feito para se tentar não pensar. Como na sala de parto quando nasce uma criança: você tenta "ticar" os itens, e você tem dez deles (a cor da pele, sua respiração, seu coração, as bulhas cardíacas, etc.). Alguns médicos me dizem: "Eu desenrolo os critérios na cabeça para não pensar que a mãe está bem ali ao lado, que o pai me disse 'Eu suplico, é preciso que ele viva'; para não pensar".

ALAIN VANIER: Isto é que era preciso dizer: queiram eles ou não, mesmo que seja um modelo ideológico da medicina, esta não se reduz, como se diz atualmente, a uma "ciência do vivo". Há uma ciência do vivo, há uma biologia, isso é uma coisa; mas a medicina é outra coisa, e é mais do que isso. É por isso que Lacan, na conferência que fez no Collège de Medicine, desejava não que houvesse psicanalistas em toda parte na medicina - e, afinal, por que não? -, mas sim que o médico, dizia ele, estivesse "mais do que à vontade na (...) topologia do sujeito". É preciso dizer que os debates em torno da psicanálise, nesses últimos anos, podem ser interpretados como sintoma dessa resistência da psicanálise à eliminação do sujeito, no sentido do sujeito do inconsciente, nos discursos contemporâneos: que o indivíduo não seja mais apanhado como elemento de uma população de elementos idênticos, mas como portador de tais particularidades de seu corpo, de seus desejos, de modos singulares de gozo, da maneira particular pela qual está inscrito no laço social, etc. Penso que é realmente essa a dimensão que uma reflexão com os psicanalistas sobre a medicina - com os psicanalistas e os médicos - pode trazer, se os médicos apelarem à parte deles que não os reduz a simples atores do dispositivo de cuidados.

Tradução: Pedro Henrique Bernardes Rondon

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    Publicado em
    La décision entre médecine et psychanalyse. Enjeux contemporains (D. Brun, Ed.), Paris: Éditions Études freudiennes, 2009.
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    Referência DB.
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    Didier Dreyfuss:
    Questions d'éthique em reanimation médicale.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Nov 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2010
    Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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