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A teoria do puberal* * Retomamos aqui o conceito de puberal dado por Philippe Gutton, e anteriormente tratado por Pierre Mâle: “O puberal é para o psiquismo o que a puberdade é para o corpo”. Gutton distingue os processos puberais iniciais, imediatamente após os primeiros tempos da puberdade, dos processos do adolescens. Os primeiros designam o que o sujeito experimenta tornando-se adolescente e que delineia a complementaridade nascente do outro do Outro sexo. Trata-se de uma novidade que advém de forma radical; nada no infantil a prefigura. Os segundos designam fenômenos mais tardios (o puberal deverá ter sido minimamente subjetivado para que eles possam advir) e correspondem às transformações das identificações que deles resultam. Esses dois tempos foram descritos por Philippe Gutton em dois trabalhos epônimos: Le pubertaire, coll. Quadrige. Paris: P.U.F., 2013 e L’adolescens, Paris: P.U.F., 1966. em Jacques Lacan

The theory of puberty in Jacques Lacan.

Resumo:

A hipótese defendida neste artigo é dupla. Em primeiro lugar, uma teorização implícita do puberal é necessária, por sua importância lógica, para autores que não trataram do tema. Em segundo lugar, a teorização implícita sobre o puberal em Jacques Lacan pode ser extraída de um artigo de Jacques-Alain Miller: O Outro do Outro. Na transição entre o Outro do Outro e não existe Outro do Outro - presente no Seminário 5 e seguintes - Lacan faz um avanço que pode assemelhar-se ao percurso da criança tornando-se púbere: queda do pai imaginário do Édipo e revelação de S(A barrado). Assim, dir-se-ia que uma mudança de paradigma na teoria tem, ela mesma, um valor teórico (como na passagem da primeira à segunda tópica em Freud), que teria escapado ao autor e que, portanto, continua em aberto.

Palavras-chave:
adolescência; puberal; Lacan; paradigma; teoria.

Abstract:

This article defends a double hypothesis: that an implicit theorisation of puberty is a necessity among psychoanalytic authors who have not dealt with this subject (because of its logical importance); that Lacan’s own theorisation can be extracted from an article by Jacques-Alain Miller, L’Autre de l’Autre. In the movement from l’Autre de l’Autre to il n’y a pas d’Autre de l’Autre - which corresponds to the shift between Seminar V and the following seminars - the step taken by Lacan can resemble the journey of the child’s entrance into puberty: the fall of the imaginary father of Oedipus and the revelation of S(A). We could therefore say that, unbeknownst to him, a paradigm change in an author’s theory has its own theoretical value (akin to Freud’s movement from the first to the second topography), which should be discovered.

Keywords:
adolescence; puberty; Lacan; paradigm; theory.

É sempre surpreendente constatar que os teóricos eminentes que são Freud ou Lacan tenham passado ao largo sobre o tempo puberal, esse tempo que nos parece tão incontornável atualmente. Como é possível? No entanto, não se trata de uma etapa vaga ou imprecisa, como poderiam ser a crise dos quarenta ou a idade da razão. O suporte fisiológico desse tempo, as transformações corporais que dão maturidade ao genital, a mudança dos discursos dos sujeitos tornando-se adolescentes1 1 Importância cujo suporte social pode ser encontrado, por exemplo, na passagem da quinta à sexta série do Ensino Fundamental. “{…} passage de l’école primaire au collège dans l’Éducation Nationale. … todas essas diferentes formas de identificar seus efeitos tornam ainda mais consequente a passagem.

No tempo de Freud, a adolescência começava a emergir no discurso social. Segundo Marc Fumaroli, se antes do século XVIII a infância não tinha lugar (FUMAROLI, 2007FUMAROLI, M. (2007). L’invention de l’enfance chez Rousseau et Chateaubriand. Studi veneziani, N. S. L. I. Roma: Fabrizio Serra Editore., p. 17-30), antes do começo do século XX a adolescência tinha pouca consistência (OUVRY; MARTY; BOURQUIN, 1996OUVRY, O. MARTY, F.; BOURQUIN, J. Évolution de la notion de travail associée à celle d’adolescence au cours du XIXe et au début du XXe siècle. Adolescence. 1996. V. 14, n. 2., p. 81). Sem esse apoio social, torna-se compreensível que Freud tenha sido tão pouco atento a ponto de subestimar sua importância2 2 É o que retemos do capítulo III e do seguinte, Recapitulação, dos Três ensaios sobre a teoria sexual, onde Freud descreve “duas modificações induzidas pela chegada da puberdade {…}: a subordinação de todas as outras origens da excitação sexual à primazia das zonas genitais e o processo da descoberta do objeto”, duas modificações já prefiguradas na infância, precisa Freud. Ele acrescenta a constatação de um recalque na menina “necessário, que elimina uma parte da virilidade infantil e prepara a mulher à troca de sua zona genital dominante” e a importância de levar em conta “a barreira erigida entrementes contra o incesto para se dirigir (o investimento nos pais) a outros indivíduos que se lhes assemelhem”. Fora a mudança da zona erógena na menina, todos esses pontos reenviam à importância a ser dada à sexualidade infantil para apreender seu impacto sobre a patologia dos adultos. Não há nada que nos pareça definir uma metapsicologia dessa passagem. - para além do fato de que seu verdadeiro objeto de estudo era a sexualidade infantil e suas consequências no sofrimento do adulto. Porém, no tempo de Lacan e dos anos 1968, da emergência patente dessa nova entidade sociológica - a ponto de suscitar uma segmentação clara das campanhas publicitárias ou do marketing -, como compreender isso?

Na falta de indícios, avançamos na hipótese de que não é possível que não se o encontre no trabalho deles. Não tanto de forma declarada, pois está ausente, mas de forma implícita - como um dado fundamental que teria escapado a um pesquisador e cuja necessidade lógica se manifestaria em seu trabalho, sob a forma de um esboço, de um ponto desfocado no trabalho, de uma passagem de uma teoria a outra (e aqui podemos fazer referência ao trabalho do sonho, que mostra como um “saber não-sabido” {savoir insu} pode ser organizador de uma produção do sujeito). Portanto, o puberal apareceria logicamente nos escritos deles, mas em negativo, em filigrana, encoberto, como figuras de suporte do que é não-percebido e que, apesar de tudo, impõe-se por seus efeitos inelutáveis.

Uma pesquisa precedente nos fizera observar em Freud tal operação. Interessamo-nos pelas condições que lhe haviam sido necessárias para abordar a especificidade do percurso edipiano da menina3 3 Percurso edipiano diferenciado daquele do menino, pela importância dada à fase pré-edipiana, onde a menina se comporta como um menino, segundo Freud (mesma zona erógena — clitóris assimilado ao pênis — e mesmo objeto sexual, a mãe), e pelo fato de que a castração seja a entrada no Édipo, ao passo que, para o menino, é o modo de saída. . Observamos como correspondiam a uma mudança de paradigma, que se anuncia no texto A organização genital infantil, sob a forma da aparição do significante do Falo. Uma nova perspectiva se instaurava então, correspondendo à passagem entre o órgão sexual e a simbólica fálica. Note-se que ela é contemporânea da passagem entre a primeira e a segunda tópicas4 4 Passagem que se pode descrever como sendo da geometria (aparelho psíquico descrito em estratos sucessivos) à topologia (articulação das três instâncias do eu, supereu e isso, cujos contornos não são distintos uns dos outros), sendo a localização da função do significante do Falo o pivô dessa passagem de uma à outra. .

Desse modo, aparece a ideia de que os avanços teóricos em psicanálise podem ser menos presentes sob a forma de novos conceitos do que sob a forma de mudanças de paradigma - podendo ser feitos, então, à revelia do autor5 5 Freud desenvolve a necessidade teórica da segunda tópica, mas as regras de transcrição de uma à outra não são aparentes. . Para Freud, a descoberta da especificidade do percurso da menina não podia acontecer sem essa mudança de paradigma, que aparece como uma necessidade teórica - mas sob o modo de uma passagem na teoria, ficando assim em segundo plano, em relação ao que ocupava Freud, a saber, a descrição dos estados psicodinâmicos estabilizados e observáveis.

Nossa ideia de pesquisa seria verificar se tal fenômeno poderia ser observado no trabalho de Lacan e especialmente em relação a esse tempo puberal que ele jamais abordou. Poderíamos, talvez, igualmente localizar ali uma mudança de paradigma, tomando como referência aquela observada em Freud, e que daria a essa fase tão importante da vida um lugar no seu corpus teórico?

Um artigo de Jacques-Alain Miller nos ajudou neste projeto. Trata-se de “O Outro sem Outro” (L’Autre sans Autre) (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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), exposto no encerramento do Congresso de Atenas da N.L.S. (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse) em 2013. Propomos aqui uma leitura exaustiva desse artigo.

O Outro sem Outro

O autor parte da proposição de Lacan: “Não há Outro do Outro”, enunciada em 8 de abril de 1959 durante seu Seminário “O desejo e sua interpretação (LACAN, 1959LACAN, J. O desejo e sua interpretação (1959). Rio de Janeiro: Zahar, 2016. (O seminário, 6). Trad. Claudia Berliner. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller./2016). Ora, Miller observa que tal proposição está em contradição direta com o que Lacan enunciara e escrevera no ano anterior. Lacan, no entanto, acentua sua importância, sublinhando nessa mesma sessão: “{…} isso é, se posso dizer assim, o grande segredo da psicanálise”. Grande segredo que escapa aos analistas? É preciso então que essa tomada de consciência tenha efeitos de revolução em relação ao que, até então, estava estabelecido. É o que confirma Jacques-Alain Miller: “essa proposição constitui um momento de báscula completamente decisivo para a continuação de seu ensino {…}. Foi preciso, efetivamente, que Lacan pensasse contra ele mesmo para formular ‘Não há Outro do Outro’. No princípio, ele ensinou o contrário” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, ibid., p. 3).

Essas concepções precedentes encontram-se em dois textos: no seminário que precede O desejo e sua interpretação, ou seja As formações do inconsciente (1958/1999), e no texto que marca o fim desse período que se conclui no seminário 5, De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (LACAN, 1966LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1966). In: . Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. Trad. Vera Ribeiro./1998).

Nesses textos, nos quais Lacan se apoia sobre os textos de Freud presentes no volume A vida Sexual6 6 Onde ele descreve a sexualidade, tal como se instaura no infantil. , a questão do pai era central. É nesse segundo texto que ele formula o “Nome-do-Pai” e constrói a “metáfora paterna”, conceitos que desde então tornaram-se célebres. E Jacques-Alain Miller observa que Lacan teorizava da seguinte forma: “o Nome-do-Pai - isto é, do significante que, no Outro como lugar do significante, é o significante do Outro como lugar da lei” (LACAN, 1966LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1966). In: . Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. Trad. Vera Ribeiro./1998, p. 589-90). Basta ler essa definição de maneira formal, continua Jacques-Alain Miller, para se dar conta de que ela põe em cena dois Outros, dois estatutos do grande Outro: o Outro do significante e o Outro da lei - do qual eu digo que ele vale, desde então, como o Outro do Outro” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, p. 4).

Essa báscula vem interromper e marcar um antes e um depois entre os cinco primeiros Seminários e o Discurso de Roma (LACAN, 1953LACAN, J. Discurso de Roma (1953). In: . Outros escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. Trad. Vera Ribeiro./2003), que inaugura o novo período que se anuncia. Esse primeiro período será completamente abandonado, sobretudo levando-se em conta os avanços tardios de Lacan. Com efeito, Lacan introduz, então, um para além do inconsciente estruturado como uma linguagem para falar da Alíngua (Lalangue), lugar dos significantes no real, onde nem sujeito nem lei estão presentes, lugar de manifestações do falasser {parlêtre} e do “corpo falante, da lógica do gozo”7 7 MILLER, J.-A. “L’inconscient et le corps parlant”. Apresentação do tema do 10o Congresso da AMP, Rio de Janeiro, 2016, Disponível em: <http://www.wapol.org/fr/articulos/Template.?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=5&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=5>. . Assim, essa paixão inicial de Lacan pela lei (da qual Jacques-Alain Miller enuncia as diferentes ocorrências: linguística, dialética, matemática, sociológica e freudiana) inverteu-se assim: “ele começou, pode-se dizer, sob a égide da lei e mais ele progrediu, mais ele valorizou o sem lei” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, p. 5).

De fato, “se o ensino de Lacan tem um sentido, uma direção, é o de um desmantelamento metódico, constante, obstinado da pseudo-harmonia da ordem simbólica” (ibid, p. 8), observa Jacques-Alain Miller. A desconstrução da metáfora paterna passou por diferentes etapas - que são descritas - para chegar a um momento crucial do ensino de Lacan, quando ele se encontrou numa encruzilhada, tendo de um lado a metáfora paterna e, de outro, a metonímia do desejo. “Ele começou por utilizar a figura da metáfora. Utilizou-a para formalizar o Édipo freudiano, no seminário IV, A relação de objeto. Foi somente em seguida que ele utilizou a segunda figura, a metonímia, para formalizar o desejo. Eu diria que existem aí dois termos que se complementam: a metáfora paterna e a metonímia do desejo” (ibid, p. 10).

Foi essa segunda via que ele seguiu, diz Jacques-Alain Miller, e os seminários 5 e 6 são os da construção do grafo do desejo. O fim de uma análise não é a revelação de um Nome-do-Pai resolutivo da questão do ser do sujeito, mas de S(A barrado), noção introduzida de forma contemporânea: ou seja, a falta no Outro, a falta do que ofereceria uma possível recuperação de toda a parte gozosa do corpo pelo inconsciente estruturado como uma linguagem. Esse ponto constitui o fim de A Direção do tratamento (LACAN, (1958LACAN, J. As formações do inconsciente (1958). Rio de Janeiro: J. Zahar, 1999. (O seminário, 5). Trad. Vera Ribeiro./1998), p. 629): “o desejo é a metonímia da falta-a-ser”. “Não há como dizer melhor o fato de que o desejo, aqui, está em sintonia com a falta, que ele é sem substância, que está, com efeito, em sintonia com S(A barrado), com a inexistência de uma metáfora terminal que faria surgir uma significação definitiva” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, p. 11), acrescenta Jacques-Alain Miller. E Lacan sublinha que se trata, no final da análise, de “reencontrar o horizonte desabitado do ser” (ibid, p. 641).

A etapa seguinte do ensino de Lacan, a partir do seminário 6, O desejo e sua interpretação, é marcada pela importância dada ao fantasma fundamental, na medida em que ele é atravessado no final da análise. Trata-se da “relação inconsciente do sujeito ao objeto na experiência desejante do fantasma” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, p. 13). O desejo inconsciente é posto em evidência e o seu objeto, o objeto a, escapa precisamente às leis da linguagem, os “mais-de-gozar” que ultrapassam a castração. Gozos perversos, não normatizáveis: “não há normalidade do desejo” (ibid, p. 15). Lacan chegará a falar de pai-versão {père-version}, de versão do pai, ou seja, do que não terá nunca a faculdade de normatizar tudo, de tudo ocultar sob a ordem simbólica.

Hipóteses

O que Jacques-Alain Miller nos parece descrever é uma evolução do trabalho de Lacan que se faz por um corte não explicitado: a queda do Outro do Outro. Desse Outro do Outro, que pode garantir à linguagem o que a funda e certifica, passamos a um Outro sem Outro, marcado por uma falta {S(A barrado)}.

Trata-se de uma mudança de paradigma. Lacan teve que abandonar uma teoria, que já não era pertinente, para abrir-se a uma outra. Ora, esse abandono corresponde à passagem entre os Seminários 5 e 6, ou seja, daquele que tinha por objeto o Édipo e aquele que se atém à psicanálise dos adultos. Nessa passagem, temos a passagem do infantil ao juvenil: o puberal.

O primeiro tempo do trabalho de Lacan corresponde à constituição do Édipo, que é precisamente objeto do seminário 5, As formações do inconsciente, e ao seu remanejamento dentro da perspectiva oferecida pelas contribuições da linguística e do estruturalismo que sucederam Freud. O Seminário seguinte vai mais além e ultrapassa o infantil para abordar o desejo e a pertinência de sua escuta na psicanálise dos adultos. Nessa transição, o puberal se inscreve, mas como traços que precisamos esclarecer. Não como teoria, conforme salientamos, mas como salto paradigmático - precisamente aquele descrito por Jacques-Alain Miller.

E, de fato, a criança pré-púbere se constrói com a ideia de um pai que sabe alguma coisa sobre o sexual. Sobre ele, a partir do Édipo, repousa a instauração da realidade da diferença dos sexos (à qual se opunham as teorias sexuais infantis) e do dever da criança de se posicionar de um lado ou de outro da fronteira que separa os dois sexos. Essa autoridade do pai se apoia sobre o fato de ser articulada ao desejo da mãe, isto é, a um saber sobre esse desejo - ele mesmo articulado a um “ter”: ter um pênis. Mas essa suposição de saber fundamenta-se na imaturidade fisiológica da criança, articulada ao fato de que há apenas o fálico no infantil, como dizia explicitamente Freud. Um único sexo existe para a criança (a vagina somente é descoberta tardiamente, no pós-puberal), porque na linguagem que a estrutura existe apenas um significante para os dois sexos: o significante do Falo. É de um lado e de outro do significante do Falo que se estabelece a diferença dos sexos8 8 “Pela psicanálise, o significante se define como agindo, antes de mais nada, separado de sua significação. É esse o traço de caráter literal que especifica o significante copulatório, o falo, quando, surgindo fora dos limites da maturação biológica do sujeito, se imprime efetivamente, sem poder ser o signo que representa o sexo existente do parceiro, isto é, seu signo biológico; lembremo-nos de nossas fórmulas diferenciadoras do significante e do signo” (LACAN, 1966/1998, p. 890). .

Portanto, somente após o aparecimento das modificações fisiológicas puberais, o Outro sexo (marcado com uma letra maiúscula para distingui-lo do fálico infantil) vem instalar-se. Freud apresentava esse ponto dizendo que o deslocamento das zonas erógenas, do clitóris à vagina, só se fazia no período da puberdade. Antes dele, a vagina não teria influência sobre o sexual. Tal afirmação foi polêmica desde a época de Freud - e ainda o é atualmente9 9 A questão concernia à importância das sensações vaginais precoces. No entanto, Freud sempre manteve que a vagina somente era descoberta, para os dois sexos, na puberdade. Era o que sua clínica lhe ensinava. Esta afirmação de Freud está presente em vários textos, de forma mais ou menos explícita. Pensamos que onde ela aparece mais desenvolvida é em “A feminilidade”, Conferência XXIII (1932, p. 150-181). In: Novas conferências sobre a psicanálise, Paris: Gallimard, 1984, p. 150-181. .

O puberal corresponde então ao advento do Outro sexo - o que nós chamamos o Feminino (OUVRY, 2001OUVRY, O. Le Féminin comme nouveauté pubertaire. Le Féminin: un concept adolescent? sous la direction de Serge Lesourd, Éd Erès, coll. Le Bachelier, 2001.). Ora, que contribuição esse advento introduz quanto ao saber sobre o sexo? A que novo-saber o genital introduz o recém-chegado, senão a um reenvio ao S(A barrado), ou seja, o significante da falta no Outro? Que nada assim responda nesse Outro a este Outro sexo na linguagem e que a novidade puberal é de natureza do real e destinada a permanecer nele: o real puberal. É o que faz cair o Outro do Outro e sua ilusão de saber, e abre ao rigor lógico do “não existe relação sexual”10 10 Isso nos faz pensar nos percursos iniciáticos das confrarias, com dimensões místicas ou sectárias. O percurso da iniciação faz entrever o ponto final como apogeu desse percurso, despertando o iniciado a um saber desconhecido e aos efeitos de renovação… e, nessa passagem, precisamente nada é dado — senão um mantra, Isso nos faz pensar nos percursos iniciativos de confrarias, com dimensões místicas ou sectárias. O percurso de iniciação faz entrever o ponto final como apogeu deste percurso, despertando o iniciado a um saber desconhecido e aos efeitos de renovação… e, nesta passagem, precisamente nada é dado — senão um mantra, uma ilusão (born again), um imaginário. A vacuidade é paradoxalmente necessária a uma validação posterior desse princípio de trajeto. Nossa ideia é que tal validação paradoxal acha sua força na retomada daquilo que todo indivíduo já percorreu: o vazio da iniciação do puberal. .

A promessa edípica (adquirir o saber suposto ao pai), ilusão edipiana necessária à criança, revela-se infundada. Ela tem como corolário a destituição do pai como portador dessa promessa. Aquele que deveria saber tanto revela-se como não-sabedor e tão vulnerável quanto qualquer outro homem, mortal, como seu filho que, ao tornar-se púbere, também o constatará, amargamente e pela primeira vez. Então, não se trata mais do pai, no sentido infantil, mas de uma versão entre outras do pai (pai-versão).

Essa passagem - pai idealizado da primeira infância ao pai destituído do pós-puberal - é exatamente, segundo a nossa proposição, o que descreve Jacques-Alain Miller: a passagem da crença em um Outro do Outro à constatação de que “não há Outro do Outro”.

Jacques-Alain Miller comenta, sem se dar conta, o fato de Lacan ignorar o puberal, cuja natureza é sublinhada por ele, quando indica: “É bem possível que esta revelação não tenha sido registrada, validada, assumida {…}. Os psicanalistas não acusaram recebimento. E é somente hoje, em 2013, que nós podemos levá-la a sério e considerar todas as suas consequências” (MILLER, 2013MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
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, p. 2). Os psicanalistas precisaram de tempo para reconhecer essa evidência, embora ela ainda se constitua apenas como implícita: o implícito da teoria puberal de Lacan.

A teoria puberal em Lacan, implícita como a propomos, fica como uma mudança de paradigma; corresponde a uma passagem. O que havia antes não é mais operacional para o que vem depois. Duas placas tectônicas se encontram e a segunda cobre a primeira; o que resta dela são traços escondidos - movimento que Freud retomou tantas vezes nas comparações com as buscas arqueológicas, se não geológicas. E, de fato, a amnésia que particulariza a passagem do infantil ao juvenil é correntemente observada na prática clínica, como, por exemplo, o menino devoto que se torna, na puberdade, um ateu militante, ou aquela mocinha, tão feminina no período pré-puberal, que esconde as manifestações da novidade da puberdade no seu corpo com roupas neutras e com uma aparência desleixada durante a adolescência (sem maquilagem, despenteada, sem artifícios de feminilidade).

Formalizando essa passagem, diríamos que S(A barrado) se revela com o advento do puberal. Na infância, ele se encontrava velado pelo significante do Falo. Um ponto escapa no simbólico, o ponto do gozo Outro, gozo que o Outro sexo revela. S(A barrado) é a sua escritura no simbólico, “gozo Outro” no real e “o Feminino, o Outro sexo” no imaginário. É um efeito do real do corpo pelas modificações fisiológicas da puberdade que não se inscreve no inconsciente estruturado como uma linguagem. É preciso chegar aos estratos do gozo específico da mulher e, em seguida, à Alíngua {Lalangue} para aproximá-lo, e sob o modo do gozo do corpo.

S(A barrado) é sua escritura no simbólico, “gozo Outro” é a escritura no real, e “o Feminino ou Outro sexo” no imaginário.

Essa passagem se formaliza no esquema ótico, como propusemos no nosso trabalho para a HDR11 11 Nota da Tradução — Habilitation à diriger des recherches. A habilitação para orientar pesquisas é uma qualificação universitária que se pode obter após a realização do doutorado. Na França, a qualificação para orientar pesquisas e teses doutorais passa pela obtenção do HDR. . Com efeito, I(A), Ideal do Eu, ponto de acomodação sobre o qual o olhar da criança se ajusta para refletir o mundo no seu córtex - esse mundo que integra a diferença dos sexos à realidade - cai, quando da passagem puberal, com a instância do pai. Em seu lugar vem S(A barrado), ou seja, o que vem ligar o gozo Outro à imagem do outro, ao que vem fazer alteridade e revelação do outro do Outro sexo.

O percurso do trabalho de Lacan é tradicionalmente descrito como tendo se consagrado, num primeiro tempo, a definir a importância do Imaginário na constituição do eu (o estádio do espelho, o esquema ótico), em seguida, a importância do Simbólico e de seus efeitos estruturais (o inconsciente estruturado como uma linguagem), e finalmente o Real e suas manifestações de gozo do qual o falasser {parlêtre} é portador (o espaço da Alíngua e dos significantes no real, vetores de gozo, lugar da letra e da escrita). Essa descrição clássica vale para propor ao recém-chegado na land lacaniana uma sistematização ao formalismo pronto para uso pré-concebido da universidade. Mas esse histórico linear poderia ser enriquecido levando-se em conta o que se interpôs entre esses movimentos teóricos, a saber, sua passagem. Cada etapa elucida uma organização teórica, mas a articulação entre elas reenvia a uma necessidade que poderá ganhar consistência teórica. Essas passagens correspondem a dinâmicas - e, de fato, o puberal é uma delas12 12 Trata-se da mesma passagem que havíamos identificado em Freud, quando ele focalizou a descrição do percurso da menina. .

A visão desenvolvimentista horrorizava Lacan, que via nisso um empobrecimento da complexidade da história13 13 “Basta dizer de passagem que, na psicanálise, a história é uma dimensão diferente da do desenvolvimento e que é uma aberração tentar reduzi-la a este. A história só se desenrola como um contratempo do desenvolvimento. Ponto do qual a história como ciência talvez deva tirar proveito, se quiser escapar à dominação sempre presente de uma concepção providencial de seu curso” (LACAN, 1966/1998a, p. 890). . No entanto, Freud havia descrito os estádios; mas apenas estádios (oral, anal, fálico) que não se sucediam em função da desaparição do estádio precedente (conforme as regressões descritas por Freud de um estádio a outro). Com o Édipo, temos acesso a uma primeira mudança tal como as que descrevíamos, as que se acompanham de um recalque do período anterior (cf. Freud e o Desaparecimento do complexo de Édipo). O puberal seria, então, uma segunda mudança. E assim como Freud teve que apelar para uma mudança de paradigma para integrar as consequências pós-edipianas para a menina, consequências jamais ultrapassadas por ela, também Lacan o fez, quando da passagem do seminário 5 ao 6, ou seja, a passagem do infantil ao juvenil, o puberal.

Desse modo, haveria uma teoria implícita de Lacan sobre o puberal. Ela se encontra na passagem, em seu trabalho, de um Outro do Outro ao não há Outro do Outro. Equivalente a um abalo tectônico, onde a obsolescência de uma configuração teórica se impõe diante do advento de uma novidade que obriga a uma reorganização do que, até então, funcionava. Trata-se de um movimento na teoria que nós situamos como movimento na estrutura.

Cabe aos sucessores de Lacan extrair disso o que viria a se constituir como suporte de uma clínica lacaniana da adolescência.

Referências

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  • LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1966). In: . Escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1998. Trad. Vera Ribeiro.
  • LACAN, J. Discurso de Roma (1953). In: . Outros escritos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2003. Trad. Vera Ribeiro.
  • LACAN, J. O desejo e sua interpretação (1959). Rio de Janeiro: Zahar, 2016. (O seminário, 6). Trad. Claudia Berliner. Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller.
  • MILLER, J.-A. L’Autre de l’Autre. Palestra de encerramento do 11oCongresso da NLS (Nouvelle École Lacanienne de Psychanalyse). Le sujet psychotique à l’époque Geek Atenas., 19 mai 2013. Disponível em: <http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf>.
    » http://www.amp-nls.org/downloads/JAM_Athenes2013.pdf
  • OUVRY, O. Le Féminin comme nouveauté pubertaire. Le Féminin: un concept adolescent? sous la direction de Serge Lesourd, Éd Erès, coll. Le Bachelier, 2001.
  • OUVRY, O. MARTY, F.; BOURQUIN, J. Évolution de la notion de travail associée à celle d’adolescence au cours du XIXe et au début du XXe siècle. Adolescence. 1996. V. 14, n. 2.
  • *
    Retomamos aqui o conceito de puberal dado por Philippe Gutton, e anteriormente tratado por Pierre Mâle: “O puberal é para o psiquismo o que a puberdade é para o corpo”. Gutton distingue os processos puberais iniciais, imediatamente após os primeiros tempos da puberdade, dos processos do adolescens. Os primeiros designam o que o sujeito experimenta tornando-se adolescente e que delineia a complementaridade nascente do outro do Outro sexo. Trata-se de uma novidade que advém de forma radical; nada no infantil a prefigura. Os segundos designam fenômenos mais tardios (o puberal deverá ter sido minimamente subjetivado para que eles possam advir) e correspondem às transformações das identificações que deles resultam. Esses dois tempos foram descritos por Philippe Gutton em dois trabalhos epônimos: Le pubertaire, coll. Quadrige. Paris: P.U.F., 2013 e L’adolescens, Paris: P.U.F., 1966.
  • 1
    Importância cujo suporte social pode ser encontrado, por exemplo, na passagem da quinta à sexta série do Ensino Fundamental. “{…} passage de l’école primaire au collège dans l’Éducation Nationale.
  • 2
    É o que retemos do capítulo III e do seguinte, Recapitulação, dos Três ensaios sobre a teoria sexual, onde Freud descreve “duas modificações induzidas pela chegada da puberdade {…}: a subordinação de todas as outras origens da excitação sexual à primazia das zonas genitais e o processo da descoberta do objeto”, duas modificações já prefiguradas na infância, precisa Freud. Ele acrescenta a constatação de um recalque na menina “necessário, que elimina uma parte da virilidade infantil e prepara a mulher à troca de sua zona genital dominante” e a importância de levar em conta “a barreira erigida entrementes contra o incesto para se dirigir (o investimento nos pais) a outros indivíduos que se lhes assemelhem”. Fora a mudança da zona erógena na menina, todos esses pontos reenviam à importância a ser dada à sexualidade infantil para apreender seu impacto sobre a patologia dos adultos. Não há nada que nos pareça definir uma metapsicologia dessa passagem.
  • 3
    Percurso edipiano diferenciado daquele do menino, pela importância dada à fase pré-edipiana, onde a menina se comporta como um menino, segundo Freud (mesma zona erógena — clitóris assimilado ao pênis — e mesmo objeto sexual, a mãe), e pelo fato de que a castração seja a entrada no Édipo, ao passo que, para o menino, é o modo de saída.
  • 4
    Passagem que se pode descrever como sendo da geometria (aparelho psíquico descrito em estratos sucessivos) à topologia (articulação das três instâncias do eu, supereu e isso, cujos contornos não são distintos uns dos outros), sendo a localização da função do significante do Falo o pivô dessa passagem de uma à outra.
  • 5
    Freud desenvolve a necessidade teórica da segunda tópica, mas as regras de transcrição de uma à outra não são aparentes.
  • 6
    Onde ele descreve a sexualidade, tal como se instaura no infantil.
  • 7
    MILLER, J.-A. “L’inconscient et le corps parlant”. Apresentação do tema do 10o Congresso da AMP, Rio de Janeiro, 2016, Disponível em: <http://www.wapol.org/fr/articulos/Template.?intTipoPagina=4&intPublicacion=13&intEdicion=9&intIdiomaPublicacion=5&intArticulo=2742&intIdiomaArticulo=5>.
  • 8
    “Pela psicanálise, o significante se define como agindo, antes de mais nada, separado de sua significação. É esse o traço de caráter literal que especifica o significante copulatório, o falo, quando, surgindo fora dos limites da maturação biológica do sujeito, se imprime efetivamente, sem poder ser o signo que representa o sexo existente do parceiro, isto é, seu signo biológico; lembremo-nos de nossas fórmulas diferenciadoras do significante e do signo” (LACAN, 1966/1998, p. 890).
  • 9
    A questão concernia à importância das sensações vaginais precoces. No entanto, Freud sempre manteve que a vagina somente era descoberta, para os dois sexos, na puberdade. Era o que sua clínica lhe ensinava. Esta afirmação de Freud está presente em vários textos, de forma mais ou menos explícita. Pensamos que onde ela aparece mais desenvolvida é em “A feminilidade”, Conferência XXIII (1932, p. 150-181). In: Novas conferências sobre a psicanálise, Paris: Gallimard, 1984, p. 150-181.
  • 10
    Isso nos faz pensar nos percursos iniciáticos das confrarias, com dimensões místicas ou sectárias. O percurso da iniciação faz entrever o ponto final como apogeu desse percurso, despertando o iniciado a um saber desconhecido e aos efeitos de renovação… e, nessa passagem, precisamente nada é dado — senão um mantra, Isso nos faz pensar nos percursos iniciativos de confrarias, com dimensões místicas ou sectárias. O percurso de iniciação faz entrever o ponto final como apogeu deste percurso, despertando o iniciado a um saber desconhecido e aos efeitos de renovação… e, nesta passagem, precisamente nada é dado — senão um mantra, uma ilusão (born again), um imaginário. A vacuidade é paradoxalmente necessária a uma validação posterior desse princípio de trajeto. Nossa ideia é que tal validação paradoxal acha sua força na retomada daquilo que todo indivíduo já percorreu: o vazio da iniciação do puberal.
  • 11
    Nota da Tradução — Habilitation à diriger des recherches. A habilitação para orientar pesquisas é uma qualificação universitária que se pode obter após a realização do doutorado. Na França, a qualificação para orientar pesquisas e teses doutorais passa pela obtenção do HDR.
  • 12
    Trata-se da mesma passagem que havíamos identificado em Freud, quando ele focalizou a descrição do percurso da menina.
  • 13
    “Basta dizer de passagem que, na psicanálise, a história é uma dimensão diferente da do desenvolvimento e que é uma aberração tentar reduzi-la a este. A história só se desenrola como um contratempo do desenvolvimento. Ponto do qual a história como ciência talvez deva tirar proveito, se quiser escapar à dominação sempre presente de uma concepção providencial de seu curso” (LACAN, 1966/1998a, p. 890).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2017

Histórico

  • Recebido
    27 Set 2015
  • Aceito
    10 Jun 2016
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