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“Sentimento oceânico” e controle do fogo: ensaio sobre arte e política

RESUMO:

O presente artigo busca uma articulação entre a noção de “sentimento oceânico” e uma modalidade de laço social distinta da formação da massa e que se explicitaria privilegiadamente no campo da arte, na qual se desestabilizam as fronteiras entre indivíduos em prol de uma espécie de transmissão de desejo, sob o modo discursivo do conhecido sonho no qual o filho morto aparece ao pai e lhe pergunta “Pai, não vês que estou queimando?”. O texto examina ainda, de modo inconclusivo, a possibilidade de tal estratégia discursiva caracterizada pela literalidade e indicialidade poder se constituir em uma força política contra o fascismo da massa.

Palavras-chave:
sentimento oceânico; pulsão de morte; sonhos; laço social

ABSTRACT:

This essay aims to investigate the relation between the notion of “oceanic feeling” and a type of social bond distinct from group formation and which would be made explicit singularly in the field of art, in which the boundaries between individuals are destabilized in favor of a kind of transmission of desire, under the discursive mode of the well-known dream in which the dead son appears to the father and asks him “Father, don’t you see that I’m burning?”. The paper also examines, inconclusively, the possibility that such a discursive strategy characterized by literality and indexicality could constitute a political force against group fascism.

Keywords:
oceanic feeling; death-drive; dreams; social bond

Ao nível do fogo

falo

e por muitos incêndios ao meu redor

no incêndio do mar às minhas costas

[...]

como a noite

ou a esperança

com suas hélices de hidrogênio

falo

por muitos incêndios.

Ferreira Gullar, Ao nível do fogo (1974).

Como se sabe, Freud começa O mal-estar na cultura, de 1929, evocando uma carta que recebeu de um amigo francês, o importante escritor Romain Rolland, em reação ao livro de 1927 O futuro de uma ilusão. Para Rolland, o psicanalista deixou de lado algo fundamental a respeito da religião, algo genuinamente religioso, que ele denomina “sentimento oceânico”. Tal sentimento peculiar nunca o teria abandonado e lhe teria sido confirmado por muitas outras pessoas, de modo que ele o pressupõe em milhões de seres humanos. Ele o caracteriza como uma

sensação de “eternidade”; um sentimento como o de algo sem limites, sem barreiras, “oceânico”, por assim dizer. Esse sentimento seria um fato puramente subjetivo, e não um artigo de fé; a ele não se ligaria nenhuma garantia de continuidade pessoal, mas ele seria a fonte da energia religiosa que as diferentes Igrejas e sistemas religiosos captam, conduzem por determinados canais e com certeza também consomem. Apenas com base nesse sentimento oceânico alguém poderia chamar-se religioso, mesmo recusando toda fé e toda ilusão. (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 42).

Freud diz não encontrar em si próprio tal sentimento oceânico; afirma ter muita dificuldade de entendê-lo e que a psicanálise tampouco seria capaz de ajudar na sua compreensão. Desconfia do termo “sentimento” e propõe que tal ideia de união indissolúvel, de pertencimento ao todo do mundo exterior, seria como uma “intuição intelectual, que com certeza não deixa de ser acompanhada por notas de sentimento” (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 43). Critica e trata com certo desdém a noção proposta por Rolland, e em dado momento cita Schiller, o grande poeta romântico e filósofo, com o verso: “que se alegre aquele que respira na rósea luz” (SCHILLER apud FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 58), como a dizer: “que bom que eles podem ser tão felizes aqueles que nela acreditam; que sejam!”. Não surpreende que Freud seja cético em relação à possibilidade de que se alcance tal felicidade, que poderia ser buscada por práticas de meditação e ascese. Mas é espantoso que passe dezenas de páginas discutindo esse tal sentimento oceânico se o despreza, e que comece o seu livro mais importante sobre a cultura com esse tema; se lhe parecesse realmente inutilizável e equivocada a ideia de sentimento oceânico, não passaria tanto tempo discutindo-a. Sob um modo denegatório, ele não deixa, assim, de trazer essa noção - ou problema - como algo fundamental para se pensar a cultura, ainda que ela pareça inicialmente ir na direção oposta à sua argumentação em defesa de um desconforto na cultura (na tradução mais fiel ao termo alemão Unbehagen), de um atrito fundamental, da impossibilidade de se conceber uma continuidade entre indivíduo e civilização. Mesmo que seja menos fiel ao original, devemos considerar, de passagem, que a expressão “mal-estar”, em português, traz uma camada significante pertinente para essa discussão, transmitindo a sabedoria própria a uma língua: ela indica que o sujeito mal-está na Cultura, ou seja, ele nela está, ainda que de forma precária ou retorcida. Nesta linha de pensamento, desfaz-se a oposição dual entre indivíduo, de um lado, e cultura, grupo ou sociedade, de outro; e pode-se pensar que o sujeito do inconsciente está invariavelmente na Cultura - não sob o modo existencial do verbo ser, mas, sim, na chave da provisoriedade e da contingência implicada no verbo estar.

Incomodado com a proposta do amigo, Freud não se furta a discuti-la e a relaciona com uma questão importante para a psicanálise: o fato de o eu não estar, de saída, bem delimitado em relação ao mundo externo, de suas fronteiras não serem fixas e estáveis. A estranha possibilidade, indicada pelo sentimento oceânico, de haver uma participação ou mesmo dissolução total entre nós e o mundo, em seus elementos e objetos, acentua in extremis o posicionamento contrário à oposição entre Indivíduo e sociedade, aquele que decorre rigorosamente da ideia de descentramento do sujeito, do fato de que “o eu não é mais senhor em sua própria casa”, como já havia formulado em 1917 (FREUD, 1917/1944FREUD, S. Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse [Conferências introdutórias sobre psicanálise] (1917). Londres: Imago, 1944. (Gesammelte Werke 11), p. 295; tradução nossa). O sujeito está de saída fora de si, se constitui no campo do Outro, como viria décadas depois propor Lacan. Nessa linha de pensamento, é importante lembrar que o sujeito do inconsciente não se localiza no indivíduo (na subjetividade de que pretende tratar a psicologia), mas, sim, entre nós, no mundo, ou melhor, no mundo habitado pelo ser falante que é a Cultura. Isso, que deve ser considerado como nada menos que o alicerce fundamental da psicanálise, é o que levara Freud a propor das Es, em 1923, no texto O Eu e o Id (ou O Isso, das Es), que o “Eu é a parte do Id modificada pela influência direta do mundo externo, sob mediação do Pcp-Cs, como que um prosseguimento da diferenciação da superfície” (FREUD, 1923/2011FREUD, S. O Eu e o Id (1923). São Paulo: Companhia das Letras , 2011. (Obras completas: O Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos, 16), p. 22). Freud também insistirá na ideia de que o Eu não é mais que “a projeção de uma superfície” (FREUD, 1923/2011FREUD, S. O Eu e o Id (1923). São Paulo: Companhia das Letras , 2011. (Obras completas: O Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos, 16), p. 24), sublinhando assim o giro da “interioridade suposta” para a exterioridade com a qual a superfície está em contato e pela qual se define. O desenho que acompanha essas formulações traz uma forma ovóide bem delimitada em suas fronteiras - especialmente em seu topo, no qual se localizaria a percepção-consciência, em constante contato com os estímulos que vêm do mundo -, salvo quanto ao curioso túnel reto e sem fundo que o psicanalista marca como o “recalcado” (abreviado como Vdgt):

Alguns anos depois - justo os anos em que o fascismo vai crescendo e tomando lugar na Europa -, em uma das conferências de 1932, A dissecção da personalidade psíquica, tal desenho é retomado e modificado de maneira muito interessante e convergente com a passagem da noção de “Inconsciente” para a de “Isso” (esse pronome neutro, como a confirmar a ideia de disseminação no “inorgânico”): abre-se uma passagem entre o Isso (Id) e o fora, como se pode ver no diagrama que acompanha o texto e do qual reproduzimos aqui o original manuscrito:

Das Es encontra-se neste desenho bem no limiar, na fronteira escancarada entre o “aparelho psíquico” e seu exterior, que aí está curiosamente habitado pela própria escrita de Freud. Quando relemos o “sentimento oceânico” sob esta chave, chama a atenção que Freud não o relacione à pulsão de morte, à repetição e a sua meta última de retorno ao inanimado, propostos anos antes, em Para além do princípio do prazer (FREUD, 1920FREUD, S. Além do princípio de prazer (1920). São Paulo: L&PM, 2016.). Neste livro desnorteador e que não nos cabe aqui destrinchar, o psicanalista chega a afirmar que a pulsão de morte teria surgido por meio da “vivificação do inorgânico” (FREUD, 1920/2016FREUD, S. Além do princípio de prazer (1920). São Paulo: L&PM, 2016., p. 91). Podemos pensar que o impede o fato de Rolland correlacionar o “sentimento oceânico” a uma espécie de felicidade, de comunhão e eternidade (a bem-aventurança da “rósea luz” de Schiller), que destoam da gramática de Tânatos. Não deixa de pulsar, no texto freudiano, porém, a angústia que é a outra face de tal bem-aventurança. Ela está entre as linhas pelas quais Freud vai refletindo sobre tal “sentimento” como prolongamento ou sobrevivência da vivência inicial do bebê, aquela de antes que se construam as fronteiras do eu, pelo jogo pulsional entre o que estaria “dentro” e “fora” de si, no eu e no outro, sob a égide do Princípio de Prazer. Entre a delimitação de fronteiras e a sua dissolução “oceânica”, podemos dizer que o gozo se modula, se domestica ou se desencadeia, ao sabor da mescla ou do destacamento entre pulsão de vida e pulsão de morte.

É de gozo que se trata no “mal-estar”, de fato, tanto no desconforto inerente a nosso lugar na cultura quanto nos substitutos trazidos para minimizá-lo ou dele nos consolar. Freud menciona, por exemplo, o uso de drogas como um modo de libertação desse sofrimento que não se pode ultrapassar inteiramente; ou o amor como possibilidade de suspensão da fronteira entre o eu e o outro (que traz muito prazer mas também muito sofrimento - mais sofrimento até, diz ele, do que as catástrofes naturais ou e outras contingências negativas da vida). Uma ideia que nos interessa em particular é aquela que vê na arte uma espécie de “suave narcose” que nos protegeria do sofrimento da cultura (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 72). Essa formulação aparentemente banal é, na verdade, bastante surpreendente para alguém que não só valorizava a teoria da catarse aristotélica, como havia feito dela seu modelo de tratamento das neuroses, inicialmente. Freud bem sabe, como herdeiro do Romantismo alemão, que se trata de sofrimento, na arte. De um certo mal-estar, e de suas modulações na/pela cultura. E de uma operação que põe em xeque e em movimento as fronteiras do eu, justamente - as “barreiras que separam cada eu dos demais” (FREUD, 1907/1987FREUD, S. Escritores criativos e devaneio (1907). Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9), p. 158) -, como ele já formulara em 1907 em Escritores criativos e devaneio (que seria melhor vertido por O poeta (ou o artista, de modo geral) e o fantasiar, Der Dichter und das Phantasieren), quando localiza a ars poetica na técnica de sedução que nos faz burlar a repulsa e compartilhar as fantasias do artista. Nesse sentido, podemos dizer que a arte implica a suspensão da delimitação estrita de cada “indivíduo” - ou seja, aquele que não se divide - em prol da emergência de efeitos de sujeito na Cultura, entre nós. E que as experiências no campo da arte pressupõem um tipo de enlaçamento social que ativaria a disseminação do sujeito no mundo e nos objetos indicada pelo “sentimento oceânico”.

O fato de Rolland ser um escritor talvez não seja anódino, afinal de contas, para a sedução (e a irritação) exercida sobre Freud por esta noção. Se damos menos atenção à ilusão de felicidade que esta parece carregar e acentuamos o que aponta como dissolução do eu no mundo, podemos ressaltar nela a indicação de tal relação entre o sujeito e a cultura na qual não se trata de replicar a oposição indivíduo/sociedade, mas sim de um (mal) estar do sujeito do inconsciente fora de si mesmo, na cultura - nisso que se transmite entre indivíduos como efeito de sujeito, e que tem na arte seu lugar de eleição na sociedade. Os objetos de arte são, em princípio, objetos dos quais somos chamados a participar, como se eles carregassem algo de nós mesmos que é radicalmente singular, e, no entanto, passa (e se passa) entre nós. Neles podemos (mal) estar, nas franjas do gozo do retorno ao inorgânico.

Em contraste com o sentimento oceânico, Freud contrapõe ainda no Mal-estar na cultura, bem pontualmente, o controle do fogo, que se destacaria entre os maiores feitos culturais, ao lado do uso de ferramentas e a construção de moradias, como “uma realização absolutamente extraordinária, sem precedentes” (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 88). Em nota de rodapé, o psicanalista desdobra uma interpretação bastante fantasiosa deste feito em termos de controle de si mesmo para que ocorra a renúncia à satisfação do “prazer infantil” de apagar o fogo com a urina, que corresponderia a uma fantasia homossexual, ou melhor, “um gozo da potência viril na competição homossexual”, na medida em que as labaredas seriam símbolos fálicos (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 88). É interessante e surpreendente que o controle do fogo seja trazido em relação ao poder de apagar a pequena flama que o mantém aceso para uso doméstico, e não como contenção de seu poder destruidor quando toma corpos inflamáveis e consumíveis, como nos incêndios. A declinação do falo nesta fantasia também é curiosa, pois nela a posse do pênis poderia levar à irresponsável destruição da conquista cultural do fogo, por mera demonstração de “potência viril”. Em contraponto, “a mulher teria sido designada guardiã do fogo mantido prisioneiro no lar doméstico, pois sua constituição anatômica lhe proibia ceder a semelhante tentação de prazer” (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 88).

Pouco tempo depois, em 1932, Freud publica um texto inteiramente dedicado a essa questão, A conquista do fogo, evocando o mito de Prometeu, o herói semidivino que rouba o fogo dos deuses e o entrega aos homens. O modo como Prometeu consegue transportar o fogo é particularmente interessante: ele usa um caule de funcho, uma “vara oca” (FREUD, 1932/2010FREUD, S. A dissecção da personalidade psíquica (1932). São Paulo: Companhia das Letras , 2010. (Obras completas: O mal-estar na civilização; Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos, 18), p. 224), para nele guardar uma chama e descer do Olimpo. “Numa interpretação de sonho”, diz Freud, “compreenderíamos esse objeto como símbolo do pênis, ainda que nos incomode a particular ênfase na sua cavidade” (FREUD, 1932/2010FREUD, S. A conquista do fogo (1932). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas: O mal-estar na civilização; Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos, 18), p. 224). Seguindo o mecanismo de transformação em seu contrário para confirmar a hipótese de 1929, ele propõe que o que está em jogo é a água do jato de urina, em lugar do fogo. É um tanto forçada a maneira como a argumentação freudiana traz o registro fálico para o primeiro plano, insistindo na equivalência “caniço-pênis” e deixando de lado o “incômodo” trazido pelo caráter oco da vara usada por Prometeu. Na discussão do sentimento oceânico em O mal-estar na cultura, fica também um tanto rápida a ênfase no papel do pai, no que diz respeito às “necessidades religiosas”, que Freud diz ser “imperioso” derivar “do desamparo infantil” (FREUD, 1929/2019, p. 55) e do anseio de presença paterna que ele desperta como aquele capaz de protegê-lo, como substituto de uma espécie de providência divina.

O esquema geral de laço social aí reafirmado é aquele apresentado pelo psicanalista alguns anos antes, em Psicologia das massas e análise do Eu, no qual explicita que a relação de cada um de nós com este que ocupa o lugar do pai, o líder - seja ele Jesus ou, no caso do exército, por exemplo, o comandante, ou ainda um professor, um autor etc. - seria uma relação de amor e idealização (FREUD, 1921FREUD, S. Psicologia das massas e análise do Eu (1921). São Paulo: Companhia das Letras , 2011. (Obras Completas: Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos, 15)). Necessitaríamos, como “filhos”, de líderes a garantirem o lugar desse pai grandioso, superior e apto a cuidar de nós. E, por ser assim colocada no lugar de ideal do eu, diz Freud, em um tipo de relação similar à de uma criança ao pai, essa figura sustentaria uma identificação entre todos aqueles que também amam e veneram esse pai, que assim pertenceriam ao grupo de “irmãos”. Tal identificação entre os eus que se relacionam e se devotam a esse líder forma assim a massa, noção utilizada na sociologia da época para falar dessa formação social na qual podem acontecer fenômenos como linchamentos ou grandes manifestações, que vão contagiando a sociedade e se tornam cada vez maiores, eventualmente gerando atos extremos, de violência ou de renúncia, que o indivíduo não chegaria a realizar sozinho - mas de que, nesse contágio da massa, torna-se capaz. Talvez o melhor exemplo, o mais radical, seja o do linchamento; talvez aquelas pessoas não sejam capazes, cada uma delas individualmente, de realizar um assassinato, mas a multidão, unida, pode ceder a uma palavra de ordem e, por contágio, cometer os atos mais atrozes.

Um capítulo especial - ou melhor, vários capítulos - da história da humanidade derivam de tal força de contágio direcionada para atos violentos e destrutivos, sem dúvida. Entre as duas Guerras Mundiais, enquanto o fascismo despontava na Europa, Freud constata que “há dificuldades ligadas à essência da cultura, e que elas não cederão a qualquer tentativa de reforma” (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 132), assinalando certa tragicidade inerente à cultura, na medida em que a agressão, a exploração do outro, enfim, uma violência extrema está em seu seio e é um de seus pilares. E isso se acentua no estado de miséria psicológica da massa, cujo perigo ronda a Cultura permanentemente, “impondo-se a nós”, como escreve Freud:

Impõe-se a nós o perigo de um estado que se pode chamar de “miséria psicológica da massa”. Esse perigo ameaça sobretudo ali onde o laço social é produzido principalmente por meio da identificação dos membros entre si, enquanto as individualidades dotadas de espírito de liderança não alcançam aquela significação que lhes deveria caber na formação da massa. (FREUD, 1929/2019FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 132-133).

A falta de um substituto do pai que esteja à altura da posição que lhe é atribuída determina, assim, uma situação lamentável - e evitável, em princípio. Mas se dependerá, para evitar o fascismo e a “miséria” da massa, necessariamente, de uma suposta “grandiosidade” ética do líder? Seria incontornável a estrutura paterna/fálica como pilar do laço social, quando um herói como Prometeu não faria mais do que impedir que sua suposta posse do falo o levasse a destruir o mais valioso elemento de subsistência por mera obtenção do “gozo da potência viril na competição homossexual”, como citamos acima? Não seria possível formular outras lógicas do laço social, outras forças construtoras (ainda que também destrutivas, seguindo a complexidade do mal-estar na Cultura)? Um dispositivo distinto da referência ao falo como atributo do pai que nos faz idealizar alguém ao colocá-lo numa certa posição e nos submeter a um certo discurso graças à devoção a essa pessoa e à identificação entre aqueles que também a adoram? Seria possível pensar, em termos psicanalíticos, algo como uma política do desejo (distinta da política das massas)?

Com o sentimento oceânico, creio que o texto freudiano se enreda nessa questão, ainda que não venha a desdobrá-la em termos de enlaçamento prévio entre nós e disseminação (fragmentada, não-unitária ou unária) do sujeito na Cultura. Para tentar levá-la adiante, vamos evocar outra ocasião, bem antes de 1929, na qual aparece a figura do fogo no contexto de uma irrupção traumática que, curiosamente, implicaria uma espécie de transmissão do desejo. Refiro-me ao conhecido sonho do filho morto cujo corpo se incendeia, apresentado no capítulo mais importante de A interpretação dos sonhos, o capítulo 7, chamado Sobre a psicologia dos processos oníricos. Trata-se de um sonho absolutamente sui generis, e mesmo estranho, pois a uma leitura mais detida ele se mostra problemático em relação à tese central do livro, segundo a qual o sonho é a realização de um desejo, ou seja, ele satisfaria um desejo mostrando-o, figurando-o em imagens e em palavras, e o faria de maneira disfarçada, em uma enunciação que não é direta, mas deve ser interpretada a partir da associação livre por parte do sonhador. O sonho é, assim, como bem se sabe, uma narrativa (o relato da experiência onírica, inapreensível como tal) que age como disparadora de outras narrativas, entre as quais se perfila o desejo, e tal relação íntima entre desejo e sonho é fundamental e fundante da psicanálise. Mas é igualmente importante a ideia de que o sonho é um trabalho de linguagem, de deformação e de construção narrativa, o que o coloca em uma posição muito interessante para pensar a própria linguagem - bem como a relação entre o inconsciente e o que se passa no mundo. Por essas vias intrincadas entre cultura e formações do inconsciente, fui levada a lembrar-me do sonho extraordinário, do qual vamos tratar agora por um convite para falar sobre incêndios na UFRGS, em agosto de 20191 1 Tratava-se do II Encontro da Rede de Pesquisa Graphias, sob títulos Incêndios, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura (Nuppec) e realizado no dia 15 de agosto de 2019. . As colegas que me convidaram tinham em mente o acidente que consumiu o Museu Nacional alguns meses antes. Mas, entre o momento do convite e o da fala, grileiros começaram a queimar extensas áreas de floresta amazônica de modo concertado, em resposta às sinalizações do governo federal de que ficariam impunes. A proposta de falar sobre incêndios me inquietou; não sabia muito bem o que dizer diante de uma tragédia de tal monta e só me ocorria, com estranha insistência, este sonho relatado por Freud.

Trata-se de um homem que acaba de perder o filho de quem cuidou durante uma enfermidade. O cadáver está sendo velado num quarto. Muito cansado, o pai pede a um homem mais velho que cuide do corpo do filho, que está circundado por grandes velas acesas, e vai tirar uma soneca. Trago a descrição que Freud faz do sonho:

Depois de algumas horas de sono, o pai sonha que a criança está parada ao lado de sua cama, pega seu braço e lhe sussurra em tom de repreensão: ‘Pai, você não vê que estou queimando?’ Ele acorda, nota um clarão intenso que vem do quarto onde está o corpo, corre até lá, encontra o vigia idoso adormecido e as roupas e um braço do querido cadáver queimados por uma vela que caíra acesa sobre ele. (FREUD, 1900/2018 FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Porto Alegre: L&PM, 2018.p. 535).

O psicanalista diz que este relato lhe foi feito por uma paciente, que, por sua vez, o ouviu em uma conferência sobre sonhos. Ele escreve:

Ele causou impressão a essa senhora devido ao seu conteúdo, pois não deixou de “ressonhá-lo”, isto é, de repetir elementos desse sonho num sonho próprio a fim de exprimir, mediante essa transferência, uma concordância em um ponto determinado. (FREUD, 1900/2018FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019., p. 535).

Isso é absolutamente extraordinário: que alguém ressonhe um sonho de que ouviu o relato. Mas Freud o menciona como se não fosse surpreendente, como se os sonhos se transmitissem entre nós, ou melhor, como se houvesse uma espécie de “transferência” através de sonhos. Em 1900, ele ainda não havia elaborado com clareza a teoria da transferência como aquilo que se passa entre analisando e analista, mas é marcante que ele use aqui o mesmo termo, Übertragung, que pode ter, em alemão corrente, o sentido de transmissão (de uma doença) ou de contágio (por parte de um patógeno como um vírus, por exemplo).

É muito interessante e desnorteador pensar a possibilidade de que os sonhos sejam contagiosos. Mais uma vez, isso vem nos distanciar da ideia de uma psicologia “profunda” e individual. Que relatos seriam esses que passam entre nós e que podemos eventualmente sonhar, por nossa vez? O sonho do filho que queima talvez seja particularmente ardente, talvez se propague entre nós com força singular. O que o caracteriza? Seria um significado latente, a ser desvendado? Como interpretá-lo? Freud diz rapidamente, depois desse trecho, que concorda com a explicação que o conferencista teria dado, segundo sua paciente: o clarão das chamas no quarto ao lado teria atingido a visão do pai que dormia e o teria feito sonhar. É importante notar que, para Freud, além de o sonho ser uma realização do desejo, ele também tem uma função muito imediata de manter o estado de sono, impedindo que o sonhador acorde. Isso é parte da nossa experiência cotidiana, de fato: muitas vezes, o som do despertador entra no enredo de um sonho fazendo-nos ganhar algum tempo antes de acordar - ou eventualmente triunfando, ao nos fazer ignorar o ruído e continuar dormindo. A narrativa do sonho incorporaria estímulos externos para tentar assim neutralizá-los. Então, diz Freud, o clarão do fogo, em vez de acordar o pai, fez com que ele criasse esse sonho no qual o filho está vivo - trata-se, portanto, de uma realização de desejo. Mas rapidamente o pai acorda para aquilo que está acontecendo e o sonho fracassa.

Lacan retoma esse sonho em seu Seminário 11, para discordar de Freud muito argutamente e dizer que, longe de prolongar o sono, este sonho acorda o sonhador (LACAN, 1964/1985LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. (O seminário, 11)). Ele é uma espécie de abertura de portas para o real que estava acontecendo. Lacan o caracteriza como um desencontro com o Real, um encontro faltoso. Ele assim articula o sonho não às quimeras das fantasias inconscientes, em suas narrativas infinitas e mais ou menos típicas, mas à ideia de Real, que é muito importante em sua sintaxe: trata-se de algo que está além da realidade, que é mais real que a própria realidade, e resiste à linguagem e à figuração. Algo inassimilável, que pulsa e nos toca de maneira talvez comparável ao grito: “Fogo!”. Na narrativa do sonho, aparece uma fala, uma única fala, que é um apelo ao pai: “Pai, não vês que estou queimando?”. Talvez esse sonho mostre que todo sonho consiste em um chamado - o que nem Freud nem Lacan chegam a examinar como uma possibilidade, mas se explicita na situação mesma, no engaste narrativo no qual surge o relato do sonho que parece talvez ecoar nessa ideia de que a paciente de Freud sonha novamente, ressonha o sonho que lhe é contado, como se o fogo a tomasse também, e assim o sonho lhe fizesse um apelo, a chamasse; como se as chamas a atraíssem ao fogo.

Talvez todo sonho tenha uma dimensão de apelo ao outro, assim como a literatura, eventualmente - e esse apelo talvez seja, em última instância, uma chamada ao pai: “Pai, não vês que eu queimo?”. Essa espécie de transferência que faria parte da estrutura mesma do sonho pode parecer estranha para quem está familiarizado com a teoria da interpretação dos sonhos em Freud, mas acho que ela se confirma em algumas vivências cotidianas implicadas em nossa vida onírica, como, por exemplo, o fato de que muitas vezes, ao despertarmos depois de ter tido um sonho, temos uma necessidade premente de contar esse sonho para alguém; às vezes para alguém em particular, como é o caso dos sonhos que fazemos em análise, dos sonhos destinados ao analista, que fazem parte de um determinado processo que está se dando ali.

Como mostra Lacan ao comentar o sonho, o que “queima” o filho, e permite que ele venha a desejar, é justamente uma profunda desconfiança em relação ao pai “demasiado ideal”:

Do que é que ele queima? - senão do que vemos desenhar-se em outros pontos designados pela topologia freudiana - do peso dos pecados do pai, que carrega o fantasma no mito de Hamlet com que Freud duplicou o mito de Édipo. O pai, o Nome-do-Pai, sustenta a estrutura do desejo com a da lei - mas a herança do pai é aquilo que nos designa Kierkegaard, é seu pecado. O fantasma de Hamlet surge de onde? - senão do lugar de onde ele nos denuncia que é na flor de seu pecado que ele foi surpreendido, ceifado - e longe de dar a Hamlet as proibições da Lei que podem fazer subsistir seu desejo, é de uma profunda dubitação desse pai ideal demais que se trata a todo instante. (LACAN, 1964/1985LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. (O seminário, 11), p. 38).

Em vez do lugar do pai como agente e garantia da lei, de quem o filho sustenta, por sua culpa, o “pecado”, aparece neste trecho a ideia de questionamento radical do próprio lugar do ideal. Estaria essa formulação, ainda que embrionária, em medida de permitir o reviramento da lógica da estrutura da massa? Ela indicaria então uma possibilidade de transmissão real, por assim dizer, de compartilhamento do desejo - à maneira do enganchamento da paciente de Freud no relato deste sonho, que a faz “ressonhá-lo”? Poderia a desconfiança em relação ao ideal que o pai viria encarnar consistir em um motor para o laço social entre nós, sob um modo outro que não o dos “irmãos” a partilharem a idealização do pai?

Essas conjecturas merecem aprofundamento teórico e conexão com os fenômenos sociais, o que temos que renunciar a fazer em este breve ensaio. Seja como for, quero sublinhar que esse sonho da criança que queima é literal, ele não disfarça nada. É um sonho que diz exatamente aquilo que acontece: o filho está queimando, o corpo do filho está queimando e o relato do sonho consiste em nada mais do que essa frase: “Pai, não vês que estou queimando?”. Não existe possibilidade de interpretação. Freud passa por ele muito rapidamente, e é surpreendente que com ele inicie esse capítulo tão importante, a respeito da psicologia dos sonhos, porque esse sonho contradiz a teoria freudiana; não há espessura simbólica a ser explorada interpretativamente; tudo nele é literal, como uma espécie de realidade mais real do que a realidade tão recoberta por narrativas nas quais costumamos nos mover. Talvez tal literalidade seja o modo que o fogo nos ensina de uso possível da linguagem para fins políticos contrários aos da “miséria psicológica” do fascismo, neste momento cultural no qual toda interpretação parece possível e utilizável (como mostram as chamadas fake news), graças à exploração de uma ambiguidade notável, como propõe Marcia Schuback (SCHUBACK, 2021SCHUBACK, M. O Fascismo da ambiguidade: um ensaio conceitual. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.), para fomentar o fanatismo da massa.

Este modo mostra-se sobretudo na expressão “Fogo!”, essa interjeição com valor de frase, tão usada como chamado urgente a que se protejam as pessoas que aí estão quanto a que venham ajudar a controlar o incêndio aquelas que o escutem. Ela é um enunciado que visa atingir o outro imediatamente. Sua única palavra é ao mesmo tempo uma informação, um apelo, uma denúncia e um modo muito potente de tocar o outro, de contagiá-lo com uma urgência. Tal modo gramatical, tal uso específico da linguagem talvez possa nos ajudar a pensar o que fazer com os incêndios à nossa volta - como reagir a eles, ao “incêndio do mar às minhas costas” ou melhor, como se apropriar do modo como eles me trabalham “como um sistema de sóis/ vivos ou mortos/ que rompem feito relâmpagos”, nos versos de Ferreira Gullar no poema Ao nível do fogo, do qual trouxe trechos à guisa de epígrafe a este texto (GULLAR, 1974/2018GULLAR, F. Dentro da noite veloz (1974). São Paulo: Companhia das Letras , 2018., p. 112).

Podemos pensar em uma modulação de tal chamado como objeto no trabalho artístico de Frans Krajcberg, por exemplo, esse artista polonês radicado no Brasil que costumava recolher troncos calcinados de queimadas na floresta e apresentá-los como obras de arte. O que são esses troncos? Não importa se isso é ou não chamado de escultura; a operação é ela mesma literal: pega-se e mostra-se o que o fogo esculpiu. Mas o gesto do artista faz disso uma obra. Vivos ou mortos? Cinzas ou risos? (“que voltam a iluminar a vida”, ainda no poema de Gullar) - o importante é que irrompam, que sejam relâmpagos. Há uma literalidade nisso que tem a ver com o modo de funcionamento não do símbolo ou do signo como aquilo que vem nomear outra coisa, mas do sinal, ou do índice, na chave da semiótica de Charles Sanders Peirce. Esse semiótico americano em fins do século XIX e início do século seguinte trata do signo como incluindo três possibilidades de funcionamento. Uma delas é o símbolo, que é a modalidade das palavras em geral: atribui-se uma palavra arbitrariamente para uma coisa, de forma que a mesa remete a esse objeto que tenho à minha frente - mas também pode-se pensar a cruz simbolizando a paixão de Cristo e o cristianismo em geral etc., em uma cadeia de substituições. Outra é o ícone, que tem com o referente, o objeto que ele significa, uma relação mais direta, mimética até; um retrato, por exemplo, em sua relação com a pessoa retratada; um ícone religioso mostrando a figura de um santo etc. A terceira é a figura que me interessa mais, essa modalidade do índice, que é o que significa por modo indicial - quer dizer, pela remissão a algo inconteste - e o exemplo clássico deste tipo de signo é, justamente: onde há fumaça, há fogo (PEIRCE, 1912/2010PEIRCE, C. Semiótica (1912). São Paulo, Perspectiva, 2010.).

Onde há fumaça, há fogo. Quando se grita “Fogo!”, de alguma maneira, esse termo significa a si mesmo; não há espessura simbólica, não há possibilidade de interpretação. Trata-se de um apelo direto, a convocar a linguagem a agir como um relâmpago, sob o modo de uma transmissão ao nível do Real (para parafrasear Gullar e sua tentativa de fazer as palavras chegarem “ao nível do fogo”, e com elas nos convocar a nos colocarmos também a tal “nível”).

Tentamos aqui forçar o pensamento a reverter a direção do incêndio destruidor na Cultura, transformando-o em uma centelha. Talvez seja convergente com isso o fato de o fósforo ser um elemento bastante presente na arte contemporânea, seja remetendo ao ato de inflamar, de produzir um relâmpago no qual algo se transmite, seja apresentando a centelha como consumo mínimo e marcação da efemeridade. Assim, explora-se e agencia-se talvez a ideia de que, como dizia Freud, a aquisição e o controle do fogo seriam grandes realizações culturais. Podemos talvez, a cada dia, refazer essa grande realização cultural ao acender um fósforo e vê-lo queimar até o fim. Resta investigar, em detalhe, a curiosa proximidade entre o substantivo chama e o verbo chamar na língua portuguesa. Por enquanto, tomemos a afirmação de que a chama (a labareda) chama (no sentido da ação de apelar), ou a chama me chama, como não mais que um jogo de palavras, mas que não deixa de performar uma literalidade e uma repetição que parecem fazer parte da própria estratégia que buscamos formular.

Um trabalho como Sermão da montanha: Fiat Lux, realizado por Cildo Meireles em 1979, põe em questão esse chamado em geral. O artista empilha uma quantidade imensa de pacotes de palitos de fósforo Fiat Lux formando uma espécie de cubo, em um irônico diálogo com a Arte Minimalista americana, em torno do qual ficavam circulando quatro ou cinco homens de óculos escuros. Esses fósforos, inertes, remetem indicialmente à possibilidade de que se incendeie algo naquele momento final da ditadura, do declínio do regime militar (ainda bastante incendiário, como mostrava o atentado do Riocentro).

Em um trabalho anterior, na célebre exposição Do Corpo À Terra organizada por Frederico Morais em 1970 em Belo Horizonte, Meireles já tinha usado flamas para queimar galinhas em Tiradentes: Totem-monumento ao Preso Político. Ali eram flamas mesmo; eram labaredas, digamos, livres. Tratava-se de um incêndio e da apresentação do fogo como modo de tornar potente essa revivescência, o monumento, a violência centenária e colonial no Brasil, pela figura de Tiradentes. Esta obra explicita como poucas a potência do fogo, sua força cultural, que raramente pode se apresentar tão literalmente no domínio da arte. E nos convida a inventarmos enunciados que venham a inflamar outros, constituindo-se como uma possível força política a ser investida contra a violência do incêndio, quando este se volta contra a própria Cultura. Talvez neste caso, em vez ficarmos enredados e seduzidos - ainda que sob o modo da indignação - pelas palavras de ordem fascistas, suas fake news e ameaças constantes, logremos pôr outros significantes literalmente em circuito (ou em contra-circuitos capazes de gerar labaredas).

Referências

  • FREUD, S. A conquista do fogo (1932). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas: O mal-estar na civilização; Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos, 18)
  • FREUD, S. A dissecção da personalidade psíquica (1932). São Paulo: Companhia das Letras , 2010. (Obras completas: O mal-estar na civilização; Novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos, 18)
  • FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Porto Alegre: L&PM, 2018.
  • FREUD, S. Além do princípio de prazer (1920). São Paulo: L&PM, 2016.
  • FREUD, S. Escritores criativos e devaneio (1907). Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 9)
  • FREUD, S. Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse [Conferências introdutórias sobre psicanálise] (1917). Londres: Imago, 1944. (Gesammelte Werke 11)
  • FREUD, S. O Eu e o Id (1923). São Paulo: Companhia das Letras , 2011. (Obras completas: O Eu e o Id, “Autobiografia” e outros textos, 16)
  • FREUD, S. O mal-estar na cultura (1929). Porto Alegre: L&PM , 2019.
  • FREUD, S. Psicologia das massas e análise do Eu (1921). São Paulo: Companhia das Letras , 2011. (Obras Completas: Psicologia das Massas e Análise do Eu e outros textos, 15)
  • PEIRCE, C. Semiótica (1912). São Paulo, Perspectiva, 2010.
  • SCHUBACK, M. O Fascismo da ambiguidade: um ensaio conceitual. Rio de Janeiro: UFRJ, 2021.
  • LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985. (O seminário, 11)
  • GULLAR, F. Dentro da noite veloz (1974). São Paulo: Companhia das Letras , 2018.
  • 1
    Tratava-se do II Encontro da Rede de Pesquisa Graphias, sob títulos Incêndios, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Educação e do Núcleo de Pesquisa em Psicanálise, Educação e Cultura (Nuppec) e realizado no dia 15 de agosto de 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Ago 2021
  • Aceito
    01 Dez 2021
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