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Fragmentos do Real em “Le Ravissement de Lol V. Stein”

Fragments of Real in “Le Ravissement de Lol V. Stein”

RESUMO:

O presente trabalho se estrutura na articulação entre literatura e psicanálise e toma como referência a afirmação de Lacan, em 1965, de que, na produção de Marguerite Duras, a prática da letra converge com o uso do inconsciente. Como ponto de análise, o artigo se baseia na leitura de Le Ravissement de Lol V. Stein, livro de M. Duras, a fim de discutir a noção de Real, formalizada por Lacan em seu ensino. Para tanto, o Real será abordado a partir de três eixos de análise: 1) o tempo, 2) o corpo e 3) a ausência. Ao final, a produção durassiana atesta-nos uma dupla perda que se opera entre escrita e leitura, como efeito do real.

Palavras-chave:
Real; Marguerite Duras; letra; literatura; psicanálise

Abstract:

The present work is structured in the articulation between literature and psychoanalysis and take as reference Lacan’s statement in 1965, in which he points out that the practice of the letter, at the Marguerite Duras’ production, converges with the use of the unconscious. As a point of analysis, the article is based on the reading of Le Ravissement de Lol V. Stein, M. Duras’ novel, in order to discuss the notion of Real, formalized by Lacan in his teaching. To do this, the Real will be approached from three axes of analysis: 1) time, 2) body and 3) absence. In the end, durassian production attests to us a double loss that operates between writing and reading, as an effect of the Real.

Keywords:
Real; Marguerite Duras; letter; literature; psychoanalysis

INTRODUÇÃO

Um nó entre escuta e escrita

Ao operar pela palavra, literatura e psicanálise gravitam em torno de um mesmo ponto: a prática da letra. Em certa medida, a palavra aí se coloca como a dimensão que faz borda entre os dois campos. Interessa, invariavelmente, a aposta em toda e qualquer palavra que permite, não sem perdas, produzir algo diante do enigma do real. No tocante à literatura ou aos textos literários, é evidente que estes têm na palavra um objeto fundamental. A princípio, a crítica literária terá o texto como horizonte e materialidade destinados à análise e inspeção, de modo que tal perspectiva terá seu ponto de virada epistêmico com a relativização e a desconstrução do sentido postas pela linguística e pela semiologia (BARTHES, 1973/2004BARTHES, R. Uma problemática do sentido (1973). In: BARTHES, R. Inéditos volume 1: teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 104-138.). Tem-se, dessa forma, a queda de toda uma interpretação canônica do significado: não há como dissolver a fissura e os equívocos postos pela linguagem.

Da crise da sintaxe e do sentido (BARTHES, 1973/2004BARTHES, R. Uma problemática do sentido (1973). In: BARTHES, R. Inéditos volume 1: teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 104-138.) para o declínio da unidade subjetiva temos, com efeito, o sujeito da psicanálise. Desde a invenção da psicanálise, pela aposta freudiana no inconsciente, enquanto instância psíquica determinante, observamos o destaque dado ao simbólico por reconhecer, fundamentalmente, a inscrição de um sentido no corpo e nos sintomas. Ora, ao tomar a fala como material por excelência, a psicanálise reconheceu em seus primórdios o modo como isso porta um dado sentido - inesgotável, vale destacar - e, ao mesmo tempo, um sem sentido, o que aponta para uma certa produção diante da palavra, tal como aparece no campo literário. Caberia ao analista acompanhar a produção narrativa do “texto” que lhe era oferecido e, reconhecendo os limites existentes na linguagem, seguir.

Contudo, no terreno entre a escuta e a escrita, há que se ter o cuidado de não ocupar o lugar de apreensão do sentido, e tampouco realizar qualquer “psicologismo” do autor e da obra de arte. O que há de enfático na crítica à psicobiografia, como bem pontuado por Dominique Fingermann (2017FINGERMANN, D. Psicanálise e Literatura em Lacan: a lição dos escritores criativos. Revista CULT 20, n. 8, 2017.), se justifica em virtude do frequente mal-entendido colocado entre psicanálise e literatura, na medida em que houve a produção de um paralelismo entre “interpretação do texto da neurose” e “análise” dos textos literários e de seus escritores. A esse respeito, vemos como Freud se lança aos textos literários em sua obra, sobretudo como um modo de construir sua teoria (TROCOLI; AIRES, 2012TROCOLI, F.; AIRES, S. Literatura e psicanálise: de uma relação que não fosse de aplicação. Revista Terceira Margem, v. 16, n. 26, p. 11-16, 2012.), e destacamos um de seus recuos, em Dostoiévski e o parricídio, quando diz que, “diante do problema do escritor, a psicanálise tem que depor as armas, infelizmente” (FREUD 1928/2014BARTHES, R. Uma problemática do sentido (1973). In: BARTHES, R. Inéditos volume 1: teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 104-138., p. 276). Em seu retorno a Freud, Lacan nos adverte quanto à busca por um sentido nos textos literários e, sobre o lugar do analista nesse campo, recorda que “em sua matéria o artista sempre o precede” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p.193). Trata-se, portanto, de trabalhar com a literatura em sua dimensão criativa, não representativa. Portanto, “psicanalisar” um texto seria pura burrice ou grosseria, fazendo uso dos termos citados por Lacan em 1965.

Aí se coloca a problemática de atribuir um sentido unívoco ao texto - tensão posta pela literatura e pela psicanálise - na medida em que não há como recusar a polissemia existente nas palavras. Neste sentido, a psicanálise permite um novo modo de leitura, na medida em que coloca em primazia a figura do leitor e o seu “literar-se”, na indeterminação do sentido. Parece haver, neste ponto, um componente de afirmação da falta e do vazio. Diferença estrutural, certamente, como aquilo que desestabiliza uma suposta equivalência construída entre o significante e o significado.

Delimitando-se os pontos de tensão entre psicanálise e literatura, algumas aproximações podem ser colocadas. Tal como é posto na impossibilidade de construção de um sentido único para as palavras, é próprio da psicanálise tirar o texto de sua trilha, reconhecer outras significações possíveis de uma dada construção. É na articulação entre os dois campos que algo opera, um enodamento entre os fios da literatura e do inconsciente. Apesar das disjunções, um saber se faz possível de ser construído, não de forma a buscar no texto literário fragmentos da biografia do autor, mas no sentido de fazer ressoar os efeitos de um objeto propriamente dito - a letra, incidência de resíduos. Sobretudo, é preciso reconhecer, desde os textos freudianos, a função primordial que a literatura tem em relação à psicanálise1 1 importante sinalizar que, em seu empreendimento por uma formalização teórica da psicanálise, Freud produziu diversas leituras e direcionamentos ao campo da literatura. Destacamos, conforme análise apresentada por Trocoli e Aires (2012), ao menos dois movimentos: 1) da tragédia ao complexo (no qual a literatura oferece suporte às construções teóricas na psicanálise); e 2) a psicanálise aplicada à vida e obra do autor. . Para tanto, recorro à prática da letra em Marguerite Duras - aquela que, nas palavras de Lacan (1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205.), revelou saber sem ele aquilo que ensinava - para constatar a insistência do indizível que, nem por isso, cessa de se escrever. Em Écrire, ela nos diz: “Escrever. Não posso. Ninguém pode. É preciso dizer: não se pode. E se escreve” (DURAS, 1994DURAS, M. Escrever. Rio de Janeiro: Rocco, 1994., p. 47).

Do impossível da letra, que faz de nós a sua presa

A letra, “suporte material que o discurso concreto toma emprestado da linguagem” (LACAN, 1957/1998LACAN, J. A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud (1957). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998, p. 496-533., p. 498), tem na obra lacaniana evidente destaque, pelo efeito de suspensão de sentido no modo como nos atravessa. É importante mencionar que o conceito de letra não tem uma apreensão unívoca na teoria lacaniana. Inicialmente, a letra parece equivaler ao significante para depois ser dele distinguida, tendo diferentes formulações ao longo da teorização de Lacan e deslocando-se do campo da linguística para o da matemática. Em uma análise desse percurso, Aires (2005AIRES, S. Da quase equivalência à necessidade de distinção: significante e letra na obra de Lacan. Revista do GEL, [S. l.], v. 2, p. 215-230, 2005. Disponível em:Disponível em:https://revistas.gel.org.br/rg/article/view/313 . Acesso em: 22 nov. 2021.
https://revistas.gel.org.br/rg/article/v...
) destaca que, entre os anos 1953 e 1966, o significante lacaniano busca se diferenciar de seu homônimo no campo da linguística saussuriana. Apenas após 1961, no Seminário 9: A identificação, o conceito de letra ganhará estatuto conceitual próprio, distinguindo-se radicalmente do significante, em função das formulações em torno do real, apoiadas na matemática e, mais especificamente, na topologia.

Em Lituraterra, texto de 1971, vemos a letra associada à dimensão do gozo e à suspensão de sentido, o que nos interessa por apontar formulações conceituais que permitem trabalhar com a noção de operação da letra, tal como se mostra no texto Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein, publicado por Lacan em 1965, escrito que aqui nos serve de base.

Em sua Homenagem, Lacan (1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205.) revela, menos por uma posição de intérprete do que de presa, o modo como a prática da letra em Marguerite Duras indica o abandono da semântica e da sintaxe. Nele, perde-se o sentido, ficam-se os resíduos da letra. Arrebatado pela escrita, Lacan dá o seu testemunho da união entre prática da letra e uso do inconsciente. Na construção narrativa do Le Ravissement de Lol V. Stein, Duras indica a indefinição do enigma posto pelos personagens. Sobre Lol, a protagonista, não cabe decifrá-la. Observa-se mais uma vez, na letra, a instância daquilo que se coloca por uma dimensão não representativa.

Por essa dimensão não representativa, observamos na Homenagem o modo como não há, na leitura lacaniana de Duras, uma posição hermeneuta. Há uma dada formalização em seu texto na forma como ele se inclui no arrebatamento. A respeito disso, Porge (2019PORGE, É. O arrebatamento de Lacan: Marguerite Duras ao pé da letra. São Paulo: Aller Editora, 2019.) demarca o quão claramente Lacan se inclui naquilo que ele decifra, na medida em que se deixa ser marcado pelos passos de Lol, em virtude da questão que ele nos coloca: “Será que um de nós passou através do outro, e quem dela ou de nós deixou-se então atravessar?” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p. 198). Assim, Lacan se inclui na lógica ternária posta pelo enigma em Lol, ao indicar-nos que, para apreendê-la, é preciso contar três: “Ele se conta, para dizer melhor a sua divisão e o que lhe escapa em sua abordagem do texto de Duras” (PORGE, 2019PORGE, É. O arrebatamento de Lacan: Marguerite Duras ao pé da letra. São Paulo: Aller Editora, 2019., p. 81). Ambivalência, portanto, colocada pela letra, em um movimento que separa e amalgama os termos da operação. Na relação com o objeto a, em seus efeitos de unificar e dividir o sujeito, “é [...] em torno do ser do a [...] que podemos unificar um sujeito como sujeito de todo um discurso” (LACAN, 1968-1969/2008LACAN, J. De um Outro ao outro (1968-1969). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 16), p. 22). Um movimento semelhante ocorre através da letra na medida em que esta opera como um elemento que insiste na cadeia significante. A letra, aqui colocada em distinção ao significante, refere-se às marcas singulares do sujeito, permitindo, através de jogos combinatórios, diversas composições do significante. O deslizar da letra na cadeia permite o corte entre significante e significado, podendo vir a indicar a divisão subjetiva.

Em Lacan (1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 11)), percebemos a direção que a psicanálise nos coloca ao reconduzir o sujeito à sua dependência significante. Contudo, retornamos à letra como resíduo para colocá-la em evidência, pois, se tomarmos o significante em sua materialidade, a princípio, ele não significa nada. É a posição do sujeito na linguagem - pelos efeitos da letra - que será constituída pelo significante em uma dada singularidade (LACAN, 1956/1998LACAN, J. Seminário sobre ‘A carta roubada’ (1956). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998, p. 13-66.). Aqui, ao indicar o impossível da letra na escrita de Duras, supomos a possibilidade de uma produção de significância - em distinção à significação - diante do texto.

Após a leitura do romance de Lol V. Stein, arrebatadas, tomamos o desafio de nos lançar em uma escrita sobre a prática da letra em Duras e constatamos: de fato, não há como capturá-la, ela escapa. Como colocado por Hélène Cixous, em entrevista a Foucault, ao falar de um “efeito Duras”: “Talvez seu texto seja feito para isso, para que se deixe escapar, para que não seja retido [...] o que ‘retenho’, portanto, é essa impressão” (FOUCAULT, 1975FOUCAULT, M. Sobre Marguerite Duras [entrevista com H. Cixous] (1975). In: FOUCAULT, M. Estética: literatura e pintura, música e cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária. 2009./2009, p. 356). Seria como a palavra-ausência, palavra-buraco, tal como ela nos apresenta, de sorte que “não seria possível pronunciá-la, mas seria possível fazê-la ressoar” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 35). Apesar de sua evanescência, insistimos, continuamos.

O que não cessa de não se escrever

É sobre um elemento que aponta para o inesgotável da experiência literária que o presente trabalho se ancora. A letra em Marguerite Duras, especificamente em Le Ravissement de Lol V. Stein, atesta-nos que, assim como no processo analítico, algo nos escapa. Lacan nomeia como Real isso que não pode ser apreendido, atribuindo conotações distintas a este registro em diferentes momentos de seu ensino. Ora se articulando de forma mais evidente ao Imaginário ou atrelando-se ao Simbólico, o Real pôde assumir diferentes modos de discussão na obra de Lacan, antes de os três registros ocuparem a mesma relevância em seu ensino. Atemo-nos ao Seminário VII: A ética da psicanálise (LACAN, 1959-1960/1986BARTHES, R. Uma problemática do sentido (1973). In: BARTHES, R. Inéditos volume 1: teoria. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p. 104-138.), momento que demarca uma virada no pensamento lacaniano, à forma como o Real faz referência àquilo que é da ordem do indizível e do que não se pode assimilar, limite inesgotável da experiência analítica. A respeito disso, Lacan nos sinaliza, de modo sutil, já em 1953 no texto Nomes-do-Pai: “[...] uma coisa não poderia nos escapar, a saber, que há, na análise, toda uma parte do real em nossos sujeitos que nos escapa” (LACAN, 1953LACAN, J. O simbólico, o imaginário e o real (1953). In: LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2005, p. 11-53., p. 13). Em outro momento, Lacan (1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 11)) indica no Real um além do princípio do prazer, ao trazer os termos tichê e automaton. Tichê, tomando por referência o vocabulário aristotélico, se caracteriza como, por acaso, pelo encontro com o Real que ultrapassa a repetição e insistência dos signos (automaton).

O que no Real há de inassimilável é o que propomos discutir. Estranho e familiar, tal registro é colocado por Lacan como “aquilo que comanda, mais do que qualquer coisa, nossas atividades, e é a psicanálise que o designa para nós” (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da Psicanálise (1964). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 11), p. 61). Em outro momento, ao indicar na arte o modo como o Real se sustenta, Lacan afirma que “toda arte se caracteriza por um certo modo de organização em torno desse vazio” (LACAN, 1959-1960/2008LACAN, J. A ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1988. (O seminário, 7), p. 158). Aqui, podemos situar a letra no âmbito da arte, de modo que é possível indicar os enlaçamentos desta com o Real: tem-se um material que não se deixa apreender, mas que, por isso mesmo, causa insistência, repetição e, assim, algo pode vir a se produzir. Sobre aquilo que não se deixa apreender se coloca a letra, não por uma via comunicativa, mas por suplência à palavra. A respeito disso, Ana Costa (2016COSTA, A. Duras e o nome-objeto: de atos que não fazem série. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 67-76.) considera a “errância da escrita literária” e sinaliza a produção de um enigma que institui a perda àquele arrebatado pela leitura ou, seguindo as palavras de Lacan em sua homenagem a Marguerite Duras, “no jogo do amor tu te perdes” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p 198).

Assim, sob efeito da escrita encontrada no romance de Lol, é possível apostar que o enigma posto pela obra nos conduz, de certa forma, ao Real. De modo a acompanhar tal efeito - sem intenção de reduzir a escrita durassiana a um único sentido -, propomos uma leitura da obra Le Ravissement de Lol V. Stein, de Marguerite Duras, a fim de discutir a noção de Real, formulada por Jacques Lacan. Para tanto, o Real será abordado a partir de fragmentos da obra, os quais estruturamos a partir de quatro pontos de análise: 1) o tempo, 2) o corpo e 3) a ausência.

1. “Desse minuto, só resta seu tempo puro, de uma brancura óssea”

Desde o princípio, uma perda: bordejar o tempo do arrebatamento. Após a cena do baile, vemos Lol retornar - não pela repetição - ao arrebatamento de modo infinito; entretanto, passam-se dez anos de um tempo que não aparece nas páginas do livro. O único material que temos é o inventado por Jacques Hold, narrador da história, que se questiona: “O que tinha feito nessas horas durante os dez anos anteriores? perguntei-lhe. Não soube dizer-me muito bem o quê. Nessas mesmas horas, não se ocupava com nada em U. Bridge? Com nada. Nada mesmo? Não sabia dizer como, nada.” (DURAS,1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 32). Temos, portanto, a referência aos dez anos sem que ao certo nada seja dito a respeito.

Em Freud (1893-1895/1996), há a construção colocada pelo Nachträglich, ou o só a posteriori, posto como o sentido produzido frente ao retorno das lembranças recalcadas, em um segundo momento. No que é indicado por Jacques Hold, compreendemos: “é o fim que retém Lol” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 34), pois é para a atualidade do baile que ela retorna, “para sempre, sempre”. Em Lacan (1954-1955/1987LACAN, J. O eu na teoria de Freud e na técnica (1954-1955). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1987. (O seminário, 2)), observamos a maneira determinada pela qual a ordenação simbólica cria retroativamente o passado, de modo que se tem a possibilidade de leitura do real pela incidência do tempo. Enlaçamento, portanto, do real e do simbólico.

Como sugere Lacan (1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205.), olhemos mais de perto, para não supormos que ela repete o acontecimento. A respeito disso, Aires pontua que se trata de um tempo impossível de ser delimitado e acrescenta que “não há rememoração - o tempo é o tempo atual do instante de ver” (AIRES, 2016AIRES, S. Tempo e espera: considerações sobre o olhar em Lol V. Stein. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 77-86., p. 84). O que se percebe na escrita sobre Lol, retida pelo momento do fim do baile, é o seu silenciamento, um tempo ambíguo, posto que retorna de forma inexistente. O tempo, circunstancial e não compreendido em Lol, aparece em uma virtualidade inapreensível, no momento em que “não era tarde, a hora de verão enganava” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 15) - findava-se a dança dos amantes. Aqui, é o narrador quem pontua “o outro aspecto das coisas: seu fim com o dia” (DURAS, 1964DURAS, M. Escrever. Rio de Janeiro: Rocco, 1994., p. 14). Percebe-se, como sinalizado por Costa , o modo como Duras transmite em sua escrita um jogo de contrastes, “ao mesmo tempo, coisa e ausência” (COSTA, 2016COSTA, A. Duras e o nome-objeto: de atos que não fazem série. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 67-76., p. 5), e situa a forma como o real desconhecido do tempo - tal como o inconsciente - se abre sobre um instante e escapa:

Naquele exato instante uma coisa - mas qual? - deveria ter sido tentada, e não foi. Naquele instante preciso Lol se vê, dilacerada, sem voz para pedir ajuda, sem argumento, sem a prova da desimportância do dia em face dessa noite, arrancada e carregada da aurora ao casal em um enlouquecimento regular e vão de todo seu ser. Ela não é Deus, não é ninguém. (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 34).

Sobre o passado, é Jacques Hold como narrador quem o recusa. Não o conta em seu relato, pois o retorno a esse momento poderia “atenuar aos olhos do leitor, a esmagadora atualidade dessa mulher em minha vida” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 9). Entretanto, afirma ser impossível saber quando começa sua história com Lol V. Stein. Mais uma vez, tempo que escapa, atualidade que não se deixa reter. Retornemos a Freud (1914-1916/2010FREUD, S. Obras completas: Introdução ao Narcisismo, ensaios de Metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.), em outro ponto no qual a dimensão atemporal é discutida. No texto O inconsciente, Freud reúne algumas características de tal instância, no sentido de formular suas hipóteses de funcionamento topológico e dinâmico, e afirma que

[...] os processos do sistema Ics são atemporais; isto é, não são ordenados temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente qualquer referência ao tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao trabalho do sistema Cs. (FREUD, 1914-1916/2010FREUD, S. Obras completas: Introdução ao Narcisismo, ensaios de Metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010., p. 93).

Suspensão, portanto, de um tempo fixo. Paradoxo irrevogável, é o tempo de Lol, de modo que o passado retorna de forma contínua sem por isso ser o mesmo. Vemos, no arrebatamento, a forma como em Lol lhe permanece retido o instante do fim do baile, “em um tempo uniforme de esquecimento absoluto” (AIRES, 2016AIRES, S. Tempo e espera: considerações sobre o olhar em Lol V. Stein. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 77-86., p. 82).

A respeito de uma retroatividade imposta pelo tempo, Jacques-Alain Miller afirma que “o que pertence ao futuro já está de alguma forma inscrito no passado” (MILLER, 2000MILLER, J. A erótica do tempo. Rio de Janeiro: Escola Brasileira de Psicanálise, 2000., p. 27), o que se distingue da construção de um tempo espacializado, geometrizado. Questiona-se, portanto, a consistência e a materialidade dos acontecimentos e das coisas, como colocado por Deleuze (2007DELEUZE, G. Mil platôs. São Paulo: Editora 34, 2007.) quando constata que o tempo põe a verdade em crise. Assim, tem-se a dissolução de uma verdade em Lol e em seu tempo: “o que reconstrói é o fim do mundo” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 34).

2. “Um dia esse corpo doente se mexe no ventre de Deus”

Retorno a Lacan, em sua Homenagem, para pensarmos o real do corpo em Lol V. Stein. Em certo ponto, ele nos diz: “Uma nudez que se insinua substituindo seu próprio corpo. É aí que tudo se detém” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p. 201), e temos: imagem desinvestida, vacuidade material de um corpo sempre ausente. Por meio de um corpo que transita entre ausência e presença, vemos Lol, na cena do baile, fixar-se no salão. “Momentaneamente imobilizada” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 10), mas em um lugar do qual não poderá se desprender, Lol vê avançar o corpo de Anne-Marie Stretter, “graça abandonada, encurvada, de um pássaro morto” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 10). Supomos ser esse o instante no qual Lol se desapropria de seu corpo e constrói, através da nudez de outra mulher, uma metonímia para este.

Outra cena, um corpo no campo de centeio:

Muito rápido, [...] nele se deixa escorregar, nele se encontra sentada, se deita. [...] A ideia do que ela faz não lhe ocorre. [...] Viva, moribunda, respira profundamente, essa tarde o ar de mel, de uma lânguida suavidade. Não se pergunta de onde lhe vem a fraqueza maravilhosa que a fez deitar nesse campo. Deixa-a agir, apossar-se dela até sufocar, embalá-la rudemente, impiedosamente, até o sono de Lol V. Stein. O centeio range sob seus rins. (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 46).

Acima, tem-se um corpo que escorrega e que deita sem, contudo, saber o que lhe ocorre. A antítese colocada em “viva, moribunda” pode apontar mais uma vez para a palavra-furo, real “mistério do corpo falante” (LACAN, 1972-1973/2005LACAN, J. Mais, ainda (1972-1973). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2005. (O seminário, 20), p. 178). Por um momento, a fraqueza, deixada agir e apossar-se de Lol, quase nos parece ser o sujeito da frase. Em outro período, um corpo fugidio, e não se sabe quem é o agente, pois é o centeio, objeto exterior, que range sob os rins.

Fingermann discorre sobre os artifícios da letra em Duras e nos fala do modo como a autora trapaceia e faz uso das figuras de estilo para “com seu estilete impertinente, cortar o sentido comum” (FINGERMANN, 2017FINGERMANN, D. Psicanálise e Literatura em Lacan: a lição dos escritores criativos. Revista CULT 20, n. 8, 2017., p. 48). Em sua escrita temos anacoluto, preterição, oxímoro, paronomásia e assim por diante, de modo que ela nos diz que “é apenas da falta dos buracos que vão se cavando no encadeamento de significações, dos vazios, que pode nascer alguma coisa” (DURAS, 1989/2013, p. 70). Tais artifícios são evidentes ao longo do Le Ravissement, sobretudo no modo como o corpo é narrado.

Vemos, em Lacan (1949/1998LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos revela a experiência psicanalítica (1949). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998, p. 96-103.), a apresentação do modo como o corpo se constitui através da alienação a uma imagem posta pelo outro - o estádio do espelho. Experiência de entrada do sujeito na constituição imaginária do eu, simultaneamente simbólica, da qual Lacan se serve para dizer de uma cristalização a uma imagem i(a) expressa na palavra do outro. Portanto, constituição e desconhecimento de si, simultaneamente. Nessa operação, tem-se um resto, o objeto a, objeto faltoso que não tem consistência material. No Le Ravissement de Lol V. Stein, o engodo posto pela imagem da personagem se coloca em um corpo que aparece ora de forma consistente, ora em desvanecimento dando a ver o gozo, visto que “Lol conserva esse fôlego: à medida que o corpo da mulher aparece a esse homem, o seu apaga-se, apaga-se, volúpia, do mundo” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 36).

Em outro momento, Lol é desinvestida do olhar de seu noivo, Michael Richardson, que convida à dança Anne-Marie Stretter, outra mulher, para nunca mais voltar. Presa à nudez indizível dessa mulher, instante nunca visto, Lol é arrebatada e se transmuta em um olhar nu (QUINET, 2002QUINET, A. Um olhar a mais: ver e ser visto na psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2002.), ao passo que

[...] quando outros seios aparecem, brancos, sob o vestido preto, permanece lá, ofuscado, um Deus cansado por esse gesto de tirar a roupa, sua tarefa única, e Lol espera em vão que ele a retome, com seu corpo doente da outra ela grita, espera em vão, grita em vão. (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 37).

Em uma ausência que grita, tem-se em Lol um corpo que escapa ao significante que lhe é inscrito. Não sabemos se aí se trata de seu corpo, doente, ou de um corpo doente de outra mulher em Lol. Nas entrelinhas do romance, percebemos: “ninguém será capaz de descobri-la” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 48). Em sua Homenagem, Lacan questiona: não bastaria isso para reconhecermos o que ocorreu com Lol, aquilo que nos “revela o que acontece com o amor, ou seja, com essa imagem, imagem de si de que o outro reveste você e que a veste, e que, quando desta é desinvestida, a deixa?” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p. 201). Imagem do corpo desinvestido, mais uma vez, vacuidade do ser de Lol.

Em sua escrita, Duras nos apresenta um corpo sem consistência, doente, mas que em determinado momento deixa de estar em suspensão. Caracteriza-o em seu vazio: “Seus cabelos tinham o mesmo cheiro que sua mão, de objeto sem uso [...] tinha uma palidez cinzenta” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 20). Ao seguir os passos de Jacques Hold, Lol, submersa em um calor de verão que se espalha, segue:

Há algumas semanas queria às vezes como que uma cama, para nela estender seu corpo pesado, de chumbo, difícil de mover, aquela maturidade ingrata e terna, à beira de sua queda em uma terra surda e devoradora. Ah, que corpo é esse de que se sente de repente provida? Onde está o de cotovia infatigável que carregava até esses dias? (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 39, grifo da autora).

Vemos, assim, um corpo que ora se desintegra, ora é consistente. Duras nos apresenta “a onipotência dessa matéria da qual ela é feita, sem porto de matrícula singular” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 40).

3. “Nada saber de Lol já era conhecê-la”

A indeterminação de Lol insiste. Há muitas versões de sua história na narrativa sem que a protagonista fale, diretamente, de si. A respeito disso, Trocoli diz: “forma-se um palimpsesto, cuja função, sabe-se, é problematizar o referente” (TROCOLI, 2016TROCOLI, F. Flor de amor que morde o peito: Lol V. Stein e o efeito Duras. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras , 2016, p. 53-66., p. 59), de modo que o relato do narrador enquadra Lol a todo o tempo, sob o acúmulo de várias versões, irreais. Lol faz-se ausente, “imersa em uma identidade de natureza indecisa [...] cuja visibilidade depende dela” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 30). Na versão contada por Tatiana Karl “já faltava algo a Lol para estar - ela diz: presente” (DURAS, 1964, p. 8), e continua ao dizer que “ela já era estranhamente incompleta, tinha vivido sua juventude como que em uma solicitação do que ela seria, mas que não conseguia tornar-se” (DURAS, 1964, p. 60). Situada por essa ausência, Lol parece estrangeira em si mesma, tal como o personagem Mersault, de Camus2 2 No romance O estrangeiro, Camus apresenta Mersault como um homem em estado de permanente exílio de si mesmo. Indiferente à morte, ao amor ou à vida, Mersault assassina um árabe - ao qual não é atribuído um nome - sob a justificativa de intenso sol e calor. Passa então a ser julgado não pelo assassinato que comete, mas pela ausência de afetos diante do fato. (1942/2012), ou, como posto por Lacan, uma “figura de ferida, exilada das coisas” (LACAN, 1965/2001LACAN, J. Homenagem a Marguerite Duras pelo arrebatamento de Lol V. Stein (1965). In: LACAN, J. Outros Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2001, p. 198-205., p. 191). Assim, o que se mostra é o vazio, uma “estranha omissão de sua dor” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 17). Em certo ponto do texto, sabemos da morte da mãe de Lol, mas não temos conhecimento de como esta foi apreendida, pois o fato “deixou-a sem uma lágrima” (DURAS, 1964, p. 25). Penso que não podemos dizer de uma dor que não sente, mas, mais uma vez, dizer que não sabemos o que lhe ocorre. Mais um fragmento:

[...] pensava em algo, nela? - perguntavam-lhe. Não compreendia a questão. Dir-se-ia que ela agia automaticamente e que o cansaço infinito de não poder desprender-se daquilo não devia ser pensado, que ela se tornara um deserto no qual uma faculdade nômade a tinha lançado na busca interminável de quê? Não sabiam. Ela não respondia. (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 17).

Em um jogo de presença/ausência, o real invade a cena, pelo que insiste, mas não se deixa apreender. Quando, na ocasião de seu primeiro encontro com Jean Bedford, Lol é questionada a respeito do que procura, ela nos responde com clareza: “nada” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 19). Entretanto, a ausência de Lol não se expressa por um vazio completo. Trata-se, sobretudo, de uma espécie de “negativo” no qual sua presença também é simultânea. Vemos a duplicidade deste jogo, por exemplo, desde Freud (1920/1977FREUD, S. Além do princípio de prazer (1920). In: FREUD, S. Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. Rio de Janeiro: Imago, 1977, p. 12-85.), em sua narrativa sobre a repetição de uma criança que faz aparecer e desaparecer um carretel conforme a presença e ausência da mãe. A respeito disso, Lacan aponta que

[...] essa repetição primitiva, essa escansão temporal, faz com que a identidade do objeto seja mantida na presença e na ausência. Temos com isso o alcance exato, a significação do símbolo na medida em que ele se refere ao objeto, isto é, ao que denominamos conceito. (LACAN, 1953/2005, p. 35).

A ausência de Lol, portanto, pode ser articulada à afirmação de Lacan ao dizer que “o real é ou a totalidade ou o instante esvanecido” (LACAN, 1953/2005LACAN, J. O simbólico, o imaginário e o real (1953). In: LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2005, p. 11-53., p. 45). Entre aquilo que se tenta dizer e o que, por excelência, não se deixa apreender, Lol V. Stein se situa, dispersa e fugidia. Supomos que o vazio posto pela escrita da personagem, de modo paradoxal, é justamente o que lhe faz possível de ser dita, de modo que se produz, dessa forma, contornos ao real a partir do simbólico. Sobre isso, Maria Lucia Homem afirma que “somente se pode apontar tanto o todo quanto o silêncio através e a partir da palavra. A questão não é tanto de ter uma palavra para ‘apontar’ o silêncio, mas sim a de que, sem a palavra, não haveria ausência” (HOMEM, 2012HOMEM, M. No limiar do silêncio e da letra: traços da autoria em Clarice Lispector. São Paulo: Boitempo Edusp, 2012., p. 35). Ora, o que se coloca aí é o modo como a palavra denuncia tal ausência, ou, como posto por Lacan (1962-1963/2005LACAN, J. A angústia (1962-1963). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. (O seminário, 10)), como a falta só é apreensível por intermédio do simbólico. Como escrever, nesse sentido, os pontos de real presentes na ausência de Lol?

Em entrevista concedida a Pierre Dumayet em virtude do lançamento de Le Ravissement, Duras (1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964.) diz que o livro é o romance da “des-pessoa”, da im-personalidade, e caracteriza seu escrito por uma obscuridade limite. Tal im-personalidade também é descrita por Leme (2016LEME, P. A face oblíqua da leitura: uma ferida na escrita de Lol V. Stein. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 109-125.), quando diz da ausência de Lol no modo como nada lhe confere uma imagem tangível. No romance, vemos a forma como “suas opiniões eram raras, suas narrativas, inexistentes” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 32), sua imagem fugidia. Em certo ponto do texto, temos por Pierre Beugner o comentário acerca da impressionante ausência de Lol (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 117). Ela vaga - aqui vale o verbo e o adjetivo, como colocado por Leme (2016)LEME, P. A face oblíqua da leitura: uma ferida na escrita de Lol V. Stein. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 109-125.- indistinta, carente de nitidez e contornos, por traços inconclusos, pontos de real.

Apesar do exposto, não nos enganemos quanto à ausência de Lol. Ainda que lhe faltasse algo para estar presente, seus atos não são passivos, silenciosos, indiferentes. Embora deem a impressão de puro automatismo, há um caráter de ação que se faz ver. Do que se dá a ver, há algo na escrita de Lol que convoca o leitor a um incessante direcionamento de dizê-la, de também movimentar-se ao “encontro” da personagem. Além disso, Lol caminha à procura dos amantes, especifica-os. Os passos indistintos que buscam restituir o ternário e, ao fim do percurso, a quase imobilidade no olhar, parece, paradoxalmente, demonstrar a ânsia de Lol em constituir a realidade. Desde o momento do baile, a ausência de Lol é testemunhada; entretanto, seu ponto máximo de expressão surge não por algo que lhe falte na cena do arrebatamento, mas por aquilo que se mostra e excede. O que se verifica não é paralisia. Lol parece erigir o ocorrido:

- Então era por isso que ela passeava, para melhor pensar no baile [...]

Ela aquece-o, protege-o, nutre-o, ele cresce, desenruga, estica-se, um dia está pronto.

Ela adentra-o.

Ela adentra-o todo dia. (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 46).

Retornando à cena do baile, é Tatiana que, estando ao lado de Lol, observa o modo como ela espreitava o ocorrido, incubava sua imensidão (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 12). Espreitar e incubar são verbos que aparecem em outro momento no romance, 32 páginas após o momento do baile, não à toa, associados a outro casal, outros amantes. Lol V. Stein os constrói. Jacques Hold, sob o relato de Tatiana, faz notar que se ela tivesse sido o próprio agente, não somente de sua vinda mas também de seu sucesso, Lol não teria ficado mais fascinada (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 12). A densidade da ausência de Lol, em seu modo de viver sem ser, também é comentada por Ana Costa, na medida em que a personagem busca reconstituir o ternário e “ser a três, e nos coloca a questão: “não seria a ausência de Lol a condição de sua presença constante?” (COSTA, 2016COSTA, A. Duras e o nome-objeto: de atos que não fazem série. In: LEITE, N.; AIRES, S. (orgs.). Prática da letra, uso do inconsciente. Campinas: Mercado de Letras, 2016, p. 67-76., p. 72). Dessa forma, Lol se ausenta, sim, mas sem deixar de existir e de estar nessa ausência. Neste ponto, e mais uma vez, Lol escapa, denuncia o real, pois nos faz insistir no impossível de tudo dizer. Falar de sua ausência é apontar sua antítese, perceber seu modo de estar presente no mundo.

Em outro momento da narrativa, outra questão: “Quando Lol fala da felicidade, de que fala ela?” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 119) e não se sabe, não há uma resposta. É o narrador quem diz que “Lol V. Stein não é por assim dizer uma pessoa de lógica” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 120) e, decerto, há algo que Lol fala, e isso é suficiente, com toda ilogicidade que possa caber aí. “Lol tinha-nos precedido” (DURAS, 1964DURAS, M. O deslumbramento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1964., p. 145), diz Jacques Hold em sua penúltima frase. Findamos a leitura com a imagem do sono de Lol V. Stein no campo de centeio. Ainda que em um primeiro momento Lol seja refém do relato daqueles que a falam, é ela que os precede e inventa a realidade no instante em que os olha. Sendo, a seu modo, cindida, Lol os ultrapassa e os constitui. Aqui, leitor e personagem se confundem. Fim da narrativa que, entretanto, não faz com que estejamos fora de seus efeitos. Continuamos sob tentativa - sempre insistente - da leitura de Lol V. Stein.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tecer os fios que enlaçam literatura e psicanálise não é tarefa simples. Um desafio: poder criar algo com a perda que esses dois campos costumam inscrever, seja naquele que lê, ou naquele que deseja. No encontro com a escrita de Marguerite Duras, tem-se uma leitura que se finda com restos: toda uma perda do que se propunha obter. Pontos de tangência e separação constantes. Nesta experiência, reconhecemos o convite a uma leitura que não obtura o sentido; há um mais ainda, contínuo. Apostamos na produção durassiana, no modo como, assim como em análise, algo apareça através de uma hiância, “uma experiência que se passa integralmente em palavras” (LACAN, 1953/2005LACAN, J. O simbólico, o imaginário e o real (1953). In: LACAN, J. Nomes-do-Pai. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2005, p. 11-53., p. 15), e que segue.

Dessa experiência, alguma palavra para dizer do arrebatamento de Lol V. Stein seria como “frágil passarela improvisada sobre o abismo” (CALVINO, 2008CALVINO, I. Seis propostas para o próximo milênio. São Paulo: Companhia das Letras, 2008., p. 90). Por um gesto de confiança naquilo que foi oferecido nessa leitura, fazemos a travessia e percebemos a passagem pelo real. Parcialmente exitosa, e sob efeito de Lol, vemos o movimento ao qual fomos provocadas, o de não resistir ao endereçamento a fim de encontrá-la e assim, como uma das consequências possíveis, surgiu a escrita.

Leitura, portanto, e depois escrita. Também neste segundo momento percebemos a impossibilidade de alcançar Lol com a palavra. A reticência posta em sua história é o que produz, metonimicamente, um efeito de poesia, pois é o que permite àquele que a lê que algo se crie. Consideramos que, mais uma vez, tal movimento é semelhante ao que ocorre em uma análise. Por excelência, utiliza-se a palavra, cria-se uma poética do indizível. É entre palavra e silêncio que algo pode ser feito do real que aí subjaz.

Porge (2019PORGE, É. O arrebatamento de Lacan: Marguerite Duras ao pé da letra. São Paulo: Aller Editora, 2019.), ao falar do real que nos escapa, sugere o furtivo movimento de transformá-lo em objeto, nomeá-lo, torná-lo causa de desejo. Aqui, escrevemos uma tentativa dentre tantas possíveis de dar algum contorno à suspensão de sentido que a leitura durassiana produz. Sob o efeito de Lol, intentamos criar uma moldura para seu tempo, seu corpo e sua ausência e concluímos com o que nos ocorreu desde a primeira vez em que a lemos: é impossível dizê-la completamente. Talvez por isso fique a insistir. Como consequência da Homenagem, colocamos aqui as marcas que o Le Ravissement produziu em nós e percebemos, tal como o deslocamento necessário a ser feito na leitura do ensino de Lacan, a experiência que ele nos convida: “levar o leitor a uma consequência em que ele precise colocar algo de si” (LACAN, 1966/1998LACAN, J. Abertura desta coletânea (1966). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998, p. 9-11., p. 11). Partilhamos aqui essa dupla perda que, em Lacan e em Duras, o arrebatamento fez insistir e escrever. Não seria isso um dos efeitos do real?

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  • 1
    importante sinalizar que, em seu empreendimento por uma formalização teórica da psicanálise, Freud produziu diversas leituras e direcionamentos ao campo da literatura. Destacamos, conforme análise apresentada por Trocoli e Aires (2012), ao menos dois movimentos: 1) da tragédia ao complexo (no qual a literatura oferece suporte às construções teóricas na psicanálise); e 2) a psicanálise aplicada à vida e obra do autor.
  • 2
    No romance O estrangeiro, Camus apresenta Mersault como um homem em estado de permanente exílio de si mesmo. Indiferente à morte, ao amor ou à vida, Mersault assassina um árabe - ao qual não é atribuído um nome - sob a justificativa de intenso sol e calor. Passa então a ser julgado não pelo assassinato que comete, mas pela ausência de afetos diante do fato.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Jan 2022
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    10 Out 2020
  • Aceito
    12 Dez 2021
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