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Moisés, o egípcio: problematizações sobre a identidade, a identificação e a decolonialidade

Resumo:

A intenção deste ensaio é a de problematizar a inscrição do discurso psicanalítico, com Freud, no campo do mundo do pós-colonialismo, pela sustentação da categoria de identificação e a crítica correlata da categoria de identidade, assim como pela ênfase na reversibilidade dialética da oposição entre os registros da civilização e da barbárie.

Palavras-chave:
identidade; identificação; colonialidade

Abstract:

The purpose of this essay is to problematize the inscription of psychoanalytic discourse, with Freud, in the field of the post-colonial world by supporting the category of identification and the related criticism of the identity category. It also emphasizes the dialectical reversibility of the opposition between the registers of civilization and barbarism.

Keywords:
identity; identification; coloniality.

1 Identidade e identificação

A intenção primordial deste ensaio é a de problematizar1 1 FOUCAULT, M. Dits et écrits. Volume IV. Paris, Gallimard, 1994. ,2 2 DELEUZE, G., GUATTARI, F. Mille Plateaux, Capitalisme et schizophrenie 2. Paris, Minuit, 1980. a categoria da identidade a partir da psicanálise, na medida em que essa, desde Freud, colocou em questão a dita categoria com a marca da unidade e da ideia de essência, enunciando decididamente a categoria da identificação, com a publicação do ensaio intitulado O eu e o isso, em 1923.3 3 FREUD, S. Le moi et le ça (1923). In: Freud, S. Essais de psychanalyse. Paris: Payot, 1981.

No entanto, o campo conceitual em pauta, estabelecido pela oposição sistemática entre os registros da identidade e da identificação, foi introduzido no discurso freudiano em 1914, no ensaio intitulado Para introduzir o narcisismo4 4 FREUD, S. Pour introduire le narcissisme (1914). In: FREUD, S. La vie sexuelle. Paris: PUF, 1973. . Com efeito, nesse último texto, Freud problematizou o conceito de eu em psicanálise pela primeira vez em sua obra, não obstante a palavra eu já estar presente no seu discurso teórico desde o Projeto de uma psicologia científica,5 5 FREUD, S. Esquisses d´une psychologie scientifique (1895). In: FREUD, S. La naissance de la psychanalyse. Paris: PUF, 1973. de 1895, em continuidade e na acepção ao discurso da psicologia clássica, centrado nos registros do eu e da consciência, decididamente estabelecidos pelo cogito de Descartes na obra intitulada Meditações6 6 DESCARTES, R. Méditation. Objections et réponses (1641). In: DESCARTES, R. Oeuvres et lettres de Descartes. Paris: Gallimard (Plêiade), 1949. .Em consequência, o dito cogito foi enunciado pelo axioma “Penso, logo sou”.

Assim, para Freud, o registro do eu não seria então originário na constituição do sujeito, mas seria oriundo e derivado do registro originário do autoerotismo, pela mediação de uma “nova ação psíquica”, pela qual o autoerotismo seria assim transformado em narcisismo7 7 FREUD, S. Pour introduire le narcissisme (1914). In: FREUD, S. La vie sexuelle. Paris: PUF, 1973. (primário). Com efeito, o narcisismo primário seria assim constitutivo do eu propriamente dito, nessa operação crucial em que o registro do Outro seria constitutivo do eu. Portanto, desta maneira, o registro psíquico do inconsciente não se identificaria assim com os registros do eu e do narcisismo primário, sendo então estritamente de ordem “transindividual”, como enunciou Lacan decididamente no ensaio intitulado Campo e função da fala e da linguagem em psicanálise8 8 LACAN, J. Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse (1953). In: LACAN, J. Écrits. Paris: Seuil, 1966. , no célebre discurso de Roma. Enfim, o registro do inconsciente remeteria assim para o registro do autoerotismo, de forma que o inconsciente seria então especificamente de ordem sexual. Nesta perspectiva, se os registros do eu e do narcisismo se caracterizariam pelas ordens da totalidade e da unidade, os registros psíquicos do inconsciente e do autoerotismo, se caracterizariam, em contrapartida, pelas marcas da parcialidade e pela fragmentação, respectivamente.

Em consequência, se os registros do eu e do narcisismo, marcados que são pelas marcas da totalidade e da unidade, remetem para a concepção de identidade, os registros do inconsciente e do autoerotismo, em contrapartida, marcados pela parcialidade e pela fragmentação, evidenciariam assim o campo da identificação. Enfim, seria em decorrência disso que Freud enunciou, em O eu e o isso (1923), que o registro do inconsciente seria assim caracterizado por ser um “cemitério de objetos perdidos”9 9 FREUD, S. Le moi et le ça (1923). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse. Paris: Payot, 1981. - isto é, um conjunto de identificações - caracterizados pela parcialidade e pela fragmentação. Assim, a oposição entre os conceitos de identidade e de identificação foi fundamental na constituição da psicanálise, desde os tempos da formação da segunda tópica do discurso freudiano, como já destaquei acima devidamente. Seria, enfim, por este viés, que o discurso psicanalítico poderia problematizar a disseminação do campo de identitarismo na contemporaneidade, examinando, pois, as suas implicações e historicidade, numa perspectiva genealógica10 10 FOUCAULT, M. Nietzsche, la généalogie, l´historie. Foucault, M. Dits et écrits. Volume IV. Op. cit. ,11 11 NIETZSCHE, F. Seconde considérations intempestive. Paris: Flammarion, 1874. .

2. Identitarismo e contemporaneidade

Em 1989, a queda do Muro de Berlim redundou na reunificação da Alemanha, assim como promoveu em seguida o fim da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a União Soviética, configurando a vitória do Ocidente e o início do processo de globalização. A queda da União Soviética em seguida, em 1991, foi o signo maior da derrota do socialismo real, com a desconstrução político-militar do Pacto de Varsóvia, mas com a manutenção paradoxal da OTAM, signo eloquente do triunfo militar do Ocidente contra a antiga ordem socialista.

Esse duplo acontecimento, com suas múltiplas consequências e desdobramentos conexos no campo da geopolítica internacional, conduziu ao esvaziamento teórico do discurso marxista que ocupava uma posição hegemônica e estratégica nos campos da esquerda e do socialismo, que incidiu assim decididamente na nervura teórica do discurso do marxismo no registro político, qual seja, o conceito de luta de classe. Com efeito, se até então o conceito de luta de classes estava no fundamento teórico no campo político do materialismo históricos e colocava numa posição secundária os diversos registros socioidentitários, enunciado que foi por Marx e Engels12 12 MARX, K., ENGELS, F., Manifesto comunista (1848). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2021b. em 1848, desde o final do século XIX, em contrapartida, os diferentes discursos identitários passaram a ocupar a posição principal e estratégica no campo dos confrontos políticos e sociais contemporâneos.

Assim, se anteriormente, em uma perspectiva histórica, o conceito de luta de classes subsumia no seu campo teórico todas as marcas identitárias existentes nas lutas sociais, desde os anos 90 do século passado, em contrapartida, com a queda do Muro de Berlim, o fim da União Soviética e o esvaziamento conexo do discurso marxista, as lutas identitárias foram então inscritas no primeiro plano das estratégias políticas no Ocidente.13 13 BUTLER, J.; LACLAU, E.; ŽIŽEK, S. Contingency, Hegemony, Universality: Contemporary Dialogues on the Lefth. Londres: Sérves, 2000. Com efeito, os registros do gênero, da raça e da etnia passaram a nortear os confrontos políticos no espaço social do Ocidente na contemporaneidade,14 14 LACLAU, E. La raison populiste. Paris: Seuil, 2008. delineando então a nova posição estratégica e hegemônica representada pelos diversos discursos identitários.

Na obra intitulada A razão populista, publicada em 2008,15 15 Idem. Laclau propõe de forma inesperada a restauração positiva do discurso do populismo na contemporaneidade, em decorrência da centralidade a ser atribuída na categoria de povo no discurso da filosofia política. Existiria, assim, um populismo de esquerda a ser formulado em oposição à disseminação do populismo de direita na contemporaneidade,16 16 Idem. de forma a sustentar a tese fundamental de um projeto de democracia radical, fundado no imperativo da universalidade contingente, produzido pela conjunção e superação das diferentes pautas identitárias.17 17 Idem.

Contudo, a dita universalidade contingente remeteria ao conceito psicanalítico de identificação, em uma colocação em suspensão das diferentes formas de identidade (raça, gênero, etnia) existentes nos discursos contemporâneos. Baseando-se, assim, nos discursos teóricos de Freud e de Lacan, Laclau retomou o caminho teórico da identificação, portanto, em oposição ao registro da identidade, para pensar então decididamente nas propostas da democracia radical e da universalidade contingente.18 18 Idem.

Assim, enfatizando historicamente a importância estratégica das identidades nas pautas contemporâneas de emancipação, Butler enunciou que se inicialmente as pautas identitárias foram importantes para possibilitar a enunciação política dos movimentos negros, do movimento homossexual, do movimento lésbico e do movimento trans, a primazia identitária se tornou posteriormente um obstáculo crucial de tais discursos emancipatórios. Vale dizer, segundo Butler, a pauta identitária se tornou, em um momento historicamente posterior, um obstáculo aos processos emancipatórios, no que tange aos registros de gênero, de raça e da etnia.19 19 BUTLER, J. Des universalité concurrentes. In: BUTLER J.; LACLAU, E.; ŽIŽEK S. Après emancipation. Trois voix pour penser la gouche. Paris: Seuil, 2017.

Além disso, é preciso enfatizar a construção da problemática do comum na contemporaneidade, que pressupõe a crítica do conceito de identidade e a promoção correlata do conceito de identificação, como se pode evidenciar nas diferentes leituras sociológicas realizadas por Dardot e Laval,20 20 DARDOT, P., LAVAL, Ch. Commun. Essais sur la révelation au XXI e siècle. Paris: La Decouverte, 2014. assim como na filosofia política com Negri e Hardt21 21 HARDT, M.; NEGRI, A. Bem estar comum. Rio de Janeiro: Record, 2016. e na epistemologia com Isabelle Stengers.22 22 STENGERS, I. Réactiver le sens commun. Lecture de Whitehead en temps de débâcle. Paris: Les Empêcheurs de penser en rond, 2020. Com efeito, com a superação do impasse identitário, e a promoção de múltiplas identificações, a construção do comum seria então efetivamente possível. Da mesma forma, os conceitos de devir negro e do devir africano, enunciados por Mbembe,23 23 MBEMBE, A. crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018. pressupõem a promoção do conceito de identificação e a crítica do conceito de identidade, como condição concreta de possibilidade para a desconstrução sistemática do brutalismo.24 24 MBEMBE, A. Brutalismo. São Paulo: n-1 Edições, 2021. Portanto, todas estas problematizações teóricas e políticas presentes na atualidade vão na mesma direção das teses de Laclau, de promoção da democracia radical e da universalidade contingente, norteadas pela promoção do conceito de identificação em detrimento do essencialismo identitário,25 25 LACLAU, E. La raison populiste. Op. cit. como vimos acima. Assim, para problematizar a questão identitária, tanto nos tempos de Freud como na contemporaneidade, em conexão com a problematização pós-colonial, vamos nos voltar para a leitura sistemática do ensaio de Freud intitulado O homem Moisés e a religião monoteísta, na medida em que a questão da teologia política está inscrita na tessitura do livro de Freud.26 26 FREUD, S. L´homme Moïse et la religión monotheíste (1938). Paris: Gallimard, 1986.

3 Inacabamentos formais, construção ficcional e estilo final.

Essa obra de Freud, escrita entre 1934 e 1938, sendo publicada logo em seguida em 1939, compõe-se de três ensaios escritos em tempos diferentes. Inscreve-se, além disso, em um contexto histórico, social e político marcado pela intensa disseminação do antissemitismo na Europa e em todo mundo, em conexão com a constituição e a assunção dos discursos de extrema-direita como fascismo e o nazismo na Itália e na Alemanha, respectivamente. A construção do livro em pauta, nas suas articulações cruciais com as problemáticas do antissemitismo, do fascismo e do nazismo, que foram devidamente arquivadas com riqueza de detalhes na Correspondência de Freud com Arnold Zweig, que se realizou entre 1926 e 1939, estando então Zweig na Palestina.27 27 FREUD, S.; ZWEIG, A. Correspondances, 1927-1939. Paris: Gallimard, 1973.

Segundo todos os comentários desta obra de Freud, este livro se caracterizou por diversos inacabamentos e dissonâncias formais, permeados por repetições (desnecessárias), assim como pela presença (unilateral) de diversos prefácios. Este conjunto de falhas formais contrasta de forma flagrante com a preocupação formal evidenciada nas demais obras de Freud. Esta ausência de polimento e elegância formais nesta obra foi interpretada de diferentes maneiras pelos diversos comentadores deste livro.

Assim, para Strachey, tradutor das obras de Freud para o inglês, na Edição Standard,28 28 STRACHEY, J. Editer´s Notes pour Moses and Monotheism. In: FREUD, S. Moses and Monotheism. London: Hogarth Press, 1978. (The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud, 22) assim como para Ernest Jones na sua célebre biografia de Freud,29 29 JONES, E. La vie et l´oeuvre de Sigmund Freíd. Volume III. Paris: PUF, 1972. o dito inacabamento da obra se daria por razões externas ao texto, como os tempos tumultuados no contexto da pré-guerra na Europa e a migração de Freud para a Inglaterra. Já para Marie Moscovici, que empreendeu a apresentação da última tradução do livro para o francês, a obra foi balizada pela categoria de construção psicanalítica, norteando pela ficcionalidade, de forma que o Moises de Freud seria então um romance psicanalítico.30 30 MOSCOVICI, M. Le romance secret. In: FREUD, S. L'homme Moïse et la religion monothéiste. London: Hogarth Press, 1978. (The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud, 22) Na correspondência de Freud com Zweig, a alusão romanesca está presente, sob a forma que o livro em questão seria então um romance secreto,31 31 FREUD, S.; ZWEIG, A. Correspondances, 1927-1939. Op. cit. perpassado pela ficção e pela construção (psicanalítica). Enfim, o dito inacabamento seria interior ao texto, que se plasmaria na ficcionalidade.

Para Edward Said, em Freud e os não europeus (2004), em contrapartida, a obra em pauta evidenciaria uma intepretação literária e estética, pois seria caracterizada pelo que denominou no estilo final, como ocorreu com diferentes criadores com Beethoven, de forma que o imperativo de sustentar uma nova ideia e concepção se impõe face às preocupações de ordem formal. Portanto, o inacabamento formal desta obra de Freud evidenciaria o imperativo de sustentar algo custe o que custar, caracterizando que o livro seria composto pelo estilo final.32 32 SAID, E. Freud e os não europeus. São Paulo, Bomtempo, 2004.

Além disso, o que se impôs a Freud de forma inequívoca pela composição deste livro foi a sustentação de certas teses altamente polêmicas, no contexto histórico-social da ascensão do nazismo, assim como do incremento do antissemitismo.

4. Teses em questão

Quais foram então as teses polêmicas enunciadas por Freud?

Antes de mais nada, é preciso destacar que a composição freudiana da figura de Moisés se realiza de forma completamente dessacralizada, sem que se evidencie assim qualquer marca de religiosidade no personagem histórico em questão. Daí porque, na última tradução e edição francesa da dita obra de Freud, o título escolhido foi O homem Moisés e a religião monoteísta, marcando assim a dimensão humana de Moisés, sem qualquer sacralidade.33 33 FREUD, S. L´homme Moïse et la religión monotheíste (1938). Op. cit.

Em seguida, nos dois ensaios iniciais, Freud enunciou a tese de que Moisés não era originalmente judeu, mas egípcio, não obstante ter sido o criador da tradição judaica. Se no primeiro ensaio, esta tese é afirmada de forma direta e afirmativa, em contrapartida, no segundo ensaio, a tese foi enunciada como uma pergunta, de forma assim interrogativa. Como se sabe, contudo, esta tese sobre as origens egípcias de Moisés, e não judaica, foi enunciada no campo da historiografia alemã por Sellin. Finalmente, Freud enunciou uma outra tese polêmica, qual seja, a de que Moisés teria sido assassinado pelos judeus, em uma rebelião desses contra os preceitos rigorosos de ética judaica.34 34 Idem. Quais foram então os desdobramentos destas teses polêmicas de Freud sobre Moisés, na comunidade judaica e no campo psicanalítico?

5 Desdobramentos e consequências

Em decorrência destas polêmicas de Freud sobre a personagem histórica de Moisés, a comunidade judaica internacional de então - e ainda hoje, com raras exceções - reagiram negativamente às formulações críticas de Freud, como se tais teses polêmicas fossem nefastas à causa judaica, pois se chocariam de forma frontal com as teses sionistas. Portanto, a desconfiança em relação à leitura de Freud se cristalizou efetivamente não apenas no campo histórico em que foram publicadas, mas ainda hoje.

Esta recepção negativa da obra de Freud na comunidade judaica teve também efeitos significativos no campo psicanalítico internacional, de forma que esta obra de Freud não circulou na comunidade psicanalítica da mesma forma como as demais obras de Freud, promovendo assim seja um silêncio face ao livro de Freud em questão, seja ainda principalmente o desconhecimento sintomático da comunidade psicanalítica desta obra de Freud. Com efeito, enquanto as demais obras de Freud sobre cultura e sociedade se inscreveram e circularam fartamente nas instituições psicanalíticas e no movimento psicanalítico, como Totem e tabu,35 35 FREUD, S. Totem et Tabou (1913). Paris, Payot, 1975. O futuro de uma ilusão,36 36 FREUD, S. L´avenir d´une illusion (1927). Paris, PUF, 1973. Psicologia das massas e análise do eu e Mal-estar na civilização37 37 FREUD, S. Malaise dans civilisation (1930). Paris, PUF,1971. ,38 38 FREUD, S. Psychologie des foules et analyse du moi (1921). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981. , o mesmo não ocorreu com o livro de Freud sobre Moisés, que passou a ocupar a posição negativa do estranho no ninho na comunidade e nas instituições de psicanálise, ficando pois francamente em uma posição de corpo estranho.

Em decorrência disso, o historiador israelense Yerushalmi, em O Moisés de Freud: judaísmo terminável e interminável,39 39 YERUSHALMI, H. Freud´s Moses, Judaisme Terminable and Interminable. Yale, Yale University Press, 1991. criticou frontalmente a leitura de Freud sobre o assassinato de Moisés pelos judeus, pois, segundo este historiador, não existiria documentação histórica deste acontecimento.40 40 Idem. Contudo, tal crítica de Yerushalmi foi radicalmente contestada por Derrida, no ensaio intitulado Mal de arquivo, publicado em 1995, no qual Derrida criticou Yerushalmi em decorrência de sua concepção positivista da história que se apoia numa leitura documental do arquivo, sem considerar outras modalidades de arquivamento dos acontecimentos.41 41 DERRIDA, I. Mal d´archive. Une impression freudienne. Paris, Galilée, 1995.

Com efeito, segundo Derrida, em O homem Moisés e a religião monoteísta, Freud enunciou o conceito de repetição histórica, de ordem inconsciente, de maneira que colocou em destaque a seriação estabelecida entre a morte do pai da ordem primordial, a morte de Moisés pelos judeus e a morte de Cristo em seguida, evidenciando um processo de repetição (histórica) centrada no registro do inconsciente.42 42 Idem. Portanto, a concepção de repetição histórica, da ordem do inconsciente, remeteria à concepção de verdade histórica,43 43 Idem. tal como Freud formulou anteriormente no ensaio Construções em análise44 44 FREUD, S. (1937).“Constructions dans l´analyse”. In: FREUD, S. Résultats, Idées, Problèmes. Volume II, 1921-1938. Paris, PUF, 1972. em oposição ao conceito de verdade material. Foi em decorrência disso que Derrida enunciou que o discurso freudiano não se inscreve no campo da religião judaica45 45 DERRIDA, I. Mal d´archive. Une impression freudienne. Paris, Galilée, 1995. , pois, como as demais religiões, ela se inscreve no registro da ilusão, como Freud enunciou no ensaio intitulado O futuro de uma ilusão,46 46 FREUD, S. L´avenir d´une illusion (1927). Paris, PUF, 1973. como defesa face ao desamparo fundamental47 47 Idem. . Em contrapartida, Derrida enunciou, em Mal de arquivo, que Freud se inscreveria no discurso da judeidade, que se fundaria na concepção de ausência.48 48 DERRIDA, I. Mal d´archive. Op. cit. A crítica do positivismo na concepção da história de Yerushalmi aproxima a leitura de Derrida da história da interpretação de Foucault que, em A arqueologia do saber, enunciou de forma peremptória que o documento não seria um monumento.49 49 FOUCAULT, M, Archeologie du savoir. Paris, Gallimard, 1969.

6 A ira de Moisés

No entanto, antes de problematizar a primeira tese polêmica de Freud sobre a figura histórica de Moises, de que esse não era judeu, mas egípcio, é preciso destacar ainda que O homem Moisés e a religião monoteísta não é a única produção de Freud sobre a personagem histórica de Moisés. Com efeito, em 1915, no ensaio intitulado O Moisés de Michelângelo, Freud empreendeu a interpretação da escultura em pauta, na qual se figura o momento preciso em que Moisés reage com ira à reação dos israelitas contra as escrituras, pela transgressão que realizaram com o texto sagrado, enunciado assim a oposição sistemática dos judeus de então contra a representação viva da ética judaica, caracterizada pela austeridade.50 50 FREUD, S. Le Moïse de Michel-Angel (1914). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse Appliquée. Paris, Gallimard, 1933. Mas sabemos também que, neste ensaio, Freud se identificou com Moisés, no contexto da polêmica de Jung com o discurso psicanalítico de então, no qual, em um curso realizado nos Estados Unidos e publicado com o título Transformações e símbolos da libido,51 51 JUNG, C.G. Symbols of transformations (1911-1912). In: JUNG, C.G. The collected works of C.G. Jung. Volume 5. Londres, Routeledge & Kegan Paul, 1974. Jung criticou o conceito de sexualidade infantil, que seria norteador da teoria psicanalítica segundo Freud, e enunciou que o psiquismo seria regulado por uma energia neutra.

Esta ruptura teórica teve um sabor amargo para Freud - não apenas porque Jung seria seu sucessor na direção do movimento psicanalítico internacional, mas também porque o remeteu aos primórdios do movimento psicanalítico. No passado, o movimento psicanalítico estava restrito a um grupo judaico em Viena, de forma que neste contexto histórico Freud temia que a psicanálise fosse identificada a uma ciência judaica - e, de forma conexa, o campo e o movimento analíticos a um gueto judaico. Portanto, foi a entrada dos psiquiatras suíços no movimento psicanalítico, como Jung e Bleuler, que provocou um alívio em Freud face a tais temores antissemitas. Além disso, Jung e Bleuler representaram uma posição avançada no campo psiquiátrico europeu e internacional.

Em 1914, relativizando sua perda, Freud publica como resposta o ensaio intitulado A história do movimento psicanalítico52 52 FREUD, S. Histoire du mouvement psychanbalytique (1914). Paris, Gallimard, 1980. para indicar a ampla difusão internacional do movimento analítico de então, bastante distante do restrito círculo vienense e judaico inicial. Portanto, depois da ira de Moisés (Freud) diante da rebelião (judaica) jungiana - pela recusa deste em reconhecer a pertinência teórica da sexualidade infantil no psiquismo e enunciar a existência de uma energia neutra de qualquer erotização -, Freud retomou a figura histórica de Moisés para enunciar duas teses polêmicas, a saber, que Moisés não era judeu mas egípcio, por um lado, mas também de que os judeus teriam assassinado Moisés em rebelião aos preceitos eticamente rigorosos da ética judaica, pelo outro. Freud enunciou a primeira tese polêmica de forma inequivocamente afirmativa no primeiro ensaio e de forma interrogativa no segundo ensaio53 53 FREUD, S. L´homme Moïse et la religión monotheíste. (1938). Ensaios 1 e 2. Op. cit. da obra, mas o enunciado se mantém incólume em qualquer variação nas duas formulações. No ensaio Para introduzir o narcisismo, em seguida, publicado em 1914, Freud ironizou Jung pelo descarte da teoria da sexualidade infantil, na medida em que este supunha a inexistência do erotismo nos religiosos, de forma ingênua.54 54 FREUD, S. Pour introduire le narcissisme (1914). In: FREUD, S. La vie sexuelle. Paris, PUF, 1973.

7. Moisés egípcio e a identificação

Portanto, em O homem Moisés e a religião monoteísta, Freud relançou a problemática judaica no seu discurso teórico, de forma peremptória, enunciando não apenas o assassinato de Moisés pelos israelitas, mas também pela formulação decisiva e paradoxal ao mesmo tempo de que Moisés era egípcio e não judeu.55 55 FREUD, S. L´homme Moïse et la religión monotheíste. (1938). Op. cit.

A pergunta que se impõe agora, sem delongas, é: qual é a importância epistemológica e estratégica da primeira tese de Freud? Nada mais, nada menos do que a colocação em questão da categoria de identidade (o líder Moisés da tradição judaica era egípcio e não judeu) e o destaque conferido, em contrapartida, a categorias de identificação, marcada que seria pela não referência ao registro da nacionalidade e a parcialidade, tal como o discurso freudiano enunciou em 1921 em Psicologia das massas e análise do eu56 56 FREUD, S. Psychologie des foules et analyse du moi (1921). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981. e no Eu e o isso,57 57 FREUD, S. (1923). Le moi et le ça. In: FREUD, S. Essais de Psychanalyse. Paris, Payot, 1981. em 1923.

Portanto, a caracterização da figura histórica de Moisés como sendo de origem egípcia e não judaica, não obstante Moisés ser inequivocamente o criador da tradição judaica, inscreve esta identificação no registro do inconsciente e rompe com a lógica da identidade e da repetição de si mesmo - isso porque a marca identificatória se constitui de forma exógena (egípcio) e não endógena (judeu). Além disso, o imperativo da alteridade seria constitutivo da concepção de identificação, colocando assim em destaque o registro do Outro e não o do Mesmo.

Nesta perspectiva, o inconsciente seria de ordem transindividual e não se plasmaria então no registro do eu como registro marcado pela identidade, como enunciou Lacan em Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise,58 58 LACAN, J. Fonction et champ de la parole et du langage en psychanalyse. In: LACAN, J. Écrits. Paris, Seuil, 1966. no célebre Discurso de Roma, em 1953. Com efeito, se a identidade delineia o registro do eu e do imperativo da totalidade enquanto tal, o inconsciente, em contrapartida, se enuncia pelas frestas do campo da identidade, em uma concepção descontínua da consciência. Vale dizer, a psicanálise não é uma psicologia, assim como não é, tampouco, uma psicanálise do eu, na medida em que o inconsciente seria marcado por identificações, como Freud enunciou em O eu e o isso59 59 FREUD, S. Le moi et le ça (1923). In: FREUD, S. Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981. . Além disso, o ensaio de Freud sobre Moisés é de ordem política, de forma que o monoteísmo como religião em oposição ao politeísmo se inscreve no campo efetivo da teologia política, de maneira que a religião se inscreveria em um contexto político propriamente dito, de forma ampla.

Com efeito, a figura Moisés seria derrotada no Egito pelo retorno ao politeísmo no lugar do monoteísmo sustentado pelo faraó Akhenaton - e, face à sua derrota, foi buscar na população dos israelitas a possibilidade de retomar e implantar a religião monoteísta derrotada no Egito.60 60 FREUD, S. L´homme Moïse et la religión monotheíste. (1938). Op. cit. Dessa forma, a causa religiosa seria de ordem política e vice-versa, de maneira a constituir o campo estrito da teologia política no mundo antigo, ambas implicadas na constituição dos Estados-nação no início dos tempos modernos.

É preciso colocar ainda em destaque como a categoria da identidade se inscrevia no campo do nacionalismo desde o século XIX na Europa, caracterizando-se pelos discursos conservadores e pelo particularismo em oposição cerrada ao universalismo. Foi assim que os movimentos e ideologias conservadoras norteados pelo particularismo se disseminaram na Europa nos anos 30, representados que foram não apenas pelo nazismo e o fascismo, mas também por suas derivações ideológicas, como o franquismo na Espanha e o salazarismo em Portugal. Em todas essas plataformas políticas identitárias, o universalismo era o alvo e objetivo preferencial a ser abatido pelas forças políticas e ideológicas da extrema direita.

Em contrapartida, pelo viés da categoria de identificação, Freud delineia uma perspectiva decididamente universalista, e critica então todos os particularismos na Europa. Por isso mesmo, desde os primórdios do século XX, o movimento psicanalítico norteado por Freud procurava afastar a psicanálise de qualquer marca e sombra de ser uma ciência judaica e a comunidade psicanalítica de ser um gueto judaico, em uma postura eminentemente universalista.

Como se sabe ainda, nos anos 30 se delineou a disseminação do discurso ideológico da extrema direita, como o nazismo e o fascismo, que nas suas particularidades nacionalistas e xenófobas acusaram exatamente os judeus e a tradição judaica como sendo eminentemente universalistas, pois pela diáspora judaica os judeus não se inscreviam em um território delineado pelos limites do Estado-nação, existindo sempre nas fronteiras e bordas dos diferentes Estados-nação existentes.

Com efeito, pela migração contínua e pela condição permanente de refugiados, ocupando assim a posição minoritária nos interstícios dos diferentes Estados-nação, a tradição judaica era de fato e de direito universalista na sua condição ética e política diásporica. Em relação a isso, é preciso evocar que até mesmo um autor como Blanchot, que posteriormente se tornou um ícone intelectual da esquerda e um pensador de ponta nas tradições literária e filosófica francesa, teve posições antissemitas e fascistas até o final dos anos 30 do século XX, quando então começou a romper com estas posições de sua juventude, identificado que era com o discurso fascista de então na Europa e na França.61 61 BERKMAN, G. La question juive de Maurice Blanchot. Paris, Le Bord de l´eau, 2023.

Portanto, não existe qualquer dúvida de que a problemática da identidade desde o século XIX, na Europa, se inscreve genealogicamente de forma decidida nos campos político, social e ideológico da extrema direita, com os discursos sobre o nacionalismo, o fascismo e o nazismo, assim como nas suas derivações franquista (Espanha) e salazarista (Portugal). Em contrapartida, o discurso freudiano assumia uma posição universalista, criticando de forma sistemática o identitarismo e o nacionalismo, se norteando assim de forma correlata pela perspectiva teórica da identificação. Além disso, no ensaio intitulado sobre A questão da Weltanschauung (1933), Freud criticou a perspectiva totalizante e unificada da concepção de visão de mundo, presente nos discursos da religião e da filosofia, enunciando que a psicanálise se aproximaria, em contrapartida, do discurso da ciência por suas características fragmentar e parcial.62 62 FREUD S. La question de la Weltanschauung, In: FREUD, S. Mentales ostensives sur la psychanalyse. Paris, Gallimard, 1898. Vale dizer, enquanto a visão de mundo estaria norteada pela categoria de identidade, os discursos da ciência e da psicanálise estariam norteados pela categoria de da identificação.

8 Outra volta do parafuso

No ensaio intitulado Freud e os não europeus, Said procurou pensar e inscrever a psicanálise no mundo dos não europeus com a leitura de O homem Moisés e a religião monoteísta. Para esse debate crucial, teríamos aspectos históricos, metodológicos e epistemológicos:

  1. A referência aos não europeus em Freud no contexto histórico da constituição da psicanálise.63 63 SAID, E. Freud e os não europeus. São Paulo, Bomtempo, 2004.

  2. Em seguida, as referências aos não europeus nos tempos históricos posteriores, onde a crítica da tradição colonial se impôs, de forma que seria importante analisar como a estrutura teórica da psicanálise poderia se confrontar efetivamente com essa condição crucial da atualidade.64 64 Idem.

Assim, a leitura de Said em relação a estes dois pontos é bastante clara. Com efeito, se no seu tempo Freud não se referiu aos não-europeus em sentido lato - com a exceção das referências à tradição egípcia no norte da África e às sociedades primeiras - em contrapartida, se colocarmos em destaque a construção teórica e estrutural do discurso freudiano, na ênfase que enunciou na oposição entre os povos ditos civilizados e os povos de então considerados como bárbaros, no contexto desta oposição na qual pelo recalque e o retorno do recalque tais posições seriam reversíveis, a obra de Freud poderia inscrever decididamente nos seus pressupostos teóricos e estruturais a consideração aos não europeus65 65 Idem. ,66 66 SAID, E. Orientalismo. O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo, Companhia das Letras, 2021. ,67 67 SAID, E. Cultura e Imperialismo. São Paulo, Companhia das Letras, 2011. .

No que tange a este ponto, a resposta de Jacqueline Rose à conferência de Said no Museu Freud, em 2001, sobre Freud e os não europeus, colocou em destaque a leitura da história realizada por BenjaminBENJAMIN, W. Oeuvres Completes sur la philosophie de l´histoire. In: Benjamin, W. Oeuvres Completes, volume III. Paris, Gallimard, 1990., em Teses sobre a filosofia da história,68 68 BENJAMIN, W. Oeuvres Completes sur la philosophie de l´histoire. Paris, Gallimard, 1990. (Oeuvres completes, 3) para indicar como a construção teórica e ética do discurso freudiano pode se descolar de seu tempo e encontrar no tempo futuro da contemporaneidade uma outra releitura possível, onde a psicanálise poderia incluir decididamente e de forma decisiva os não-europeus no seu campo discursivo.69 69 SAID, E. Freud e os não europeus. Op. cit.

Vale dizer, o discurso freudiano na sua estrutura ética, política e teórica respaldaria o desafio pós-colonial, justamente pela ênfase colocada na categoria de identificação e pela crítica conexa à categoria de identidade, pela oposição dialética estabelecida entre civilização e barbárie, marcada pela reversibilidade e norteada pelo processo do recalque. No enunciado de que Moisés seria egípcio e não judeu, apesar de ser o criador da tradição judaica, Freud enunciou a pertinência da categoria de identificação e a crítica à categoria substancial e essencial de identidade.

Além disso, como vimos, a obra de Freud sobre Moisés se inscreve efetivamente no campo da teologia política, de maneira que Freud retomou criticamente na sua prática de escrita a ideia de que a psicanálise não seria apenas uma psicologia individual, mas também uma psicologia coletiva, pois analisa os traços psíquicos nas bordas porosas existentes entre os registros do narcisismo (psicologia individual) e da alteridade (psicologia coletiva), como enunciou na obra Psicologia das massas e análise do eu70 70 FREUD, S. "Psychologie des foules et analyse du moi" (1921). In: Freud, S. Essais de psychanalyse. Paris, Payot, 1981. . Portanto, o discurso freudiano delineou o mundo não-europeu com pertinência, com as referências aos orientais e africanos71 71 Ibidem. ,72 72 Ibidem. ,73 73 Ibidem. pela oposição que problematizou entre a civilização e barbárie, norteada pela reversibilidade dialética do recalque. Enfim, na leitura que nos propõe Said, é preciso realizar outra volta do parafuso,74 74 James, H. The turno of the Screw and Other Short Fiction. New York, Bantam Books, 1981 para parafrasear o conto de Henry James, para que a oposição entre os registros entre civilização e barbárie mediada pela operação recalque permitiria outra leitura de Freud voltado assim para o futuro pós-colonial, numa outra volta agora para o futuro da psicanálise.

9 Identidade, universalidade e diáspora

Além disso, Said enuncia ainda, em Freud e os não europeus, que o lugar destacado e estratégico ocupado pela arqueologia como ciência desde a criação do Estado de Israel se deveria aqui pelo discurso arqueológico de que o Estado de Israel já existia na cartografia bíblica e poderia ocupar assim todo o território da Palestina como estado soberano, como já vem ocorrendo há décadas com o processo de ocupação das colônias israelenses nos territórios palestinos da Cisjordânia. Por este viés, a política do Estado de Israel se sustentaria pela tese identitária, inscrevendo sua soberania política na aridez das pedras e do processo político de dominação israelense.

Isaac Deutscher escreveu um ensaio magistral intitulado O judeu não judeu75 75 Deutscher, I. The non-jewish jew and other essays. New York, Hillard Wamp, 1969. , pelo qual enunciou a tese de que os judeus nunca se inscreveram em um território restrito do Estado-nação, mas em contrapartida na sua diáspora se inscreveram nos interstícios, bordas e fronteiras do Estado-nação. Por isso mesmo, a tradição judaica pode sustentar a perspectiva do universalismo com pensadores de primeira grandeza, como Spinoza, Marx e Freud.76 76 Deutscher, I. The non-jewish jew and other essays. New York, Hillard Wamp, 1969.

Seria por este viés que a psicanálise pelo inconsciente se inscreveria no campo da identificação e realizaria também assim a crítica sistemática do particularismo identitário, do nacionalismo xenófobo e do Estado-nação. Foi também por este viés que Deutscher, militante e dirigente comunista e socialista próximo da perspectiva política de Trótski - e, portanto, contrária à de Stálin - nomeou os três volumes de sua biografia sobre Trótski como O profeta armado77 77 DEUTSCHER, I. Trotski o profeta armado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. , O profeta desarmado78 78 DEUTSCHER, I. Trotski, o profeta desarmado. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. e O profeta banido79 79 DEUTSCHER, I. Trotski, o profeta banido. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968. , enfatizando, assim, o universalismo (judaico) de Trótski na concepção da Revolução Comunista contra o nacionalismo de Stalin que, em contrapartida, defendia a pertinência do nacionalismo da Revolução Russa.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2023
  • Aceito
    03 Nov 2023
Programa de Pós-graduação em Teoria Psicanalítica do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Psicologia UFRJ, Campus Praia Vermelha, Av. Pasteur, 250 - Pavilhão Nilton Campos - Urca, 22290-240 Rio de Janeiro RJ - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
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