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O psicótico e o outro: o fenômeno do duplo deus na psicose

The psychotic and the Other: the phenomenon of the double god in psychosis

RESUMO:

Baseando-se na perspectiva psicanalítica, o objetivo deste artigo consiste em pesquisar o que ocorre na relação entre o sujeito psicótico e o Outro, que retorna no real sob o significante Deus, a partir do que intitulamos Fenômeno do duplo deus. Percebemos esse fenômeno em comum nos discursos de Estamira (documentário homônimo), Arthur Bispo do Rosário e Daniel Paul Schreber, o que nos permite a construção de hipóteses a respeito de uma possível inconsistência do Outro - estabelecido o duplo -, bem como apontar seus efeitos no laço social e na clínica com a psicose.

Palavras-chave:
psicanálise; ética; psicose; linguagem; laço social

ABSTRACT:

Based on the psychoanalytic perspective, this article aims to investigate what happens in the relationship between the psychotic subject and the Other, who returns in the real under the signifier God, from what we call the Phenomenon of the double god. We find this phenomenon in common in the speeches of Estamira - from the acclaimed documentary of the same name -, Arthur Bispo do Rosário and Daniel Paul Schreber, which allows us to build hypotheses about an inconsistency of the Other, establishing the double, as well as pointing out its effects on the social bound and the clinic with psychosis.

Keywords:
psychoanalysis; ethics; psychosis; language; social bond

Introdução

Este artigo é resultado de uma pesquisa que tematiza a clínica da psicose, focalizando a relação entre o sujeito e o Outro, a partir do que intitulamos Fenômeno do duplo deus e seus efeitos no laço social e na clínica. Encontramos esse fenômeno nos discursos de três psicóticos célebres: Estamira Gomes de Souza, Arthur Bispo do Rosário e Daniel Paul Schreber.

A revelação do duplo contraria a ideia condensada - ainda que ambivalente - de Deus, descrito como essencialmente bom no discurso religioso, uma vez que desvela algo que o neurótico luta para velar por meio da idealização do pai frente ao questionamento diabólico: Che vuoi? O que queres? Com base nos testemunhos desses sujeitos, pretendemos verificar o que o Fenômeno do duplo deus pode ensinar, na direção de pensar outros modos possíveis de relação entre o sujeito e o Outro, que escapam à regra da neurose.

Desse modo, construímos a hipótese da existência de uma possível inconsistência do Outro na psicose, que se configura a partir do estabelecimento do duplo. Nos discursos destacados, a clivagem de Deus é central no modo como se servem da linguagem em direção a seus respectivos trabalhos de construção delirante, o que produz um apaziguamento do gozo do Outro, tão avassalador na psicose.

Com exceção de Bispo, que não nos apresenta exatamente dois deuses, nos casos de Estamira e Schreber, a clivagem se mostra de maneira clara, desvendando a ambivalência, uma vez que se torna evidente o que é da ordem do bom e do mau: Ariman (inferior - perseguidor, cuja preferência se dá pelas raças morenas, os semitas) x Ormuzd (superior - que está de acordo com as raças superiores, arianos), para Schreber; Trocadilo (o que engana, perseguidor) e Quem revelou o homem como único condicional (o que não engana, unificador), para Estamira. Em Bispo, o duplo é aparente na medida em que se refere a um Chefe todo poderoso, que goza, porém, ignorante quanto à própria criação.

Partiremos do conceito lacaniano de foraclusão como uma releitura da Verwerfung freudiana, fundamental na compreensão do que consideramos como a via de entrada do significante Deus na psicose. Realçamos tal significante não como um exemplo de estados ou fixações megalomaníacas do sujeito, mas para que possamos discutir o que este pode construir a partir de sua relação com Deus. Quando o sujeito se situa de modo a fazer a separação entre a ordem e a desordem, o bem e o mal, o que destrói e unifica, abre-se um espaço para a criação de algo novo por um sujeito ativo. O Outro, na medida em que é “desmascarado”, parece tornar-se menos ameaçador.

Destacaremos o papel da inserção do significante nesta construção, o que nos conduz ao momento do ensino de Lacan em que há primazia do simbólico. A retomada que o autor faz de seu seminário dedicado às psicoses em De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957-1958/1998), sobretudo no que concerne à construção delirante de Schreber, fornece elementos para que possamos discutir nossa hipótese central: a criação de um espaço entre sujeito e Outro na psicose. Desse modo, pretende-se investigar a possibilidade de uma relação entre a criação deste espaço e o estabelecimento de uma missão, como percebemos nos três sujeitos escolhidos. Uma questão relevante a ser colocada refere-se à sustentação da construção delirante, no sentido de possibilitar a estabilização do sujeito. Pode a estabilização se estender ao infinito? Nas palavras de Estamira: “Eu já tive vontade de desencarnar [...], mas se eu desencarnar, eu não cumpro a minha missão” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

Os elaborados trabalhos delirantes desses sujeitos, que tomamos como a matéria de nossa pesquisa, apontam para uma saída frente a um Outro que, assim como indicado no mito freudiano do pai da horda, Lacan (1955-1956LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3)) descreve como sendo um Outro que submete o sujeito a seus caprichos, à pura pulsão de morte, seu gozo. Isso nos levou a reexaminar o que Freud nos apresenta no artigo Além do princípio do prazer (1920), no dualismo entre pulsão de vida (Eros) e pulsão de morte (Tânatos) e o modo como Lacan trabalha o conceito de gozo, especialmente o conceito de gozo do Outro.

No percurso da análise das construções delirantes desses psicóticos notáveis, que nos conduziu aos conceitos de pulsão de morte e gozo, formulamos algumas perguntas: o questionamento de Estamira, a crise que se instaura nos reinos de Deus em Schreber e a curiosidade de Deus quanto à própria criação, apontada por Bispo, evidenciam a marca de uma diferença em relação à teoria já existente sobre a estrutura da psicose e a relação entre o sujeito e o Outro? Será que o vislumbre do duplo por parte do sujeito faz urgir a verdade sobre o enfraquecimento do pai real? Seria essa, segundo Lacan (1955-1956LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3)), a verdade que é trazida de forma quase teorizada no texto do delírio?

Essas questões foram formuladas a partir do exame desse fator comum e notável entre os três sujeitos citados, que são pertinentes à clínica da psicose e aos seus efeitos no laço social. São, portanto, elementos fundamentais para a investigação de uma hipótese que nos permite ir mais além em nosso estudo, propiciando uma nova pergunta: como a afirmação de Lacan (1967LACAN, J. Petit discours aux psychiatres. Cercle psychiatrique Henri Ey. Sainte-Anne, Paris, 1967. Disponível em: Disponível em: https://ecole-lacanienne.net/wp-content/uploads/2016/04/1967-11-10.pdf . Acesso em:08 mar. 2022.
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) de que o psicótico carrega o objeto a no bolso pode ser interpretada? É possível pensar em um descolamento?

A psicose

Sobretudo ao que se refere à clínica, a teoria psicanalítica demonstra ser imprescindível a atenção ao posicionamento do sujeito perante o Outro, principal fator que diferencia as estruturas psíquicas: neurose, psicose e perversão. Em sua constituição, o sujeito se depara com uma dura interpelação por parte do Outro, ilustrada por Lacan a partir de uma fala do personagem Belzebu presente no conto de Cazzote: Che Vuoi? O questionamento demoníaco (do Outro) apresenta a via traumática pela qual o sujeito é forçado a escolher seu caminho de constituição subjetiva. Por ser uma indagação caracterizada pela impossibilidade de ser respondida, o sujeito tem uma escolha a fazer na tentativa de dar conta de uma profunda falta de sentido. Dentre os três mecanismos pelos quais se tenta negar o real da castração (Verdrängung, Verwerfung e Verleugnung), a Verwerfung (ou foraclusão) é a via pela qual a psicose se edifica como estrutura; a mesma via por onde retorna o pai real, aqui destacado na figura de Deus.

Tal como Freud designava à época em que escreveu As neuropsicoses de defesa, a Verwerfung fazia parte dos processos de defesa, sem uma clara distinção entre neurose e psicose, porém não sem destacar que, nesta última, há uma defesa de caráter muito mais enérgico e exitoso: “Nela o eu rejeita [Verwerfen] a representação incompatível juntamente com seu afeto e se comporta como se a representação jamais houvesse comparecido” (FREUD, 1894/1992FREUD, S. Las neuropsicosis de defensa (ensayo de una teoría psicológica de la histeria adquirida, de muchas fobias y representaciones obsesivas, y de ciertas psicosis alucinatorias) (1894). Buenos Aires: Amorrortu, 1992. (Obras completas, 3, p.41-68), p. 59).

Em Manuscrito H (1895/2016), o autor difere a neurose obsessiva da paranoia ao traçar um paralelo entre a representação delirante e a representação obsessiva: em ambas, a representação é reconduzida a uma perturbação afetiva, devendo sua força a um conflito, o que acarretaria modos patológicos de defesa. O epicentro que diferencia o obsessivo do paranoico estaria na autorrecriminação, cuja crença é creditada ao obsessivo, ao passo que, na paranoia, percebe-se a descrença. O que se pode destacar do excerto anterior é que, na paranoia (ou psicose intelectual), Freud (1895/2016FREUD, S. Neurose e psicose (1924). In: FREUD, S. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p.271-278., p. 15) destaca que há uma “predisposição psíquica específica”; o retorno do traço mnêmico não sofre alteração.

A partir do estudo que faz da obra de Schreber, Freud (1911/2010FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (o caso Schreber) (1910-1911). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas, 10, p.13-107)) apresenta a formulação de que aquilo que foi interiormente cancelado retorna de fora sob a forma de alucinações, cujas vozes dos deuses de Schreber se faziam representar no idioma por ele denominado como a “língua fundamental”, um alemão arcaico tal como o de seu pai, Daniel Gottlieb Moritz Schreber. Vale ressaltar a tradução da palavra Gott, que significa Deus.

No primeiro ano de seus seminários, Lacan trabalhou o termo alemão Verwerfung, a partir do texto freudiano Da história de uma neurose infantil (1918/1992), em que observava a passagem: “um recalque [Verdrängung] é algo diferente de uma rejeição [Verwerfung]” (FREUD, 1918/1992FREUD, S. De la historia de uma neuroses infantil (el “hombre de los lobos”) y otras obras (1918). Buenos Aires: Amorrortu, 1992. (Obras completas, 17, p. 1-112), p. 73). Para Lacan, não se efetiva a relação edipiana no Homem dos lobos, uma vez que há uma recusa de sua posição homossexual na relação com os pais: “recusou, rejeitou - a palavra alemã é Verwirft - tudo que é do plano da relação genital” (LACAN, 1953-1954/1986LACAN, J. Os escritos técnicos de Freud (1953-1954). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1986. (O seminário, 1), p. 62), fato que impossibilita a instauração do recalque. A partir dessa impossibilidade, abre-se a possibilidade de se pensar a existência de outros mecanismos utilizados pelo inconsciente. Assim, Lacan dá à Verwerfung freudiana um outro status, relacionado ao que é estrutural para o sujeito.

Por meio de uma base sólida oferecida por Freud, Lacan lança luz sobre a questão enunciada no texto freudiano Neurose e psicose: “qual seria o mecanismo análogo ao recalcamento, através do qual o Eu se desliga do mundo exterior?” (FREUD, 1924/2016FREUD, S. Neurose e psicose (1924). In: FREUD, S. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2016, p.271-278., p. 276). Em seu seminário dedicado às psicoses, Lacan promove uma releitura do termo freudiano ao propor o conceito de Forclusion (foraclusão ou forclusão). No vocabulário jurídico, trata-se de um termo utilizado para se referir a um processo do qual não se pode mais apelar, uma vez prescrito. Na psicose, está prescrito o Nome-do-Pai, significante cuja função é a de organização simbólica do sujeito, de sua cadeia significante. Em consequência, Lacan afirma que “tudo o que é recusado na ordem simbólica, no sentido da Verwerfung, reaparece no real” (LACAN, 1955-1956/2010LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3), p .22). Nas palavras do próprio Schreber: “tudo isso não saiu da minha cabeça, mas penetrou nela, falado de fora para dentro. Já por esta razão eu deveria supor que há algo de real nas representações ligadas a estas questões, correspondendo a certos fatos históricos” (SCHREBER, 1903/1984SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 141).

Na análise, Lacan afirma que a foraclusão ocorre no ponto em que é chamado o Nome-do-Pai, significante que se encontra no nível simbólico e que vem barrar o desejo do Outro, evidenciando seu furo. O sujeito busca justamente suprir a carência deste significante, uma vez que, segundo o autor, “tudo o que chamei de reação em cadeia ou de debandada, que se produz na psicose, ordena-se em torno disso” (LACAN, 1957-1958/1999LACAN, J. As formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1999. (O seminário, 5), p. 153).

O duplo deus: entre o duplo especular e o infamiliar

Em O infamiliar (FREUD, 1919/2019, p. 35), Freud se refere ao duplo a partir do que denomina Unheimlich (Infamiliar), termo que nos remete a algo bastante íntimo, um “velho conhecido”, que, todavia, não deixa dúvida quanto a seu caráter aterrorizante, uma vez que se encontra no interior da angústia. De acordo com Freud, nas linguagens árabe e hebraica, o infamiliar equivale ao demoníaco e aterrador. Não por acaso, no trecho dedicado ao estudo das traduções do termo, Freud demonstra particular interesse no infamiliar como aquilo que é “escondido, mantido oculto, de modo que os outros nada saibam, desconhecido dos demais”, ou, como destaca na linguagem bíblica do novo-alto-alemão, urdir, tramar coisas (FREUD, 1919/2019FREUD, S. O infamiliar (1919). In: FREUD, S. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p.41).

Outra tradução que destacamos do texto de Freud é o infamiliar como aquilo que provoca mal-estar, um temor terrível, fantasmagórico, algo que não deve emergir: “Laube, v. 1, 119; chama-se Unh, a tudo o que deveria permanecer em segredo, escondido, mas que veio à tona. Schelling, 2, 2, 649 etc. - Ocultar o divino, circundá-lo de uma certa Um-keit” (FREUD, 1919/2019FREUD, S. O infamiliar (1919). In: FREUD, S. Obras incompletas de Sigmund Freud. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 43).

Em seguida, Freud retoma a definição de Schelling, que se articula com o esforço do neurótico em ocultar seu horror, revelando a angústia; ou seja, uma definição ligada ao mecanismo do recalque, uma vez que remete ao que não deveria emergir, o que não se quer saber. Desse modo, estaria o sujeito psicótico mais “familiarizado” com este íntimo aterrador? Em uma discussão com seus filhos a respeito de Deus, Estamira afirma: “Eu não sou contra ele, eu tenho dó dele, eu conheço ele [...] só não é isso que vocês pensam” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

No terceiro ano de seus seminários, Lacan (1949LACAN, J. O estádio do espelho como fundador da função do eu (1949). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998.) dedica-se ao estudo das psicoses (particularmente, a paranoia), tomando como eixo o Caso Schreber. Retoma o narcisismo freudiano, introduzindo-o na lógica especular que desenvolveu em O estádio do espelho como formador da função do eu (1949) valendo-se do esquema da dialética da intersubjetividade. É no eixo especular imaginário que o sujeito passa a ganhar um corpo, a constituir seu eu, a partir das projeções narcísicas do outro. Assim, Lacan localiza o narcisismo freudiano, configurando um momento importante no caminho da compreensão da formação do fenômeno do duplo deus.

Detentor da matriz simbólica, da palavra que anima e dá acesso ao reconhecimento da própria imagem corporal frente ao espelho, o Outro é merecedor de nosso amor, fruto do júbilo experimentado pela criança frente ao espelho a partir da confirmação do Outro. Ademais, significa que este Outro é todo poderoso - um deus - que, assim como nos constitui, do mesmo modo, detém o poder de nos destruir. Resta ao eu se defender, tomando o outro da relação especular como alvo de ódio, dando origem à agressividade. Marca-se aí um duplo especular em relação ao outro: júbilo (amor) x destruição (ódio). A pacificação, como nos lembra Elia (1995ELIA, L. Corpo e sexualidade em Freud e Lacan. 1. ed. Rio de Janeiro: Uapê, 1995.), só é possibilitada pela mediação, garantida justamente pelo desdobramento da alteridade.

No caso de Arthur Bispo do Rosário, verificamos que esse desdobramento não se efetua. Seu Outro o intimava sem qualquer questionamento por parte de Bispo, que trabalhava de modo escravo, mantendo Deus e, consequentemente, ele mesmo apaziguados, o que indica carência da formação de uma alteridade. Em Arthur Bispo do Rosário: a poética do delírio (2009), Dantas extrai um importante relato de Bispo, fruto de uma de suas entrevistas. Ao ser perguntado sobre quem vai governar o mundo, se haveria algum presidente, Bispo responde:

Ah, não, o único que vai mandar sou eu. Mais nada. Tá escrito isso. As eleições é só uma, do Criador, sabe? Esse negócio de votação, de partido, é um só. Tá escrito. Eu botei tudo ali, boto plantado, pra mostrar que existe isso na terra, A lei é essa, o partido é só um, do Criador. (DANTAS, 2009DANTAS, M. Arthur Bispo do Rosário, a poética do delírio. São Paulo: Unesp, 2009., p. 77).

Como aponta Lacan (1957-1958/1998LACAN, J. De uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1957-1958). In: LACAN, J. Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1998.), o campo da realidade psíquica do sujeito sustenta-se pela extração do objeto a, indício traumático da falta no Outro e, consequentemente, no próprio sujeito, que a neurose busca recobrir com a fantasia. Com o Outro estabelecido no campo do simbólico sustentado pelo significante Nome-do-Pai, a relação especular imaginária encontra sua mediação e o sujeito pode assim constituir seus objetos. Tendo em vista essas considerações teóricas, afinal, será possível abrir-se um espaço entre o sujeito e o Outro, no caso da psicose?

A foraclusão do Nome-do-Pai provoca uma distorção na realidade psíquica do sujeito, pois a função fálica - responsável pelo intervalo na cadeia significante (S1-S2) que faz existir o sujeito do desejo - não opera, tornando o sujeito presa fácil das capturas do imaginário. Há, portanto, uma distorção nos campos do simbólico e do imaginário, que propicia a entrada do Outro sob o significante Deus, com suas implicações para o sujeito, que necessita de um intenso trabalho de construção delirante. A partir do que depreende do trabalho de Schreber, Lacan indica que é “em torno desse buraco em que falta ao sujeito o suporte da cadeia significante [...] que se trava toda luta em que o sujeito se reconstrói” (LACAN, 1957-1958/1998LACAN, J. As formações do inconsciente (1957-1958). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1999. (O seminário, 5), p. 570).

Destacamos, portanto, a ação do significante “mulher de Deus” em Schreber, metáfora delirante que se inscreve como substituta do Nome-do-Pai. A fantasia de Schreber, como descreve Freud (1911/2010FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (o caso Schreber) (1910-1911). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas, 10, p.13-107)), surge quando se encontra em um estado entre o sono e a vigília, ocasião em que lhe ocorre a ideia de que deveria ser realmente bom ser uma mulher se submetendo ao coito. Entretanto, é uma ideia que ele, em plena consciência, rejeita com bastante indignação. Já na resolução de seu conflito, causado pelo caráter insuportável da ideia de que se tornar mulher equivaleria a ser violado pelo Outro, Schreber retoma a liberdade do conteúdo de seu sistema delirante ao considerar-se capaz de salvar o mundo e devolver a ele a perdida beatitude. Segundo Jacinto e Costa, na falta do ponto de basta, o Ideal “insere-se nesse movimento assintótico, sendo alçado para o infinito. Desse modo, onde a posição do eu e do objeto coincidem é lançado para o infinito (encontro com o infinito), impedindo uma colisão mortífera” (JACINTO; COSTA, 2011JACINTO, R. G.; COSTA, A. M. M. Considerações sobre o conceito de estabilização nas psicoses. Arquivos brasileiros de psicologia, v. 63, n. 2, p. 49-57, 2011. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/arbp/v63n2/06.pdf. Acesso em:10 mar. 2022., p. 52).

Como nos lembram Briggs e Rinaldi (2014BRIGGS, R.; RINALDI, D. O sujeito psicótico e a função do delírio. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, v. 17, n. 3, p. 416-430, 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rlpf/v17n3/1415-4714-rlpf-17-03-00416.pdf . Acesso em: 10 mar. 2022.
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), o delírio, enquanto termo, possui origem no latim lira, que significa sulco: “logo, de-liro, surge como aquilo que está fora do sulco, fora do caminho reto da razão” (BRIGGS; RINALDI, 2014, p. 418). Trata-se da pedra angular na qual repousa toda construção dos mais diversos estigmas em torno da figura de loucos, psicóticos ou neuróticos. Contudo, a psicanálise nos possibilitou acesso ao importante fato de que não se pode ignorar a função de sulco (espaço) que o delírio tem de atuante entre o sujeito e o Outro, uma vez que, na colisão entre o sujeito e seu duplo rival especular, a destruição pode ser o destino, a exemplo de muitos sujeitos que cometem suicídio, pela intenção de calar o Outro que o desacata. Assim, encontramos no delírio a construção de uma metáfora que organiza o sujeito, dando sentido ao significante que surge no real como S1, na forma de alucinação.

Freud relaciona a construção feita em torno deste significante com o que o próprio Schreber intitula como uma “crise nos reinos de Deus”, que se divide em dois: o de Ariman e o de Ormuzd, respectivamente deus inferior e deus superior. Com o Outro ameaçado (em crise), abre-se uma lacuna de maneira que cabe ao próprio Schreber, como mulher de Deus, pelo processo de emasculação, botar ordem em seu próprio mundo, “pois na ordem do mundo há uma lacuna, devido a qual a própria existência de Deus parece ameaçada” (FREUD, 1911/2010FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (o caso Schreber) (1910-1911). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas, 10, p.13-107), p. 33).

Arthur Bispo do Rosário era o escolhido de Deus para realizar a missão de construir toda uma representação do mundo a pedido (e coação) Dele. Utilizou uma grande coleção de objetos feitos com toda a sorte de material que conseguia arrumar na Colônia Juliano Moreira, onde permaneceu por mais tempo dentre seus cinquenta e um anos de internações em diferentes instituições psiquiátricas, de modo a cumprir sua missão. Bispo trabalhou incansavelmente por sete anos consecutivos dentro de sua cela, onde permaneceu até o fim de sua vida, construindo mais de oitocentas peças, incluindo seu famoso manto da apresentação. Apesar de todo o reconhecimento que recebeu e das visitas que chegavam de diferentes partes do mundo, Bispo optava por manter-se na Colônia Juliano Moreira, obedecendo às vozes e esperando que os anjos o levassem para o céu.

Estamira também era dotada de uma missão, como pode-se perceber em sua fala: “a minha missão além de eu ser Estamira, é revelar a verdade somente a verdade, seja mentira, seja capturar a mentira e tacar na cara ou então ensinar a mostrar o que eles não sabem, os inocentes, não tem mais inocente, tem esperto ao contrário” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.). Ela devia alertar todos, revelando a verdade do Trocadilo aos homens comuns, dos quais diz sentir pena frente a esse Deus enganador e sedutor. Assim como Bispo, Estamira sustentou sua missão até o último dia de sua vida. Desse modo, a partir do que apreendemos até aqui, destacamos a importância da construção de uma missão para o sujeito psicótico. Inserido neste movimento rumo ao infinito, pode o significante sustentar o movimento de assíntota a ponto de estabilizar o sujeito de modo consistente? Pode ser o ponto onde o sujeito localiza-se no mundo? Estabelecida essa importante lacuna, quais os efeitos que isso pode acarretar no laço social?

O gozo na psicose

Falar sobre o gozo na estrutura psicótica implica ligar o Outro a figuras míticas que percebemos ao longo da obra freudiana, tal como o pai da horda primitiva e a figura mitológica de Tânatos, este caracterizado como a própria personificação da morte, mito que Freud (1920FREUD, S. Além do princípio do prazer (1920). Porto Alegre: L&PM, 2018. (Coleção L&PM pocket, 1277)) utiliza para a teoria psicanalítica, de maneira a conceituar a pulsão de morte. Esses mitos são fundamentais na investigação do gozo tratado na psicose, que Lacan (1955-1956LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3)) denomina como Gozo do Outro, na medida em que se trata de um Outro que goza de um sujeito pela via da foraclusão, ponto em que falta a dialética apaziguadora permitida pela ação significante. A alienação imagética ao outro rival nos permite compreender o porquê, mesmo que haja, na divisão de Deus, aquele que engana (mal) e o que não engana (bem). O trabalho significante do sujeito ocorre na direção de lidar com o que engana, com o mal ameaçador, que visa a sua destruição.

Ao elaborar o conceito de pulsão de morte, Freud (1920FREUD, S. Além do princípio do prazer (1920). Porto Alegre: L&PM, 2018. (Coleção L&PM pocket, 1277)) aponta para um processo que age calado, silencioso (ao menos na neurose), que promove um empuxo de retorno ao inanimado (ao zero), o que significaria a morte, característica que leva o autor à conclusão de que a pulsão de morte nasce justamente da vivificação do sujeito. Logo, a batalha travada entre Eros e Tânatos advém desde os primórdios. Assim, Freud percebe ser incorreto falar de um império do princípio do prazer, uma vez que há outras forças que o contrariam, apesar de sua força de atração.

No campo da psicose, o gozo exacerba sua característica apontada por Lacan (1970LACAN, J. O avesso da psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 1992. (O seminário, 17)) como algo que transborda e não encontra limites. Podemos perceber isso articulado à fala de Estamira: “Tem o eterno, tem o infinito, o além, o além dos além. O além dos além vocês ainda não viram [...] é um transbordo, toda coisa que enche, transborda, poder superior real, a natureza superior contorna tudo isso, leva pra lá, para as beiradas e homem nenhum pode ir lá (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

Em A ética da psicanálise, Lacan (1959-1960/2008LACAN, J. De um Outro ao outro (1968-1969). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 16)) afirma que a pulsão comporta uma dimensão histórica, que se refere a algo memorável, porque memorizado, onde se grava, no registro da experiência, a destruição. Na psicose, na medida em que o sujeito se encontra “a descoberto” (LACAN, 1955-1956/2010LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3), p. 75), isso que há de obscuro o invade de modo destrutivo. Em De um Outro ao outro (LACAN, 1968-1969BRIGGS, R.; RINALDI, D. O sujeito psicótico e a função do delírio. Revista Latino-americana de Psicopatologia Fundamental, v. 17, n. 3, p. 416-430, 2014. Disponível em: Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rlpf/v17n3/1415-4714-rlpf-17-03-00416.pdf . Acesso em: 10 mar. 2022.
https://www.scielo.br/pdf/rlpf/v17n3/141...
/2008), o autor nos diz que o sujeito dirige para si uma agressão primária, aquilo que esteve no lugar de alguém com quem ele se identifica; ou seja, um fator agressivo construído na relação especular narcísica, a alteridade primitiva tal qual vimos, destacada por Lacan. Este eu sem a marca da alteridade, característico da psicose, é conceituado por ele como o Um. O objeto a - aquilo que há de mais real para o sujeito, uma vez que se encontra fora do simbólico; irrepresentável, tal como formulado por Lacan - não é extraído na psicose, como acontece na neurose.

Os conceitos de alienação e separação, operações “da classificação do sujeito em sua dependência significante ao lugar do Outro”, elaboradas no seminário Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (LACAN, 1964/2008LACAN, J. A ética da psicanálise (1959-1960). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. (O seminário, 7), p. 202), a partir da teoria dos conjuntos, nos ajudam a elucidar o que ocorre na neurose. O processo de alienação é um véu que condena o sujeito a uma divisão, em que aparece ou como sentido produzido pelo significante ou como afânise; ou seja, desaparecimento ou fading do sujeito.

Já a separação é fundada na interseção, onde surge uma hiância. A interseção é constituída pelos elementos que pertencem aos dois conjuntos e é produzida pela dialética que conduz o sujeito. Nessa operação, o sujeito encontra uma falta no Outro, “na intimação mesma que lhe faz o Outro por seu discurso. Nos intervalos do discurso do Outro, surge, na experiência da criança, o seguinte, que é radicalmente destacável - ele me diz isso, mas o que é que ele quer?” (LACAN, 1964/2008LACAN, J. Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise (1964). 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2008. (O seminário, 11), p. 209). O neurótico encontra uma falta no Outro, pela queda do objeto que se encontra na interseção dos conjuntos, que Lacan chama de objeto a. A queda deste último, deixa a marca da incompletude tanto no campo do sujeito como no campo do Outro.

Se o processo de separação não se realiza, o sujeito entra em um movimento de fading, desaparecimento ou afânise. Na opção pelo ser, o sujeito cai no não senso, uma vez que não se instaura a marca da diferença que acarreta a queda do objeto alucinado. O psicótico se aliena ao outro especular e é capturado pelo campo do imaginário, a exemplo de uma das mais famosas frases de Estamira, que nos diz: “Tudo que é imaginário, tem, existe, é. Sabia que tudo que é imaginário existe, é e tem?” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

O objeto a é índice da coisa - Das Ding, em termos freudianos - e marca a diferença absoluta, fazendo com que o Outro não seja completo, não seja idêntico a UM. Segundo Schreber: “Reivindico para mim uma tal superioridade apenas na medida em que se trata de uma situação contrária à Ordem do Mundo, que se organizou de uma conexão nervosa, contínua e indissolúvel com um único homem” (SCHREBER, 1903/1984SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 131).

O tema da extração deste objeto, o que lhe dá o status de objeto causador de desejo, na psicose, é problematizado por Soler (2019)SOLER, C. Homens, mulheres (2014-2015). São Paulo: Aller, 2020.. A autora destaca que Lacan tinha a ideia de que também na psicose podemos encontrar a estrutura do amor e do desejo, ao nos ensinar que $, S1, S2 e objeto a estão presentes na psicose, na medida em que se trata de seres falantes; ou seja, a subtração do objeto ocorre “de um modo ou de outro - talvez não idêntico” (SOLER, 2014-2015/2019SOLER, C. Homens, mulheres (2014-2015). São Paulo: Aller, 2020., p. 117). A psicanalista nos lembra ainda que, em 1966, em Discurso aos psiquiatras, Lacan falou que o psicótico carrega o objeto a no bolso, o que é indício de que o objeto está destacado, pois, “quando se tem alguma coisa no bolso, isso não faz parte de seu corpo. Ele está destacado, mas não investido mais além na realidade [...] o objeto a no bolso designa o investimento da libido psicótica causada pelo objeto a” (ibidem, p. 267).

As discussões apresentadas tornam mais intrigante, portanto, pensar a possibilidade de o sujeito psicótico conseguir um afastamento do Outro e, consequentemente, um apaziguamento do gozo. De acordo com Lacan, a pulsão de morte indica o ponto intransponível ou o da Coisa. Na psicose, algo falha neste intransponível e o retorno de fora seria o de um gozo pleno, impossível. O psicótico não encena; a Drang (força) da pulsão de morte, sem enlace com Eros, invade um sujeito desprovido de defesas, sobretudo quando desencadeado o surto. Em alguns momentos do documentário, percebemos Estamira sentindo mal-estar, o que é imediatamente atribuído às más ações do Trocadilo. Em uma dessas situações profere a frase: “Intervenção no real radar” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

Schreber tinha a ideia de que seria entregue, como objeto, ao homem (Flechsig), para fins de abuso sexual e posteriormente ser largado à putrefação. Retornamos, portanto, à questão do embate mortífero entre o eu e o outro, cujo movimento assintótico, ao imbuir-se de um significante, possibilita a construção de uma metáfora delirante que estabiliza o sujeito.

O Fenômeno do duplo deus, a verdade e seus efeitos no laço social

Na psicose, uma vez que não há uma cisão consciente/inconsciente no discurso do sujeito, as palavras são tomadas como coisa e, portanto, em seu sentido literal. O gozo se encontra do lado da coisa, enquanto o desejo encontra-se ao lado da Lei. Em O avesso da psicanálise, Lacan (1969-1970/1992) refere-se à inserção do significante como aparelho de gozo, aquilo que vem lhe dar tratamento, enquadramento, em que S2 (campo do Outro) vem somar-se ao S1. Para o autor, “é para que, sendo significantes também lícitos, possamos situar o que vem a ser seu sentido, por outro lado, sua inserção no gozo, do Outro - disso pelo qual ele é meio do gozo. A partir daí, começa o trabalho” (ibidem, p. 53). Tomando o fato de que entendemos que a metáfora delirante atua como um S2, que vem a dar sentido ao S1 pela via do imaginário, a exemplo dos significantes Estamira, Bispo e Mulher de Deus, o psicótico aponta que é preciso haver trabalho.

O que nos humaniza é a linguagem, e esta é transestrutural, pois a matriz simbólica se encontra instalada desde os primórdios do sujeito, recurso que independe de como ele se serve do Pai. Interessa-nos saber como o sujeito se serve das palavras, de uma linguagem cujo campo, como nos lembra Quinet (2006QUINET, A. Psicose e laço social. 2. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2006.), tem como referência a foraclusão.

Estamira, Bispo e Schreber nos mostram a força que a palavra ganha na psicose. Como nos aponta Freud (1915FREUD, S. Lo inconsciente (1915). Buenos Aires: Amorrortu, 1992. Obras completas: Contribucíon a la historia del movimiento psicoanalitico y otras obras,14, p. 153-214.), o pré-consciente, lugar dos representantes de palavra - Wortvorstellungen - obtém mais importância do que o inconsciente, lugar dos representantes de coisas - Dingvorstellungen. A palavra ganha potência em uma tentativa de cura, ensaio de recuperação do objeto perdido por meio do verbal; isto é, do encadeamento dos significantes (S2).

Enquanto o neurótico habita a linguagem, o psicótico é habitado e possuído por ela, afirma Lacan (1955-1956LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3)). Tomando a linguística como guia, refere-se ao significante como aquilo que deve ser tomado no sentido material da linguagem. Quanto ao significado, não se deve crer que são os objetos (ou as coisas), e sim a significação, que sempre remete a uma outra significação. Ao comentar o texto de Schreber, Lacan nos aponta o erro que há em entender as palavras como detentoras de uma significação irredutível, remetendo apenas a si próprias.

Arthur Bispo do Rosário

Bispo, assim como Estamira, também nos permite pensar no prenome como S1. Segundo Dom Pedro Carlos Cipollini (2015)1 1 Disponível em: https://domtotal.com/noticia/919959/2016/09/quem-e-o-bispo-qual-sua-funcao-na-igreja/. Acesso em: 07 jul. 2022. , Bispo se define como aquele que: “por mandato divino rege a Igreja que é a Casa de Deus. Jesus enviou os apóstolos assim como ele foi enviado (cf. Jo 20,21). Os apóstolos [...] deixaram sucessores e eles são os bispos”.

Trata-se, portanto, de um significante histórico, em que a missão de um sujeito sob mandato divino se encontra escancarada. Entretanto, como já frisado, não podemos cair na tendência sedutora de atribuir apenas uma significação à palavra. O significante Bispo também apresenta, dentre suas significações, uma peça de um jogo de xadrez, manipulável por outro que decide todos os seus movimentos. Apesar de não demonstrar de maneira tão clara a divisão de Deus, como atestamos em Schreber e Estamira, ainda assim aponta para uma inconsistência de seu “chefe”.

Apesar de passar toda uma vida objetalizado tal como o bispo do xadrez, manipulado por um Outro, como explicitado por Quinet no trecho “Com o Bispo, o Outro o enrola, deixa torto, embola” (QUINET, 2000QUINET, A. Teoria e clínica da psicose. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000., p. 229), Arthur Bispo do Rosário nos aponta que, ao mesmo tempo que detém um grande poder, seu Outro também é falho. A missão que recebe desvela em Deus uma ignorância referente à humanidade e ao mundo como um todo, na medida em que precisa de um eleito - não um qualquer - que o apresentasse a suas próprias criações. Desse modo, Bispo se tornava mais do que uma peça de xadrez. Em seu papel fundamental, representado por sua missão divina, apresenta-se como um sujeito que detém um saber que o Outro desconhece. Não por acaso, o manto que vestiria na ocasião de seu encontro com Deus era chamado por ele de manto da apresentação.

Schreber

Em Memórias de um doente dos nervos (1985/1903), destacamos o termo bipartição peculiar, cunhado por Schreber a partir dos reinos de seus deuses. Como assinalado por Freud (1911/2010FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (o caso Schreber) (1910-1911). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas, 10, p.13-107)), a divisão de Deus entre Arimã e Ormuzd foi imprescindível no que concerne ao apaziguamento do sujeito, ainda que com a presença de um Deus que o invadia no real do corpo por meio dos raios divinos.

Como nos lembra Leader (2011LEADER, D. O que é loucura? Delírio e sanidade na vida cotidiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2011.), há uma reviravolta, apontada por Schreber, que envolve três elementos: ele e os dois deuses. Pela primeira vez, as expressões, humilhações e pensamentos impostos pelos deuses não eram totalmente endereçados a ele, como relata em uma conversa entre seus deuses: “Outras expressões do deus inferior eram em parte endereçadas a mim, em parte - de certo modo faladas através da minha cabeça - endereçadas ao seu colega, o deus superior” (SCHREBER, 1903/1984, p. 128). Schreber prossegue, dizendo que ambos os deuses apresentam incapacidade de compreender o homem vivo como organismo “enquanto estes se encontram à grande distância” (SCHREBER, 1903/1984SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 129).

Apesar da elaborada construção de Schreber, sua metáfora delirante não o sustentou até o fim. Em 1907, Schreber perdeu sua mãe e se responsabilizou pelos processos legais envolvendo o inventário; no mesmo ano, perdeu sua esposa. Schreber voltou a ser acometido por uma crise de angústia e insônia, tal como o início de seu primeiro desencadeamento, fato que não passou despercebido por ele. Voltou à internação no sanatório de Dösen, de onde jamais saiu. Novamente foi-lhe imposto o reconhecimento do nome do pai, tal como na ocasião em que fora nomeado presidente da Corte de Apelação em Dresden. Vale salientar também que, já em 1877, viu-se obrigado ao nome da família na qualidade de único varão, pois seu irmão havia cometido suicídio (CARONE, 1984).

Tendo em vista tais fatos, pode-se indagar: teria o conflito entre um deus superior e um deus inferior aberto um espaço, que foi fechado pela construção da metáfora delirante de ser mulher de Deus e criar uma nova raça de homens, uma vez que Freud utiliza a expressão “solução do conflito”? (FREUD, 1911/2010FREUD, S. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia (o caso Schreber) (1910-1911). São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (Obras completas, 10, p.13-107), p. 64). A metáfora delirante permite que ele se estabilize, porque encontra um lugar para ele no delírio, que não o invade mais. Entretanto, depois, essa divisão desaparece. Surge então a dúvida se o espaço entre Schreber e seu Outro foi fechado, tal como o desenlace social, a partir das novas e poderosas exigências simbólicas advindas dos fatos anteriormente enumerados. Todavia, o trabalho notável realizado por Schreber lhe permitiu inserir-se no laço social, ainda que por um determinado tempo (1899 a 1907).

Estamira

Acerca de Estamira, podemos tomar como hipótese que a clivagem realizada em seu prenome Esta/mira, empregada no sentido de “esta perspectiva”, “este ponto de vista”, “esta mirada”, permite a visão da faceta decaída e enganadora de Deus, que nomeia pelo neologismo Trocadilo. Trata-se de um significante cujo som assemelha-se bastante a trocadilho, que significa: “Jogo ambíguo de palavras com sons parecidos ou iguais, mas com significados e aplicações diferentes. Uso de certas expressões que juntas possibilitam muitas interpretações”.2 2 Disponível em: https://www.dicio.com.br. Acesso em:07 jul. 2022.

Estamira descreve Trocadilo como um “hipócrita, safado, incompetente, indigno, canalha, que cega, seduz, mente, incentiva para depois jogar no abismo, estuprador, arrombador de casa” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.). Trocadilo é Deus perseguidor assim como Ariman, caracterizado por Schreber como um Deus malfeitor, falso, que trama pelas costas, visando ao assassinato de sua alma, tal como o abandono de seu corpo como uma “prostituta feminina”. Portanto, o significante é apropriado para escancarar a ambiguidade na sua interpretação de Deus, uma vez que representa a contramão do outro ser místico nomeado por Estamira como Quem revelou o Homem como único condicional. Este ensinou as maravilhas de se economizar, conservar as coisas, proteger, lavar, limpar e usar até o quanto pode. Também não ensinou a humilhar, a trair, a tirar e sim a ajudar. Temos, portanto, dois seres místicos com distintas facetas: aquele que engana e o que não engana.

Nota-se que a cisão demonstrada por Estamira assemelha-se à bipartição observada no caso de Schreber. Outra característica que os une é a referência à necessidade de uma revelação (uma verdade), como atestamos na missão de Estamira. Para Schreber: “posso afirmar por mim mesmo [...] que, de qualquer modo, pretendo que se sejam reconhecidas duas capacidades: por um lado, o inquebrantável amor à verdade e, por outro, um dom de observação fora do comum” (SCHREBER, 1903/1984SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 165-166).

De que verdade se trata nos discursos de ambos? Encontramos pistas em importantes falas de Schreber e Estamira, que vão ao encontro de nossa hipótese central, calcada na possibilidade de o sujeito psicótico entrever a inconsistência de seu Outro, pela criação de uma lacuna entre ambos, resultado do modo como o sujeito utiliza a linguagem. Vale ressaltar que Estamira e Schreber conseguem chegar ao ponto de zombar de Deus (deste Pai que retorna desde fora): Schreber como sua mulher e Estamira como seu incessante vigia. Na afirmação de Schreber: “Só é dado a mim, e não aos outros homens, o direito de zombar de Deus” (SCHREBER, 1903/1984SCHREBER, D. P. Memórias de um doente dos nervos (1903). Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984., p. 212).

Estamira não furou seus olhos - sua mira - diante de seu demônio. Segundo ela: “Pra eles o que era bom era o Deus, depois eu revelei quem é Deus, porque eu posso [...] Estamira, eu [...] sei consciente, lúcido e ciente quem é Deus, o que é e o que significa Deus e outros mais” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.).

Podemos supor que a revelação - ou verdade - à qual Estamira e Schreber se referem em seus discursos é a de que o Outro engana. De acordo com Estamira, trata-se de um ser que é “Poderoso ao contrário” (PRADO, 2004PRADO, Marcos. Estamira. São Paulo: Europa Filmes. DVD (121 min), Dolby Digital DTS, colorido e preto & branco. 2004.), o que vai ao encontro da definição de Lacan sobre o amor à verdade: um “amor a essa fragilidade cujo véu nós levantamos, é o amor ao que a verdade esconde, e que se chama castração” (LACAN, 1970/2016LACAN, J. Petit discours aux psychiatres. Cercle psychiatrique Henri Ey. Sainte-Anne, Paris, 1967. Disponível em: Disponível em: https://ecole-lacanienne.net/wp-content/uploads/2016/04/1967-11-10.pdf . Acesso em:08 mar. 2022.
https://ecole-lacanienne.net/wp-content/...
, p. 51).

São inegáveis os efeitos benéficos que pudemos observar em nossos sujeitos, na virada de seu discurso frente a Deus. Em Estamira, podemos considerar que houve uma considerável mudança possibilitada pelo uso que fez de seu S1 frente ao Outro. Lembremos - a partir dos relatos de sua filha - que, em um primeiro momento, ela era mirada pelas câmeras do FBI instaladas nos ônibus; a partir da ação significante, torna-se a própria mira sobre a face enganadora de Deus.

Esse fato teve início no lixão de Gramacho, local onde constituiu família, construiu casa e se tornou uma das catadoras mais famosas de todos os tempos, ultrapassando os limites do território nacional, evidenciando o estabelecimento do laço social. Arthur Bispo do Rosário, tal como Estamira, também se tornou mundialmente conhecido por seu trabalho, que lhe rendeu participações em documentários, matérias jornalísticas, trazendo visitas de todo o mundo durante seu período de internação. Além das exposições de suas obras, foram feitas peças de teatro, livros e até mesmo um filme relatando sua vida, que vieram em auxílio à teoria psicanalítica -e outras teorias - no estudo da psicose.

Considerações finais

Tendo em vista o que foi apresentado, cabe retornar à hipótese que fundamentou esta pesquisa e manifestar as seguintes perguntas: o fenômeno do duplo deus pode indicar uma espécie de cisão do Outro e, consequentemente, de seu gozo, ao considerarmos a abertura de uma hiância, cuja origem encontramos em novas interpretações a respeito do conceito de objeto a na psicose? O duplo apontado em seus deuses poderia ser interpretado como a percepção dessa hiância, espaço em que podem se localizar, considerando o diferenciado modo como estes sujeitos utilizam a linguagem? De todo modo, o que podemos tomar como irrefutável são os efeitos no laço social observados nos três sujeitos destacados, cujo fenômeno do duplo deus parece estar implicado.

O questionamento de Estamira, a crise que se instaura nos reinos de Deus, de acordo com Schreber, e a curiosidade de Deus quanto à própria criação, apontada por Bispo, evidenciam a marca de uma diferença. Portanto, são elementos fundamentais na investigação sobre a possibilidade de se supor um descolamento do objeto a na psicose, fato sinalizado a partir das considerações de Colette Soler.

Descolar-se do objeto implica desvincular-se do que está do lado do gozo, criando um espaço apaziguador que permite ao sujeito psicótico, de alguma forma, localizar-se no mundo. O questionamento feito a partir do fenômeno do duplo em direção ao Outro, observado sobretudo nos casos de Estamira e Schreber, nos leva a crer que a afirmação lacaniana de que o psicótico carrega o objeto a no bolso permite novas interpretações.

Ao considerarmos essas ilustrações de interpelação ao Outro como indício da existência de uma hiância, verificamos que é na hiância que se atesta a verdade traumática da inconsistência do Outro, possibilitando a emergência do sujeito do desejo. Nos exemplos demonstrados, o império do pai da horda (ou pai real) é enfraquecido, como percebido pelo destino dos deuses perversos de Estamira e Schreber.

Para concluir, contrapondo-se ao estigma construído historicamente sobre o louco como aquele cujo discurso é absolutamente destituído de valor, destacamos de Freud e Lacan algumas importantes possibilidades que o sujeito tem de se servir da linguagem, que, como vimos com Lacan, vem aparelhar o gozo, dar-lhe tratamento. Em O inconsciente (1915/1992), Freud discute questões fundamentais a respeito dos mecanismos de linguagem do sujeito psicótico, atribuindo um outro sentido às suas manifestações, como os delírios, que passam a ser considerados como uma forma espontânea de cura.

Lacan enfatizou a importância da escuta de um sujeito e recusou a condenação do discurso psicótico a uma “caducidade”, pois se trata de um sujeito cuja fala tem valor de testemunho, sendo este “mais singular e mesmo inteiramente original” (LACAN, 1956LACAN, J. As psicoses (1955-1956). Rio de Janeiro: Jorge Zahar , 2010. (O seminário, 3)/2006, p. 243), assim como os testemunhos de Estamira, Bispo e Schreber.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2022
  • Aceito
    16 Out 2023
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