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Correlatos perceptivos e acústicos dos ajustes supraglóticos na disfonia

Perceptive and acoustic correlates of supraglottis adjustments in dysfonia

Resumos

OBJETIVO: avaliar os correlatos perceptivo-auditivos (ajustes supraglóticos) e acústicos (formantes) da qualidade vocal de indivíduos disfônicos com alterações glóticas, atendidos em ambulatório de fonoaudiologia de uma instituição hospitalar da cidade de São Paulo. MÉTODOS: o grupo estudado foi representado por amostras de voz de 20 indivíduos disfônicos com idades variadas entre 30 e 65 anos do sexo feminino (atendidos em um hospital da cidade de São Paulo) e julgamentos perceptivo-auditivos da qualidade vocal por amostras avaliadas previamente por um grupo de juízes em atividade clínica. As amostras foram exploradas quanto à freqüência dos três primeiros formantes (F1, F2 e F3). Os valores foram considerados de forma qualitativa (comparados aos dados da análise perceptivo-auditiva) e quantitativa (teste Qui-quadrado). RESULTADOS: os ajustes de qualidade vocal mais freqüentes foram laringe baixa, mandíbula fechada, lábios arredondados, corpo de língua abaixado, corpo de língua retraído, labiodentalização. Diferenças estatisticamente significantes foram encontradas para os valores de freqüência de F1 para os vocábulos "cata" (864 Hz) e "gata" (814 Hz), p=0 e F3 para os vocábulos "cata" (2598 Hz) e "gata" (2660 Hz), p=0,17 dos indivíduos do grupo estudado em relação aos valores de referência para o Português-Brasileiro. CONCLUSÃO: os ajustes de qualidade vocal identificados encontraram correspondência com a diminuição dos valores de F1 e F3 indicando tendências de ajustes do trato vocal.

Distúrbios da Voz; Percepção Auditiva; Acústica da Fala; Medida da Produção da Fala; Qualidade da Voz


PURPOSE: to evaluate auditory perception (supraglottic adjustments) and acoustic (formants) of vocal quality in dysphonic individuals with glotic disorders, attended in a clinic a hospital in the city of São Paulo. METHODS: the studied was represented by voice samples taken form from 20 dysphonic people aged between 30 and 65 of the female gender (attended in a hospital in the city of Sao Paulo) and the auditory perception judgment of the vocal quality was represented by samples previously evaluated by active judges in clinic activity. The samples were explored as for the frequency of the first three formants (F1, F2 and F3). The values were considered as for their quality (compared to the data of auditory perception analysis) and their quantity (Qui-square test) RESULTS: the more frequent adjustments of vocal quality were low larynx, closed jaw, lip rounding, lowered tongue body, retracted tongue body, labiodentalization. Statistically meaningful differences were found for the frequency value of F1 for the syllables "cata" (864 Hz) and "gata" (814Hz), p=0 and F3 for the syllables "cata" (2598 Hz) and "gata"(2660 Hz), p=0.17 for the subjects of the group studied with relation to the values of reference for Portuguese-Brazilian language. CONCLUSION: the identified adjustments of vocal quality met correspondence with the reducing of values of F1 and F3 indicating trends for vocal treat adjustments.

Voice Disorders; Auditory Perception; Speech Acoustics; Speech Production Measurement; Voice Quality


VOZ

ARTIGO ORIGINAL

Correlatos perceptivos e acústicos dos ajustes supraglóticos na disfonia

Perceptive and acoustic correlates of supraglottis adjustments in dysfonia

Aline MagriI; Sabrina Cukier-BlajII; Delmira de Fraga e KarmanIII; Zuleica Antonia de CamargoIV

IFonoaudióloga do Instituto de Comunicação e Voz Profissional – Hospital Paulista; Especialista em Voz pelo CEFAC – Saúde e Educação

IIFonoaudióloga; Especialista em Voz; Mestre em Lingüística Aplicada aos Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Pós-graduação no Departamento de Otorrinolaringologia e Cabeça e Pescoço da Universidade de Columbia, USA

IIIFonoaudióloga clínica do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo

IVFonoaudióloga; Professora Assistente-Doutora do Departamento de Lingüística da Faculdade de Comunicação e Filosofia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; Doutora em Lingüística Aplicada a Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Santa Gertrudes, 282 ap. 102 São Paulo – SP CEP: 03408-020 Tel: (11) 61973250 / 73340525 Fax: (11) 61413966 E-mail: licamagri@hotmail.com

RESUMO

OBJETIVO: avaliar os correlatos perceptivo-auditivos (ajustes supraglóticos) e acústicos (formantes) da qualidade vocal de indivíduos disfônicos com alterações glóticas, atendidos em ambulatório de fonoaudiologia de uma instituição hospitalar da cidade de São Paulo.

MÉTODOS: o grupo estudado foi representado por amostras de voz de 20 indivíduos disfônicos com idades variadas entre 30 e 65 anos do sexo feminino (atendidos em um hospital da cidade de São Paulo) e julgamentos perceptivo-auditivos da qualidade vocal por amostras avaliadas previamente por um grupo de juízes em atividade clínica. As amostras foram exploradas quanto à freqüência dos três primeiros formantes (F1, F2 e F3). Os valores foram considerados de forma qualitativa (comparados aos dados da análise perceptivo-auditiva) e quantitativa (teste Qui-quadrado).

RESULTADOS: os ajustes de qualidade vocal mais freqüentes foram laringe baixa, mandíbula fechada, lábios arredondados, corpo de língua abaixado, corpo de língua retraído, labiodentalização. Diferenças estatisticamente significantes foram encontradas para os valores de freqüência de F1 para os vocábulos "cata" (864 Hz) e "gata" (814 Hz), p=0 e F3 para os vocábulos "cata" (2598 Hz) e "gata" (2660 Hz), p=0,17 dos indivíduos do grupo estudado em relação aos valores de referência para o Português-Brasileiro.

CONCLUSÃO: os ajustes de qualidade vocal identificados encontraram correspondência com a diminuição dos valores de F1 e F3 indicando tendências de ajustes do trato vocal.

Descritores: Distúrbios da Voz; Percepção Auditiva; Acústica da Fala; Medida da Produção da Fala; Qualidade da Voz

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate auditory perception (supraglottic adjustments) and acoustic (formants) of vocal quality in dysphonic individuals with glotic disorders, attended in a clinic a hospital in the city of São Paulo.

METHODS: the studied was represented by voice samples taken form from 20 dysphonic people aged between 30 and 65 of the female gender (attended in a hospital in the city of Sao Paulo) and the auditory perception judgment of the vocal quality was represented by samples previously evaluated by active judges in clinic activity. The samples were explored as for the frequency of the first three formants (F1, F2 and F3). The values were considered as for their quality (compared to the data of auditory perception analysis) and their quantity (Qui-square test)

RESULTS: the more frequent adjustments of vocal quality were low larynx, closed jaw, lip rounding, lowered tongue body, retracted tongue body, labiodentalization. Statistically meaningful differences were found for the frequency value of F1 for the syllables "cata" (864 Hz) and "gata" (814Hz), p=0 and F3 for the syllables "cata" (2598 Hz) and "gata"(2660 Hz), p=0.17 for the subjects of the group studied with relation to the values of reference for Portuguese-Brazilian language.

CONCLUSION: the identified adjustments of vocal quality met correspondence with the reducing of values of F1 and F3 indicating trends for vocal treat adjustments.

Keywords: Voice Disorders; Auditory Perception; Speech Acoustics; Speech Production Measurement; Voice Quality

INTRODUÇÃO

A qualidade vocal é uma característica individual do falante, a qual engloba ações simultâneas, tanto da esfera glótica, quanto supraglótica do trato vocal e pode ser descrita por meio da correspondência entre informações das análises acústica e perceptivo-auditiva do sinal vocal 1.

O enfoque dos ajustes supraglóticos na emissão sonora remete à teoria acústica da produção da fala, especialmente ao modelo fonte-filtro, no qual o sinal de fala é tido como resultado de um processo que contempla a fonte de energia acústica e a modificação do estímulo gerado na fonte de energia por um sistema de filtros situado acima da glote até os lábios 2.

Nessa concepção, o termo fonte de energia acústica é entendido como a transformação do ar que sai dos pulmões e passa pelas pregas vocais, graças aos movimentos dos músculos laríngeos intrínsecos adutores e tensores transformando-o em estímulo sonoro. A fonte sonora nas pregas vocais é capaz de produzir infinitos ciclos de ondas complexas que são direcionadas para o trato vocal supraglótico 3-6.

O trato vocal supraglótico, por possuir elementos absorventes, moles e não rígidos, atua como um filtro ressoador, o qual amortece ou reforça algumas freqüências das ondas, caracterizando assim o efeito de ressonância, que por sua vez depende do comprimento de onda, amplitude e freqüência de oscilações. As freqüências do sinal sonoro produzido na glote que são reforçadas na região supraglótica são designadas formantes. A extensão total do trato vocal supraglótico, bem como as áreas das cavidades supraglóticas são determinantes de tais medidas. O alongamento do trato vocal diminuiria a freqüência de todos os formantes e, ao contrário, a sua diminuição aumentaria a freqüência de todos os formantes 3-6. O efeito da área das cavidades, por sua vez, é distinto para cada formante e será discutido mais adiante.

As freqüências dos formantes dependem do máximo de energia que é absorvida e irradiada. Além disso, são correlatos da postura articulatória do trato vocal e uma das medidas acústicas básicas descritas. As características de ressonância no modelo fonte-filtro foram descritas a partir de uma vogal oral, aberta e neutra e cada vogal pode ser considerada uma resposta de ressonância do trato vocal supraglótico modificada em relação à vogal neutra 3,5,7,8.

As freqüências dos três primeiros formantes oferecem a identidade fonética da vogal, especialmente a dos dois primeiros. A freqüência do primeiro formante (F1) está relacionada com o deslocamento da língua no plano vertical, ou seja, variação com a altura da língua e com a abertura de mandíbula. A freqüência do segundo formante (F2) relaciona-se com o deslocamento da língua no plano horizontal, ou seja, ao seu grau de variação no sentido ântero-posterior. O terceiro formante (F3) está relacionado com as duas cavidades estabelecidas pela posição da língua, ou seja, à cavidade atrás da constrição da língua e aquela à frente. O quarto formante (F4) relaciona-se ao formato da laringe e da faringe na mesma altura 5-13.

No campo dos estudos da qualidade vocal destaca-se a descrição de um modelo teórico com forte embasamento fonético, concebendo-a como resultado de fatores intrínsecos e extrínsecos. O primeiro grupo de fatores descritos refere-se às características da anatomia do aparelho fonador próprio do falante, enquanto o segundo refere-se ao grupo de ajustes musculares de longo termo do aparelho fonador intrínseco 14,15.

Os ajustes extrínsecos são conhecidos como settings, que se referem aos traços recorrentes na posição do trato vocal, conseqüentes a ajuste (s) muscular (es) de longa duração, os quais constituem a unidade analítica do modelo em questão e passarão a ser mencionados como ajustes 15.

As descrições dos ajustes supralaríngeos envolvem a dimensão vertical do trato (longitudinais) e de diâmetro (transversais), ou seja, posição de língua, lábios, mandíbula, dentes e palato mole. Os ajustes laríngeos, por sua vez, são descritos a partir de um ajuste neutro (modal) e são compostos por três categorias básicas e suas combinações (falsete, cochicho e vocal fry, voz soprosa, voz crepitante e voz áspera) 14-17.

O referido modelo inspirou a elaboração de um roteiro de avaliação vocal para uso em rotina clínica, conhecido originalmente como Voice Profile Anlsysis Scheme (VPAS), o qual explora as habilidades perceptivo-auditivas de fonoaudiólogos e outros ouvintes em diferenciar efeitos de ajustes laríngeos e supralaríngeos na qualidade vocal 15.

O objetivo desta pesquisa foi avaliar os correlatos perceptivo-auditivos (ajustes supraglóticos) e acústicos (formantes) da qualidade vocal de indivíduos disfônicos com alterações glóticas, atendidos em uma instituição hospitalar da cidade de São Paulo.

MÉTODOS

O grupo estudado foi composto por 20 indivíduos do sexo feminino com diagnóstico de disfonia orgânica ou organo-funcional e idades variadas entre 32 e 63 anos, participantes do Programa de Voz do Setor de Fonoaudiologia de uma instituição hospitalar da cidade de São Paulo, referidos em ordem numérica (S1 a S20).

Os critérios de inclusão referiram-se à condição de estar em acompanhamento no Programa de Voz da instituição por disfonia funcional ou orgânico-funcional. Os critérios de exclusão incluíram a associação de distúrbios de esfera neurogênica ou oncológica.

Cada indivíduo avaliado foi submetido a uma sessão de gravação de amostras de fala, de forma que os estímulos foram registrados por meio de duas repetições de cada uma das sentenças-veículo ("Digo cata baixinho" e "Digo gata baixinho"), das quais foram selecionados trechos da vogal [a] inserida na sílaba do vocábulo central de cada enunciado, num total de dez valores de formantes extraídos por cada emissão dos falantes avaliados.

A coleta das amostras deu-se com os indivíduos sentados, com o microfone da marca Shure, modelo SM7, unidirecional mantido a uma distância de 10 cm dos lábios. Os estímulos captados pelo microfone foram digitalizados pelo software Sound Forge 6.0, em extensão.wav, 22050 Hz de freqüência de amostragem. A sessão de gravação foi realizada no Laboratório de Rádio da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). As amostras de fala (vogais) foram editadas e analisadas no software de análise acústica Praat a partir das representações de espectrograma de banda larga e da extração de medidas de freqüência (em Hz) dos três primeiros formantes (F1, F2 e F3).

Para a extração automática dos valores das freqüências dos formantes foi utilizado um script (ferramenta que extrai automaticamente os estímulos de forma padronizada) elaborado com o intuito de gerar tabelas com valores de freqüência formântica em um ponto de um arquivo de som selecionado manualmente. O script foi rodado a partir da janela de objetos do referido software, no ponto central da emissão da vogal da sílaba tônica "cata" e "gata" (período estacionário da emissão vocálica).

Foram extraídos 10 valores de freqüência de F1, F2 e F3 da vogal [a] em posição acentuada para cada contexto ("cata" e "gata"), em duas repetições da extração do script para as cinco emissões de cada vocábulo "cata" e "gata".

As amostras foram previamente editadas e em seguida, submetidas três vezes ao mesmo script para confirmação dos valores obtidos.

Foram adotados os valores de referência para freqüência de F1 (906 Hz), F2 (1529 Hz) e F3 (2742 Hz) do Português-Brasileiro (PB), resultantes da média de um grupo controle composto por cinco indivíduos do sexo feminino para as amostras de fala 7.

Dos mesmos falantes, foram utilizados os registros dos julgamentos perceptivo-auditivos da qualidade vocal, no que se refere à caracterização da combinação de ajustes nas esferas laríngeas e supralaríngeas pelo roteiro VPAS 6 por um grupo de juízes em atividade clínica (dois estudantes de graduação, um foneticista e um fonoaudiólogo especialista em voz). Os dados apresentados referem-se ao consenso dos avaliadores.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo sob o número 13-2003, com referendo da Comissão de Ética da Faculdade de Fonoaudiologia da PUC-SP sob o número 257-03.

Os resultados foram analisados de forma qualitativa, quanto à análise perceptivo-auditiva da qualidade vocal (VPAS) e quantitativa para medidas da freqüência de formantes (F1, F2 e F3) por meio do teste Qui-quadrado (p<00,5), com o auxílio do programa SPSS 11 for Windows e SPAD.

RESULTADOS

Os resultados são apresentados quanto aos julgamentos perceptivo-auditivos da qualidade vocal dos indivíduos S1 a S20 pelo roteiro VPAS nas Figuras 1 e 2 e quanto aos valores das médias da freqüência dos formantes (F1, F2 e F3) em Hz, desvio padrão (DP) e análise de variância (p-valor) na Tabela 1.



Nas Figuras 1 e 2 pode-se identificar grande número de ajustes da região supraglótica do trato vocal (laringe, mandíbula, ponta e corpo de língua), os quais combinaram-se com vários graus de alteração da produção do sinal glótico (escape de ar e voz áspera).

Os valores de freqüência de formantes (Tabela 1) extraídos revelam a associação a variados graus de atividade supraglótica revelados pelo roteiro VPAS (Figuras 1 e 2).

Diferenças estatisticamente significantes foram encontradas para os valores (diminuição) de freqüência de F1 para os vocábulos "cata" (864 Hz) e "gata" (814 Hz), p=0 e F3 para os vocábulos "cata" (2598 Hz) e "gata" (2660 Hz), p=0,17 dos indivíduos do grupo estudado em relação aos valores de referência para o Português-Brasileiro

DISCUSSÃO

Foram identificados vários ajustes na esfera supraglótica (laringe baixa, mandíbula fechada, lábios arredondados, corpo de língua abaixado, corpo de língua retraído, labiodentalização), os quais foram mais freqüentes na vigência de ajustes fonatórios de voz crepitante, voz áspera, falsete e escape de ar. Os valores de freqüência dos formantes (F1, F2 e F3) revelaram importante correspondência com os ajustes supralaríngeos da qualidade vocal de indivíduos disfônicos.

A freqüência do primeiro formante (F1) está relacionada com o deslocamento da língua no plano vertical, ou seja, variação com a altura da língua e com a abertura de mandíbula. A elevação de língua tem relação direta com aumento da cavidade posterior e o abaixamento com a menor cavidade. A relação de aumento da freqüência de F1 com abertura de mandíbula é proporcional ao aumento de abertura 5-13. No grupo estudado, foi possível observar esta tendência, como por exemplo, o sujeito que apresentou ajuste de corpo de língua elevado, revelou diminuição do valor da freqüência de F1 comparado ao valor referência (S19).

A freqüência do segundo formante (F2) relaciona-se com o deslocamento da língua no plano horizontal, ou seja, ao grau de variação da posição no sentido ântero-posterior 5-13. Diante dos resultados dos sujeitos estudados, foi possível observar que todos os indivíduos que apresentaram ajuste de ponta de língua avançada revelaram um aumento do valor da freqüência de F2 (S7 e S9), enquanto o indivíduo que apresentou ajuste de corpo de língua retraído obteve a diminuição do valor de F2 (S19). Já os indivíduos que apresentaram ajuste de mandíbula fechada apresentaram valores de F2 aumentados (S2, S4, S10, S11, S12, S15 e S18).

A freqüência do terceiro formante (F3) está relacionada com as duas cavidades estabelecidas pela posição da língua, ou seja, à cavidade atrás da constrição da língua e aquela à frente. Um bom exemplo pode ser demonstrado pelo S19, o qual obteve diminuição de todos os valores de freqüência e apresentou ajustes de laringe baixa, corpo de língua retraído e elevado. Tais ajustes proporcionam aumento da cavidade anterior e posterior. A freqüência de F3 pode ser influenciada também por ajuste de lábios, laringe e faringe, sendo que há uma tendência em diminuição com ajuste de labiodentalização e arredondamento labial e aumento com constrição próxima a faringe 5-13. Os indivíduos com ajuste de mandíbula fechada (S2, S4, S10, S11, S12, S14, S15, S16 e S18), labiodentalização (S6, S11 e S20) e alguns com ajuste de lábios arredondados (S1, S9, S10 e S14) apresentaram diminuição do valor da freqüência de F3. O indivíduo com ajuste de constrição faríngea apresentou um aumento da freqüência de F3 (S8).

Nos casos em que os valores de freqüência dos formantes estiveram incompatíveis entre si em relação ao valor referência, como por exemplo, S7 para F1, foi possível observar nos espectrogramas de banda larga indício de irregularidade vibratória (aperiodicidade, adição de componentes de ruído com aumento progressivo em direção a freqüências agudas e descontinuidade das barras dos formantes). Tais condições limitam a precisa demarcação dos picos de ressonância, especialmente do extrator automático.

A correspondência da análise acústica e perceptivo-auditiva destacou a importância dos ajustes supralaríngeos na qualidade vocal de indivíduos com disfonias orgânicas ou organo-funcionais, uma vez que o aparelho fonador é capaz de realizar movimentos compensatórios que podem interferir na avaliação e reabilitação do quadro apresentado.

Tais dados apresentados sugerem que a esfera supralaríngea representa uma importante dimensão de produção vocal, de forma que sua caracterização deve ser aprimorada na avaliação fonoaudiológica, pois deve interferir no planejamento terapêutico.

CONCLUSÃO

Os ajustes supraglóticos da qualidade vocal mais freqüentes na população estudada referiram-se a laringe baixa, mandíbula fechada, lábios arredondados, corpo de língua abaixado, corpo de língua retraído e labiodentalização. Tais ajustes apresentaram correspondência aos valores de freqüência dos formantes de F1 e F3 com diferenças estatisticamente significantes (diminuição) em relação aos valores de referência para o Português-Brasileiro.

Recebido em: 16/10/2007

Aceito em: 05/11/2007

Trabalho de conclusão de Curso desenvolvido no Laboratório Integrado de Análise Acústica e Cognição (LIAAC) e Faculdade de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      05 Nov 2007
    • Recebido
      16 Out 2007
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