Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos neurofisiológicos da musculatura facial visando a reabilitação na paralisia facial

Neurophysiologic aspects of the facial musculature aiming at rehabilitation of Facial Paralysis

Resumos

OBJETIVO: revisão teórica dos aspectos e particularidades neurofisiológicas relevantes da musculatura orofacial, visando a reabilitação na paralisia facial periférica. MÉTODOS: revisão da literatura sobre neuro-anatomofisiologia da musculatura orofacial mediante pesquisa dos artigos dos periódicos nacionais e internacionais e nos livros científicos sobre o tema, no período entre 1995 a 2005. RESULTADOS: foram revistas 50 referências neste trabalho. Destas, 20 sobre neurofisiologia, 14 sobre neuroanatomia. As demais sobre fonoaudiologia e paralisia facial. Os artigos de neurofisiologia e neuroanatomia estudados foram divididos em três grupos: I - Aspectos do complexo neuromuscular; II - Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face e III - Denervação e atrofia muscular. CONCLUSÃO: a partir dos achados, procurou-se sistematizar didaticamente as particularidades da neuro-anatomofisiologia, cujo conhecimento, na impressão dos autores, são relevantes para o sucesso na reabilitação da paralisia facial.

Paralisia Facial; Neurofisiologia; Nervo Facial; Atrofia Muscular; Denervação


PURPOSE: theoretical review on the neurophysiologic aspects of the orofacial musculature, aiming at the rehabilitation of peripheral facial paralysis. METHODS: review of the literature on neuroanatomicophysiology of orofacial musculature by means of researching articles of national and international journals and in scientific books about the theme, in the period between 1995 and 2005. RESULTS: we have reviewed 50 references all along this work. Out of them, 20 on neurophysiology, and 14 on neuroanatomy. The others were on speech therapy and facial paralysis. The studied articles were divided in three groups: I. Aspects of the neuromuscular compound; II. Morphologic and histochemical characteristics of the face muscles and III. Denervation and muscular atrophy. CONCLUSION: from the findings, we managed to didactically systematize the particularities of the neuroanatomicophysiology, whose knowledge, under the author's point of view, is relevant for the success of the rehabilitation of facial paralysis.

Facial Paralysis; Neurophysiology; Facial Nerve; Muscular Atrophy; Denervation


MOTRICIDADE OROFACIAL

ARTIGO DE REVISÃO

Aspectos neurofisiológicos da musculatura facial visando a reabilitação na paralisia facial

Neurophysiologic aspects of the facial musculature aiming at rehabilitation of Facial Paralysis

Adriana TessitoreI; Leopoldo Nisan PfelstickerII; Jorge Rizzato PaschoalIII

IFonoaudióloga; Mestre e Doutoranda em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas

IIMédico Otorrinolaringologista do Ambulatório da Base do Crânio e Paralisia Facial da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas

IIIMédico Otorrinolaringologista; Chefe do Ambulatório da Base do Crânio e Paralisia Facial da Disciplina de Otorrinolaringologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rua Boaventura do Amaral, 736 – ap. 91 Campinas – SP CEP: 13015-191 Tel: (19) 32540342 / (19) 97918912 Fax: (19) 33441006 E-mail: adria@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: revisão teórica dos aspectos e particularidades neurofisiológicas relevantes da musculatura orofacial, visando a reabilitação na paralisia facial periférica.

MÉTODOS: revisão da literatura sobre neuro-anatomofisiologia da musculatura orofacial mediante pesquisa dos artigos dos periódicos nacionais e internacionais e nos livros científicos sobre o tema, no período entre 1995 a 2005.

RESULTADOS: foram revistas 50 referências neste trabalho. Destas, 20 sobre neurofisiologia, 14 sobre neuroanatomia. As demais sobre fonoaudiologia e paralisia facial. Os artigos de neurofisiologia e neuroanatomia estudados foram divididos em três grupos: I – Aspectos do complexo neuromuscular; II – Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face e III – Denervação e atrofia muscular.

CONCLUSÃO: a partir dos achados, procurou-se sistematizar didaticamente as particularidades da neuro-anatomofisiologia, cujo conhecimento, na impressão dos autores, são relevantes para o sucesso na reabilitação da paralisia facial.

Descritores: Paralisia Facial; Neurofisiologia; Nervo Facial; Atrofia Muscular; Denervação

ABSTRACT

PURPOSE: theoretical review on the neurophysiologic aspects of the orofacial musculature, aiming at the rehabilitation of peripheral facial paralysis.

METHODS: review of the literature on neuroanatomicophysiology of orofacial musculature by means of researching articles of national and international journals and in scientific books about the theme, in the period between 1995 and 2005.

RESULTS: we have reviewed 50 references all along this work. Out of them, 20 on neurophysiology, and 14 on neuroanatomy. The others were on speech therapy and facial paralysis. The studied articles were divided in three groups: I. Aspects of the neuromuscular compound; II. Morphologic and histochemical characteristics of the face muscles and III. Denervation and muscular atrophy.

CONCLUSION: from the findings, we managed to didactically systematize the particularities of the neuroanatomicophysiology, whose knowledge, under the author's point of view, is relevant for the success of the rehabilitation of facial paralysis.

Keywords: Facial Paralysis; Neurophysiology; Facial Nerve; Muscular Atrophy; Denervation

INTRODUÇÃO

Na paralisia facial (PF) ocorrem comprometimentos de ordens estética e funcional dos músculos faciais com repercussão emocional marcante. Dentre as causas da PF, além das idiopáticas, destacam-se o trauma, o tumor e a infecção 1-3.

A PF tem sido progressivamente, objeto de estudo dos fonoaudiólogos que trabalham com motricidade e reabilitação orofacial. A terapia visa às reabilitações da fala, mastigação, deglutição, sucção e expressividade facial 4-9.

A ausência de movimentos nos músculos da face acarreta desfiguração e comprometimento da expressão facial, fundamental no processo de comunicação humana (mímica facial). A fala é dificultada pelo desvio do filtro naso-labial e pela articulação inadequada dos fonemas labiodentais e bilabiais, pelo comprometimento do músculo bucinador 10,11.

A redução da força na oclusão labial implica em diminuição da pressão intra-oral, não retenção de líquido na cavidade oral e estase de alimentos no vestíbulo, no lado paralisado, configurando comprometimento das funções estomatognáticas. Eventualmente, os pacientes engasgam e podem ter dificuldade para deglutir alimentos sólidos em função da diminuição salivar e da paralisia nos músculos estilo-hióideo e ventre posterior do digástrico, ambos inervados pelo nervo facial 12, 13.

A paralisia do movimento palpebral inferior gera grande desconforto ocular no lado comprometido, podendo assumir características dramáticas como úlcera de córnea, desconforto e dor decorrentes da exposição prolongada da córnea 14.

O atendimento dos pacientes com PF deve ser feito por equipe multidisciplinar envolvendo médicos otorrinolaringologista e neurocirurgião, fonoaudiólogo e, ocasionalmente, psicólogo.

O tratamento pode ser medicamentoso apenas ou associado à terapia de reabilitação ou ainda medicamentoso e cirúrgico seguido da reabilitação orofacial.

A literatura relacionada à reabilitação orofacial na PF ainda é restrita. O conhecimento básico da neurofisiologia muscular permite compreender mais os fenômenos de denervação e atrofia. Esse conhecimento é importante para definir as técnicas de atuação e, eventualmente, para desenvolver novas estratégias de atuação na reabilitação facial. O objetivo deste trabalho foi revisar a literatura concernente à neuro-anátomo-fisiologia da musculatura orofacial, visando a reabilitação na paralisia facial periférica.

MÉTODOS

Foi realizada pesquisa bibliográfica nos periódicos nacionais e internacionais e em livros, selecionando, segundo a impressão dos autores, as informações de maior relevância para os objetivos propostos.

A base de dados foi a Bireme (biblioteca virtual) com consulta no Medline, Lilacs e Pubmed, sendo pesquisados os textos publicados no período entre 1995 a 2005.

Os artigos estudados de neuofisiologia e neuroanatomia foram divididos em três grupos:

I. Aspectos do complexo neuromuscular

II. Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face.

III. Denervação e atrofia muscular

Critérios de inclusão:

– Capítulos e artigos sobre reabilitação fonoaudiológica das paralisias faciais.

– Textos sobre neuroanatomofisiologia da musculatura orofacial

Critérios de exclusão:

– Textos sobre reabilitação das PF por outras abordagens que não a fonoaudiológica.

RESULTADOS

Dentre os capítulos e artigos estudados, foram selecionadas 50 referências. Destas, 20 sobre neurofisiologia, 14 sobre neuroanatomia e 16 sobre reabilitação nas paralisias faciais, sendo consideradas as de importância na fonoaudiologia.

Os trabalhos citados neste artigo de neurofisiologia e neuroanatomia estão dispostos didaticamente segundo três aspectos relevantes:

I. Aspectos do complexo neuromuscular

II. Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face.

III. Denervação e atrofia muscular

I. Aspectos do complexo neuromuscular

1. Estrutura do músculo esquelético

A unidade funcional do músculo esquelético, estriado, é o sarcômero, que é composto de filamentos espessos e finos. Os sarcômeros em série formam as miofibrilas, cujo conjunto em paralelo forma a célula muscular (Figura 1). Os filamentos são constituídos de proteínas 15:

1. Filamentos espessos – miosina,

2. Filamentos finos – actina, tropomiosina e troponina.


A miosina e a actina promovem a contração muscular. A troponina e a tropomiosina são proteínas reguladoras que, mediante bloqueio de sítios ativos presentes na molécula de actina, impedem a interação actina-miosina no músculo em repouso 15.

Existem três tipos de fibras musculares esqueléticas referidas como A, B e C, porém no presente trabalho utilizou-se a denominação de fibras tipo I, II e III respectivamente:

– Tipo I: grande diâmetro, baixo teor de mioglobina e coloração pálida. Caracteristicamente apresenta baixa resistência à fadiga e participa das grandes unidades motoras.

– Tipo II: diâmetro intermediário entre o da fibra I e o da fibra III, alto teor de mioglobina e coloração vermelha. São fibras de resposta rápida, resistentes à fadiga.

– Tipo III: diâmetro pequeno e grande conteúdo de mioglobina. Compõe unidades motoras pequenas, de resposta lenta, sendo resistente à fadiga 16.

Segundo o mesmo autor 16 a maior parte dos músculos faciais contém os três tipos de fibras, em proporções diferentes.

A variação, a força e o tipo de movimentos musculares são determinados pelas diferenças na interação das unidades motoras. As informações sobre a funcionalidade dessas unidades são obtidas através da eletromiografia (EMG) e as informações da condução nervosa (elétrica) do nervo periférico são obtidas através da eletroneuromiografia (ENMG) 17.

2. Junção Neuromuscular

A unidade funcional motora do sistema nervoso é chamada motoneurônio. O estímulo elétrico proveniente do mesmo é necessário para desencadear a contração da fibra muscular esquelética. Esse estímulo passa através de um complexo denominado junção neuromuscular, formado pelo motoneurônio e pela célula muscular. Sob esses estímulos, ocorrem modificações na difusão de cálcio no citoplasma da célula muscular. Os eventos subseqüentes decorrem da excitação da membrana sarcoplasmática e conseqüente contração da fibra muscular 18. Além do cálcio, o sódio e a acetilcolina participam do fenômeno de contração muscular 19.

3. Unidade motora / placa motora

Quando o axônio de um motoneurônio chega a um músculo divide-se em terminais de número variável, cada qual terminando numa só fibra muscular. Esse conjunto é denominado unidade motora. A unidade motora constitui a via final comum e funcional de toda a atividade motora (Figura 2). A unidade motora é o componente básico da atividade muscular e refere-se ao conjunto do corpo celular do motoneurônio e das fibras musculares esqueléticas inervadas pelo mesmo 20.


O local exato de intersecção do terminal nervoso com a célula muscular é chamado placa motora. Portanto, a unidade motora é constituída de várias placas motoras.

O impulso nervoso produz um potencial na placa motora da fibra muscular. Ao atingir o limiar do mesmo, desencadeia um potencial de ação que se propaga ao longo da fibra, provocando a contração muscular 21.

A capacidade do músculo em executar uma função determinada deve-se à soma das capacidades das unidades motoras que o compõem. Quanto menor a fibra muscular, menor a quantidade de unidades motoras. Músculos com pequena quantidade de unidades motoras são específicos para movimentos finos e delicados, como na musculatura facial. Aqueles com grande quantidade de unidades motoras respondem pelos grandes esforços musculares 22.

II. Características morfológicas e histoquímicas dos músculos da face

Os músculos da face caracterizam-se por manter conexões íntimas com a pele, à qual se inserem diretamente por meio de feixes isolados. Não existem tendões como na musculatura esquelética. Suas fibras são planas, finas e mal delimitadas. A maioria é desprovida de aponeurose e é dependente, como nos demais músculos esqueléticos, dos neurotransmissores liberados na junção neuromuscular. Essas características anatômicas particulares determinam suas peculiaridades funcionais 23.

As fibras dos músculos faciais têm características particulares quanto à distribuição das placas motoras. Três padrões de distribuição foram descritos 24:

1)Áreas pequenas, numerosas, providas de placas motoras;

2)Uma área de placas motoras predominante, associada a duas ou três outras espalhadas sem padrão de distribuição;

3)Duas a quatro áreas de placa motoras distribuídas padronizadamente.

Nos pequenos músculos do complexo orofacial, apenas oito a dez feixes de fibras participam de cada unidade motora, garantindo um mecanismo diferenciado que reponde pela precisão do movimento muscular 25.

Na boca, o músculo orbicular é constritor, enquanto todos os demais são dilatadores (músculo levantador do lábio superior, levantador comum do lábio superior e da asa do nariz, levantador do ângulo da boca, zigomático menor, zigomático maior, risório, bucinador, abaixador do ângulo da boca, abaixador do lábio inferior, mentual e platisma). Todos os músculos faciais são inervados pelo nervo facial (NF), exceto o músculo levantador da pálpebra superior, inervado pelo nervo óculo-motor 26,27.

O diâmetro das fibras dos músculos faciais, quando comparado ao restante da musculatura esquelética, é significativamente menor. Varia de 20 a 24 micrômeros (milésima parte do milímetro) e de 41 a 45 micrômeros 28.

Técnicas histoquímicas, que permitem estudo do tipo da fibra muscular, mostraram três grupos distintos de músculos da mímica facial, segundo a proporção de fibras:

1) Músculos fásicos: apresentam pequena concentração de mioglobina, têm grande potência e velocidade de contração e entram em fadiga rapidamente. Têm 14 a 15% de fibras tipo I;

2) Músculos intermediários: apresentam dois tipos de fibras musculares, fásicas e tônicas, com 28 a 37% de fibras tipo I;

3) Músculos tônicos: são também chamados de vermelhos, devido ao grande teor de mioglobina. São resistentes à fadiga e contém de 41 a 67% de fibras tipo I 29.

As fibras musculares tipo I, isoladamente, são encontradas em três grupos musculares: orbicular dos olhos (5%); zigomático, levantador dos lábios, levantador do ângulo labial, depressor do ângulo labial e platisma (27 a 38 %); occiptofrontal e bucinador (53 a 77 %). Enquanto o músculo bucinador é composto de mais de 53% de fibras tipo I, no músculo orbicular oral tem-se 71% de fibras tipo II. Necessidades funcionais específicas são mais importantes que a origem embriológica ou a inervação para a diferenciação muscular 30.

Diferenças específicas quanto à composição das fibras e de miosina caracterizam a especialização funcional do músculo humano, ao compararem-se músculos orofaciais com músculos esqueléticos de membros 31.

A velocidade da condução nervosa é maior na musculatura ocular quando comparada à orbicular da boca. Estudando a relação entre força e duração de contração desses músculos, identificam-se limiares menores no orbicular dos olhos. Observando, à microscopia eletrônica, que a área de sinapses secundárias na placa motora do orbicular dos olhos é maior que no orbicular da boca, concluíram que os músculos orbiculares dos olhos e da boca têm características anátomo-fisiológicas diferentes 32.

III. Denervação e atrofia muscular

Os impulsos tônicos intermitentes, na inervação normal, são suficientes para manter o músculo trófico, mesmo em repouso (tônus). As fibras musculares atrofiam completamente na ausência desses impulsos. A atrofia seria causada por alterações nutricionais no músculo denervado. Quando a inervação de um músculo é destruída, as fibras musculares degeneram-se e o músculo atrofia. O músculo estará reduzido a aproximadamente um quarto do volume normal no prazo de seis meses a dois anos. Suas fibras terão sido substituídas, em sua maioria, por tecido fibroso 33.

Ao contrário das fibras musculares faciais normais, ricas em placas motoras, neste estudo, não observaram junções neuromusculares em fibras de músculos denervados. No mesmo estudo, embora não tenham encontrado associação entre o grau de atrofia muscular e as durações da paralisia facial, mostraram que a quantidade de fibrose é maior quanto mais prolongado for o tempo de paralisia 34.

A placa motora degenera-se com a denervação. Uma pesquisa mostrou que a degradação progressiva dos receptores de acetilcolina inicia-se em 30 dias aproximadamente. A célula muscular sinaliza os locais onde sinapses são neoformadas, fora da região da placa motora original, mediante ação dos receptores de acetilcolina em sua membrana. Esses receptores difundem-se na célula e mantêm uma concentração constante de manutenção até a reinervação reverter o processo 35.

Estudos experimentais, nos músculos faciais de ratos, mostram incremento de pequena monta no número de fibras atróficas. Ocorre, então, fibrose e proliferação das células lipídicas, dificultando a distinção do tipo histológico da fibra muscular. Esse fenômeno ocorre em duas semanas após a denervação 36. Outro estudo, também no músculo orbicular dos olhos de ratos, demonstrou diminuição importante no número das placas motoras. Após a reinervação, ocorreu aumento de 50% no mesmo 37. Outro estudo observou que a reinervação muscular primária precoce assegurou tendência à normalização do diâmetro da fibra muscular 38.

Estudo sobre as mudanças histopatológicas no músculo facial denervado, mostraram que as funções vitais da fisiologia celular aumentaram nas primeiras duas semanas pós-denervação. O fenômeno prolongou-se até seis meses, sendo que o tipo histoquímico da miofibrila começou a modificar-se um mês após a denervação 39.

Os núcleos das células musculares de ratos foram estudados e revelou-se a diminuição numérica no animal jovem, cinco a 10 dias após a denervação. No rato adulto, ficou inalterado até 120 dias depois da denervação. Os resultados sugerem que a diferença de idade afeta o grau da diminuição dos núcleos musculares. Atrofia da fibra citoplasmática pode ocorrer sem diminuição numerária dos núcleos musculares 40. Investigando as mudanças estruturais da micro-vascularização nos músculos esqueléticos em desuso, verificaram que essas dependem do tempo de desuso, do grau de atrofia muscular, do tipo de músculo e de doenças musculares associadas, entre outros fatores. Esses autores acreditam na existência de relações importantes entre o fluxo sanguíneo e o tipo de parede vascular na formação da matriz extracelular ou da própria fibra muscular 41.

Os processos de atrofia da fibra muscular e de apoptose da musculatura esquelética denervada seriam diferentes no tempo e na forma de expressão. Portanto, diferentes fenômenos ocorrem no período pós-denervação. Músculos faciais denervados, em ratos, mostraram alto índice de fenômenos determinantes da apoptose celular. Quando reinervados precocemente voltaram rapidamente a índices próximos do normal 42.

Estudos sobre músculos faciais denervados por tempo prolongado mostraram que alterações protéicas facilitam a diferenciação celular das células satélites, com conseqüente melhora da paralisia facial 43.

Particularidades genéticas podem modificar suas funções potenciais durante a denervação e promover regeneração da fibra muscular 44.

Em estudo recente, demonstram que ocorre redução total das fibras musculares no envelhecimento. Há atrofia seletiva substancial das fibras musculares tipo II. De acordo com o autor, as fibras tipo II teriam capacidade de regeneração reduzida em comparação com as fibras tipo I. O envelhecimento provoca a diminuição numérica das unidades motoras na junção neuromuscular 45.

O prejuízo da função muscular no idoso está relacionado às modificações das proteínas musculares específicas 46. Biópsias dos músculos denervados, entre quatro e 24 meses, exibiram diferença na intensidade de atrofia da fibra muscular tipo II, entre ratos jovens e velhos 47.

Estudos sobre os efeitos dos alongamentos estáticos de pequena duração na morfologia dos músculos denervados e reinervados, concluíram que esse tipo de estímulo pode prevenir a atrofia das fibras musculares tipo I 48-50.

DISCUSSÃO

Na reabilitação orofacial, utilizam-se recursos como manobras de deslizamentos orofaciais passivos e solicitação da execução funcional. Isto é feito isometricamente para aumento da força muscular, ou isotonicamente para manutenção do tônus muscular e controle de movimento. As abordagens terapêuticas em geral são baseadas nestes recursos 4-9.

Para reabilitação na paralisia facial deve-se ter em mente as duas fases: flácida e de seqüelas. Conhecimentos das especificidades da musculatura orofacial são de importância fundamental.

Neste estudo, resgatou-se conhecimentos básicos sobre a neurofisiologia do fenômeno de contração até a atrofia. Denervação e envelhecimento das estruturas das fibras musculares foram outros aspectos destacados 15-20.

Os músculos faciais têm unidades motoras pequenas, com função de movimentos finos e delicados, que garantem a precisão funcional. Suas fibras musculares têm estruturas adaptadas ao tipo de contração muscular exigida. As características anátomo-fisiológicas de cada músculo facial, isoladamente, determinam a estratégia de reabilitação 25-27.

As características das fibras musculares e o potencial de resistência à fadiga muscular que os músculos orofaciais apresentam fazem refletir como se deve solicitar esta musculatura. Observou-se aqui que o músculo orbicular dos olhos atua com mais velocidade e tem menor resistência à fadiga quando comparado ao músculo orbicular dos lábios. Dessa forma, ao se trabalhar na reabilitação dos movimentos orofaciais, solicita-se mais a repetição rápida do orbicular dos olhos que a do orbicular da boca. A despeito de ser um músculo maior, este tem resistência à fadiga menor e maior força de contração. Quando são solicitados exercícios para o orbicular da boca, deve-se repetir menos e manter mais tempo de contração (isométrico) para se buscar o que músculo tem de melhor 30-32.

O músculo depende da fibra nervosa para suas funções. Por isso, a integridade da relação nervo-músculo e junção neuromuscular são fundamentais 18,19. Nos casos de paralisia, quanto mais precoce a reinervação, maiores as perspectivas de recuperação favorável 42.

A presença de fibras musculares faciais viáveis após 36 anos de denervação, embora extremamente atrofiadas, indicaria a possibilidade de reabilitação, em princípio, mesmo nos pacientes sob longo período de paralisia. O resultado, contudo, refere-se à manutenção da atividade neuromuscular mínima, que é o tônus muscular. Portanto, mesmo não existindo correlações clínica, eletromiográfica e morfológicas satisfatórias, o estudo detalhado de cada indivíduo com PF é essencial na decisão de eventual reabilitação 17,42,43.

No envelhecimento, as alterações musculares degenerativas fisiológicas são fatores prognósticos desfavoráveis na reabilitação do paciente idoso com PF.

Os dados, acima demonstrados, sem dúvidas, evocam questionamentos de estudos complementares: qual o efeito da terapia miofuncional nos fatores moleculares ligados à atrofia? A terapia miofuncional poderia interferir nos níveis das proteínas que protegem a célula muscular da apoptose? A terapia miofuncional poderia atuar nos níveis bioquímicos, fisiológico e ultramicroscópico, envolvidos no fenômeno de regeneração neuromuscular 39-50.

CONCLUSÃO

A partir dos achados, foi possível sistematizar didaticamente as particularidades da neuro-anatomofisiologia cujo conhecimento é relevante para o sucesso na reabilitação da paralisia facial.

Recebido em: 28/05/2007

Aceito em: 04/02/2008

  • 1.Esborrat LM. Parálisis facial (I Parte). Quirón. 2000; 31(1):18-35.
  • 2. Selesnick SH, Burt BM. Regional spread of nonneurogenic tumors to the skull base via the facial nerve. Otol Neurotol. 2003; 24(2):326-33.
  • 3. Alonso-Navarro H, Zurdo-Hernández JM, Ortí-Pareja M, Jiménez-Jiménez FJ. Familial recurring peripheral facial palsy. Rev Neurol. 2005; 40(1):61.
  • 4. Guedes ZCF. A atuação do fonoaudiólogo na equipe multidisciplinar de atendimento ao portador de paralisia facial periférica [doutorado]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 1994.
  • 5. Goffi-Gomez MVS, Vasconcelos LGE, Moraes MFBB. Trabalho miofuncional na paralisia facial. Arq Fund Otorrinol. 1999; 3(1):30-4.
  • 6. Fouquet ML. Atuação fonoaudiológica nas paralisias faciais. In: Barros APB, Arakawa L, Tonini MD, Carvalho VA, organizador. Fonoaudiologia em cancerologia. São Paulo: Fundação Oncocentro; 2000. p. 99-104.
  • 7. Altmann EBC, Vaz ACN. Paralisia facial: implicações da etiologia e das diferentes cirurgias. In: Comitê de Motricidade Orofacial da SBFa. Motricidade orofacial: como atuam os especialistas. São Paulo: Pulso; 2004. p. 187-98.
  • 8. Bernardes DFF, Goffi-Gomez MVS, Pirana S, Bento RF. Functional profile in patients with facial paralysis treated in a myofunctional approach. Pró-Fono. 2004; 16(2):151-8.
  • 9. Calais LL, Goffi-Gomez MVS, Bento, RF, Comerlatti LR. Avaliação funcional da mímica na paralisia facial central por acidente cerebrovascular. Pró-Fono. 2005; 17(2):213-22.
  • 10. Guedes ZCF. Atendimento fonoaudiológico das paralisias faciais no adulto e na criança. In: Lagrotta MGM, César CPHR. A fonoaudiologia nas instituições. São Paulo: Lovise; 1997. p. 163-7.
  • 11. Lazarini PR, Fernández AMF, Brasileiro VSB, Custódio SEV. Paralisia facial periférica por comprometimento do tronco cerebral: a propósito de um caso clínico. Rev Bras Otorrinolaringol. 2002; 68(1):140-4.
  • 12. Seçil Y, Aydogdu I, Ertekin C. Peripheral facial palsy and dysfunction of the oropharynx. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 2002; 72(3):391-3.
  • 13. Swart BJ, Verheij JC, Beurskens CH. Problems with eating and drinking in patients with unilateral peripheral facial paralysis. Dysphagia. 2003; 18(4):267-73.
  • 14. Valls-Solé J, Montero J. Movement disorders in patients with peripheral facial palsy. Mov Disord. 2003; 18(12):1424-35.
  • 15. Van Dijk J, Knight AE, Molloy JE, Chaussepied P. Characterization of three regulatory states of the striated muscle thin filament. J Mol Biol. 2002; 323(3): 475-89.
  • 16. Douglas CR. Fisiologia do músculo esquelético. In: Dougals CR, organizador. Fisiologia aplicada a fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2006. p. 34-47.
  • 17. Kimaid PA, Resende LA, Castro HA, Berzin F, Barreira AA. Blink reflex: comparison of latency measurements in different human races. Arq Neuropsiquiatr. 2002; 60(3-A):563-5.
  • 18. Sorrentino V, Gerli R. Structure and molecular organization of the sarcoplasmic reticulum of skeletal muscle fibers. Ital J Anat Embryol. 2003; 108(2):65-76.
  • 19. Ruff RL. Neurophysiology of the neuromuscular junction: overview. Ann N Y Acad Sci. 2003; 998:1-10.
  • 20. Douglas CR. Fisiologia do músculo esquelético e fisiologia do sistema estomatognático. In: Douglas CR, organizador. Tratado de fisiologia aplicada a fonoaudiologia. São Paulo: Robe; 2002. p. 67-80.
  • 21. Koenen M, Peter C, Villarroel A, Witzemann V, Sakmann B. Acetylcholine receptor channel subtype directs the innervation pattern of skeletal muscle. EMBO Rep. 2005; 6(6):570-6.
  • 22. Kondev L, Bhadelia RA, Douglass LM. Familial congenital facial palsy. Pediatr Neurol. 2004; 30(5):367-70.
  • 23. Martinez-Pena y Valenzuela I, Hume RI, Krejci E, Akaaboune M. In vivo regulation of acetylcholinesterase insertion at the neuromuscular junction. J Biol Chem. 2005; 280(36):31801-8.
  • 24. Happak W, Liu J, Burggasser G, Flowers A, Gruber H, Freilinger G. Human facial muscles: dimensions, motor endplate distribution, and presence of muscle fibers with multiple motor endplates. Anat Rec. 1997; 249(2):276-84.
  • 25. Castillo-Morales R. Neurofisiologia. In: Terapia de regulação orofacial. São Paulo: Mennom; 1999. p. 121.
  • 26. McMinn RMH, Hutchings RT, Logan BM. Head, neck and vertebral column. In: McMinn RMH, Hutchings RT, Logan BM. Human anatomy. London: Manson; 1998. p. 50-5.
  • 27. May M. The facial nerve. 2. ed. New York: May´s; 2000. p. 877.
  • 28. Freilinger G, Happak W, Burggasser G, Gruber H. Histochemical mapping and fiber size analysis of mimic muscles. Plast Reconstr Surg. 1990; 86(3):422-8.
  • 29. Fa Y, Gu X, Zhou S. Histochemical study and classification of facial muscles fibers. Zhonghua Zheng Xing Wai Ke Za Zhi. 2000; 16(4):233-5.
  • 30. Stal P, Eriksson PO, Eriksson A, Thornell LE. Enzyme-histochemical and morphological characteristics of muscle fibre types in the human buccinator and orbicularis oris. Arch Oral Biol. 1990; 35(6):449-58.
  • 31. Stal P, Erikisson PO, Thornell LE. Muscle-specific enzyme activity patterns of the capillary bed of human oro-facial, masticatory and limb muscles. Histochem Cell Biol. 1995; 104(1):47-54.
  • 32. Ren Z, Liu B, Ma X. Characteristic of facial muscle and efferent nerve on physiology and anatomy. Chin Med Sci J. 1997; 12(1):50-2.
  • 33. Kalliainen LK, Jejurikar SS, Liang LW, Urbanchek MG, Kuzon WM. A specific force deficit exists in skeletal muscle after partial denervation. Muscle Nerve. 2002; 25(1):31-8.
  • 34. Schwarting S, Schröder M, Stennert E, Goebel HH. Morphology of denervated human facial muscles. ORL J Otorhinolaryngol Relat Spec. 1984; 46(5):248-56.
  • 35. Salpeter MM. Neurobiology: the constant junction. Science. 1999; 286(5439):424-5.
  • 36. Tews DS, Goebel HH, Schneider I, Gunkel A, Stennert E, Neiss WF. DNA-fragmentation and expression of apoptosis-related proteins in experimentally denervated and reinnervated rat facial muscle. Neuropathol Appl Neurobiol. 1997; 23(2):141-9.
  • 37. Thanos PK, Terzis JK. Motor endplate analysis of the denervated and reinnervated orbicularis oculi muscle in the rat. J Reconstr Microsurg. 1995; 11(6):423-8.
  • 38. Keiner S, Asmussen G, Schulz R, Bootz F. Neuromuscular reinnervation of mimetic muscles: a histomorphologic study of the zygomatic muscle of the rabbit. HNO. 2000; 48(8):598-605.
  • 39. Xiao R, Yu G, Jia H. A successive study of histopathological changes in unilateral facial muscle denervation. Zhonghua Kou Qiang Yi Xue Za Zhi. 2001; 36(3):177-9.
  • 40. Wada KI, Takahashi H, Katsuta S, Soya H. No decrease in myonuclear number after long-term denervation in mature mice. Am J Physiol Cell Physiol. 2002; 283(2):C484-8.
  • 41. Tyml K, Mathieu-Costello O. Structural and functional changes in the microvasculature of disused skeletal muscle. Front Biosci. 2001; 6:D45-52.
  • 42. Borisov AB, Dedkov EI, Carlson BM. Interrelations of myogenic response, progressive atrophy of muscle fibers, and cell death in denervated skeletal muscle. Anat Rec. 2001; 264(2):203-18.
  • 43. Xiao R, Yu G, Jia H, Cai Z. The expression kinetics of myogenin in facial muscle denervation. Chin J Dent Res. 2000; 3(1):7-11.
  • 44. Tang H, Cheung WM, Ip FC, Ip NY. Identification and characterization of differentially expressed genes in denervated muscle. Mol Cell Neurosci. 2000; 16(2):127-40.
  • 45. Naguib M, Flood P, Mc Ardle JJ, Brenner HR. Advances in neurobiology of the neuromuscular junction: implications for the anesthesiologist. Anesthesiology. 2002; 96(1):202-31.
  • 46. Larsson L, Yu F, Höök P, Ramamurthy B, Marx JO, Arx JO, Pircher P. Effects of aging on regulation of muscle contraction at the motor unit, muscle cell, and molecular levels. Int J Sport Nutr Exerc Metab. 2001; 11(Suppl.):S28-43.
  • 47. Carlson BM, Borisov AB, Dedkov EI, Khalyfa A, Kostrominova TY, Macpherson PC, et al. Effects of long-term denervation on skeletal muscle in old rats. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2002; 57(10):B366-74.
  • 48. Diels HJ. Facial paralysis: is there a role for a therapist? Facial Plast Surg. 2000; 16(4):361-4.
  • 49. Sakakima H, Yoshida Y. Effects of short duration static stretching on the denervated and reinnervated soleus muscle morphology in the rat. Arch Phys Med Rehabil. 2003; 84(9):1339-42.
  • 50. Beurskens CH, Heymans PG. Positive effects of mime therapy on sequelae of facial paralysis: stiffness, lip mobility, and social and physical aspects of facial disability. Otol Neurotol. 2003; 24(4):677-81.
  • Endereço para correspondência:

    Rua Boaventura do Amaral, 736 – ap. 91
    Campinas – SP
    CEP: 13015-191
    Tel: (19) 32540342 / (19) 97918912
    Fax: (19) 33441006
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Abr 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2008

    Histórico

    • Aceito
      04 Fev 2008
    • Recebido
      28 Maio 2007
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br