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Bioética: esclarecimento e fonoaudiologia

Bioethics: clarification and speech language pathology

Resumos

OBJETIVOS: determinar o esclarecimento dos responsáveis sobre a terapia Fonoaudiológica realizada em suas crianças; verificar o auto-julgamento de participação destes na decisão sobre o tipo de terapia realizada em seu menor; e verificar a interferência do nível de escolaridade do responsável sobre o esclarecimento destes quanto à terapia fonoaudiológica realizada em suas crianças. MÉTODOS: a amostra constitui-se de 33 estagiários de Fonoaudiologia e 33 responsáveis por crianças entre dois e 12 anos de idade, atendidas no ambulatório de Fonoaudiologia, que foram abordados por meio de um formulário estruturado aplicado sob forma de entrevista. Para análise dos dados utilizou-se o teste do Qui-quadrado e o teste de Pearson, através do programa Minitab 13. RESULTADOS: observou-se que a maioria dos responsáveis (95%) descreveu ter participado na decisão da terapia fonoaudiológica de suas crianças. Entretanto, apenas 39,4% acertaram sobre o tratamento fonoaudiológico realizado. No que se refere à escolaridade verificou-se que o percentual de acertos foi maior para os indivíduos com segundo grau completo (60%) do que para indivíduos com primeiro grau incompleto (30%), entretanto, não foi possível observar diferenças estatisticamente significantes (p=0,36). CONCLUSÕES: a maioria dos responsáveis demonstrou não estar devidamente esclarecida quanto à terapia Fonoaudiológica realizada em seus menores, uma vez que relatou atitudes passivas frente ao processo de decisão, e, o esclarecimento desses responsáveis tendeu a ser maior para indivíduos com mais escolaridade.

Bioética; Consentimento Esclarecido; Autonomia Profissional


PURPOSE: to determine the clarification of the persons in charge for the children in speech language pathology attendance, to check the self-judgment of the person in charge for the decision on the type of treatment and the interference of the persons in charge scholar level on knowledge as for the therapy of their children. METHODS: a questionnaire was carried out under interview form with a pattern of 33 trainee and 33 persons in charge for children between 2 and 12-year-old, under treatment in the Clinic of Speech Language Pathologist of The Federal University of Minas Gerais. For analyzing the data we used Chi-Square test and Pearson test, through the program: Minitab 13. RESULTS: in 95% of the cases, the guardians considered participating in the decision-making regarding treatment; however, when questioned as for what treatment was being performed, only 39.4% answered correctly. The majority of the persons in charge (95%) related having participated in the child's treatment decision, however just 39,4% answered correctly on the treatment. The percentage of correct answers was more elevated for the individuals with complete high-school degree (60%), than individuals with incomplete elementary degree (30%), however its was not a significant statistic value (p=0.36). CONCLUSIONS: the major portion of the persons in charge do not have participation in decisions concerning the treatment carried out in their children, once that they related passive attitudes in front of this decision process and do not show knowledge on the treatment carried out with their children. The knowledge tends to be better for individuals with higher scholar level.

Bioethics; Informed Consent; Professional Autonomy


ARTIGO ORIGINAL

SAUDE COLETIVA

Bioética: esclarecimento e fonoaudiologia

Bioethics: clarification and speech language pathology

Isabel Teixeira NascimentoI; Letícia Caldas TeixeiraII; Patrícia Maria Pereira de Araújo ZarzarIII

IFonoaudióloga clínica; Mestranda em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG

IIPedagoga; Fonoaudióloga; Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG; Mestre em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais

IIIDentista; Professora Adjunta do Departamento de Odontopediatria e Ortodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG, Belo Horizonte, MG; Doutora em Odontopediatria pela Universidade de Pernambuco

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Isabel Teixeira Nascimento Rua Francisco Dias Teixeira, 101 Santa Luzia – MG CEP: 33030-350 E-mail: isabel.nascimento@gmail.com

RESUMO

OBJETIVOS: determinar o esclarecimento dos responsáveis sobre a terapia Fonoaudiológica realizada em suas crianças; verificar o auto-julgamento de participação destes na decisão sobre o tipo de terapia realizada em seu menor; e verificar a interferência do nível de escolaridade do responsável sobre o esclarecimento destes quanto à terapia fonoaudiológica realizada em suas crianças.

MÉTODOS: a amostra constitui-se de 33 estagiários de Fonoaudiologia e 33 responsáveis por crianças entre dois e 12 anos de idade, atendidas no ambulatório de Fonoaudiologia, que foram abordados por meio de um formulário estruturado aplicado sob forma de entrevista. Para análise dos dados utilizou-se o teste do Qui-quadrado e o teste de Pearson, através do programa Minitab 13.

RESULTADOS: observou-se que a maioria dos responsáveis (95%) descreveu ter participado na decisão da terapia fonoaudiológica de suas crianças. Entretanto, apenas 39,4% acertaram sobre o tratamento fonoaudiológico realizado. No que se refere à escolaridade verificou-se que o percentual de acertos foi maior para os indivíduos com segundo grau completo (60%) do que para indivíduos com primeiro grau incompleto (30%), entretanto, não foi possível observar diferenças estatisticamente significantes (p=0,36).

CONCLUSÕES: a maioria dos responsáveis demonstrou não estar devidamente esclarecida quanto à terapia Fonoaudiológica realizada em seus menores, uma vez que relatou atitudes passivas frente ao processo de decisão, e, o esclarecimento desses responsáveis tendeu a ser maior para indivíduos com mais escolaridade.

Descritores: Bioética; Consentimento Esclarecido; Autonomia Profissional

ABSTRACT

PURPOSE: to determine the clarification of the persons in charge for the children in speech language pathology attendance, to check the self-judgment of the person in charge for the decision on the type of treatment and the interference of the persons in charge scholar level on knowledge as for the therapy of their children.

METHODS: a questionnaire was carried out under interview form with a pattern of 33 trainee and 33 persons in charge for children between 2 and 12-year-old, under treatment in the Clinic of Speech Language Pathologist of The Federal University of Minas Gerais. For analyzing the data we used Chi-Square test and Pearson test, through the program: Minitab 13.

RESULTS: in 95% of the cases, the guardians considered participating in the decision-making regarding treatment; however, when questioned as for what treatment was being performed, only 39.4% answered correctly. The majority of the persons in charge (95%) related having participated in the child's treatment decision, however just 39,4% answered correctly on the treatment. The percentage of correct answers was more elevated for the individuals with complete high-school degree (60%), than individuals with incomplete elementary degree (30%), however its was not a significant statistic value (p=0.36).

CONCLUSIONS: the major portion of the persons in charge do not have participation in decisions concerning the treatment carried out in their children, once that they related passive attitudes in front of this decision process and do not show knowledge on the treatment carried out with their children. The knowledge tends to be better for individuals with higher scholar level.

Keywords: Bioethics; Informed Consent; Professional Autonomy

INTRODUÇÃO

A Bioética pode ser vista como a reflexão ética sobre os seres vivos, incluindo o ser humano, assim como a maneira com a qual esses seres vivos se apresentam nas relações cotidianas do mundo vivido e nos contextos teóricos e práticos da ciência e da pesquisa 1, podendo atuar como um guia de decisões em relação ao nascimento, doenças, tratamento, morte, meio ambiente, relações entre as espécies e entre as gerações futuras 2.

Existem vários modelos de análise bioética, e um dos mais divulgados é o modelo principalista 3. Neste modelo os autores propõem a existência de quatro princípios norteadores de uma boa ação.

Em acordo com o código de ética da Fonoaudiologia4 há uma preocupação em proporcionar e assegurar ao paciente os seus direitos. Para isso é necessário respeitar certos princípios e valores, que se enquadram dentro dos princípios bioéticos de não-maleficência, beneficência, justiça e autonomia.

O princípio da autonomia ou o princípio do respeito às pessoas, requer que aceitemos que os indivíduos se auto-governem, que sejam autônomos tanto em suas escolhas, como em seus atos e que o profissional da saúde respeite a vontade do paciente ou de seu representante, assim como seus valores morais e crenças, permitindo que a relação médico-paciente seja muito mais aberta e democrática com clareza das ações e o compartilhamento de responsabilidades na tomada de decisão. Trata-se de sujeitos autônomos que compartilham as decisões em parceria e com plenos direitos 5-7.

Quando se fala de saúde, é o indivíduo quem deve, de forma ativa, autorizar as propostas apresentadas a ele e não meramente assentir a um plano diagnóstico ou terapêutico, por meio de uma atitude submissa às ordens dos profissionais de saúde 8. Em se tratando de crianças, de acordo com a resolução 196/96, o consentimento esclarecido deve ser dado por um responsável legal .

O consentimento informado é um direito moral dos pacientes, e não apenas uma doutrina legal. O paciente tem o direito de receber a informação necessária para consentir um tratamento antes que ele seja iniciado. Entretanto a informação a ele é condicionada pelos seguintes fatores: A) a personalidade e o temperamento do paciente e a disposição do mesmo na hora do recebimento da informação; B) o grau atual e aparente de compreensão do indivíduo; C) a natureza do tratamento: quanto mais exigente for o tratamento maior deverá ser a informação e, D) a magnitude dos riscos associados 9.

Entretanto, a pessoa ser informada não significa que esteja esclarecida, pois, ela pode não compreender o sentido das informações fornecidas, principalmente quando estas não forem adaptadas às suas circunstâncias culturais e psicológicas. A pessoa autônoma também tem o direito de recusar a informação, de não querer ser informada. Neste caso, deve-se questioná-la sobre quais os parentes ou amigos que sirvam como canal de informação 10.

O profissional de saúde deve ser sensível aos problemas da criança e dispor de tempo antes e durante o exame clínico para conhecê-la melhor. A motivação dos pais é de fundamental importância, assim como o conhecimento das condições e dos problemas sociais, econômicos e psicológicos do paciente e de seus familiares 11. Na medida em que acontece a valorização e integração dos pais durante o processo terapêutico as crianças passam a considerá-lo também importante. Pais integrados fortalecem o trabalho realizado em terapia ajudando o fonoaudiólogo (a) nas atividades propostas para casa 12,13.

Diante desta perspectiva e como profissional de saúde, o fonoaudiólogo deverá proporcionar ao paciente e ao seu responsável legal, quando criança, informações adequadas sobre as alternativas de tratamento, seus propósitos, seus riscos e custos, para que este indivíduo fique não somente informado, mas, principalmente esclarecido de forma a exercer sua autonomia, fornecendo ou não o seu consentimento para o tratamento a ser realizado.

Este estudo teve como objetivo determinar o esclarecimento dos responsáveis sobre a terapia Fonoaudiológica realizada em suas crianças; verificar o auto-julgamento de participação destes na decisão sobre o tipo de terapia realizada em seu menor; e verificar a interferência do nível de escolaridade do responsável sobre o esclarecimento destes quanto à terapia fonoaudiológica realizada em suas crianças.

MÉTODOS

Este estudo foi do tipo observacional, transversal e descritivo. Foi desenvolvido no Ambulatório de Fonoaudiologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em Belo Horizonte.

Foi realizado um projeto piloto, em que foram aplicados dez formulários estruturados por meio de entrevista (adaptado de pesquisa realizada anteriormente 14), com os responsáveis por crianças entre dois e 12 anos em atendimento no Ambulatório de Fonoaudiologia da UFMG e com os estagiá­rios que atendiam estas crianças. Foram selecionadas crianças em atendimento nas quatro áreas de atuação da fonoaudiologia. O objetivo deste projeto piloto foi verificar se as questões propostas inicialmente estavam bem formuladas para a realização da pesquisa. Posteriormente o protocolo foi ajustado, algumas questões foram modificadas e outras reformuladas. Esse procedimento permitiu uma melhor adaptação do formulário ao contexto cultural encontrado de forma a atender melhor as questões do estudo.

O estudo principal constou de uma amostra de 33 responsáveis por crianças na faixa etária de dois a 12 anos, atendidas no Ambulatório de Fonoaudiologia da UFMG e de 33 estagiários em fonoaudiologia do sexto, sétimo e oitavo períodos, que atendiam estas crianças. A aplicação dos formulários ocorreu no período de 20 de setembro a 22 de outubro de 2004.

O formulário (Figura 1) constou de questões abertas e fechadas, dividido em três partes: dados da criança, dos responsáveis e de questões para a avaliação do conhecimento, do interesse, da participação dos responsáveis com relação ao tratamento fonoaudiológico realizado na criança e do nível de escolaridade dos mesmos.


A entrevista realizada com o estagiário constou de pergunta sobre o tratamento realizado com a criança. Esta pergunta foi desmembrada em outros questionamentos como: o objetivo do tratamento; compreensão dos responsáveis sobre o tratamento realizado; bem como, se as informações repassadas estavam sendo adequadas para fornecer aos responsáveis a autonomia sobre a decisão do tratamento das crianças.

Os formulários foram aplicados pela pesquisadora durante o período de atendimento fonoaudiológico, na sala de espera, de forma reservada, com os responsáveis e no interior do ambulatório com o estagiário que estava atendendo a criança. Sua aplicação ocorreu em apenas uma fase, não sendo necessário o retorno dos participantes ao ambulatório. Não foi solicitado ao responsável ou ao estagiário comparecer no ambulatório, em nenhum dia ou hora pré-determinados.

O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes e/ou responsáveis (no caso dos pacientes menores de idade), desse estudo.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa Universidade Federal de Minas Gerais pelo parecer nº. ETIC 300/ 04.

Os dados foram analisados por meio do programa Minitab 13 no qual foi realizada a análise estatística do teste Qui–quadrado (X2). As perguntas abertas dos responsáveis foram confrontadas com as respostas dos estagiários no que se refere ao tratamento realizado para avaliar se os responsáveis foram esclarecidos sobre o tratamento realizado com suas crianças. Dessa maneira, criou-se uma variável comum entre as questões 03-09, relacionada ao erro ou acerto do responsável sobre o tratamento realizado com sua criança, tornando possível o cruzamento de dados, bem como a análise estatística dos mesmos. O nível de significância adotado foi de 10%.

RESULTADOS

No que se refere ao acerto dos responsáveis quanto ao tratamento realizado em suas crianças (Tabela 1) 39,4% (N= 13) acertaram as respostas quando comparadas com as respostas fornecidas pelos estagiários (comparação entre as questões 03-09).

Dos 33 responsáveis, 95% (N= 31) referiram participar do tratamento de sua criança (Figura 2) e 94% referiram que os estagiários são acessíveis, permitindo-lhes fazer perguntas sobre o tratamento (Figura 3). Entretanto as respostas fornecidas quanto à forma de participação (que foram agrupadas de acordo com as respostas fornecidas pelos responsáveis, referentes à pergunta 2 do formulário) não apresentaram dados estatisticamente significantes (p=0,80) (Tabela 2).



Sobre a satisfação quanto à orientação recebida, 92% (N= 30) dos responsáveis referiram estar satisfeitos (Figura 4) e 79% (N= 26) dos responsáveis (Figura 5) consideravam-se orientados, mas não se pode dizer que o fato de o responsável receber orientações do fonoaudiólogo (Tabela 3) é essencial para que o estagiário considere que o responsável compreenda sobre a terapia da criança (p=0,538). De acordo com a Tabela 3, dos 25 responsáveis que receberam orientações do fonoaudiólogo, o estagiário considera que 11 (44%) responsáveis não compreendem o tratamento que é realizado com sua criança. Um dos estagiários (3%) referiu não saber se o responsável compreendia sobre a terapia da criança.



Também não se pode afirmar que o nível de escolaridade (Tabela 4) está diretamente relacionado ao número de acertos e erros (p =0,36). Mas se observa uma tendência em encontrar maior esclarecimento (maior número de acertos), em indivíduos com maior nível de escolaridade (segundo grau completo), quando se comparado aos indivíduos do primeiro grau incompleto. O tratamento estatístico foi realizado sem a classe de analfabetos que possui valor zero em uma das variáveis. Não foram encontrados indivíduos que apresentassem nível superior de escolaridade.

DISCUSSÃO

Nos resultados obtidos observa-se que um percentual pequeno de indivíduos acertou sobre o tratamento de suas crianças. Na maioria dos casos os indivíduos relataram tratamentos que não correspondiam à realidade afirmada pelos estagiários. Estes achados corroboram os de alguns autores 14 em que dos entrevistados, 81,7% afirmaram conhecer qual o tratamento realizado em seus menores. Entretanto, quando questionados sobre qual era o procedimento executado, 51,7% erraram sobre o tratamento realizado. O mesmo pôde ser constatado em outro estudo 15 em que 60,3% dos entrevistados enfatizaram ter participado da decisão, mas apenas 30,2% acertou qual era o tratamento realizado. Os estudos demonstram que, a grande maioria dos pais e/ou responsáveis não entendeu o tipo de tratamento realizado, não estando aptos, portanto, a darem o seu consentimento informado.

No que se refere ao auto-julgamento do responsável quanto a sua participação na decisão do tratamento, tem-se que 95% dos indivíduos relataram ter participado da decisão, mas, os resultados demonstraram em 100% das respostas, atitudes passivas frente a este processo de decisão. Este resultado corrobora os achados de outro estudo em que os autores 16 afirmam que cabe ao paciente concordar passivamente com as informações a ele transmitidas e que há várias circunstâncias em que se observa uma distância substancial entre receber a informação e assumir uma atitude. Em outro estudo 17 observou-se que, apesar de haver um grande interesse dos pacientes em conhecer o tratamento a ser realizado, muitos apresentaram dificuldades em tomar decisões, transferindo a responsabilidade para o profissional. No Brasil, este fato pode estar associado ao modelo de assistência ainda vigente em que o processo saúde-doença está estruturado em um modelo paternalista e assistencialista em que o profissional de saúde é o detentor do conhecimento e o único responsável pela saúde do paciente. Entretanto, é importante que o profissional de saúde tenha consciência de que o paciente não pode mais ser um sujeito passivo e inerte na prestação de serviços, e que o indivíduo é quem deve, de forma ativa, autorizar as propostas a ele apresentadas pelo profissional de saúde. O sujeito é titular de direitos que devem ser respeitados a fim de que se possa desenvolver uma relação profissional/ paciente de respeito e confiança 18. Dessa forma, também é importante considerar a necessidade de obter o consentimento não apenas do responsável, mas também da criança atendida, pois, apesar de ser acordo em diversos países que, nem sempre é possível obter por escrito o consentimento da criança, ela deve manifestar sua opinião em relação aos procedimentos a que será submetida 19.

Apesar de considerar o fonoaudiólogo acessível a questionamentos em 94% dos casos, isso não demonstrou ser relevante, uma vez que a maioria dos responsáveis não estava esclarecida sobre o tratamento de suas crianças. Pode-se considerar que haja um receio do estagiário em conversar com o responsável, de modo com que ele faça perguntas que o estagiário não saiba responder. Isso provavelmente gera uma insegurança, de modo a fazê-lo procurar por um caminho "mais fácil" para ele: ter um contato mais "superficial" com o responsável. Na literatura 20, foi possível constatar que o fonoaudiólogo teme o contato com os pais porque não se sente preparado para enfrentar situações que não possa conter ou controlar, preferindo, dessa maneira, evitar a via principal de informação que possibilite a compreensão do paciente e do funcionamento global do sistema terapêutico, composto pelo paciente, por sua família e pelo próprio terapeuta.

Pelos dados obtidos não se pode dizer que o fato de o responsável receber orientações do fonoaudiólogo é essencial para que o estagiário considere que o responsável compreenda sobre a terapia da criança (p=0,538). Isso se verificou porque o consentimento é construído com base na participação ativa do usuário e/ou seu representante legal na tomada de decisão e fortalece a relação vincular que se estabelece entre os profissionais de saúde e os usuários 21. Assim, apenas orientar não parece ser o suficiente para promover a participação ativa destes indivíduos. O terapeuta deverá encontrar razões para encorajar o consentimento apoiando a autonomia do paciente e provendo a reafirmação de que o paciente não está sendo enganado e nem coagido 22. Este consentimento consiste na articulação correta dos quatro princípios clássicos de bioética moderna no marco das relações clínicas e é, basicamente, um processo verbal que se desdobra no interior do ato clínico formando parte dele 23.

Dos indivíduos com primeiro grau incompleto, 30% acertaram sobre o tratamento de suas crianças, e para indivíduos com segundo grau completo esse valor é de 60%, o que concorda com a literatura 14 em que foi possível observar que os responsáveis com maior nível de instrução (50%) apresentaram um maior esclarecimento sobre o tratamento. Os resultados também corroboram outro estudo 15 em que dos responsáveis que se autojulgaram esclarecidos acerca do procedimento que estava sendo executado, verificou-se que a maioria (64,4%) possuía 11 ou mais anos de estudo. Assim, confirma-se a importância do nível de escolaridade do indivíduo a ser informado, no sentido de ser um fator facilitador, ou não, para a transmissão de informações pelo profissional, sendo necessário que o mesmo, tome certos "cuidados" durante este processo.

Foi possível verificar tendências importantes sobre a falta de esclarecimento dos responsáveis por crianças em atendimento fonoaudiológico com relação à terapia realizada, revelando a necessidade de reflexões quanto ao esclarecimento destes, de modo a permitir o compartilhamento de responsabilidades a fim de que esses indivíduos exerçam sua autonomia.

Também se verificou uma carência de estudos similares na fonoaudiologia, o que demonstra a necessidade de se explorar ainda mais este tema no âmbito fonoaudiológico.

CONCLUSÃO

A maioria dos responsáveis não participou sobre a decisão do tratamento realizado em suas crianças, uma vez que relatou atitudes passivas frente a esse processo de decisão e, na maior parte dos casos, não se demonstrou esclarecido quanto ao tratamento realizado com sua criança.

O esclarecimento tendeu a ser maior para indivíduos com mais escolaridade.

Recebido em: 22/06/2007

Aceito em: 07/11/2008

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  • Endereço para correspondência:

    Isabel Teixeira Nascimento
    Rua Francisco Dias Teixeira, 101 Santa Luzia – MG
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Mar 2009

    Histórico

    • Recebido
      22 Jun 2007
    • Aceito
      07 Nov 2008
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