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Editorial II: a fonoaudiologia e a neurociência

EDITORIAL II

A fonoaudiologia e a neurociência

Quando cheguei em São José dos Campos, em 1978, para iniciar minha carreira como neuropediatra, percebi que os 13 anos dedicados ao estudo de neurologia desenvolvidos na Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) eram de pouca valia no dia-a-dia de consultório.

As queixas, na sua maioria, eram relacionadas a distúrbios comportamentais (nervosismo, irritação, agitação, falta de limites) ou a dificuldades na aprendizagem. Eram raros os casos em que minha formação eminentemente hospitalar era colocada a prova, com crianças acometidas de "grandes" alterações neurológicas como hidrocefalia, tumores, malformações ou síndromes complexas.

O pior era que os profissionais e familiares depositam na figura médico a esperança de encontrar o motivo e a forma de resolver os distúrbios ou as dificuldades relacionadas com a deficiente aprendizagem escolar de suas crianças.

O convívio com psicólogas, psicopedagogas, fonoaudiólogas, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais, além de reuniões e mais reuniões com diretoras, coordenadoras e professoras de escolas públicas e particulares fez nascer uma contínua necessidade de estudar mais e mais sobre a saúde escolar. Aprendi, de forma autodidata, uma neuropediatria muito diferente daquela apresentada nas reuniões do departamento de Neurologia Infantil do HCFMUSP. Mesmo assim, sempre me via impossibilitado de encontrar a solução ou mesmo resposta para as questões relacionadas ao ensino-aprendizagem que me eram apresentadas quase todos os dias.

Os anos 90 foram dedicados, pelos cientistas, ao estudo do Cérebro provocando, além do enorme desenvolvimento do conhecimento sobre as funções cerebrais, a percepção de que não era viável exigir de uma única especialidade a compreensão das funções nervosas superiores como memória, inteligência, comportamento e aprendizagem. Surge a Neurociência, especialidade essencialmente multidisciplinar, onde o neurocientista pode ser biólogo, fonoaudiólogo, psicólogo, médico ou qualquer outro estudioso do comportamento, do processo de aprendizagem e da cognição humana.

A multidisciplinalidade proporcionou o enriquecimento dos conhecimentos e do entendimento das funções nervosas relacionadas com o ensino-aprendizagem, redistribuindo as tarefas e obrigações a cada uma das diversas especialidades, aliviando o peso da obrigação de conter os conhecimentos e soluções unicamente na figura do médico, seja ele neuropediatra ou psiquiatra infantil.

A Fonoaudiologia deve ocupar seu papel fundamental na Neurociência, pois é a especialidade que interrelaciona a comunicação e a linguística com as demais disciplinas biológicas. Muitas das patologias neurológicas incluem alterações no campo da linguagem e cognição e são os fonoaudiólogos os profissionais capacitados para avaliar, orientar, habilitar e reabilitar essas funções.

Vasconcelos e colaboradores 1 publicaram no volume 11 (número 1) desta Revista CEFAC, artigo de revisão que demonstra o aumento progressivo da participação da fonoaudiologia nas neurociências entre os anos de 2002 a 2006. Verificaram que houve um aumento gradual e significante dos artigos em revistas científicas de fonoaudiologia com o tema Neurociências, de 10 publicações (10,52%) no ano de 2002, para 31 (32,63%) no ano de 2006.

Este aumento pode ser devido a vários fatores, sendo que os dois mais destacados são o aumento das publicações de revistas científicas indexadas e o oferecimento de cursos de especialização em fonoaudiologia focalizando as neurociências.

Fonoaudiólogos, é necessário aumentar ainda mais sua participação no crescimento e desenvolvimento da Neurociência, pois todas as outras especialidades biológicas, e até mesmo cibernéticas, dependem do entendimento de como o cérebro constrói e desenvolve a linguagem e a cognição. Este é seu campo de atuação. Esta é a obrigação que todos nós da equipe multidisciplinar das neurociências, estamos depositando na sua especialidade. Contamos com vocês!

Vicente José Assencio-Ferreira

Médico graduado pela Universidade de São Paulo – USP

Doutor em Neurologia pela Universidade de São Paulo – USP

Docente do CEFAC – Pós-graduação em Saúde e Educação

Diretor Clínico e Científico do Centro Educacional Municipal Terapêutico Especializado – CEMTE – Taubaté/SP

  • 1. Vasconcelos SV, Pessoa ACRG, Farias APS. Caracterização das publicações periódicas em fonoaudiologia e neurociências: estudo sobre os tipos e temas de artigos e visibilidade na área de linguagem. Rev CEFAC. 2009; 11(1):50-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Out 2009
  • Data do Fascículo
    Set 2009
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