Acessibilidade / Reportar erro

O déficit em consciência fonológica e sua relação com a dislexia: diagnóstico e intervenção

The deficit in phonological awareness and its relation with dyslexia: diagnosis and intervention

Resumos

TEMA: as relações entre consciência fonológica e dislexia, bem como diagnóstico e intervenção. OBJETIVO: revisar a literatura especializada em busca de informações que relacionem consciência fonológica e dislexia como forma de aprofundar conhecimentos acadêmicos e profissionais sobre o tema. CONCLUSÕES: não há consenso na literatura sobre a definição de dislexia, bem como se há ou não fatores associados a ela. Além disso, o déficit de habilidades em consciência fonológica apresenta-se como um dos principais indicadores no diagnóstico de dislexia e necessita de intervenções específicas visando o seu desenvolvimento.

Dislexia; Linguagem; Leitura


BACKGROUND: the relationships between phonological awareness and dyslexia, as well as diagnosis and treatment. PURPOSE: review the specific literature in search of information that relate phonological awareness and dyslexia and as a way to deepen academic and professional knowledge on the subject. CONCLUSION: there is no consensus in the literature about the definition of dyslexia, and whether or not there are factors associated with it. Moreover, the deficit in phonological awareness seems to be a main indicator in the diagnosis of dyslexia, requiring specific interventions for developing skills in phonological awareness.

Dyslexia; Language; Reading


ARTIGO DE REVISÃO

O déficit em consciência fonológica e sua relação com a dislexia: diagnóstico e intervenção

The deficit in phonological awareness and its relation with dyslexia: diagnosis and intervention

Vanessa Panda DeuschleI; Cláudio CechellaII

IFonoaudióloga da Secretaria Municipal de Saúde de São Francisco de Assis - RS; Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria

IINeuropediatra; Professor Assistente do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria; Mestre em Neurologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para Correspondência Endereço para Correspondência: Av. Borges de Medeiros, 950 ap. 102 Santa Maria - RS CEP: 97010-081 Tel: (55) 3026-8621 / 9964-0159 E-mail: deuschlefono@gmail.com

RESUMO

TEMA: as relações entre consciência fonológica e dislexia, bem como diagnóstico e intervenção.

OBJETIVO: revisar a literatura especializada em busca de informações que relacionem consciência fonológica e dislexia como forma de aprofundar conhecimentos acadêmicos e profissionais sobre o tema.

CONCLUSÕES: não há consenso na literatura sobre a definição de dislexia, bem como se há ou não fatores associados a ela. Além disso, o déficit de habilidades em consciência fonológica apresenta-se como um dos principais indicadores no diagnóstico de dislexia e necessita de intervenções específicas visando o seu desenvolvimento.

DESCRITORES: Dislexia; Linguagem; Leitura

ABSTRACT

BACKGROUND: the relationships between phonological awareness and dyslexia, as well as diagnosis and treatment.

PURPOSE: review the specific literature in search of information that relate phonological awareness and dyslexia and as a way to deepen academic and professional knowledge on the subject.

CONCLUSION: there is no consensus in the literature about the definition of dyslexia, and whether or not there are factors associated with it. Moreover, the deficit in phonological awareness seems to be a main indicator in the diagnosis of dyslexia, requiring specific interventions for developing skills in phonological awareness.

KEYWORDS: Dyslexia; Language; Reading

INTRODUÇÃO

A aquisição do código escrito é um marco importante na vida das crianças. Entretanto, algumas crianças não conseguem apropriar-se desse código e passam a ver a linguagem escrita como algo impossível de ser apreendido. Inserida nesse contexto de dificuldades na apropriação do código escrito está a dislexia. A dislexia é um distúrbio que se caracteriza por um rendimento inferior ao esperado para a idade mental, nível sócio-econômico e instrução escolar, e pode afetar os processos de decodificação e compreensão da leitura 1-3 .

A dislexia é um distúrbio específico de leitura, ocasionado pela interrupção ou malformação nas conexões cerebrais que ligam zonas anteriores (lobo frontal) com zonas mais posteriores (lobo parietal e occipital) do córtex cerebral. Pode-se entender que os transtornos de aprendizagem apresentam em seu espectro os fatores genéticos como desencadeantes e os fatores psicológicos, pedagógicos, socioeconômicos e culturais como agravantes 3-5 .

Atuando ativamente na minimização dos atrasos e dificuldades que poderão se manifestar no aprendizado da leitura e da escrita, o fonoaudiólogo é o profissional legalmente habilitado para prevenir e reabilitar estas crianças que não conseguem ter acesso pleno à linguagem escrita. Entretanto, durante muito tempo, o fonoaudiólogo relegou a segundo plano seu trabalho nesses distúrbios, necessitando tomar agora o seu lugar de profissional capaz de prevenir e reabilitar alterações no processo de aquisição da linguagem escrita 6.

O presente trabalho tem por objetivo revisar a literatura especializada em busca de informações que relacionem consciência fonológica e dislexia como forma de aprofundar conhecimentos acadêmicos e profissionais sobre o assunto, relacionando-os ao diagnóstico e terapia dos distúrbios específicos de leitura.

MÉTODOS

Para a elaboração desta pesquisa foi realizada uma revisão abrangente, não sistemática da literatura através de pesquisa em diferentes bases de dados como MEDLINE, SCIELO e HIGHWIRE PRESS, utilizando-se as seguintes palavras-chave: "Dislexia", "Dislexia e diagnóstico", "Dislexia e terapia", "Dislexia e consciência fonológica", "Distúrbio específico de leitura", "Dislexia do desenvolvimento", "Dyslexia", "Reading disorder", "Alexia", "Developmental reading disability", "Developmental dyslexia" e ainda "phonological awareness". Optouse por utilizar referências atuais (última década), exceto nos casos em que os trabalhos mais antigos apresentaram-se como indispensáveis a esta pesquisa.

Além da bibliografia obtida junto às bases de dados, foram usados também alguns livros texto, artigos de periódicos e textos de páginas especializadas disponíveis na Internet.

Na citação dos autores consultados optou-se por referenciá-los de acordo com a ordenação do raciocínio clínico necessário para escrever cada um dos tópicos desta pesquisa, e não pela ordem cronológica de publicação de seus estudos.

REVISÃO DE LITERATURA

Do material levantado na revisão da literatura foram selecionados para leitura 98 trabalhos dos quais 55 foram utilizados na execução da monografia "As relações entre consciência fonológica e dislexia" apresentada ao Curso de Especialização em Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria. Destes, 28 constituem o embasamento teórico que fundamenta este artigo.

Os trabalhos utilizados na realização deste artigo mostram que não existe consenso entre os pesquisadores sobre como intervir nos casos de dislexia. Entretanto, a literatura especializada é unânime em afirmar que o déficit encontra-se no sistema lingüístico, mais precisamente relacionado a alterações em habilidades de consciência fonológica.

Vale ressaltar ainda, o baixo número de publicações específicas relacionadas à fonoaudiologia, uma vez que a maioria dos artigos encontrados são publicações relacionadas à neurologia ou à pedagogia, sendo poucas as publicações e pesquisas realizadas por fonoaudiólogos.

Analisando-se a incidência de dificuldades relacionadas à aquisição da leitura e da escrita, pode-se constatar que de 5 a 10% das crianças com idade escolar apresentam dificuldades para aprender a ler, inclusive quando possuem uma inteligência normal, com um meio ambiental adequado e metodologia escolar adequada à idade e competências lingüísticas 4.

A escrita é uma forma de mediação lingüística que implica na habilidade de compreender idéias e conceitos e transmitir mensagens, possibilitando ao indivíduo interagir com o mundo no qual está inserido. Contudo, a linguagem escrita requer instrução para ser adquirida, mesmo que se considere, nos dias de hoje, que a noção da escrita já é intrínseca na criança quando esta ingressa na escola 7.

Para que possa ler o aprendiz deve captar as correspondências que existem entre os sons da linguagem (fonemas) e os símbolos visuais que são usados para representá-los (grafemas). Esta habilidade é requisitada, principalmente, durante o período da aprendizagem da leitura, mas também mais tarde, quando o leitor adulto deverá ler palavras desconhecidas (que não fazem parte do seu léxico) e pseudopalavras. A rota fonológica utiliza o processo de conversão grafema-fonema, envolvendo a pronúncia para palavras não-familiares e pseudopalavras, traduzindo letras ou seqüências de letras em fonemas 8,9.

Na fase alfabética, o sujeito torna-se capaz de conhecer o valor sonoro convencional de algumas ou de todas as letras, conseguindo juntá-las para formar sílabas e palavras. Entretanto, apesar de dominar as convenções fonema-grafema, tal como são regidos pelo sistema de escrita alfabético, o indivíduo não tem a escrita correta das palavras defrontando-se então com as dificuldades ortográficas.

Indica-se então, a necessidade de se considerar a aquisição da grafia correta como resultado de um processo que envolve a reflexão sobre diferentes aspectos da língua e não apenas de treino e memorização. A criança necessita utilizar diversas informações lingüísticas para aperfeiçoar sua escrita alfabética, compreendendo primeiramente que as grafias são geradas por uma seqüência fonológica, necessitando também de informações morfológicas e sintáticas 10 .

A consciência fonológica

Para ler eficazmente a criança precisa prestar atenção a todas as letras de uma palavra, a fim de conectá-las aos sons que ouve quando esta é pronunciada, e assim, decodificá-la. Das 30% das crianças que depois de um ano de ensino da leitura ainda não sabem separar fonemas de grafemas, provavelmente estão relacionadas aos 20 a 30% das crianças em idade escolar que passarão por dificuldades de leitura. O leitor deve de alguma forma converter o que lê em código lingüístico. Contudo, diferentemente das partículas da linguagem verbal, as letras do alfabeto não têm nenhuma conotação lingüística inerente. A não ser que o futuro leitor saiba converter caracteres impressos em código fonético, essas letras continuarão sendo apenas um amontoado de linhas e círculos sem significado lingüístico 5,11. A criança que começa a ler deve desenvolver a consciência fonológica para poder aprender o princípio alfabético, a correspondência grafema-fonema. A aprendizagem das regras de correspondência grafema-fonema é considerada a habilidade mais básica para analisar os sons das palavras 12 .

De um modo geral, a neuropsicologia defende que a origem de todo comportamento está no cérebro. A área cortical afetada nos distúrbios de aprendizagem está localizada nos circuitos frontoestriados e suas conexões com a zona límbica e o cerebelo, localizando-se nesses as funções relacionadas ao processamento da informação, a resposta aos estímulos e o modo de responder 13 .

A linguagem, tanto na modalidade oral quanto escrita, é o resultado do trabalho conjunto de várias redes neuronais. Neste processo participam estruturas corticais, subcorticais e suas conexões. Portanto, as alterações que se observam na linguagem dependem da estrutura lesada. Para estes autores, a leitura é a aquisição de informação através da palavra escrita. O termo decodificação se refere ao processo de converter a informação escrita em linguagem com significado para o leitor. Isto se apóia em uma ou várias estratégias como o reconhecimento global, estrutural e contextual, síntese e análise fonológica. As estratégias para a decodificação de palavras são diferentes daquelas necessárias para a compreensão de grupos de palavras. A leitura, como processo, requer tanto de sistemas sensoriais e motores básicos, como de componentes ortográficos, fonológicos e semânticos, os quais atuam conjuntamente para extrair o significado a partir do material escrito. A leitura requer um processamento visual da palavra escrita (decodificação), seguido da compreensão de que estes símbolos podem ser fragmentados em componentes fonológicos, e a partir destes, extrair o significado. A consciência fonológica refere-se à habilidade de refletir sobre a fonologia da linguagem, tendo relações recíprocas com a escrita, ou seja, componentes simples da consciência fonológica auxiliam na aquisição de habilidades iniciais de leitura e escrita, e estas facilitam o desenvolvimento de componentes mais complexos 1. Em um estudo sobre consciência fonológica em crianças pequenas, foi possível inferir que é fundamental uma avaliação detalhada e pormenorizada de todos os componentes da consciência fonológica, uma vez que somente baseados em dados precisos e confiáveis pode-se subsidiar uma intervenção eficaz, dirigida à natureza do problema 13,14 identificado . A consciência metalingüística é um termo genérico que envolve diferentes tipos de habilidades, tais como: segmentar e manipular a fala em suas diversas unidades (palavras, sílabas, fonemas); separar as palavras de seus referentes (ou seja, estabelecer diferenças entre significados e significantes); perceber semelhanças sonoras entre palavras; julgar a coerência semântica e sintática de enunciados. Quando a criança inicia seu processo de alfabetização escolar, ela já é capaz de utilizar a linguagem com função comunicativa, isto é, como instrumento de expressão e compreensão de significados ou conteúdos. Essa competência lingüística é adquirida naturalmente, durante o processo de socialização, implicando no domínio de uma série de regras gramaticais, internalizadas e utilizadas de forma não consciente, que orientam a atividade lingüística espontânea da criança, isto é, o seu desempenho lingüístico 15,16.

O processo de leitura requer sistemas sensoriais e motores básicos como componentes ortográficos, fonológicos, semânticos, os quais atuam conjuntamente para extrair o significado da escrita. A leitura requer um processamento visual da palavra escrita (decodificação), seguido da compreensão de que estes símbolos podem ser fragmentados em elementos fonológicos subjacentes e a partir disso, extrair seu significado 1.

Em um estudo com 10 crianças alfabetizadas e 10 não-alfabetizadas concluiu-se que crianças alfabetizadas demonstram maior habilidade fonológica e que fatores externos, como nível sócio-econômicocultural, pouca estimulação no ensino-aprendizagem e distorção série/idade parecem ter contribuído com o baixo desempenho dos sujeitos testados. Este estudo ainda permitiu comprovar que determinadas habilidades em consciência fonológica facilitam o aprendizado da leitura e escrita, apesar de alguns indivíduos apresentarem distorções entre a idade e o ciclo que freqüentavam, e defasagem nos níveis de desempenho nas tarefas de habilidades fonológicas. Esses achados evidenciam a importância do conhecimento dos fonoaudiólogos sobre o papel das habilidades de consciência fonológica na aquisição da escrita, uma vez que há a necessidade de diferenciar na clínica o que é patológico do que é considerado normal ao processo de aquisição do código 10 .

A dislexia e a consciência fonológica

Um dos transtornos mais comuns da leitura é a dislexia do desenvolvimento que, diferentemente da alexia que está relacionada com a perda da capacidade de ler associada a um dano cerebral, é um transtorno específico na aquisição da leitura e se manifesta em dificuldades reiteradas e persistentes para aprender a ler 1. Caracteriza-se por um rendimento inferior ao esperado para a idade mental, nível socioeconômico e grau de instrução escolar, e pode afetar os processos de decodificação e compreensão leitora. Uma hipótese sobre a dislexia é que esta se origina em deficiências de alguns processos mediadores ou intermediários, entre a recepção da informação e a elaboração do seu significado. Esta hipótese não exclui que haja outras crianças com dificuldades para aprender a ler por alteração dos níveis periféricos ou profundos, e que não deveriam considerar-se como disléxicos 17-19 .

Existem três caminhos neurais para a leitura: dois caminhos mais lentos, o parietotemporal e o frontal, que são utilizados por leitores iniciantes, e um caminho mais rápido, o occipitotemporal, utilizado por leitores experientes. Um padrão de subativação na parte posterior do cérebro apresenta uma espécie de assinatura neural para as dificuldades fonológicas. Além de depender mais da área de Broca, os disléxicos também usam outros sistemas auxiliares de leitura, localizados no lado direito e na parte anterior do cérebro, um sistema funcional, mas não automático. Isso significa que o leitor disléxico apresenta um sistema disruptivo que impede a leitura automática. Por isso, ele depende de caminhos secundários, localizados na parte frontal e à direita do cérebro 1,20.

A hipótese fonológica sobre a dislexia se baseia no reconhecimento de um déficit no processo fonológico. Esse déficit fonológico influi diretamente sobre a mecânica da leitura e não se vincula de forma direta à compreensão leitora 21 .

Na dislexia o indivíduo apresenta inteligência normal, distúrbio fonológico, falhas nas habilidades sintáticas, semânticas e pragmáticas, dificuldade em linguagem na modalidade escrita no período escolar, habilidade narrativa comprometida para recontagem de histórias, déficits na função expressiva e alteração no processamento de informações auditivas e visuais. Além disso, para esta autora, de 3 a 5% da população de escolares é afetada 3. Entretanto, de 5 a 10% das crianças em idade escolar apresentam dificuldades para aprender a ler, inclusive aquelas que possuem inteligência normal, desenvolvem-se interagindo em um meio adequado e apresentam boa oportunidade escolar 4.

Diagnóstico e intervenção

Os pesquisadores que se propõem a estudar a dislexia e suas formas de intervir nas dificuldades que ela acarreta na vida dos aprendizes não são unânimes quanto ao método mais eficiente de avaliar e intervir, porém a maioria apresenta alguns pontos em comum.

A dislexia é um distúrbio específico de leitura e escrita que tem sua origem durante o desenvolvimento do cérebro antes mesmo do nascimento. As mal-formações cerebrais se encontram em áreas vinculadas ao processamento fonológico, incluindo a área temporo-occipital, conhecida como área visual da forma da palavra falada, e no corpo geniculado medial. Em alguns casos o problema se manifesta entre os 2 e 3 anos de idade quando a criança disléxica pode apresentar uma lentidão ou anormalidade no desenvolvimento da linguagem oral. Tais dificuldades consistem em retardos de linguagem ou em dificuldades de articulação. Na maioria dos casos, não há sintoma que possa identificar a dislexia precocemente, o único fator de risco é a existência de membros da família diagnosticados como disléxicos. Por esses fatores, aumentam as possibilidades de que a criança disléxica seja diagnosticada apenas mais tarde 8.

Na realização do diagnóstico deve-se utilizar procedimentos que possibilitem determinar o nível funcional da leitura, seu potencial e capacidade, a extensão da deficiência, as deficiências específicas na capacidade de leitura, a disfunção neuropsicológica, os fatores associados e as estratégias de desenvolvimento e recuperação para a melhoria do processamento neuropsicológico e para a integração das capacidades perceptivo-lingüísticas. O fonoaudiólogo deve conhecer as habilidades e as dificuldades apresentadas pela criança no processo diagnóstico, com o objetivo de orientar a si mesmo ou aos professores para o tratamento adequado, visando ao desenvolvimento de estratégias que possibilitem a melhora no uso das habilidades e funções da linguagem e no desempenho dessa criança nas tarefas escolares que exigem leitura e escrita, pois, somente por meio do trabalho com abordagem multiprofissional, que envolva a família, a escola e a criança, as dificuldades cognitivo-lingüísticas da criança poderão ser superadas. A partir do reconhecimento do problema, o diagnóstico fonoaudiológico deve ser realizado basicamente pela análise da linguagem nos níveis fonológico, morfológico, sintático e semântico 3.

Uma intervenção bem sucedida depende de uma avaliação criteriosa e multidisciplinar (neurologia, fonoaudiologia, psicologia, pedagogia ou psicopedagogia). O processo de avaliação dos fatores cognitivo-lingüísticos deve estar intimamente ligado aos modelos teóricos de aprendizagem da leitura 22 .

Alguns aspectos devem ser observados para se realizar o diagnóstico de dislexia: histórico familiar de dislexia; alterações precoces na linguagem, referentes à articulação, mas não à compreensão; leitura e escrita muitas vezes incompreensíveis; pânico ao ter que ler em voz alta; ansiedade ao realizar testes; dificuldade em soletrar; capacidade superior de aprendizagem aliada à escrita deficiente; compreende a idéia principal, mas não recorda os detalhes do texto; confusões de letras com diferente orientação espacial (b/d); troca de fonemas surdos por sonoros, ou o contrário; dificuldades com rimas; metáteses ou epênteses; substituições de palavras com estruturas semelhantes; fragmentação incorreta em frases (ex: eu fuijo gar bola com minhapri ma.) e dificuldade para compreender o texto lido, além de leitura lenta e silabada 5,23.

Crianças disléxicas podem apresentar erros na leitura oral, como omissões, substituições, distorções ou adições de palavras ou partes de palavras; lentidão, vacilações, inversões de palavras em frases ou de letras dentro de palavras. Além do que, podem também apresentar déficits na compreensão leitora, caracterizada por incapacidade de recordar o que foi lido, dificuldade de extrair conclusões ou fazer inferências, recorrer aos conhecimentos gerais, mas não recordar detalhes 18 .

Ao se deparar com os aspectos acima, o profissional habilitado deve empregar uma bateria de testes com fins diagnósticos que abordem aspectos como fonologia (consciência, memória e acesso), letras (nomes e sons), vocabulário (receptivo e expressivo), convenções da palavra impressa, compreensão auditiva e leitura (palavras reais, pseudopalavras e compreensão).

Em relação à remediação das dificuldades relacionadas á dislexia, não há um tratamento de intervenção com enfoque único que tenha demonstrado a capacidade de proporcionar melhoras a longo prazo. O clínico que se habilita a tratar uma criança com dislexia deve conhecer as numerosas estratégias de intervenção e tratamentos já propostos, alguns dos quais não se embasam em nenhum estudo científico e são oferecidos por diferentes profissionais. Por mais difícil e frustrante que seja realizar recomendações terapêuticas, a falta de participação do clínico na dislexia pode acarretar um desenvolvimento desfavorável sobre a criança e a família que enfrenta este problema. Apesar da escassez de estudos científicos acerca da intervenção terapêutica para as crianças com transtornos de aprendizagem, o neuropediatra, o pediatra especialista em distúrbios do desenvolvimento e o psiquiatra infantil ocupam um lugar crucial que vai além do processo de diagnóstico 24 .

Mesmo que os tratamentos tentem corrigir o déficit em um dos âmbitos, a melhor alternativa terapêutica será aquela que considerar a natureza múltipla do transtorno. Os enfoques terapêuticos devem ser baseados nos princípios básicos da aprendizagem da leitura, no processo de transformação grafemafonema e no reconhecimento global da palavra. Primeiramente, a ação terapêutica deve consistir em ajudar as crianças a aprenderem a organizar verbalmente estímulos visuais e auditivos para facilitar sua posterior associação com o significado. Isto implica em agrupar os estímulos de acordo com alguma categoria, como por exemplo, consoantes, sílabas iguais em início de palavras, rimas, mesmo som no meio da palavra, características semânticas, etc. Ao mesmo tempo, deve-se estimular a tomada de uma consciência fonêmica para a decodificação e uma consciência ortográfica que corrija lapsos visuais. Este enfoque tem como objetivo integrar o reconhecimento dos sons e signos ortográficos, com a busca de significados verbais de maior amplitude para facilitar a compreensão do texto. Para crianças que ainda não iniciaram o processo de aquisição do código escrito, a terapia evolutiva procura desenvolver áreas sensório-motoras da criança, a fim de que ela adquira os elementos necessários para o código escrito. Esta terapia inclui o desenvolvimento de funções complexas, como as gnosias, as praxias, o ritmo, a coordenação visuo-motora, e a decodificação fonológica. O emprego de métodos fonológicos para prevenir ou remediar a dislexia tem se tornado, nos últimos anos, no pilar fundamental do tratamento. O trabalho baseia-se principalmente no domínio fonológico, que permita à criança detectar fonemas (input), pensar sobre eles (performance) e utilizá-los para construir palavras e sentenças 21 . A dislexia implica uma abordagem mediante uma estratégia psicopedagógica destinada a estabelecer nexos entre a recepção do estímulo e sua incorporação ao léxico. Em um estudo no qual 24 as crianças que receberam intervenção baseada na consciência fonológica obtiveram ganhos significativos nas habilidades de consciência fonológica e desenvolvimento das habilidades de leitura quando comparadas àquelas que receberam outros tipos de intervenção. A pesquisa do autor sugere que o trabalho integrado da consciência fonológica pode ser um eficiente método para melhorar as habilidades de consciência fonológica, produção de fala e desenvolvimento das habilidades de leitura 4,17.

Os resultados dos estudos envolvendo a dislexia têm importantes implicações sobre os modelos atuais que explicam sua natureza e, também, sugerem a plasticidade dos sistemas neurológicos da leitura em crianças. Do ponto de vista educativo, as implicações são claras: a intervenção parece desempenhar uma ajuda importante para o desenvolvimento dos sistemas neurológicos especializados na leitura eficiente. Os programas com atividades baseadas no processamento fonológico mostram que são efetivos, tanto no âmbito educativo quanto clínico 12 .

Há na literatura um cronograma de tratamento por ordem de complexidade como sugestão a ser seguida 26:

1º) Estrutura silábica das palavras

• síntese silábica;

• análise silábica;

•

2º) Identificação de sílabas

• segundo sua posição;

• segundo sua natureza;

3º) Comparação de sílabas

• segundo sua posição;

• segundo sua natureza;

4º) Recombinação fonológica

• omissão de sílaba final;

• omissão de sílaba inicial;

• omissão de sílaba central;

• inversão de sílabas;

• adição de sílaba final;

• adição de sílaba inicial;

O tratamento deve ser centrado na reeducação da leitura e escrita, abordando os aspectos envolvidos. O profissional, fonoaudiólogo ou psicopedagogo, treinado para trabalhar com dislexia, parte de um diagnóstico completo, necessário para que seja feito um planejamento para cada etapa, seguindo uma cronologia adequada 22 .

O diagnóstico e a avaliação da dislexia são fundamentais, sobretudo para definir estratégias de intervenção, visando ao sucesso escolar. Assim sendo, crianças e adolescentes disléxicos podem alcançar o sucesso escolar, bem como ter atividades profissionais apoiadas na leitura e na escrita, estando o sucesso acadêmico relacionado ao apoio recebido na escola, na família e de profissionais especializados 27 .

Quanto à intervenção pedagógica, os sujeitos com distúrbios de leitura e escrita devem participar de atividades que possam promover o desenvolvimento da consciência fonológica 28 .

Deve-se ressaltar ainda, que a identificação precoce da dislexia é importante porque o cérebro apresenta maior plasticidade em crianças pequenas e é potencialmente mais maleável para um redirecionamento dos circuitos neuronais.

COMENTÁRIOS FINAIS

Ao término desta revisão pode-se concluir que não há consenso na literatura sobre a definição de dislexia, bem como se há ou não fatores associados a ela. Além disso, o déficit de habilidades em consciência fonológica apresenta-se como um dos principais indicadores no diagnóstico de dislexia e necessita de intervenções visando o seu desenvolvimento.

Ressalta-se ainda, a necessidade de publicações específicas, realizadas por fonoaudiólogos, sobre a intervenção nesses casos.

RECEBIDO EM: 18/01/2008 ACEITO

EM: 19/06/2008

  • 1. Lozano A, Ramírez M, Ostrosky-Solís F. Neurobiología de la dislexia del desarrollo: una revisión. Rev Neurol. 2003; 36(11):1077-82.
  • 2. Habib M. The neurological basis of developmental dyslexia: an overview and working hypothesis. Brain. 2000; 123(12):2373-99.
  • 3. Capellini SA. Distúrbios de aprendizagem versus dislexia. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO. Tratado de fonoaudiologia. São Paulo: Roca; 2004. p.862-76.
  • 4. Etchepareborda MC, Habib M. Bases neurobiológicas de la conciencia fonológica: su compromiso en la dislexia. Rev Neurol Clin. 2001; 2(1):5-23.
  • 5. Shaywitz S. Entendendo a dislexia: um novo e completo programa para todos os níveis de leitura. Porto Alegre: Artmed; 2006.
  • 6. Zorzi JL. Aprendizagem e distúrbios da linguagem escrita: questões clínicas e educacionais. Porto Alegre: Artmed; 2003.
  • 7. Paula GR, Mota HB, Keske-Soares M. A terapia em consciência fonológica no processo de alfabetização. Pró-Fono. 2005; 17(2):175-84.
  • 8. Galaburda AM, Cestnick L. Dislexia del desarrollo. Rev Neurol. 2003; 36(Suppl1):3-9.
  • 9. Jiménez JE, Hernández S, Conforti J. Existen patrones diferentes de asímetria cerebral entre subtipos disléxicos? Psicothema. 2006; 18(3):507-13.
  • 10. Paes CTS, Pessoa ACRG. Habilidades fonológicas em crianças não alfabetizadas e alfabetizadas. Rev CEFAC. 2005; 7(2):149-57.
  • 11. Shaywitz SE, Shaywitz BA. Dyslexia (specific reading disability). Biol Psych. 2005; 57(11):1301-9.
  • 12. López-Escribano C. [Contributions of neuroscience to the diagnosis and educational treatment of developmental dyslexia]. Rev Neurol. 2007; 44(3):173-80.
  • 13. Gonçalves VMG. Neurologia dos distúrbios de aprendizagem. In: Ciasca SM. Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003.
  • 14. Capovilla AGS, Dias NM, Montiel JM. Desenvolvimento dos componentes da consciência fonológica no ensino fundamental e correlação com nota escolar. PsicoUSF. 2007; 12(1):55-64.
  • 15. Barrera SD, Maluf MR Consciência metalingüística e alfabetização: um estudo com crianças da primeira série do ensino fundamental. Psicol Reflex Crít. 2003; 16(3):491-502.
  • 16. Pestum MSV. Consciência fonológica no início da escolarização e o desempenho ulterior em leitura e escrita: estudo correlacional. Estud Psicol. 2005; 10(3):407-12.
  • 17. Etchepareborda MC. Abordaje neurocognitivo y farmacológico de los trastornos específicos de aprendizaje. Rev Neurol. 1999; 28(2):81-93.
  • 18. Artigas J. Disfunción cognitiva en la dislexia. Rev Neurol Clin. 2000; 1:115-24.
  • 19. Schirmer CR, Fontoura DR, Nunes ML. Distúrbios da aquisição da linguagem e da aprendizagem. J Pediatr. 2004; 80(2):95-103.
  • 20. Fiez JA, Petersen SE. Neuroimaging studies of word reading. Proc Nat Acad Sci USA. 1998; 95(3):914-21.
  • 21. Etchepareborda MC. La intervención em los trastornos disléxicos: entrenamiento de la conciencia fonológica. Rev Neurol. 2003; 36(Suppl1):13-9.
  • 22. Salles JF, Parente MAM, Machado SS. As dislexias de desenvolvimento: aspectos neuropsicológicos e cognitivos. Interações. 2004; 9(17):109-32.
  • 23. Rotta NT, Pedroso FS. Transtornos da linguagem escrita: dislexia. In: Rotta NT, Pedroso FS. Transtornos de aprendizagem: aspectos neurobiológicos e multidisciplinares. Porto Alegre: Artmed; 2006. p.151-64.
  • 24. Tuchman RF. Tratamiento de los trastornos del aprendizaje. Rev Neurol Clin. 1998; 27(156):285-9.
  • 25. Gillon GT. The efficacy of phonological awareness intervention for children with spoken language impairment. Lang Speech Hear Serv Schools. 2000; 31:126-41.
  • 26. Etchepareborda MC. Detección precoz de la dislexia y enfoque terapéutico. Rev Neurol. 2002; 34(Suppl1):13-23.
  • 27. Carvalhais LSA, Silva C. Conseqüências sociais e emocionais da dislexia de desenvolvimento: um estudo de caso. Psicol Esc Educ. 2007; 11(1):21-9.
  • 28. Guimarães SRK. Dificuldades no desenvolvimento da lectoescrita: o papel das habilidades metalingüísticas. Psicol Teor Pesq. 2002; 18(3):247-59.
  • Endereço para Correspondência:

    Av. Borges de Medeiros, 950 ap. 102
    Santa Maria - RS CEP: 97010-081
    Tel: (55) 3026-8621 / 9964-0159
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2008
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      19 Jun 2008
    • Recebido
      18 Jan 2008
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br