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Correlatos entre o perfil comunicativo e adaptação sócio-comunicativa no espectro autístico

Correlates between communicative profile and social communicative adaptation in the autistic spectrum

Resumos

OBJETIVO: verificar se há correlações significativas entre os dados referentes ao perfil funcional da comunicação e os dados da adaptação sócio-comunicativa obtidos por meio de entrevistas individuais com os pais e as terapeutas de crianças com Distúrbios do Espectro Autístico. MÉTODOS: foram sujeitos deste estudo 48 crianças, com diagnóstico clínico incluído no espectro autístico com os quais foram coletados os dados para a determinação do perfil funcional da comunicação por meio de situação lúdica, buscando a espontaneidade comunicativa. Participaram ainda, os responsáveis, legais e pelo atendimento fonoaudiológico especializado, das 48 crianças, ou seja, 46 mães e dois pais e 15 terapeutas, respondendo individualmente a um questionário sobre o relacionamento social das crianças citadas. RESULTADOS: pode-se observar que os resultados referentes à adaptação sócio-comunicativa obtida a partir de entrevistas com terapeutas e pais apresentaram correlações significativas com o perfil funcional da comunicação. De forma geral, o estudo das correlações entre os aspectos do perfil comunicativo e da adaptação sócio-comunicativa não apresentou um grande número de correlações, sendo este número ainda menor quando os pais foram os informantes, demonstrando a interdependência das áreas estudas. CONCLUSÃO: uma das maiores evidências deste trabalho é que mesmo que as crianças do espectro autístico apresentem um desenvolvimento deficitário das habilidades de linguagem, cognição e socialização, ainda assim elas são capazes de extrair pistas lingüísticas e não-lingüísticas do meio comunicativo, e utilizá-las de forma contextual em sua vida social, associando-as com os ganhos na linguagem e no desempenho sócio-cognitivo.

Linguagem Infantil; Socialização; Comunicação; Transtorno Autístico


PURPOSE: to check if there are any significant correlations among the data on the functional communicative profile and social-communicative adaptation obtained in individual interviews with parents and therapists of children with autistic spectrum disorders (ASD). METHODS: subjects were: 48 children with psychiatric diagnosis within the autistic spectrum whose functional communicative profile was obtained in play sessions with a language therapist; 48 parents (46 mothers and 2 fathers) and 15 language therapists that answered individually to questionnaires about the children's social performance. RESULTS: it could be observed that the results referring to the social communicative adaptation obtained with the therapists and parents of children with autistic spectrum disorders showed significant correlations with the functional communicative profile. Data on social communicative performance provided by the therapists showed more significant correlations with the functional communicative profile than those obtained with the parents. The number of correlations was generically smaller when the parents provided data on social communicative performance. CONCLUSION: one of the most important results of this study is the evidence that even though ASD children present important deficits in language development, cognition and social abilities, they can be able to extract linguistic and non-linguistic clues from the communicative environment and use them in their social live along with linguistic and social-cognitive improvements.

Child Language; Socialization; Communication; Autistic Disorder


ARTIGO ORIGINAL

Correlatos entre o perfil comunicativo e adaptação sócio-comunicativa no espectro autístico

Correlates between communicative profile and social communicative adaptation in the autistic spectrum

Priscilla Faria Sousa-MoratoI; Fernanda Dreux Miranda FernandesII

IFonoaudióloga; Professora do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Fundação Mineira e Educação e Cultura, FUMEC, Belo Horizonte, MG; Colaboradora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autístico da Faculdade de Medicina da Universidade de São de Paulo, FMUSP, São Paulo, SP; Doutora em Semiótica e Lingüística Geral da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

IIFonoaudióloga; Coordenadora do Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autístico da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, FMUSP, São Paulo, SP; Professora Livre-Docente do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Priscilla Faria Sousa-Morato Rua Santa Catarina, 1630 3o- andar Belo Horizonte – MG CEP: 30170-081 E-mail: priscillafsmorato@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: verificar se há correlações significativas entre os dados referentes ao perfil funcional da comunicação e os dados da adaptação sócio-comunicativa obtidos por meio de entrevistas individuais com os pais e as terapeutas de crianças com Distúrbios do Espectro Autístico.

MÉTODOS: foram sujeitos deste estudo 48 crianças, com diagnóstico clínico incluído no espectro autístico com os quais foram coletados os dados para a determinação do perfil funcional da comunicação por meio de situação lúdica, buscando a espontaneidade comunicativa. Participaram ainda, os responsáveis, legais e pelo atendimento fonoaudiológico especializado, das 48 crianças, ou seja, 46 mães e dois pais e 15 terapeutas, respondendo individualmente a um questionário sobre o relacionamento social das crianças citadas.

RESULTADOS: pode-se observar que os resultados referentes à adaptação sócio-comunicativa obtida a partir de entrevistas com terapeutas e pais apresentaram correlações significativas com o perfil funcional da comunicação. De forma geral, o estudo das correlações entre os aspectos do perfil comunicativo e da adaptação sócio-comunicativa não apresentou um grande número de correlações, sendo este número ainda menor quando os pais foram os informantes, demonstrando a interdependência das áreas estudas.

CONCLUSÃO: uma das maiores evidências deste trabalho é que mesmo que as crianças do espectro autístico apresentem um desenvolvimento deficitário das habilidades de linguagem, cognição e socialização, ainda assim elas são capazes de extrair pistas lingüísticas e não-lingüísticas do meio comunicativo, e utilizá-las de forma contextual em sua vida social, associando-as com os ganhos na linguagem e no desempenho sócio-cognitivo.

Descritores: Linguagem Infantil; Socialização; Comunicação; Transtorno Autístico

ABSTRACT

PURPOSE: to check if there are any significant correlations among the data on the functional communicative profile and social-communicative adaptation obtained in individual interviews with parents and therapists of children with autistic spectrum disorders (ASD).

METHODS: subjects were: 48 children with psychiatric diagnosis within the autistic spectrum whose functional communicative profile was obtained in play sessions with a language therapist; 48 parents (46 mothers and 2 fathers) and 15 language therapists that answered individually to questionnaires about the children's social performance.

RESULTS: it could be observed that the results referring to the social communicative adaptation obtained with the therapists and parents of children with autistic spectrum disorders showed significant correlations with the functional communicative profile. Data on social communicative performance provided by the therapists showed more significant correlations with the functional communicative profile than those obtained with the parents. The number of correlations was generically smaller when the parents provided data on social communicative performance.

CONCLUSION: one of the most important results of this study is the evidence that even though ASD children present important deficits in language development, cognition and social abilities, they can be able to extract linguistic and non-linguistic clues from the communicative environment and use them in their social live along with linguistic and social-cognitive improvements.

Keywords: Child Language; Socialization; Communication; Autistic Disorder

INTRODUÇÃO

Definir exatamente o conceito de espectro autístico e os quadros clínicos que se incluem neste continuum envolvem muitas discussões, que estão sempre relacionadas às diversas formas de análise das questões relativas às habilidades sócio-comunicativas, lingüísticas e sócio-cognitivas. Entretanto, nota-se que a questão diagnóstica converge sempre para déficits na linguagem, cognição e socialização 1,2.

Em relação às habilidades sócio-comunicativas, alguns autores consideram-nas como pré-requisito para o desenvolvimento da linguagem 3-5. Alterações nestes aspectos têm consequências óbvias na arena social, o que ocorre com crianças com distúrbios do espectro autístico, as quais são inábeis em compreender e usar apropriadamente informações sociais relevantes, como as obtidas das faces dos outros 6-9.

O desenvolvimento do perfil comunicativo de crianças do espectro autístico pode acontecer de diferentes maneiras, considerando os meios comunicativos utilizados e as diferenças contextuais que podem influenciar diretamente na efetividade da comunicação. Entretanto, estudos comprovam que essas crianças são capazes de adquirir e desenvolver habilidades comunicativas 10,11. Por outro lado, essas crianças exibem déficits significativos nas habilidades sócio-cognitivas, sugerindo-se, então, uma conexão entre as alterações meta-representacionais e os déficits sociais 12,13.

Observou-se que crianças do espectro autístico são capazes de ampliar suas habilidades sócio-cognitivas, especialmente a imitação, generalizando-as para novas situações, além de apresentarem ganhos em comportamentos sócio-comunicativos, incluindo linguagem, jogo simbólico e atenção compartilhada 14.

O trabalho fonoaudiológico com crianças pertencentes ao espectro autístico busca, em fundamentos lingüísticos, idéias e formas de análise das alterações de linguagem apresentadas por esta população. Um elemento a mais na consolidação da ciência fonoaudiológica nesta área de atuação é a existência e a determinação de procedimentos avaliativos já validados quanto à possibilidade de retratar o perfil dos pacientes inseridos neste espectro em diferentes aspectos, sejam eles comunicativos, sócio-cognitivos ou sócio-comunicativos, o que contribui para que objetivos clínicos mais claros sejam traçados 15.

A valorização da perspectiva familiar é outro fator que vem sendo ressaltado na clínica fonoaudiológica, buscando, assim, considerar a percepção dos pais quanto ao desempenho e desenvolvimento de seus filhos, contribuindo para a efetividade do processo de reabilitação 15.

O objetivo deste estudo foi verificar se há correlações significativas entre os dados referentes ao perfil funcional da comunicação e os dados da adaptação sócio-comunicativa obtidos por meio de entrevistas individuais com os pais e com as terapeutas de crianças com Distúrbios do Espectro Autístico (DEA).

MÉTODOS

Participaram deste estudo 48 crianças, com idade entre 3 anos e 0 meses e 11 anos e 10 meses, com diagnóstico clínico incluído no espectro autístico, atribuído por médicos neurologistas e/ou psiquiatras segundo critérios específicos 16,17. Participaram também, respondendo a um questionário sobre o relacionamento social os responsáveis, legais e pelo atendimento fonoaudiológico especializado, das mesmas crianças, ou seja, 46 mães e dois pais e 15 terapeutas.

Como critérios de inclusão para esta pesquisa todas as crianças deveriam ter idades entre 3 anos e 0 meses e 11 anos e 11 meses, ter diagnóstico clínico incluído no espectro autístico e estar em atendimento semanal, no período mínimo de um ano, no Laboratório de Investigação Fonoaudiológica nos Distúrbios do Espectro Autístico do curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Faz-se necessário lembrar, que não houve critério de inclusão dos pais nesta pesquisa e que o nível sócio-econômico e educacional dos mesmos não foi uma variável considerada.

Para a coleta de dados do perfil funcional da comunicação foram fornecidos às crianças diversos materiais lúdicos a fim de propiciar situações de interação espontânea, atenção conjunta, uso da representação simbólica, além de incentivar a iniciativa comunicativa e o uso de respostas no discurso, sem a exigência de regras e procedimentos rígidos.

Desta forma, foram realizadas filmagens de um período de 30 minutos de brincadeira espontânea em situação clínica, sendo que o desempenho comunicativo foi analisado e registrado em protocolos específicos 18.

Para a coleta dos dados da adaptação sócio-comunicativa utilizou-se questionário 15 e o protocolo específico 19 apresentados nas Figuras 1 e 2.



Para a aplicação deste questionário, o pesquisador perguntava ao entrevistado a respeito da primeira exemplificação fornecida, caso este não compreendesse ou não conseguisse responder, apresentava-se o segundo exemplo, sendo as respostas obtidas anotadas no protocolo de registro específico.

Esta pesquisa foi encaminhada à Comissão de Ética da instituição e recebeu aprovação sob o protocolo nº- 420/04. Foi solicitada a autorização para a utilização dos dados, para fins de pesquisa, ao adulto responsável e às terapeutas responsáveis pelo cuidado de um cada dos sujeitos.

O programa SPSS (Statistical Package for Social Sciences), em sua versão 14.0 foi utilizado como instrumento para análise estatística dos dados. Para a aplicação dos testes estatísticos deste estudo foi adotado o nível de significância de 5% (α = 0,050 – significância adotada). Para este estudo foi realizado o teste de Correlação de Spearman 20.

RESULTADOS

Foi realizado o estudo das correlações entre os dados de adaptação sócio-comunicativa obtidos com os pais e o perfil funcional da comunicação em suas áreas específicas (número de atos comunicativos utilizados e expressos por minuto, percentual do espaço comunicativo ocupado, número de funções comunicativas utilizadas, e percentual dos meios comunicativos – gestual, vocal e verbal – bem como o percentual de funções comunicativas mais ou menos interpessoais). Na Tabela 1 apresentam-se os valores de significância e as explanações das referidas correlações.

Das 144 correlações possíveis pode-se observar apenas cinco correlações positivas estatisticamente significantes. Nota-se uma correlação significante entre o número de funções comunicativas e o estágio 4 do nível 2, e quatro correlações entre o percentual de uso do meio comunicativo verbal e os estágios 2 do nível 1, estágio 1 do nível 2 e estágios 2 e 4 do nível 3.

É necessário considerar que quanto maior a amostra, menores serão os coeficientes de correlação, ou seja, mais próximos de zero serão os coeficientes de correlação, sendo isto esperado e previsto pelo teste, o que não invalida a conclusão a ser tirada em função dos resultados obtidos pelo mesmo (Tabela 1).

No estudo da correlação do perfil funcional da comunicação com os dados de adaptação sócio-comunicativa obtidos com as terapeutas, das 144 correlações possíveis foram encontradas 43 correlações estatisticamente significativas, sendo neste total 11 correlações negativas e 32 correlações positivas. Todas as correlações estatisticamente significativas estão enumeradas e explanadas na Tabela 2.

Quanto à correlação do número de atos comunicativos expressos pelas crianças com os dados de adaptação sócio comunicativa, foram encontradas oito correlações positivas, com os estágios 2 e 4 do nível 1, estágios 1, 2 e 3 do nível 2, estágios 2 e 4 do nível 3 e estágio 2 do nível 4.

Na relação entre o percentual do espaço comunicativo ocupado pelos sujeitos e os níveis e estágios de adaptação sócio-comunicativa, só foi observada uma correlação estatisticamente significativa, sendo esta negativa e referente ao estágio 3 do nível 4.

Em relação ao número de atos comunicativos expressos por minuto pelos sujeitos e os dados de adaptação sócio-comunicativa, os resultados demonstraram oito correlações estatisticamente significativas, destes com os níveis e estágios apresentados a seguir, respectivamente, 1 e 2, 1 e 3, 2 e 1, 2 e 2, 2 e 3, 3 e 2, 3 e 4, 4 e 3.

Obtiveram-se duas correlações estatisticamente significativas positivas e duas negativas quanto à relação do percentual de funções comunicativas, mais interpessoais e menos interpessoais, respectivamente, expressas e o estágio 2 e 4 do nível 1.

Observam-se três correlações significativas e positivas entre o número de funções comunicativas utilizadas pelos sujeitos e os estágios 1 e 2 do nível 1 e estágio 4 do nível 3.

Quanto à relação entre o percentual de uso dos meios comunicativos e os níveis e estágios da escala de adaptação sócio-comunicativa obtidos com os terapeutas, foram encontradas 11 correlações significativas e positivas entre o uso do meio verbal e os estágios 2, 3 e 4 do nível 1, estágios 1 e 4 do nível 2, estágios 1, 2 e 4 do nível 3 e estágios 2, 3 e 4 do nível 4. Na relação com o uso do meio vocal, apenas uma correlação estatisticamente significante foi encontrada, sendo esta negativa quanto ao estágio 3 do nível 4. Entretanto, sete correlações, também negativas, foram observadas quanto ao meio gestual e os estágios 4 do nível 2, estágios 1, 2 e 4 do nível 3, estágio 4 do nível 3 e estágios 2, 3 e 4 do nível 4 da escala (Tabela 2).

Pode-se observar que os resultados referentes à adaptação sócio-comunicativa obtida a partir de entrevistas com terapeutas apresentaram maiores correlações com o perfil funcional da comunicação do que aqueles obtidos a partir de entrevistas com familiares. De forma geral, o estudo das correlações entre os aspectos do perfil funcional da comunicação e da adaptação sócio-comunicativa não apresentaram um grande número de correlações, sendo este número ainda menor quando os pais foram os informantes.

DISCUSSÃO

Um aspecto interessante a ser observado é que correlações importantes entre as áreas de linguagem e adaptação sócio-comunicativa foram encontradas na situação em que os pais foram os informantes, principalmente em relação ao percentual de uso do meio verbal, que foi o aspecto mais correlacionado com as habilidades de relacionamento social. Os resultados indicam que quanto maior o percentual de uso do meio verbal tanto mais presente está a habilidade de utilizar expressões não-verbais do parceiro como referência crítica para suas ações, a habilidade de gostar e reagir bem ou não às novidades introduzidas, de descobrir sua criatividade e imaginação, aprendendo a se divertir como um parceiro igual na co-criação; e a habilidade de experenciar a alegria de dividir percepções com amigos, o que parece confirmar a idéia de que existem diferenças individuais no uso das habilidades de adaptação sócio-comunicativas que são associadas com os resultados de linguagem 10,11. O desenvolvimento das habilidades sociais é associado a mudanças na linguagem receptiva e expressiva, bem como a apresentação de níveis de linguagem mais elaborados; sendo que crianças que respondem com maior freqüência a oportunidades de atenção compartilhada apresentam maiores ganhos nas habilidades de linguagem 7.

Foram também observadas várias correlações entre as demais áreas do perfil funcional da comunicação e da adaptação sócio-comunicativa segundo dados obtidos com as terapeutas, como o número de funções comunicativas utilizadas, números de atos comunicativos totais e expressos por minuto, percentual de espaço comunicativo ocupado, percentual de uso dos meios verbal e gestual, percentual de uso das funções mais e menos interpessoais. Esses dados demonstram que, de uma forma geral, esses informantes consideram a possibilidade dessas crianças adquirir e desenvolver habilidades comunicativas as quais podem influenciar diretamente nas demais áreas do desenvolvimento lingüístico e sócio-comunicativo. Esses dados corroboram as idéias de que esse desenvolvimento social e lingüístico de crianças do espectro autístico pode acontecer de diferentes maneiras, sendo necessário levar em consideração todos os meios comunicativos utilizados e as diferenças contextuais e individuais, que podem influenciar diretamente na efetividade da comunicação 10,11.

Neste mesmo estudo de correlações, na situação em que as terapeutas foram as informantes, observa-se a relação entre: quanto mais presente está a habilidade de referência social (estágio 2 do nível 1) maior é o número de funções comunicativas utilizadas, o número de atos comunicativos expressos, e o percentual de uso de funções mais interpessoais; corroborando assim as conclusões de que, a socialização requer habilidades de comunicação efetivas, incluindo comunicação não-verbal e que a compreensão das expressões faciais é um ingrediente fundamental no comportamento social. Mas os dados discordam dos autores quando eles afirmam que crianças com distúrbios do espectro autístico são inábeis em compreender e usar apropriadamente informações sociais relevantes obtidas das faces dos outros 8.

Considerando ainda o estudo de correlações, tendo as terapeutas como informantes, observa-se a relação entre quanto mais presente a habilidade de aprender e realizar ações por meio de imitações (estágio 3 do nível 1), maior o número de atos comunicativos expressos por minuto e o percentual de uso do meio verbal, o que corrobora o achado 14 de que crianças do espectro autístico desenvolveram suas habilidades de imitação, sendo capazes de generalizá-las para novas situações, além de apresentarem ganhos em comportamentos sócio-comunicativos, incluindo linguagem, jogo simbólico e atenção compartilhada. Entretanto, esses dados discordam em parte dos achados de alguns estudiosos 12,13, no sentido de que crianças com autismo freqüentemente apresentam profundos déficits nas habilidades de troca social, como a atenção conjunta ou o jogo social imitativo, além de déficits na imitação simples de atos motores, sendo que estas falhas nas habilidades sociais não somente impedem uma interação recíproca, mas também podem retardar o desenvolvimento do comportamento sócio-comunicativo e ampliar o desnível entre estas.

Finalizando o estudo de correlações, na situação em que as terapeutas foram as informantes, observa-se ainda a relação entre as habilidades de dividir percepções (nível 3 estágio 4) e imaginações (nível 4 estágio 2), compartilhar idéias e ser capaz de combiná-las (nível 4 estágio 3), ter amigos (nível 4 estágio 4) e outras áreas do perfil funcional da comunicação - o aumento no percentual de uso do meio verbal e o decréscimo no uso do meio gestual – como o aumento no número de funções utilizadas e de atos comunicativos expressos, e a diminuição do percentual de uso do espaço comunicativo. Isso corrobora as idéias 3-5 de que a habilidade de orientação para o ponto de vista do outro é a chave para o desenvolvimento sócio-lingüístico. Sendo assim, a criança é capaz de usar e compreender comportamentos não-verbais apropriados, respeitar regras conversacionais, seqüenciar e integrar as informações baseadas em experiências passadas, adaptando-se ao contexto social.

CONCLUSÃO

De forma geral, concluiu-se que há correlações significantes entre os dados do perfil funcional da comunicação e os dados da adaptação sócio-comunicativa obtidos por meio de entrevistas individuais com os pais e com as terapeutas de crianças com Distúrbios do Espectro Autístico. Apesar deste estudo não apresentar um grande número de correlações significativas, este número foi ainda menor quando os pais foram os informantes.

A análise do relacionamento entre o perfil comunicativo e a adaptação sócio-comunicativa evidenciou a interdependência das áreas estudadas e a possibilidade de crianças do espectro autístico extrair pistas lingüísticas e não-lingüísticas do meio comunicativo, associando-as com os ganhos na linguagem e no desempenho sócio-cognitivo. A utilização dos pais e das terapeutas na coleta dos dados de adaptação sócio-comunicativa possibilitou a troca produtiva de informações e a formação de parcerias no processo de reabilitação.

Recebido em: 05/08/2008

Aceito em: 30/11/2008

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Aceito
      30 Nov 2008
    • Recebido
      05 Ago 2008
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