Acessibilidade / Reportar erro

Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética

Functional characterization and temporomandibular disorders before and after orthognathic surgery and myofunctional treatment of class II dentofacial deformity

Resumos

OBJETIVO: investigar as características funcionais e de disfunções temporomandibulares em indivíduos com deformidade dentofacial do tipo Classe II esquelética com indicação de cirurgia ortognática, assim como sua evolução após correção cirúrgica das bases ósseas e reabilitação miofuncional orofacial, buscando subsídios para o aprimoramento de reabilitação desses pacientes. MÉTODO: estudo longitudinal com 22 indivíduos com deformidade dentofacial Classe II, definidos após análise de critérios de inclusão e exclusão. A investigação dos dados referentes às queixas gerais, disfunções temporomandibulares e funções estomatognáticas foi realizada em avaliação miofuncional orofacial prévia à cirurgia, e em reavaliação quatro meses após realização da cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica. Foi utilizado teste de igualdade de duas proporções para análise estatística. RESULTADOS: as principais queixas foram funcionais. Constatou-se presença de disfunção temporomandibular na maioria da amostra, com remissão dos sinais em 81% dos casos comprometidos. A caracterização das funções estomatognáticas foi descrita, sendo obtida melhora funcional após os tratamentos com diferenças estatisticamente significantes. CONCLUSÃO: os tratamentos, cirúrgico e fonoaudiológico, produzem modificações dos padrões funcionais e dos sinais de disfunção temporomandibular com redução das queixas iniciais, redução dos sinais e correção dos padrões funcionais, sendo a deglutição a função mais beneficiada pelos tratamentos.

Transtornos da Articulação Temporomandibular; Retrognatismo; Mastigação; Deglutição; Fala; Reabilitação


PURPOSE: to investigate and to describe the functional characterization and temporomandibular disorders (TMD) before and after orthognathic surgery and myofunctional treatment of Class II Dentofacial deformity patients. METHOD: a longitudinal study including 22 subjects with Class II dentofacial deformity, defined after analysis of inclusion and exclusion criteria, was conducted. The investigation was divided in 2 steps: myofunctional evaluation prior to the surgery and a re-evaluation 4 months after the orthognathic surgery and myofunctional treatment. Statistical tests were used to compare the data. RESULTS: initial complaints included functional difficulties. The functional disorders were described. TMD was observed in the majority of the sample. After treatment the complaints decreased; the majority of the patients showed remission of the TMD and functional improvement. CONCLUSION: there are specific myofunctional modifications related to the stomatognathic functions and to TMD in Class II Dentofacial deformity patients. Both the surgery and the speech therapy produced myofunctional modifications, with reduction of initial complaints, as well as a decrease of TMD and correction of functional patterns. The swallowing function was the most benefited by the treatments.

Temporomandibular Joint Disorders; Retrognathism; Mastication; Deglutition; Speech; Rehabilitation


Caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares pré e pós cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial classe II esquelética

Functional characterization and temporomandibular disorders before and after orthognathic surgery and myofunctional treatment of class II dentofacial deformity

Juliana Bartolomucci Angeli PereiraI; Esther Mandelbaum Gonçalves BianchiniII

IFonoaudióloga, Mestre em Fonoaudiologia – Programa de Pós-graduação da Universidade Veiga de Almeida, Mestrado Profissional em Fonoaudiologia, UVA-RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIFonoaudióloga, Professora adjunto do Programa de Pós-graduação – Mestrado em Fonoaudiologia da Universidade Veiga de Almeida, UVA-RJ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, Doutora em Ciências – Fisiopatologia Experimental FMUSP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Juliana Bartolomucci Angeli Pereira Rua Coronel Norberto de Melo, 63, Barra Mansa, RJ, Brasil CEP: 27350-100 E-mail: pereira.juliana2008@gmail.com

RESUMO

OBJETIVO: investigar as características funcionais e de disfunções temporomandibulares em indivíduos com deformidade dentofacial do tipo Classe II esquelética com indicação de cirurgia ortognática, assim como sua evolução após correção cirúrgica das bases ósseas e reabilitação miofuncional orofacial, buscando subsídios para o aprimoramento de reabilitação desses pacientes.

MÉTODO: estudo longitudinal com 22 indivíduos com deformidade dentofacial Classe II, definidos após análise de critérios de inclusão e exclusão. A investigação dos dados referentes às queixas gerais, disfunções temporomandibulares e funções estomatognáticas foi realizada em avaliação miofuncional orofacial prévia à cirurgia, e em reavaliação quatro meses após realização da cirurgia ortognática e reabilitação fonoaudiológica. Foi utilizado teste de igualdade de duas proporções para análise estatística.

RESULTADOS: as principais queixas foram funcionais. Constatou-se presença de disfunção temporomandibular na maioria da amostra, com remissão dos sinais em 81% dos casos comprometidos. A caracterização das funções estomatognáticas foi descrita, sendo obtida melhora funcional após os tratamentos com diferenças estatisticamente significantes.

CONCLUSÃO: os tratamentos, cirúrgico e fonoaudiológico, produzem modificações dos padrões funcionais e dos sinais de disfunção temporomandibular com redução das queixas iniciais, redução dos sinais e correção dos padrões funcionais, sendo a deglutição a função mais beneficiada pelos tratamentos.

Descritores: Transtornos da Articulação Temporomandibular; Retrognatismo; Mastigação; Deglutição; Fala; /cirurgia; Reabilitação

ABSTRACT

PURPOSE: to investigate and to describe the functional characterization and temporomandibular disorders (TMD) before and after orthognathic surgery and myofunctional treatment of Class II Dentofacial deformity patients.

METHOD: a longitudinal study including 22 subjects with Class II dentofacial deformity, defined after analysis of inclusion and exclusion criteria, was conducted. The investigation was divided in 2 steps: myofunctional evaluation prior to the surgery and a re-evaluation 4 months after the orthognathic surgery and myofunctional treatment. Statistical tests were used to compare the data.

RESULTS: initial complaints included functional difficulties. The functional disorders were described. TMD was observed in the majority of the sample. After treatment the complaints decreased; the majority of the patients showed remission of the TMD and functional improvement.

CONCLUSION: there are specific myofunctional modifications related to the stomatognathic functions and to TMD in Class II Dentofacial deformity patients. Both the surgery and the speech therapy produced myofunctional modifications, with reduction of initial complaints, as well as a decrease of TMD and correction of functional patterns. The swallowing function was the most benefited by the treatments.

Keywords: Temporomandibular Joint Disorders; Retrognathism; Mastication; Deglutition; Speech; /surgery; Rehabilitation

INTRODUÇÃO

As deformidades dentofaciais (DDF) determinam características miofuncionais específicas, peculiares ao tipo de desproporção, tais como alterações da postura habitual de lábios e língua, assimetrias musculares, disfunções temporomandibulares (DTM), desvios nas funções de mastigação, deglutição, fala e respiração 1-5.

As alterações miofuncionais, por sua vez, determinam mudanças no sistema estomatognático (SE) para que esse se adapte às respostas musculares, podendo originar sobrecarga funcional e alterações no funcionamento da ATM 2,5,6. Nesse sentido, as alterações dentoesqueléticas podem ser consideradas como fator de risco para o desenvolvimento de disfunções temporomandibulares não apenas devido às maloclusões como também às adaptações miofuncionais e à sobrecarga associada a alteração das bases ósseas 1,5-9.

A ocorrência de sinais e sintomas de disfunções temporomandibulares em pacientes com deformidades dentofaciais tem sido largamente discutida na literatura1,2,4,9,10-14. Diversos estudos indicam maior incidência de sinais de alteração da articulação temporomandibular (ATM), tais como estalos, dor orofacial e redução da amplitude dos movimentos mandibulares, gerando maior dificuldade na realização das funções estomatognáticas 2,8,9,15-17, principalmente nos indivíduos com Classe II esquelética 18-20.

Além das repercussões funcionais destacam-se, nos pacientes portadores de deformidades dentofaciais, as alterações da harmonia e da estética da face, podendo causar implicações psicológicas, sociais e profissionais para os pacientes e consequentemente na qualidade de vida do indivíduo 10,21-23.

A cirurgia ortognática (CO) tornou-se uma das grandes conquistas no tratamento dessas deformidades, pois busca restaurar a função, primando pela estética 21,24. O reposicionamento das bases ósseas, obtido por meio da CO, em muitos casos modifica a musculatura orofacial, induzindo novas respostas adaptativas, em sua maioria, benéficas 25,26. Porém, nem sempre esta modificação muscular ocorre da maneira esperada, ocasionando dificuldades em relação à mastigação e a deglutição 5,9,27.

Mediante as modificações estruturais e oclusais, a reabilitação fonoaudiológica mostra-se eficaz, na busca da adequação funcional do sistema estomatognático, contribuindo para a diminuição das possíveis recidivas provocadas pela manutenção de padrões adaptativos inadequados 5,9,26.

O objetivo do presente estudo foi investigar as características funcionais e de disfunções temporomandibulares em indivíduos portadores de deformidade dentofacial do tipo Classe II esquelética com indicação de cirurgia ortognática, assim como sua evolução após correção cirúrgica das bases ósseas e reabilitação miofuncional orofacial, buscando subsídios para o aprimoramento de reabilitação desses pacientes.

MÉTODO

Trata-se de estudo longitudinal com pacientes com deformidade dentofacial do tipo Classe II, realizado por meio de levantamento e análise dos dados de avaliações miofuncionais orofaciais realizadas durante os procedimentos de avaliação pré-cirúrgica e reavaliações pós-cirúrgicas, encaminhados e atendidos em um período pré-determinado de 18 meses.

A partir da verificação de 128 pacientes com DDF encaminhados para avaliação miofuncional orofacial associado à indicação de cirurgia ortognática, foram selecionados os participantes do estudo a partir dos seguintes critérios.

- Critérios de inclusão: apresentar DDF do tipo Classe II esquelética com padrão facial vertical associado; realizar todas as etapas propostas para essa pesquisa, incluindo avaliação fonoaudiológica pré-cirúrgica; reavaliação imediata de 10 a 15 dias após a cirurgia definindo início do trabalho fonoaudiológico; reabilitação fonoaudiológica miofuncional pós-cirúrgica; reavaliação após quatro meses dos procedimentos propostos (cirúrgico e fonoaudiológico miofuncional orofacial).

- Critérios de exclusão: apresentar quaisquer outros tipos de DDF associada, tais como assimetria maxilar esquelética e/ou laterognatismo, prognatismo e/ou deficiência maxilar; apresentar quaisquer déficits neurológicos e cognitivos; ser portados de DDF associada a síndromes genéticas ou traumas faciais e alteração morfológica da ATM congênita ou adquirida.

Após a verificação dos critérios de inclusão e exclusão, participaram 22 sujeitos, de ambos os sexos.

Para a caracterização da DTM foram considerados ao menos três sintomas e sinais determinantes, tais como limitações dos movimentos mandibulares, ruídos articulares, travamentos mandibulares, sendo imprescindível a presença de dor 2,8,.

A investigação das funções estomatognáticas analisou aspectos específicos referentes à mastigação, deglutição e articulação da fala, considerando-se parâmetros da literatura quanto às possíveis alterações a serem encontradas 2,5,6,16.

A mastigação foi considerada alterada na ocorrência de: ausência de vedamento labial; movimentos mandibulares incoordenados, predominante verticalizados; alterações de ritmo; falta de uso de músculos bucinadores; alteração em mobilidade de língua tal como amassamento do alimento pela língua contra o palato detectado por meio de visualização da língua em protrusão durante o ato da mastigação; preferência mastigatória unilateral sistemática quando houve mais de 66% dos ciclos mastigatórios em um mesmo lado; ou bilateral simultânea, quando o alimento era distribuído dos dois lados ao mesmo tempo; perceptível e acentuado deslize anterior da mandíbula.

A deglutição foi considerada alterada na ocorrência de: contração excessiva de musculatura perioral; deslize mandibular lateral ou anterior; pressionamento anterior da língua com movimento invertido da mesma (movimento ondulatório invertido – póstero-anterior – sem interposição); interposição de língua entre as arcadas; pressionamento da língua nas arcadas ou apoio inferior; interposição labial entre as arcadas para auxílio no vedamento labial; movimento de cabeça associado à função.

A fala foi considerada alterada na ocorrência de: redução da amplitude vertical do movimento mandibular caracterizado pela articulação com mínima abertura da boca; movimentos dos músculos faciais diminuídos trazendo prejuízo na clareza da fala; desvios em lateralidade, caracterizado pela mudança no percurso da trajetória mandibular, da região central para a lateral esquerda ou direita durante a fala; protrusão mandibular anterior excessiva e facilmente visualizada; desvios em protrusiva associados a desvios de lateralidade, caracterizado pela presença das duas características ocorrendo concomitantemente28, distorções fonéticas na articulação da fala, tais como projeção lingual nos fones linguoalveolares [t], [d], [n] e [l]; e interposição lingual anterior ou escape de ar (distorção audível) nos fones fricativos [s], [z], [∫] e [Ʒ]; aumento da atividade da musculatura perioral.

A definição do período de reavaliação em quatro meses foi instituída com base no prazo de reabilitação usual e período de programação terapêutica miofuncional orofacial entre oito e 16 sessões. O protocolo de reabilitação miofuncional orofacial após a cirurgia ortognática iniciou-se na segunda semana de pós-operatório, com programação de um atendimento semanal, constando de: drenagem manual de edemas; liberação da musculatura cervical; oxigenação em musculatura levantadora de mandíbula; exercícios isotônicos em músculos orais, periorais e da mastigação; direcionamento da mobilidade mandibular; percepção e treinos funcionais dirigidos sistemáticos de respiração nasal, mastigação, deglutição e de fala associados. As terapias fonoaudiológicas foram realizadas sempre pelo mesmo terapeuta.

O levantamento dos casos, as avaliações e reavaliações, assim como a verificação de todos os dados finais foram acompanhados e revisados por três juízes fonoaudiólogos com mais de 10 anos de experiência na área.

Esta pesquisa foi realizada após processos éticos pertinentes: análise e aprovação pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida – RJ, sob o número 128/08, sendo considerada sem risco e com necessidade de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Os dados foram tabulados e analisados nas etapas pré e pós tratamentos utilizando-se estatística descritiva e análises específicas para verificação de relevância estatística por meio de teste de Igualdade de Duas Proporções. Foi adotado o nível de significância de 5% (0,050). Foram utilizados os softwares: SPSS (Statistical Package for Social Sciences) na versão 11.5, Minitab 14 e Excel XP.

RESULTADOS

A amostra caracterizou-se por 22 sujeitos de ambos os sexos, média de idade 34 anos, com deficiência mandibular presente em 100% dos casos seguido por excesso maxilar associado à deficiência mandibular (50,0%), com predomínio de cirurgias bimaxilares (77,3%),

As queixas iniciais principais, em ordem decrescente foram: dificuldades funcionais (63,6%), sintomatologia de DTM (59,1%), e estética (36,4%). A comparação dos resultados quanto à presença de queixas pré e pós tratamentos encontra-se na tabela 1.

A presença de DTM foi verificada em 72,7% da amostra, sendo sinais mais frequentes, em ordem decrescente: dor à palpação, ruído articular, alteração da amplitude e presença de desvios do movimento mandibular com assimetria do movimento condilar. Foi constatada remissão da DTM em 81,8% da amostra (p< 0,001).

A comparação entre os sinais de DTM pré e pós tratamentos encontra-se na tabela 2.

Quanto às funções estomatognáticas analisadas, na etapa de avaliação inicial foram constatadas alterações em 100% dos participantes, sendo que os sujeitos apresentaram várias características alteradas, em especial na avaliação pré-cirúrgica.

Após os tratamentos, cirúrgico e fonoaudiológico, constatou-se melhora funcional com diferença significativa entre as avaliações (p< 0,001). Observou-se adequação da deglutição em 81,8% da amostra, da fala em 77,3% e da mastigação em 54,5% da amostra;

A tabela 3 mostra a caracterização e comparação dos dados da avaliação funcional da mastigação pré e pós tratamentos.

A tabela 4 mostra a caracterização e comparação dos dados da avaliação funcional da deglutição pré e pós tratamentos.

A tabela 5 mostra a comparação entre os dados da avaliação funcional da fala pré e pós tratamentos.

DISCUSSÃO

A partir da verificação de 128 de pacientes com DDF com indicação de cirurgia ortognática encaminhados para avaliação e conduta fonoaudiológica, a amostra caracterizou-se por 22 sujeitos devido aos critérios de inclusão e exclusão, sendo que a maior ocorrência de exclusão deveu-se a presença de outros tipos de DDF (63,4%) seguido de casos com acompanhamento apenas no pós-cirúrgico (33,6%). Esse último dado mostra que, embora a indicação para Fonoaudiologia seja frequente, ainda existem muitos casos encaminhados apenas após a realização da cirurgia. Esse fato pode ser desfavorável, uma vez que não são obtidos os dados de referência quanto à caracterização miofuncional prévia à cirurgia, dificultando o diagnóstico do que pode ser manutenção de padrão anterior ou estabelecimento de atipias como respostas desfavoráveis ao procedimento cirúrgico, conforme dados de publicações anteriores 5-9.

A caracterização da amostra, predominando deficiência mandibular e excesso maxilar com cirurgias bimaxilares foi similar a outros estudos 1,11,12,29.

As queixas principais encontradas na etapa pré-cirúrgica foram muitas e variadas como apontam estudos anteriores 4,10,14,23, constatando-se redução significativa das queixas funcionais e estética após quatro meses dos tratamentos. Esses dados vão de acordo com estudos que analisam o papel do reposicionamento cirúrgico das bases ósseas e da fonoterapia na reabilitação por meio do direcionamento miofuncional 5,9,10,21.

A presença de DTM foi verificada em grande parte da amostra, cujos sinais mais frequentes concordam com a literatura 2,8,9,13,16,17. A remissão dos sinais de DTM após tratamentos em grande parte da amostra, apesar da queixa de DTM não ter melhorado significativamente, pode estar relacionada ao fato de que, nesse estudo, para a caracterização de presença da DTM foi necessária a existência de ao menos três sintomas e sinais 13,17,19, incluindo a presença da dor. Já, quanto à queixa, foi considerado ao menos um sintoma, que depende exclusivamente da percepção do sujeito 7.

A alteração na amplitude dos movimentos mandibulares na avaliação pré-cirúrgica foi verificada em grande número dos sujeitos. Quanto a esse sinal, especificamente, não foi constatada melhora significativa após os tratamentos. Apesar dos valores de amplitude estarem próximos dos limites de referência 2,5 adotados no presente estudo, a maior parte dos sujeitos apresentou valores abaixo desses limites, caracterizando alteração dessa variável. A maior incidência de sinais de alteração da ATM, tais como estalos e/ou dor orofacial, redução das amplitudes máximas de abertura da boca, principalmente nos indivíduos com Classe II esquelética tem sido detectada em diversos estudos 2,18-20. Outro aspecto a ser abordado diz respeito ao tipo de cirurgia. No presente estudo todos os participantes realizaram osteotomia mandibular para avanço, indicada para pacientes com Classe II esquelética 24,27. Conforme dados de literatura 19,21,27, esse tipo de procedimento pode tornar mais difícil a recuperação e a estabilidade dos resultados devido à distensão da musculatura supra-hióidea causando sobrecarga na ATM e consequentemente maior dificuldade em movimentos amplos.

A avaliação miofuncional orofacial evidenciou alteração de todas as funções estomatognáticas na avaliação inicial nesse grupo, bem como a melhora significativa dessas na avaliação após os tratamentos realizados, concordando com estudos anteriores 3,10,21,26. Os dados obtidos mostraram que a maior organização funcional referiu-se à deglutição, podendo-se inferir que o avanço mandibular e a correção da discrepância das bases ósseas permitiram grande facilitação do processo de deglutição, viabilizando os espaços para o direcionamento e correção funcionais 5,6,21,22,24.

A dificuldade no desempenho mastigatório, prévia ao tratamento cirúrgico, foi constatada na amostra, concordando com a colocação de diversos autores que consideram que as deformidades dentofaciais podem gerar redução da habilidade para mastigar em função das discrepâncias das bases ósseas e consequente maloclusão 5,10,22,27. A dificuldade de máxima intercuspidação associada ao movimento mandibular usado na mastigação pode direcionar adaptações funcionais como a mastigação unilateral, com intuito de facilitação do processo mastigatório 5,6 sendo esse o comportamento mastigatório de maior frequência, observado na avaliação prévia à cirurgia ortognática. Comparando com os resultados após os tratamentos, constatou-se melhora significativa desse padrão mastigatório, caracterizando a influência da CO e da reabilitação fonoaudiológica na redução da ocorrência de alterações mastigatórias, concordando com trabalhos anteriores 3,9. Além desse comportamento mastigatório, outros aspectos também foram influenciados pelas terapêuticas utilizadas, tais como: organização do vedamento labial, redução do deslize anterior da mandíbula e aumento do número de ciclos mastigatórios. Após os tratamentos propostos, ainda foram constatadas alterações da mastigação em 45,5% da amostra. Esse dado pode estar associado ao fato da situação oclusal definitiva ainda não encontrar-se estabilizada 15,16,, uma vez que os pacientes continuavam em terapêutica ortodôntica. A ocorrência de sinais de DTM nesses sujeitos também pode ser fator associado determinante das alterações remanescentes na mastigação 2,16, sugerindo a necessidade de acompanhamento da evolução dos padrões de mastigação, assim como da DTM em intervalos de tempo maiores.

Com relação à deglutição, o padrão inicial de interposição de língua entre as arcadas prevaleceu sobre as demais alterações da deglutição, concordando com a literatura 6. A melhora do padrão funcional observada nas reavaliações após os tratamentos propostos caracterizam a influência dos procedimentos na correção desse padrão de deglutição. A redução da ocorrência de contração perioral, deslize anterior da mandíbula, pressionamento das arcadas pela língua e interposição de lábio inferior também parecem ter sido influenciados pela organização de espaços e terapêutica utilizada.

A alteração mais frequente encontrada na avaliação inicial da fala foi a distorção fonética seguida por deslize mandibular anterior, concordando com a literatura pesquisada 5,6,28. A correção desse padrão, assim como da interposição lingual anterior e acúmulo de saliva nas comissuras labiais foram influenciadas pelas terapêuticas utilizadas.

A estabilização dos resultados ortodôntico-cirúrgicos é controversa, especialmente ao considerarmos que as pesquisas para averiguar tais dados utilizam metodologias muito diferentes, com instrumentos de avaliação também variados 9,11,12,18,19,,24-27. O período de reavaliação de quatro meses instituído nesse trabalho mostrou-se suficiente considerando-se a proposta fonoaudiológica de reabilitação em aproximadamente três meses de terapia. Esse prazo curto de reabilitação garante a adesão e a ausência de abandono do tratamento. Pode-se inferir que os resultados positivos quanto às queixas iniciais, a melhora tanto das funções estomatognáticas quanto da funcionalidade da ATM parecem mostrar que, quando instituído um processo de reabilitação objetiva voltada para esse tipo de problema, a acomodação miofuncional ocorre em período mais curto que o apontado em trabalhos anteriores. Um deles aponta como mais coerente e aceitável a análise desses resultados a partir do sexto mês, quando ocorre acomodação satisfatória dos tecidos moles e regressão do edema 29. De acordo com os dados encontrados no presente estudo, pode ser sugerida a revisão dos prazos de reabilitação e de reavaliação, levando-se em conta a intervenção fonoaudiológica na fase pós-cirúrgica para estabilidade do tratamento e aceleração dos resultados obtidos com o reposicionamento das bases ósseas5,9.

Essa pesquisa permitiu verificar a caracterização das funções estomatognáticas e disfunções temporomandibulares, assim como os resultados dos tratamentos propostos, especificamente em sujeitos com deformidade dentofacial do tipo Classe II esquelética. Entretanto, considera-se limitação do estudo não haver um grupo sem reabilitação fonoaudiológica sendo reavaliado no mesmo prazo, para possibilitar a verificação da eficiência específica do trabalho fonoaudiológico. Apesar de não ter sido esse o objetivo do estudo, cabe a sugestão para estudos futuros.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados analisados pode-se concluir que indivíduos com deformidade dentofacial Classe II esquelética apresentam como caracterização:

- queixas funcionais, sintomas de disfunções temporomandibulares e queixas estéticas;

- disfunções temporomandibulares com os seguintes sinais mais frequentes: dor à palpação, ruído articular, alteração da amplitude e desvios do movimento mandibular;

- alterações de mastigação, de deglutição e de articulação da fala.

Os tratamentos, cirúrgico e fonoaudiológico, produzem modificações dos padrões funcionais e dos sinais de disfunções temporomandibulares, com redução das queixas iniciais, redução das disfunções temporomandibulares e correção dos padrões funcionais; sendo a deglutição a função mais beneficiada pelos tratamentos.

Os resultados favoráveis quanto aos padrões funcionais orofaciais e disfunções temporomandibulares na amostra estudada parecem evidenciar a importância da correção cirúrgica e reabilitação fonoaudiológica da deformidade dentofacial Classe II, para a adequação e estabilidade do complexo orofacial.

Recebido em: 10/03/2011

Aceito em: 18/06/2011

Conflito de interesses: inexistente

  • 1. Egemark I, Blomqvist JE, Cromvik U, Isaksson S. Temporomandibular dysfunction in patients treated with orthodontics in combination with orthognathic surgery. Eur J Orthod. 2000;22(5):537-44.
  • 2. Felício CM, Braga APG. Sinais e sintomas de desordem temporomandibular em pacientes orto-cirúrgicos. J Bras Ortodon Ortop Facial. 2005;10(56):187-94.
  • 3. Trawitzki LVV, Dantas RO, Mello-Filho FV, Marques W Jr. Effect of treatment of dentofacial deformities on the electromyographic activity of masticatory muscles. Int J Oral Maxillofac Surg. 2006;35(2):170-3.
  • 4. Abrahamsson C, Ekberg E, Henrikson T, Bondemark L. Alterations of temporomandibular disorders before and after orthognathic surgery. Angle Orthod. 2007;77(4):729-34.
  • 5. Bianchini EMG. Fonoaudiologia em Cirurgia Ortognática. In: Manganello LCS; Silveira ME, organizadores. Cirurgia Ortognática e Ortodontia. 2 ed.São Paulo: Editora Santos; 2010, v.1, p. 257-77.
  • 6. Bianchini EMG. Avaliação fonoaudiológica da motricidade oral: distúrbios miofuncionais orofaciais ou situações adaptativas. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2001;6(3):73-82.
  • 7. Bianchini EMG. Avaliação Fonoaudiológica da Motricidade Orofacial: Anamnese, Exame Clínico, O quê e Por que avaliar. In: Bianchini EMG, organizadora. Articulação Temporomandibular Implicações, Limitações e Possibilidades Fonoaudiológicas. 2ed. Barueri SP:Pró-Fono; 2010, p. 193-256.
  • 8. Bianchini EMG, Paiva G, Andrade CRF. Movimentos mandibulares na fala: interferência das disfunções temporomandibulares segundo índices de dor. Pró Fono, 2007;19(1):7-18.
  • 9. Silva MMA, Ferreira AT, Migliorucci RR, Nari Filho H, Berretin-Felix G. Influência do tratamento ortodôntico-cirúrgico nos sinais e sintomas de disfunção temporomandibular em indivíduos com deformidades dentofaciais Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2011;16(1):80-4.
  • 10. Nurminen L, Pietila T, Vinkka-Puhakka H. Motivation for and satisfaction with orthodontic-surgical treatment: a retrospective study of 28 patients. Eur J Orthod. 1999;21(1):79-87.
  • 11. Panula K, Somppi M, Finne K, Oikarinen K. Effects of orthognathic surgery on temporomandibular joint dysfunction. A controlled prospective 4-year follow-up study. Int J Oral Maxillofac Surg. 2000;29(3):183-7.
  • 12. Westermark A, Shayeghi F, Thor A. Temporomandibular dysfunction in 1516 patients before and after orthognathic surgery. Int J Adult Orthod Orthognath Surg. 2001;16(2):145-51.
  • 13. Wolford LM, Karras S, Mehra P. Concomitant temporomandibular joint and orthognathic surgery: a preliminary report. J Oral Maxillofac Surg. 2001;60(1):356-62.
  • 14. Cascone P, Di Paolo C, Leonardi R, Pedullà E. Temporomandibular disorders and orthognathic surgery. J Craniofac Surg. 2008;19(3):687-92.
  • 15. Fijii T. Occlusal conditions just after the relief of temporomandibular joint and masticatory muscle pain. J Oral Rehabil. 2002;29(4):323-9.
  • 16. Felício CM, Melchior MO, da Silva MAMR, Celeguini RMS. Desempenho mastigatório em adultos relacionados com a desordem temporomandibular e com a oclusão. Pró Fono. 2007;19(2):151-8.
  • 17. Bianchini EMG, Paiva G, Andrade CRF. Mandibular movement patterns during speech in subjects with temporomandibular disorders and in asymptomatic individuals. Cranio. 2008;26(1):50-8.
  • 18. Dervis E, Tuncer E. Long-term evaluations of temporomandibular disorders in patients undergoing orthognathic surgery compared with a control group. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2002;94(5):554-60.
  • 19. Liporaci Junior JLJ, Stoppa P, Ribeiro HT, Borin Neto AJ, Sverzut CE. Reabsorção condilar progressiva da articulação temporomandibular após cirurgia ortognática. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2007;12(2):38-8.
  • 20. Simmons HC, Oxford DE, Hill MD. The prevalence of skeletal Class II patients found in a consecutive population presenting for TMD treatment compared to the national average. J Tenn Dent Assoc. 2008;88(4):16-8.
  • 21. Ribas MO, Reis LFG, França BHS, Lima AAS. Cirurgia Ortognática: orientações legais aos ortodontistas e cirurgiões bucofaciais. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2005;10(6):75-83.
  • 22. Williams AC, Shah H, Sandy JR, Travess HC. Patients' motivations for treatment and their experiences of orthodontic preparation for orthognathic surgery. J Orthod. 2005;32(3):191-202.
  • 23. Ambrizzi DR, Franzi SA, Pereira Filho VA, Gabrielli MAC, Gimenez CMM, Bertoz FA. Avaliação das queixas estético-funcionais em pacientes portadores de deformidades dentofaciais. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2007;12(5):63-70.
  • 24. Almeida Júnior JC, Cavalcante JR. Osteotomia sagital do ramo mandibular e osteotomia total de maxila: uma revisão da literatura. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2004;4(3):249-258.
  • 25. Van den Braber W, Van der Bilt A, Rosenberg T, Koole R. The Influence of Mandibular Advancement Surgery on Oral Function in Retrognathic Patients: A 5-Year Follow-Up Study. J Oral Maxillofac Surg. 2006;64:1237-40.
  • 26. Trawitzki LV, Dantas RO, Mello-Filho FV, Marques W. Masticatory muscle function three years after surgical correction of class III dentofacial deformity. Int J Oral Maxillofac Surg. 2010;39(9):853-6.
  • 27. Van den Braber W, Van der Glas H, Van der Bilt A, Bosman F. Masticatory function in retrognathic patients, before and after mandibular advancement surgery. J Oral Maxillofac Surg. 2004;62:549-54.
  • 28. Taucci RA, Bianchini EMG. Verificação da interferência das disfunções temporomandibulares na articulação da fala: queixas e caracterização dos movimentos mandibulares. R Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(4):274-80.
  • 29. Gimenez CMM, Bertoz F, Gabrielli MAC, Pereira-Filho VA, Garcia I, Magro Filho O.. Avaliação cefalométrica do perfil mole de pacientes face longa submetidos à cirurgia ortognática: estudo retrospectivo. R Dental Press Ortodon Ortop Facial.2006;11(6):91-103.
  • Endereço para correspondência:

    Juliana Bartolomucci Angeli Pereira
    Rua Coronel Norberto de Melo, 63, Barra Mansa, RJ, Brasil
    CEP: 27350-100
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Dez 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Mar 2011
    • Aceito
      18 Jun 2011
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br