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Caracterização acústica da sonoridade dos fones plosivos do português brasileiro

Resumos

Objetivo

investigar e comparar as características acústicas das plosivas surdas e sonoras na fala de crianças com desenvolvimento fonológico típico e, de adultos com padrões de fala típicos da língua.

Método

a amostra do estudo é composta por dois grupos - 17 adultos e 11 crianças com desenvolvimento fonológico típico. Por meio de palavras/pseudopalavras ([’papa], [’baba], [’tata], [’dada], [’kaka] e [’gaga]) inseridas em frases-veículo (“Fala ___ papa de novo”;), mediu-se o voice onset time, a duração da vogal, a amplitude do burst e a duração da oclusão. Foram comparados os registros acústicos de plosivas surdas e sonoras intra e intergrupo por meio de testes estatísticos (p<0,05).

Resultados

em geral, observou-se que: (1) o voice onset time foi maior para as plosivas sonoras em comparação às surdas; (2) a duração da vogal quando seguida ou precedida por uma plosiva sonora foi mais longa do que diante de uma plosiva surda; (3) a amplitude do burst foi levemente superior durante a produção dos segmentos sonoros e; (4) a duração da oclusão se mostrou superior no contexto de plosivas surdas. Também se observou que adultos e crianças apresentam muitas similaridades em relação à produção desses parâmetros.

Conclusão

pode-se concluir que as pistas acústicas investigadas apresentam-se como fortes parâmetros envolvidos na caracterização do contraste de sonoridade das plosivas. Além disso, os resultados também indicam muitas semelhanças entre adultos e crianças com padrões fonológicos típicos. No entanto, quando algumas diferenças são evidentes, essas ocorrem na posição de sílaba átona e medial.

Acústica da Fala; Adulto; Criança; Espectrografia do Som/análise; Fala


Purpose

to investigate and compare the acoustic characteristics of voiceless and voiced plosives in the speech of children with typical phonological development and adults with typical language speech patterns.

Method

the study’s sample is arranged in two groups – 17 adults and 11 children with typical phonological development. Through words/pseudowords ([‘papa], [‘baba], [‘tata], [‘dada], [‘kaka] and [‘gaga]) inserted into carrier phrases (“Say ___ papa again”;), the voice onset time, the length of the vowel, and we measured the burst amplitude and the length of the occlusion. The acoustic records of voiceless and voiced plosives intragroup and intergroup were compared through statistical tests (p<0.05).

Results

in general, the results suggest that: (1) the voice onset time was longer for voiced plosives when compared to the voiceless plosives; (2) the vowel length when followed or preceded by a voiced plosive was longer than in front of a voiceless plosive; (3) the burst amplitude was slightly superior during the production of voiced segments and; (4) the length of the occlusion was superior in the context of voiceless plosives. Furthermore, the adults and children showed many similarities related to the production of these parameters.

Conclusion

the investigated acoustic cues present themselves as strong parameters involved in the characterization of plosives voicing contrasts. Furthermore, the results also indicate many similarities among adults and children with typical phonological patterns. However, when some differences are evident, they occur on medial and unstressed syllables.

Speech Acoustics; Adult; Child; Sound Spectrography/analysis; Speech


INTRODUÇÃO

A aquisição fonológica considerada típica é um processo não linear, gradual e intrínseco ao indivíduo, a qual é finalizada com o estabelecimento de um sistema fonológico condizente com o alvo adulto da língua-alvo 1. Lamprecht RR, Bonilha GFG, Freitas GCM, Matzenauer CLB, Mezzomo CL, Oliveira CC et al. Aquisição Fonológica do Português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004..

No que se refere aos fonemas plosivos, a sua aquisição completa no sistema fonológico ocorre em torno dos dois anos de idade 1. Lamprecht RR, Bonilha GFG, Freitas GCM, Matzenauer CLB, Mezzomo CL, Oliveira CC et al. Aquisição Fonológica do Português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004.

. Ferrante C, Borsel JV, Pereira MMB. Aquisição fonológica de crianças de classe sócio econômica alta. Rev CEFAC. 2008Out/Dez; 10(4): 154-60.
- 3. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010; 3(1): 42-61..

Durante a produção desses segmentos, inicialmente os órgãos fonoarticulatórios formam uma obstrução total à passagem aérea, tendo como registro acústico um intervalo de silêncio, o qual pode ser preenchido por uma barra de sonoridade originada pela vibração das pregas vocais, como no caso das plosivas sonoras ([b], [d] e [g]), o que, distintivamente, não é observado para as plosivas surdas ([p], [t] e [k]). Na sequência, devido ao aumento da pressão intra-oral gerada durante a fase de oclusão, há uma brusca liberação da corrente aérea, identificada no espectrograma como um breve ruído transiente, chamado burst 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993..

Do ponto de vista acústico, algumas pistas são descritas como responsáveis pelo contraste de sonoridade das plosivas, como o voice onset time (VOT) 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59., a duração da vogal adjacente à plosiva 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 6. Snoerena ND, Halle PA, Seguia J. A voice for the voiceless: Production and perception of assimilated stops in French. J Phonetics. 2006; 34: 241-68. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007., a amplitude do burst 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59., a duração da oclusão anterior a soltura 6. Snoerena ND, Halle PA, Seguia J. A voice for the voiceless: Production and perception of assimilated stops in French. J Phonetics. 2006; 34: 241-68. , 8. Barroco MAL, Domingues MTP, Pires MFMO, Lousada M, Jesus LMT. Análise temporal das oclusivas orais do Português Europeu: um estudo de caso de normalidade e perturbação fonológica. Rev CEFAC. 2007 Abr/Jun; 9(2): 154-63., entre outras.

Capaz de refletir o refinamento e a coordenação dos gestos glóticos e supraglóticos envolvidos para a produção dos fonemas plosivos, e também, responsável pelo contraste entre os segmentos [+voz], o VOT tem sido amplamente investigado na literatura 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59. , 9. Gurgueira AL. Estudo acústico dos fonemas surdos e sonoros do Português do Brasil, em crianças com distúrbio fonológico apresentando processo fonológico de ensurdecimento [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2006.. Esse registro acústico é conhecido como uma medida de duração, a qual equivale ao intervalo de tempo compreendido entre a liberação da oclusão e o início da sonoridade (anterior, concomitante ou posterior ao burst) 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993..

Na presença de uma sonoridade posterior à soltura da oclusão, o valor do VOT é positivo, característico dos sons plosivos surdos. De modo contrário, quando a sonoridade é anterior ou concomitante ao burst, o VOT apresenta, respectivamente, valor negativo ou nulo, característico das plosivas sonoras 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993..

Correlações acerca da duração da vogal no contexto de plosiva surda e sonora são também relatadas na literatura. Diante de um segmento plosivo sonoro, as vogais tendem a apresentar valores de duração superior àquelas vogais em contexto surdo 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 6. Snoerena ND, Halle PA, Seguia J. A voice for the voiceless: Production and perception of assimilated stops in French. J Phonetics. 2006; 34: 241-68. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 9. Gurgueira AL. Estudo acústico dos fonemas surdos e sonoros do Português do Brasil, em crianças com distúrbio fonológico apresentando processo fonológico de ensurdecimento [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2006..

Outro parâmetro utilizado para a identificação do contraste de sonoridade das plosivas parece ser a amplitude do burst. Autores referem que essa se encontra mais intensa nas consoantes surdas em comparação à contraparte sonora 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59..

Além dos registros acústicos já citados, a duração da oclusão anterior ao burst também pode ser responsável pela distinção de plosivas surdas e sonoras. No entanto, a sua influência tem sido pouco investigada. Em um trabalho com falantes do Português Europeu, as autoras mencionam, de maneira geral, que a duração da oclusão dos fones surdos é superior à mesma medida dos fones sonoros 9. Gurgueira AL. Estudo acústico dos fonemas surdos e sonoros do Português do Brasil, em crianças com distúrbio fonológico apresentando processo fonológico de ensurdecimento [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2006..

À procura de esclarecimentos acerca da aquisição e estabilização do contraste de sonoridade das plosivas do Português Brasileiro (PB), a presente pesquisa tem como objeto de análise o contraste de sonoridade a partir da descrição do sistema fonológico considerado típico. Para isso, formulou-se a hipótese de que crianças com desenvolvimento fonológico típico (DFT) possuiriam características acústicas responsáveis pelo contraste de sonoridade aproximadas às mesmas características de sujeitos adultos, marcando, dessa forma, o contraste de sonoridade não somente a nível de análise perceptivo auditiva, mas também, por meio da análise acústica.

Acredita-se que a descrição acústica dos parâmetros responsáveis pela diferenciação entre plosivas surdas e sonoras baseada na fala de sujeitos sem alteração de fala, além de proporcionar o conhecimento dos padrões linguísticos, articulatórios e acústicos da língua em questão, fornece ainda subsídios para a interpretação dos erros fonológicos acerca do traço [voz], presentes na clínica fonoaudiológica.

Assim, o objetivo principal deste trabalho é investigar e comparar as características acústicas das plosivas surdas e sonoras na fala de crianças com DFT e, de adultos com padrões de fala típicos da língua.

MÉTODO

Este é um estudo do tipo experimental, quantitativo e de corte transversal. Fizeram parte deste estudo dois grupos, um grupo de adultos (GA) e outro grupo de crianças com DFT (GDFT). Para compor o GA foram convidados os acadêmicos do primeiro ano do Curso de Fonoaudiologia e de outros cursos da instituição em que foi desenvolvida a pesquisa. Já os sujeitos do GDFT foram selecionados em duas escolas da rede pública estadual, localizadas na mesma cidade da instituição de ensino superior.

Para que os sujeitos que compõem o GA fossem incluídos na pesquisa, os seguintes critérios foram considerados: consentir em participar da pesquisa por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; possuir inventários fonético e fonológico completos, com todos os fonemas do PB adquiridos e estabilizados na fala espontânea; ter idades entre 19 e 44 anos; não ter recebido qualquer tipo de terapia fonoaudiológica prévia; ser falante nativo do PB – dialeto gaúcho e, não apresentar histórico de bilinguismo.

Os critérios de exclusão considerados foram: a presença de alterações vocais, auditivas, de linguagem, prejuízos evidentes nos aspectos neurológico, cognitivo, psicológico e/ou emocional e alterações nos órgãos fonoarticulatórios que estivessem relacionadas com o sistema fonológico.

Para o GDFT, os mesmos critérios de inclusão e exclusão foram adotados, porém, esse grupo deveria apresentar idades entre quatro e oito anos e 11 meses.

Para seleção da amostra foi realizada uma entrevista inicial e uma triagem fonoaudiológica, compostas por:

  • Entrevista inicial: realizada com os próprios sujeitos da pesquisa, ou responsáveis, no caso de crianças. Constava de algumas perguntas, como: data e local de nascimento; se já havia residido em outra cidade/estado; se falava outra língua (bilíngue?); se já havia feito terapia fonoaudiológica e se possuía antecedentes fisiopatológicos;

  • Avaliação do sistema estomatognático: com ênfase na observação do aspecto, postura, tensão muscular e mobilidade dos órgãos fonoarticulatórios (língua, lábios, bochechas, palato mole, palato duro e dentes) e suas funções (respiração, sucção, mastigação e deglutição);

  • Avaliações da linguagem, fala e voz: para os adultos, tais aspectos foram observados por meio da fala e nomeação espontânea durante a realização de uma entrevista e nomeação de figuras. Para as crianças, essas avaliações foram realizadas por meio de uma sequência lógica de quatro fatos. Foi então solicitado à criança que organizasse a sequência das figuras e contasse uma história. Assim, por meio da fala e nomeação espontânea foram observados aspectos da linguagem compreensiva e expressiva oral, possíveis alterações fonéticas, fonológicas e de qualidade vocal.

  • Triagem auditiva: a partir da pesquisa dos limiares auditivos por via aérea de 500 a 4000 Hz testados a 20 dB NA (modo de varredura). O audiômetro utilizado foi Interacoustics Screening Audiometer AS208, devidamente calibrado.

Durante o transcorrer das avaliações, foram também observados aspectos sugestivos de comprometimento neurológico, cognitivo, psicológico e/ou emocional, como por exemplo, presença de incoerência, inadequação ou dificuldades nas respostas, dificuldade de articulação de origem neurológica (disartria ou dispraxia), comprometimento motor, excessiva falta de concentração, atenção ou falta de colaboração por parte da criança.

Na presença de alterações, os pais e/ou responsáveis, bem como a escola, foram informados sobre a necessidade de outras avaliações e encaminhamentos a outros profissionais, necessários a cada caso.

Com base nas avaliações realizadas e nos critérios de inclusão e exclusão considerados, esta pesquisa consta dos dados de fala de 17 adultos, na faixa etária entre 19 e 29 anos (média de idade= 23 anos e seis meses; desvio padrão= 39.1 meses), sendo cinco do sexo masculino e 12 do feminino e, 11 crianças com DFT, com idades entre cinco e oito anos (média de idade= sete anos e cinco meses; desvio padrão= 9.9 meses). Dessas, seis do sexo masculino e cinco do feminino.

Para a obtenção da amostra de fala que foi submetida à análise acústica, foi elaborada uma lista de palavras/pseudopalavras de mesmo contexto linguístico, sendo todas dissílabas e paroxítonas, na qual todos os fonemas plosivos foram contrastados ([‘papa], [‘baba], [‘tata], [‘dada], [‘kaka] e [‘gaga]). Essas palavras/pseudopalavras foram inseridas em uma frase veículo (“Fala _____ de novo”;). Cada plosiva teve duas séries de três repetições, organizadas em uma sequência aleatória, perfazendo um total de 36 frases para cada sujeito.

A frase veículo e suas repetições foram apresentadas utilizando-se fones de ouvido, marca Sennheiser HD280 PRO.  Havia um intervalo de silêncio entre a apresentação de uma frase e outra, nesse intervalo, os sujeitos foram orientados a repetir em intensidade vocal habitual toda a frase ouvida, não sendo controlada a taxa de elocução da fala.

Para o procedimento de gravação da amostra, utilizou-se uma cabine isolada acusticamente, um microfone omnidirecional (marca Behringer EMC8000), posicionado em um pedestal, a aproximadamente 4 cm  da boca do sujeito e uma placa de som externa (marca M-AUDIO, modelo FW 410) conectada a um computador portátil (Windows XP SP3). Os registros de fala foram gravados diretamente no software MATLAB V7.1 SP3 (Simulink Signal Processing Toolbox V6.4), em arquivo Wave e alta resolução (24 bits e 96 KHz).

Os dados foram posteriormente analisados no software de áudio processamento Praat – versão 5.1.29 (disponível em www.praat.org), pela observação da forma da onda e do espectrograma de banda larga. A taxa de amostragem utilizada no programa foi de 96 KHz e 16 bits.

Com a espectrografia foram analisados, em onset inicial e medial, os valores de VOT, a duração da vogal seguinte à plosiva, a amplitude do burst e a duração da oclusão, esta extraída somente em onset medial.

Para a extração do VOT considerou-se o momento articulatório da plosão (burst) como ponto de referência zero e, a seguir, se procurou o início da sonoridade. Os valores de VOT (em milissegundo – ms) foram extraídos do espectrograma da seguinte maneira:

  • Para as plosivas surdas, foi coletada a medida de duração do segmento compreendido entre o registro do burst da plosiva até o primeiro pulso da vogal [a] da mesma sílaba;

  • Para as plosivas sonoras, foi coletada a medida do segmento compreendido entre o início da barra de sonoridade da plosiva até o registro do burst. Contudo, salienta-se que os valores de VOT dos segmentos sonoros em que a barra de sonoridade prévia ao burst encontrava-se ausente foram extraídos do espectrograma como nas plosivas surdas.

Para medir a duração (em milissegundo – ms) da vogal, presente na palavra-alvo, adotou-se o critério do primeiro e último ciclo regular adjacente à plosiva para determinação dos limites das vogais.

A amplitude (em decibel - dB) do burst foi extraída a partir da medida central da duração total do burst. Na presença de bursts múltiplos, o mesmo procedimento foi realizado para cada burst e após realizou-se uma média aritmética entre os valores encontrados.

A duração (em milissegundo – ms) da oclusão da palavra-alvo foi medida a partir do final da vogal da sílaba tônica (último ciclo regular da vogal) até o início do burst da plosiva seguinte, em onset medial. Nos casos em que a vogal tônica foi seguida por uma porção com características espectrais de ruído (breathy vowel), essa também foi considerada dentro do intervalo de oclusão.

Salienta-se que antes dos dados serem submetidos à análise estatística, foram excluídas da amostra as palavras/pseudoplavras que apresentavam omissão de segmentos ou produção imprecisa de algum dos parâmetros analisados. Também, previamente à aplicação dos testes estatísticos, foi realizada para cada sujeito a média dos valores de cada parâmetro acústico considerado em todas as repetições de cada palavra-alvo.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição em que foi desenvolvido, sob o número 23081.008886/2009-29. Todos os sujeitos foram convidados a participar da pesquisa e esclarecidos a respeito da mesma. A autorização da participação na pesquisa foi obtida por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos próprios sujeitos da pesquisa, ou pelos pais/responsáveis, no caso de crianças.

Primeiramente, todos os registros acústicos das plosivas surdas e sonoras foram registrados e tabulados individualmente, por sujeito e em cada grupo separadamente (GA e GDFT). Após, foram confrontados estatisticamente os registros acústicos de plosivas surdas e sonoras em cada grupo utilizando-se o teste de Wilcoxon. Na sequência, foram comparados estatisticamente os registros acústicos entre o GA e GDFT, por meio do teste Mann-Whitney.

O primeiro teste selecionado é empregado para análises de amostras relacionadas e o segundo para testar dois grupos independentes, sendo um dos testes não-paramétricos mais poderosos. Tais testes foram escolhidos em detrimento da ausência de distribuição normal e ao tamanho da amostra 1010 . Siegel S, Castellan Jr NJ. Estatística não-paramétrica para ciências do comportamento. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.. Testes não-paramétricos atribuem postos/ranks às medidas das variáveis, de modo que os valores de mediana, média, desvio padrão, variância e coeficiente de variação foram selecionados para sintetizar as informações da amostra.

O programa computacional empregado para as análises foi o The SAS System for Windows (Statistical Analysis System), versão 8.02, e o nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).

RESULTADOS

Na Tabela 1 são apresentadas as comparações entre os registros acústicos de plosivas surdas e sonoras, em onset inicial e medial, no GA.

Tabela 1
– Comparação entre os parâmetros acústicos de plosivas surdas e sonoras, em onset inicial e medial, no grupo de adultos (GA)

Para esse grupo, verificou-se que os valores de duração do VOT foram maiores para as plosivas sonoras e, em sua maioria, apresentaram uma sonoridade anterior a soltura da oclusão em comparação aos mesmos valores de VOT das plosivas surdas, com resultados estatisticamente significantes.

Foram constatadas durações mais longas da vogal [a], presente nas palavras-alvo, quando seguida ou antecedida por uma plosiva sonora, do que quando diante de uma plosiva surda, com diferença estatisticamente significante.

Em relação à amplitude do burst, observou-se que essa é levemente superior durante a produção dos fones sonoros em relação aos fones surdos. Apenas a comparação, da amplitude do burst entre [p] e [b] em onset medial, não apresentou significância estatística.

A duração da oclusão, parâmetro acústico investigado em onset medial, se mostrou superior no contexto de plosivas surdas em comparação ao contexto de plosivas sonoras, também com resultados estatisticamente significantes.

Na Tabela 2 são apresentadas as comparações entre os registros acústicos de plosivas surdas e sonoras, em onset inicial e medial, no GDFT.

Tabela 2
– Comparação entre os parâmetros acústicos de plosivas surdas e sonoras, em onset inicial e medial, no grupo de crianças com desenvolvimento fonológico típico (GDFT)

Nesse grupo, verificou-se distribuição de VOT entre plosivas [+voz] semelhante ao GA, com significância estatística.

Quanto à duração da vogal [a], também se observou para esse grupo, que essa se encontrava superior no contexto de plosiva sonora, com resultados estatisticamente significantes.

Também foi constatado um aumento discreto da amplitude do burst durante a produção dos fones sonoros. Contudo, apenas uma relação significante foi estabelecida.

Os resultados também evidenciaram maior duração da oclusão dos órgãos fonoarticulatórios durante a produção de plosivas surdas, com resultados estatisticamente significantes.

As Tabelas 3 e 4, a seguir, apresentam as comparações dos parâmetros acústicos entre os grupos GA e GDFT, para cada fonema e em onset inicial e medial. Diferenças estatisticamente significantes entre os grupos foram verificadas para os parâmetros de duração da vogal no contexto da plosiva [b], em onset inicial e, em onset medial, para os parâmetros de VOT de [b], duração da vogal no contexto das plosivas [b], [t], [d], [k] e [g] e duração da oclusão de [b]. Analisando os resultados, verificaram-se poucas diferenças significantes entre os grupos. Todavia, quando presentes estavam, em sua maioria, em onset medial e na sílaba átona.

Tabela 3
– Comparação dos parâmetros acústicos, em onset inicial, entre os dois grupos – adultos (GA) e crianças com desenvolvimento fonológico típico (GDFT)
Tabela 4
– Comparação dos parâmetros acústicos, em onset medial, entre os grupos – adultos (GA) e crianças com desenvolvimento fonológico típico (GDFT)

Além disso, ao se analisar o traçado espectrográfico das plosivas produzidas pelos sujeitos dos dois grupos, foram observadas algumas características não comuns a todas emissões, como:

  • Ausência da barra de sonoridade durante algumas produções de plosivas sonoras (Figura 1);

    Figura 1
    – Produção da plosiva [g] em onset inicial e visualização de breathy vowel, ausência da barra de sonoridade e bursts múltiplos – produção de um sujeito do GA

  • Presença de bursts múltiplos durante a produção de plosivas surdas e sonoras (Figura 1);

  • Produção de uma porção com características espectrais de ruído (breathy vowel) após a vogal tônica (Figura 1);

  • Presença de aspiração, durante a produção de plosivas surdas, principalmente em relação à dorsal [k] (Figura 2).

    Figura 2
    – Produção da plosiva [k], em onset inicial, com aspiração – produção de um sujeito do GA

DISCUSSÃO

Os resultados deste estudo apontam o VOT como uma pista robusta e bastante confiável para marcar o contraste de sonoridade dos segmentos plosivos, o que corrobora muitas pesquisas encontradas na literatura, as quais também mencionam a influência desse parâmetro temporal na identificação de uma coordenação entre os ajustes glóticos e supraglóticos responsáveis pela produção dessas consoantes 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 9. Gurgueira AL. Estudo acústico dos fonemas surdos e sonoros do Português do Brasil, em crianças com distúrbio fonológico apresentando processo fonológico de ensurdecimento [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2006. , 1111 . Van Alphen PM, McQueen JM. The effect of voice onset time differences on lexical access in Dutch. J Exp Psychol Hum Percept Perform. 2006 Feb; 32(1): 178-96. , 1212 . Clayards M, Tanenhaus MK, Aslin RN, Jacobs RA. Perception of speech reflects optimal use of probabilistic speech cues. Cognition. 2008 Sep; 108(3): 804-9..

Diferenças estatisticamente significantes foram observadas entre o VOT de plosivas surdas e sonoras, de modo que o VOT das sonoras foi mais longo do que o VOT das surdas, concordando com outros autores que investigaram esse parâmetro acústico em falantes do PB 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007..

Não somente os valores de duração do VOT, mas também a presença da atividade glótica anterior ao burst, observada durante a produção dos segmentos sonoros, e ausente nos segmentos surdos, marca o contraste do traço [voz] nessa classe de sons 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 1111 . Van Alphen PM, McQueen JM. The effect of voice onset time differences on lexical access in Dutch. J Exp Psychol Hum Percept Perform. 2006 Feb; 32(1): 178-96., assim como verificado no presente estudo.

A duração da vogal também demonstrou ser um parâmetro acústico determinante para a diferenciação da produção de consoantes surdas e sonoras. A partir do observado neste estudo, a duração da vogal quando em contexto de plosiva sonora, apresenta-se mais longa quando diante de uma plosiva surda, concordando com outros trabalhos 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 6. Snoerena ND, Halle PA, Seguia J. A voice for the voiceless: Production and perception of assimilated stops in French. J Phonetics. 2006; 34: 241-68. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 9. Gurgueira AL. Estudo acústico dos fonemas surdos e sonoros do Português do Brasil, em crianças com distúrbio fonológico apresentando processo fonológico de ensurdecimento [tese]. São Paulo (SP): Universidade Federal de São Paulo; 2006..

Quanto à amplitude do burst, verificou-se que a mesma é discretamente mais intensa durante a produção dos fones sonoros, apresentando um maior número de resultados estatisticamente significantes no GA. Esse resultado se contrapõe a alguns estudos 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59. que mencionam que a amplitude da soltura da oclusão é maior nas consoantes surdas.

Uma pesquisa 5. Forrest K, Rockman BK. Acoustic and perceptual analysis of word-initial stop consonants in phonologically disordered children. J Speech Hear Res. 1988 Set; 3: 449-59. que investigou a fala de crianças que apresentavam uma dificuldade na estabilização do traço [+voz] das plosivas, mostrou que o aumento da amplitude gerada durante a produção dos fones surdos pode estar relacionado ao aumento da pressão intra-oral. Contudo, as autoras afirmam ainda, que esse correlato acústico nem sempre se mostra como um fator fortemente interveniente no contraste de sonoridade das plosivas. Essa situação também foi observada no presente estudo, uma vez que as crianças com DFT apresentaram somente uma diferença estatisticamente significante ao se comparar a amplitude do burst entre as plosivas [+voz].

Com isso, os achados encontrados na presente pesquisa, referentes à amplitude do burst, sugerem que essa pista acústica possa ser pouco robusta, ou seja, secundária no contraste [+voz] das plosivas. Uma vez que essa foi o parâmetro acústico que apresentou menor significância estatística a partir dos testes aplicados. O que remete à afirmativa de que os fonemas plosivos apresentam pistas redundantes na identificação do seu contraste de sonoridade 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993.. Dessa maneira, perante uma grande variedade de propriedades acústicas, parece que nem todas essas informações são imprescindíveis ao falante durante a codificação dos segmentos linguísticos 1111 . Van Alphen PM, McQueen JM. The effect of voice onset time differences on lexical access in Dutch. J Exp Psychol Hum Percept Perform. 2006 Feb; 32(1): 178-96..

Além dessa interpretação, tal resultado também remete ao fato de que as crianças com DFT ancoram-se, inicialmente, em pistas primárias durante o desenvolvimento de um determinado contraste. A partir dessas pistas mais robustas e, de acordo com a sua evolução neuromotora, vão estabilizando o contraste, também com a estabilização de pistas menos robustas.

No que se refere à duração da oclusão dos órgãos fonoarticulatórios realizada durante a produção dos fonemas plosivos, também foram encontrados resultados estatisticamente significantes, no sentido de que esse registro acústico é maior nas plosivas surdas, concordando com outros autores 8. Barroco MAL, Domingues MTP, Pires MFMO, Lousada M, Jesus LMT. Análise temporal das oclusivas orais do Português Europeu: um estudo de caso de normalidade e perturbação fonológica. Rev CEFAC. 2007 Abr/Jun; 9(2): 154-63..

A grande maioria dos resultados mostrou que as pistas acústicas investigadas são responsáveis pelo contraste de sonoridade das plosivas em ambos os grupos.

Ao se tratar da comparação dos parâmetros acústicos entre os grupos GA e GDFT, como apresentado nas Tabelas 3 e 4, verificou-se que os grupos analisados apresentaram muitas similaridades em relação à implementação das pistas acústicas responsáveis pelo contraste de sonoridade das consoantes plosivas do PB. Dessa forma, constatou-se que as crianças com DFT, na faixa etária investigada neste estudo, já demonstram ter domínio do traço [voz]. Esse achado já foi referido por estudos na área de aquisição fonológica 1. Lamprecht RR, Bonilha GFG, Freitas GCM, Matzenauer CLB, Mezzomo CL, Oliveira CC et al. Aquisição Fonológica do Português: perfil de desenvolvimento e subsídios para a terapia. Porto Alegre: Artmed, 2004.

. Ferrante C, Borsel JV, Pereira MMB. Aquisição fonológica de crianças de classe sócio econômica alta. Rev CEFAC. 2008Out/Dez; 10(4): 154-60.
- 3. Toreti G, Ribas LP. Aquisição fonológica: descrição longitudinal dos dados de fala de uma criança com desenvolvimento típico. Letrônica. 2010; 3(1): 42-61., e também reforçado pelo emprego da análise acústica 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007., instrumento capaz de evidenciar com maior clareza e precisão as manipulações articulatórias e acústicas realizadas durante a fala 4. Levy IP. Uma nova face da nau dos insensatos: a dificuldade de vozear obstruintes em crianças de idade escolar [tese]. Campinas (SP): Universidade Federal de Campinas; 1993. , 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 1313 . Bonatto MTRL. A produção de plosivas por crianças de três anos falantes do português brasileiro. Rev CEFAC. 2007 Abr/Jun; 9(2): 199-206.

14 . Rodrigues LL, Freitas MCC, Albano EC, Berti LC. Acertos gradientes nos chamados erros de pronúncia. Revista do Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL/UFSM). 2008; 36: 85-112.
- 1515 . Brasil BC, Melo RM, Mota HB, Dias RF, Mezzomo CL, Giacchini V. O uso da estratégia de alongamento compensatório em diferentes gravidades do desvio fonológico. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010; 15(2): 231-7..

No entanto, cabe ressaltar que, mesmo em menor número, também foram encontradas algumas diferenças entre os grupos, sendo essas em sua maioria na sílaba átona, em onset medial. Com isso, supõe-se que a interação dessas variáveis linguísticas (sílaba em onset medial mais atonicidade) parece oferecer um contexto instável ou desfavorável para a produção das consoantes plosivas 1616 . Lamprecht RR. Influência de fatores fonéticos e fonológicos na aquisição das obstruintes sonoras do português. II Encontro Nacional sobre Aquisição da Linguagem. Porto Alegre: CEAAL/PUCRS; 1991., seja em razão de efeitos de co-articulação ou devido a uma menor saliência perceptual nessa posição silábica e tonicidade. O que também é reforçado por outros autores, os quais referem que as plosivas são, em geral, mais intensamente articuladas em locais prosodicamente mais fortes (em início de palavra e na sílaba tônica) 1717 . Cho T, McQueen JM. Prosodic influences on consonant production in Dutch: effects of prosodic boundaries, phrasal accent and lexical stress. J Phonetics. 2005 Apr; 33(2): 121-57.. Entretanto, esse achado diverge de outro estudo, que objetivou a descrição da aquisição do traço [voz] em sujeitos com desvio fonológico submetidos à terapia fonológica. No referido trabalho, a posição de onset medial se mostrou como a mais favorável à sonorização das plosivas 1818 . Silva APS. Mudanças fonológicas no tratamento dos desvios fonológicos com o modelo de oposições máximas modificado utilizando ‘contraste’ e ‘reforço’ do traço [voz] [dissertação]. Santa Maria (RS): Universidade Federal de Santa Maria; 2007..

Outros trabalhos também investigaram os parâmetros acústicos determinantes na diferenciação de plosivas surdas e sonoras a partir da comparação das produções de falantes adultos, com padrões típicos da língua-alvo já estabelecidos, e de crianças em processo de desenvolvimento desses padrões 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. , 1919 . Koenig LL. Laryngeal factors in voiceless consonant production in men, women, and 5-year-olds. J Speech Lang Hear Res. 2000 Oct; 43(5): 1211-28.

20 . Grigos MI, Saxman JH, Gordon AM. Speech motor development during acquisition of the voicing contrast. J Speech Lang Hear Res. 2005 Aug; 48(4): 739-52.

21 . Grigos MI. Changes in articulator movement variability during phonemic development: a longitudinal study. J Speech Lang Hear Res. 2009 Feb; 52(1): 164-77.
- 2222 . Kim M, Stoel-Gammon C. The acquisition of Korean word-initial stops. J Acoust Soc Am. 2009 Jun; 125(6): 3950-61..

Em um estudo 1919 . Koenig LL. Laryngeal factors in voiceless consonant production in men, women, and 5-year-olds. J Speech Lang Hear Res. 2000 Oct; 43(5): 1211-28. envolvendo crianças e adultos, falantes do Inglês, a autora observou que tanto as crianças, com média de idade de cinco anos, como os adultos, mostraram diferenças de VOT entre os pares – [p] versus [b] e [t] versus [d], assim como na presente pesquisa. Na comparação entre os grupos, também não foi encontrada diferença significante para média e mediana do VOT, bem como, para a duração das vogais e medidas aerodinâmicas. No entanto, em geral, foi observada maior variabilidade nas produções do grupo de crianças, o que também pode ser confirmado por meio de algumas medidas de dispersão dispostas nas Tabelas 1 e 2.

A ocorrência de maior variabilidade em relação à produção do VOT na fala infantil também foi citada por outra pesquisadora 2121 . Grigos MI. Changes in articulator movement variability during phonemic development: a longitudinal study. J Speech Lang Hear Res. 2009 Feb; 52(1): 164-77.. A diminuição na variabilidade do VOT sugere um aumento da coordenação entre os gestos orais e glóticos através do tempo, evidenciando desta forma, uma relação entre a reorganização gestual e o desenvolvimento linguístico na criança 2323 . Lowenstein JH, Nittrouer S. Patterns of acquisition of native voice onset time in english-learning children. J Acoust Soc Am. 2008 Aug; 124(2): 1180-91..

Semelhanças quanto aos valores de VOT entre adultos e crianças não foram observadas em outro trabalho 2020 . Grigos MI, Saxman JH, Gordon AM. Speech motor development during acquisition of the voicing contrast. J Speech Lang Hear Res. 2005 Aug; 48(4): 739-52.. Porém, o mesmo não deve ser fielmente comparado e generalizado aos achados do presente estudo, uma vez que se refere apenas ao VOT da plosiva labial surda e, também, por serem dados de fala de crianças mais novas, com média de idade de 19 meses, que ainda não apresentavam o contraste de sonoridade estabelecido.

Tratando-se dos fonemas plosivos do PB propriamente ditos, uma pesquisa 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007. ao analisar a fala de crianças de três a 12 anos, verificou que o VOT e a duração da vogal eram registros satisfatórios na identificação do contraste de sonoridade dos fonemas plosivos também na fala infantil. Esses resultados vão ao encontro dos resultados aqui apresentados.

Outras características acústicas, não comumente descritas na literatura, foram também encontradas na presente pesquisa. Uma delas seria a ausência de pré-sonoridade em algumas plosivas sonoras. Mesmo sendo pouco frequente, esse fato pode ser justificado pela presença de bursts múltiplos e/ou breathy vowel, os quais podem ter sido empregados no intuito de “mascarar”; a ausência da barra de sonoridade, e assim, manter a percepção desses sons ainda de maneira adequada.

A presença de alterações na barra de sonoridade, bursts múltiplos e breathy vowel são mencionadas na literatura como características não comuns encontradas na fala do adulto, falante nativo do PB, estando provavelmente presentes em razão da falta de maturação dos órgãos fonoarticulatórios, uma vez que foram encontradas apenas em crianças na faixa etária de três anos 1313 . Bonatto MTRL. A produção de plosivas por crianças de três anos falantes do português brasileiro. Rev CEFAC. 2007 Abr/Jun; 9(2): 199-206.. Entretanto, essa proposição diverge do encontrado neste estudo, onde tanto no GA como no GDFT, sujeitos com padrões fonológicos típicos, tais registros foram evidenciados.

Por meio de alguns valores elevados de VOT para as plosivas surdas, foi também evidenciada a presença de aspiração, em sua maioria correspondente à consoante dorsal [k]. Conforme pesquisa encontrada 2424 . Cho T, Ladefoged P. Variation and universals in VOT: evidence from 18 languages. J Phonetics. 1999; 27: 207-29., uma plosiva surda ligeiramente aspirada é identificada quando os valores de VOT estão próximos a 50 ms. Destaca-se que no PB, em oposição a outras línguas, a presença ou ausência de aspiração não possui valor distintivo 7. Bonatto MTRL. Vozes infantis: a caracterização do contraste de vozeamento das consoantes plosivas no Português Brasileiro na fala de crianças de 3 a 12 anos [tese]. São Paulo (SP): Pontifícia Universidade Católica de São Paulo; 2007..

A comparação dos parâmetros acústicos de crianças com DFT e de adultos, deve, também, ser enfatizada em outros estudos. Investigações nesse sentido reforçam o entendimento da implementação do contraste de sonoridade durante o processo de desenvolvimento fonológico e maturação neuromuscular. Indubitavelmente a compreensão do contraste de sonoridade dos segmentos plosivos e sua variação na população normal, oferecem uma base sustentável para o entendimento da distinção de sonoridade também nos diversos distúrbios de fala encontrados na clínica fonoaudiológica.

A fim de se obter uma normatização e uma descrição ainda mais ampla desses registros acústicos para o PB, sugere-se a realização de novas pesquisas que contemplem um maior número de sujeitos, bem como, que relacionem esses registros a algumas variáveis linguísticas e extralinguísticas, como sexo, idade, velocidade de fala, medidas aerodinâmicas, diferentes modalidades de enunciação (repetição, leitura, fala espontânea, etc.), diferentes contextos vocálicos, entre outras.

CONCLUSÃO

A partir dos resultados encontrados, pode-se concluir que as pistas acústicas investigadas – VOT, duração da vogal, amplitude do burst e duração da oclusão – apresentam-se como parâmetros envolvidos na caracterização do contraste de sonoridade dos fones plosivos do PB.

Além disso, os resultados também indicam muitas semelhanças em relação ao emprego desses parâmetros acústicos entre o GA e as crianças com padrões fonológicos típicos, indo ao encontro da hipótese inicialmente formulada para a realização deste estudo. No entanto, quando algumas diferenças são evidentes, essas ocorrem, em sua grande maioria, na sílaba átona e medial.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 12 2011
  • Data do Fascículo
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Mar 2011
  • Aceito
    11 Jul 2011
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