Acessibilidade / Reportar erro

Obstrução nasal total: estudo morfofuncional de um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose

Total nasal obstruction: a morphofunctional case study of post blastomicose palato and pharynx's lesion

Resumos

TEMA: identificar as alterações morfofuncionais decorrentes de quinze anos de obstrução nasal total em um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose. PROCEDIMENTOS: o trabalho foi baseado no estudo de caso de um adulto do gênero feminino, de 26 anos de idade, que chegou a um centro especializado em deformidades craniofaciais, com a queixa de não conseguir respirar pelo nariz. Sua dificuldade respiratória é decorrente de uma aderência total do palato mole com as paredes faríngeas, como sequela da blastomicose que teve no palato aos 11 anos de idade. RESULTADOS: na entrevista, a paciente relatou queixa de cefaléia, halitose, pouco rendimento físico, sonolência diurna e sono agitado durante a noite. Referiu também anosmia, mastigação lenta e engasgos frequentes. Durante a avaliação, observou-se respiração exclusivamente oral do tipo superior, mastigação bilateral alternada e lenta, deglutição adaptada e ressonância hiponasal de grau grave. Observou-se ainda face longa, perfil convexo, mandíbula retruída e olheiras. Os lábios da paciente encontravam-se entreabertos e ressecados, sendo o superior fino e o inferior evertido e avolumado e o palato duro apresenta-se atrésico, estreito e profundo. CONCLUSÃO: as características da paciente em questão são compatíveis com a Síndrome do Respirador Oral e pode-se supor que sejam consequências morfofuncionais de uma obstrução nasal total.

Respiração Bucal; Obstrução Nasal; Blastomicose; Palato; Faringe


BACKGROUND: to identify the consequences that arising from fifteen years of total nasal obstruction in a case of post blastomicose palato and pharynx's lesion. PROCEDURES: this article was based on a case report of a 26-years-old female subject, who came to a specialized center on craniofacial deformities, complaining about her mouth breathing. Her respiratory difficulty stems from a total tack of palate and pharynx, as a blastomicose sequel that she had when 11-year-old. RESULTS: during the interview, the patient said that she had poor physical conditioning, daytime sleepiness, slow chewing and choking during the swallowing process. At evaluation, it was noted exclusive oral breath of the superior type, alternate chew on both sides, adapted swallowing and serious hyponasal resonance. we also noted long face, with convex profile, retruded jaw and dark circles under the eyes. Her lips were half-opened and dried up, with the upper one thinner and the lower part turned round and augmented. The patient's palate is atresic, strait and deep. CONCLUSION: the patient's characteristics are compatible with Oral Breath Syndrome and anatomic-functional consequences of a total nasal obstruction.

Mouth Breathing; Nasal Obstruction; Blastomycosis; Palate; Pharynx


Obstrução nasal total: estudo morfofuncional de um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose

Total nasal obstruction: a morphofunctional case study of post blastomicose palato and pharynx's lesion

Camila Queiroz de Moraes Silveira Di NinnoI; Júlia Siqueira Sepúlveda FigueiredoII; Raquel Lívia Gonçalves BoscoIII; Sarah Márcia Sales da CruzIV; Ricardo Neves GodinhoV; Izabel Cristina Campolina MirandaVI

IFonoaudióloga; Professora adjunto do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte (MG), Brasil; Responsável pelo Serviço de Fonoaudiologia do Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais - CENTRARE, Belo Horizonte, MG, Brasil; Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais

IIAcadêmica do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIAcadêmica do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil

IVAcadêmica do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte, MG, Brasil

VMédica Otorrinolaringologista; Professora adjunto do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte (MG), Brasil; Otorrinolaringologista do Centro de Tratamento e Reabilitação das Fissuras Labiopalatinas e Deformidades Craniofaciais - CENTRARE - Belo Horizonte (MG), Brasil; Doutor em Pediatria pela Universidade Federal de Minas Gerais

VIFonoaudióloga; Professora adjunto do Curso de Fonoaudiologia da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, Belo Horizonte (MG), Brasil; Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Minas Gerais

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Camila Queiroz de Moraes Silveira Di Ninno Av. Dom José Gaspar, 500 - Prédio 25 Coração Eucarístico Belo Horizonte - Minas Gerais CEP: 30535-610 E-mail: camilaninno@uol.com.br

RESUMO

TEMA: identificar as alterações morfofuncionais decorrentes de quinze anos de obstrução nasal total em um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose.

PROCEDIMENTOS: o trabalho foi baseado no estudo de caso de um adulto do gênero feminino, de 26 anos de idade, que chegou a um centro especializado em deformidades craniofaciais, com a queixa de não conseguir respirar pelo nariz. Sua dificuldade respiratória é decorrente de uma aderência total do palato mole com as paredes faríngeas, como sequela da blastomicose que teve no palato aos 11 anos de idade.

RESULTADOS: na entrevista, a paciente relatou queixa de cefaléia, halitose, pouco rendimento físico, sonolência diurna e sono agitado durante a noite. Referiu também anosmia, mastigação lenta e engasgos frequentes. Durante a avaliação, observou-se respiração exclusivamente oral do tipo superior, mastigação bilateral alternada e lenta, deglutição adaptada e ressonância hiponasal de grau grave. Observou-se ainda face longa, perfil convexo, mandíbula retruída e olheiras. Os lábios da paciente encontravam-se entreabertos e ressecados, sendo o superior fino e o inferior evertido e avolumado e o palato duro apresenta-se atrésico, estreito e profundo.

CONCLUSÃO: as características da paciente em questão são compatíveis com a Síndrome do Respirador Oral e pode-se supor que sejam consequências morfofuncionais de uma obstrução nasal total.

Descritores: Respiração Bucal; Obstrução Nasal; Blastomicose; Palato; Faringe

ABSTRACT

BACKGROUND: to identify the consequences that arising from fifteen years of total nasal obstruction in a case of post blastomicose palato and pharynx's lesion.

PROCEDURES: this article was based on a case report of a 26-years-old female subject, who came to a specialized center on craniofacial deformities, complaining about her mouth breathing. Her respiratory difficulty stems from a total tack of palate and pharynx, as a blastomicose sequel that she had when 11-year-old.

RESULTS: during the interview, the patient said that she had poor physical conditioning, daytime sleepiness, slow chewing and choking during the swallowing process. At evaluation, it was noted exclusive oral breath of the superior type, alternate chew on both sides, adapted swallowing and serious hyponasal resonance. we also noted long face, with convex profile, retruded jaw and dark circles under the eyes. Her lips were half-opened and dried up, with the upper one thinner and the lower part turned round and augmented. The patient's palate is atresic, strait and deep.

CONCLUSION: the patient's characteristics are compatible with Oral Breath Syndrome and anatomic-functional consequences of a total nasal obstruction.

Keywords: Mouth Breathing; Nasal Obstruction; Blastomycosis; Palate; Pharynx

INTRODUÇÃO

Para que a respiração nasal seja realizada de maneira eficaz, é necessário que exista selamento labial, vedamento pelo contato do dorso da língua com o palato duro, ou da base da língua com o palato mole1. A respiração pela via nasal exerce um efeito benéfico sobre o sistema estomatognático, propiciando boas condições para o crescimento e desenvolvimento dos tecidos moles e duros.

No entanto, na presença de qualquer obstáculo à passagem do ar pelas vias aéreas superiores, tem-se a respiração oral como forma alternativa. Esta mudança do hábito respiratório, ao longo do tempo, acarreta prejuízos ao ser humano, prejudicando sua saúde e seu bem-estar geral2. O indivíduo que apresenta respiração oral crônica, causada ou não pela obstrução nasal, pode desenvolver, durante sua fase de crescimento, alterações morfológicas', como: crescimento craniofacial com predominância vertical; diminuição do tônus e hipofunção dos músculos levantadores da mandíbula; alteração de tônus com hipofunção dos lábios e bochechas; lábio superior retraído ou curto e inferior com eversão ou interposto entre os dentes; hipercontração do músculo mentual; olheiras, assimetria de posicionamento dos olhos; alteração do sono, insônia e cansaço frequente3.

Sendo assim, pode-se dizer que a respiração oral é uma função adaptativa, que influencia de forma negativa no crescimento e desenvolvimento do esqueleto craniofacial, principalmente em relação à forma maxilar, mandibular e altura facial4-6. Durante a respiração oral, a língua se posiciona de maneira inadequada deixando de exercer sua função modeladora dos arcos dentários, acarretando más oclusões. Esse desvio na morfologia dento-alveolar pode servir como estímulo anormal para o crescimento craniofacial e para a fisiologia oclusal4.

Em crianças, além das alterações morfológicas, a respiração oral pode levar ao cansaço frequente, sonolência diurna, baixo apetite e, inclusive, déficit de aprendizado. Este fato se dá pela falta de um sono reparador, pois este se torna agitado, já que a criança acorda com frequência, procurando uma posição em que consiga respirar melhor. Isto gera uma diminuição da atenção e da concentração ao longo do dia, tornando o processo de aprendizagem mais difícil3. Normalmente, os indivíduos respiradores orais também apresentam olfato e paladar diminuídos, fazendo com que a escolha do tipo de alimento não seja feita pelo apetite, mas sim pela consistência e facilidade de ingestão7. Isso permite que, mesmo durante a alimentação, o paciente continue respirando pela boca.

Neste estudo pretende-se investigar os achados fonoaudiológicos decorrentes de obstrução nasal total em um caso específico de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose.

A blastomicose, ou paracoccidioidomicose, é uma doença sistêmica infecciosa de origem granulomatosa, que se caracteriza como uma micose profunda que pode acometer a derme e hipoderme, ossos, articulações, órgãos do sentido ou vísceras e sistema nervoso, determinando lesões do tipo destrutivo ou desorganizador que, ao regredir, deixam sequelas8. O fungo ao ser inalado pelo homem chega aos alvéolos pulmonares, originando a infecção e causando perda de peso, febre e sintomas respiratórios inespecíficos, como tosse e expectoração8.

Uma das formas clínicas crônicas relativamente frequente da blastomicose é a forma tegumento cutâneo-mucosa8, que se manifesta por lesões primárias do tipo granulomatoso na pele e mucosa, constituindo a porta de entrada para infecções9. Esta forma afeta principalmente a mucosa da cavidade oral, como lábios, gengivas, bochechas, língua, palato, arco palatoglosso e palatofaríngeo e tonsilas palatinas. As lesões iniciam-se por pequenas placas papulosas, achatadas e bem delimitadas, que se expandem em crescimento e atingem grande extensão. Elas podem apresentar-se ulceradas, com fundo amarelado, entremeadas por pontos hemorrágicos, dificultando a higiene oral e causando uma sensação dolorosa ao mastigar, o que pode contribuir efetivamente para uma diminuição do quadro nutricional7. Esta moléstia pode atingir ainda a faringe e a laringe. Com tratamento adequado, as lesões podem involuir, mas deixando cicatrizes fibrosas, capazes de determinar estenose da faringe e laringe9.

O objetivo do deste estudo é identificar as alterações morfofuncionais decorrentes de quinze anos de obstrução nasal total em um caso de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose.

APRESENTAÇÃO DO CASO

O estudo foi baseado no relato de caso de um adulto do gênero feminino, J.A., de 26 anos de idade, nascida e residente em Acaiaca, cidade do interior de Minas Gerais, portadora de sinéquia de palato mole e paredes faríngeas, sequela de blastomicose aos 11 anos de idade.

Os dados a respeito de seu histórico foram coletados de seu prontuário hospitalar e a paciente foi submetida a uma entrevista, avaliação fonoaudiológica com medidas faciais e observação das características das estruturas orofaciais e das funções de mastigação, deglutição e fala, avaliação audiológica, ortodôntica e nasoendoscópica.

Esse trabalho foi desenvolvido após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas (CAAE 0063.0.213.000-08). A paciente deste estudo assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, consentindo, dessa forma, com a realização e divulgação desta pesquisa e seus resultados.

RESULTADOS

De acordo com seus dados do prontuário hospitalar, aos 11 anos de idade, a paciente foi encaminhada para internação na Fundação Benjamin Guimarães com diagnóstico principal de desnutrição de III grau, associada à broncoespasmo, tonsilite estreptocócica e blastomicose, esta última diagnosticada por meio de biópsia do palato. Após duas semanas, J.A. recebeu alta hospitalar, porém retornou à instituição no dia seguinte apresentando hipopotassemia, anemia e leucopenia de grau leve, obtendo alta novamente após um mês.

Em 2007, a paciente procurou o Centro de Tratamento e Reabilitação de Fissuras Labiopalatais e Deformidades Craniofaciais (CENTRARE) com a queixa de respiração oral exclusiva desde os 11 anos de idade e foi atendida pela equipe constituída por fonoaudiólogo, ortodontista, otorrinolaringologista e cirurgião plástico.

Na entrevista inicial, J.A. relatou que tinha crises frequentes de rinite alérgica, prurido nasal, sinusites, cefaléia e halitose. Informou que durante o sono acordava para tomar água, tinha o sono agitado e apresentava ronco e baba no travesseiro. Em decorrência destas alterações, a paciente referiu menor rendimento físico e sonolência diurna. Em relação à alimentação, na época da avaliação sua preferência alimentar era para sólidos macios, ingeria líquido durante as refeições, mastigava devagar e apresentava engasgos durante a deglutição de alimentos mais secos. A paciente queixava-se também de anosmia, sentindo apenas cheiros muito fortes.

Por meio da avaliação de motricidade orofacial foi possível observar face longa e assimétrica, com maxila normal e mandíbula retruída (Figuras 1 a 3). A paciente apresentava olheiras, olho esquerdo deprimido e narinas estreitas. Os lábios encontravam-se entreabertos e ressecados, sendo o superior fino e o inferior evertido e avolumado. As bochechas apresentavam-se simétricas, com função e mobilidade adequadas, porém a esquerda com força diminuída. Ao selamento labial, observou-se tensão do músculo mentual. A língua tinha sua posição habitual na região alveolar inferior, com sinais de hipotensão e dificuldade para estalar e vibrar. O palato duro apresentava-se atrésico, estreito e profundo. O palato mole da paciente encontrava-se totalmente aderido às paredes laterais e posterior da faringe. Na análise da postura corporal, observou-se inclinação da cabeça para esquerda, ombro esquerdo caído e ambos em rotação interna. Ao se avaliar as funções estomatognáticas, observou-se respiração exclusivamente oral do tipo costal ou superior, com dificuldade na coordenação pneumofonoarticulatória, mastigação bilateral alternada, lenta, com movimentos verticais e lábios abertos, deglutição adaptada com contração perioral e do mentual, interposição labial para líquido e ressonância hiponasal em grau grave.




Na avaliação ortodôntica, observou-se dentição em bom estado, mordida cruzada posterior bilateral e mordida aberta anterior, má oclusão classe II de Angle, dentária e esquelética, overjet excessivo e perfil convexo (Figuras 3 e 4).


Na avaliação otorrinolaringológica, por meio da nasoendoscopia foi possível observar vestíbulos nasais simétricos, mucosa pálida, conchas nasais inferior e média normotróficas bilateral, pequena sinéquia entre septo posterior e corneto inferior, palato mole completamente aderido à faringe com movimentação limitada, palato ogival e acúmulo de secreção na nasofaringe. Pela otoscopia foi possível verificar retração na membrana timpânica da orelha direita com diminuição de complacência, e na orelha esquerda pequena bolsa com membrana timpânica flácida.

Na avaliação audiológica os limiares auditivos estavam dentro dos padrões de normalidade em ambas as orelhas, imitanciometria com curva timpanométrica tipo A em ambas as orelhas, presença de reflexo ipsilateral em todas as frequências, e contralateral nas frequências de 200 e 1000 Hz, e ausência de reflexo contralateral nas frequências de 2000 e 4000 Hz na orelha direita; e na orelha esquerda presença de reflexo contralateral e ausência de ipsilateral em todas as frequências.

Após discussão do caso pela equipe, foi indicada cirurgia para liberação do palato mole. A cirurgia foi realizada pela equipe de cirurgia plástica, porém houve recidiva total após quinze dias.

DISCUSSÃO

A paciente deste estudo apresenta alterações significantes em relação à oclusão, à qualidade do sono e às funções estomatognáticas de respiração, mastigação e deglutição, indo de encontro com o descrito na literatura a respeito das características típicas de um portador da Síndrome do Respirador Oral1,6,10.

Durante a entrevista, J.A. relatou que tinha sono agitado, ronco e baba, sintomas também relatados por outros autores10. Em decorrência dessas alterações, a mesma apresentava um menor rendimento físico e sonolência diurna. Essa relação pode ser explicada pelo fato de que, a partir do momento em que há algum impedimento à respiração nasal durante a noite, o indivíduo necessita manter a boca aberta para aumentar a passagem de ar, o que estimula o ronco e, com isso, mantém um tempo maior de respiração do que de deglutição, favorecendo a baba noturna11. O sono torna-se agitado, pois o indivíduo tenta encontrar uma posição em que respire melhor, o que o faz acordar com frequência. O resultado imediato dessa dificuldade noturna pode ser a sonolência diurna, boca seca ao acordar, alterações vocais e menor rendimento físico3.

J.A. relatou também apresentar fortes dores de cabeça, porém na literatura não foram encontrados trabalhos que relacionem diretamente a cefaléia à respiração oral. Estudo realizado com pacientes respiradores orais ou predominantemente orais verificou que o sintoma cefaléia foi predominante em indivíduos respiradores orais, mas não foi significativo quando comparado aos outros sintomas estudados12. A cefaléia pode ter como causa outros fatores que não estejam relacionados à obstrução nasal propriamente dita. Quando a cefaléia está relacionada à obstrução nasal, ela pode ser causada por gripes, resfriados, alergias ou sinusite, sendo esta última frequente no caso em questão. Porém, ela também pode estar relacionada à Síndrome da Apnéia Obstrutiva do Sono, pois o indivíduo apresenta dificuldades para dormir, levando a um desequilíbrio entre as trocas gasosas, gerando dor matutina na região frontal12.

A paciente deste estudo queixou-se de anosmia e relatou que tinha preferência alimentar por alimentos sólidos macios, ingeria líquido durante as refeições e apresentava engasgos ao deglutir alimentos mais secos. Sabe-se que olfato e paladar estão intimamente ligados. O primeiro excita os receptores do segundo, influenciando-o7. Porém, no relato de caso em questão, os 15 anos de respiração oral exclusiva da paciente, devem ter interferido em seu olfato, mas, de acordo com o relato da mesma, seu paladar encontra-se inalterado, o que, no entanto, não foi avaliado.

Assim como J.A., indivíduos respiradores orais exclusivos escolhem o tipo de alimento não pelo seu apetite, mas sim pela consistência do alimento e facilidade de ingestão, o que permite que eles continuem respirando pela boca durante a alimentação. Achados de outros estudos revelam que esses indivíduos, por não conseguirem comer de boca fechada, não mastigam o suficiente e deglutem o alimento quase inteiro. Dessa forma, para facilitar a deglutição, eles passam a ingerir grande quantidade de líquidos durante a refeição, da mesma forma que a paciente em estudo7.

No caso em questão, observaram-se durante a avaliação de motricidade oral, narinas estreitas, olheiras, assimetria facial e do posicionamento dos olhos e face longa, com desenvolvimento ântero-posterior da maxila normal e mandíbula retruída. Esses aspectos corroboram os achados bibliográficos que relatam que indivíduos com maior resistência à passagem do fluxo aéreo nasal apresentam orifícios nasais pequenos e mal desenvolvidos, cianose infraorbitária, olhos caídos e faces mais alongadas e estreitas13.

A face longa da paciente é justificada pelo fato de que respiradores orais mantêm a boca constantemente aberta e a língua rebaixada, não pressionando o palato duro, que tende a aprofundar, fazendo com que o septo cartilaginoso seja desviado para frente e para cima4. Sendo assim, por apresentar respiração exclusivamente oral por 15 anos, pode-se supor que impedimento à respiração nasal, durante longos períodos e em uma fase de crescimento, afeta significativamente a morfologia crânio-facial. As características faciais de excesso vertical podem ser decorrentes da obstrução da via aérea nasofaringeana e são comuns em indivíduos respiradores orais5,6,14, embora existam alguns autores não tenham conseguido comprovar a existência de uma relação direta entre respiração oral e tipo facial15.

Em relação aos órgãos fonoarticulatórios da paciente em questão, observou-se lábio superior fino e inferior evertido e avolumado, estando, ambos, entreabertos e ressecados, tensão do músculo mentual ao selamento labial, língua com posição habitual em região alveolar inferior, com hipotensão e apresentando dificuldade para vibrar e estalar. Essas alterações corroboram a literatura, uma vez que são típicas de um indivíduo respirador oral4,6.

A paciente deste estudo, respiradora exclusivamente oral, assume uma postura inadequada de lábios e língua para que haja espaço para a passagem do ar pela orofaringe, visto que nesse caso, isso não é possível de ocorrer pelas fossas nasais3, o que também justifica o aspecto ressecado dos lábios.

J.A. relatou também que tinha crises frequentes de rinite e sinusite, fato que pode ser justificado pela falta de fluxo aéreo na cavidade nasal e de drenagem das secreções para a nasofaringe.

Além das alterações citadas anteriormente, os respiradores orais realizam tensão do músculo mentual. Isso ocorre devido à necessidade de compensar a incompetência labial13 presente nesses indivíduos, fato observado na paciente deste estudo.

Na avaliação de J.A., observou-se palato duro atrésico, estreito e profundo. Esses achados estão em consonância com a literatura, uma vez que a respiração exclusivamente oral reduz o estímulo ao crescimento do terço médio da face, levando à elevação do palato duro, deixando-o com um aspecto de palato em ogiva4. A língua não se acopla ao palato, podendo este ficar estreito e profundo. O aspecto da maxila, observado na paciente, também está de acordo com a literatura, uma vez que indivíduos respiradores orais apresentam um hipodesenvolvimento lateral da arcada dentária superior4, fato evidenciado pela presença de mordida cruzada bilateral.

O presente estudo de caso revelou que J.A. apresentava mastigação lenta, com movimentos verticais e lábios abertos. Acredita-se que tal fato esteja relacionado às frequentes pausas para respirar que a paciente necessitava fazer durante a mastigação. No entanto, ao comparar essas alterações com a literatura, observa-se que a respiração exclusivamente oral, pelo fato de modificar as estruturas do sistema estomatognático, faz com que o indivíduo que apresente essa obstrução à respiração nasal não seja capaz de mastigar o alimento corretamente, devido à necessidade de respirar3. O aspecto relacionado à mastigação lenta entra em contradição com outro estudo que afirma que a mastigação do respirador oral é mais rápida quando comparada a respiradores nasais, por estes indivíduos necessitarem da boca livre para a passagem do ar. Dessa forma, ao ingerir o alimento, o respirador oral precisaria deglutir rapidamente para voltar a respirar. Para isso, o tempo de trituração e pulverização é mais curto16.

Como citado anteriormente, J.A. possuía face longa. Indivíduos que apresentam este padrão facial possuem os músculos da mastigação debilitados, principalmente os bucinadores, e músculos elevadores da mandíbula hipofuncionantes. Como consequência, a mastigação se dá com movimentos verticais, o que vai de encontro com o aspecto observado na paciente11. A ausência de vedamento labial durante a mastigação, verificada no presente estudo, é explicada pela respiração ser exclusivamente oral.

A paciente em questão apresentava deglutição adaptada, com contração perioral, contração mentual e interposição do lábio inferior entre os dentes anteriores superiores para líquidos. Nesta deglutição adaptada, as alterações são consequências de um problema pré-existente3. No caso de J.A., a respiração exclusivamente oral foi o aspecto pré-existente que gerou esta alteração. Com o objetivo de tentar vedar a cavidade oral no momento da deglutição, a mandíbula desliza para trás e o lábio inferior se posiciona atrás dos incisivos superiores, realizando, assim, a interposição labial, que ocasiona uma contração anormal do músculo mentual. Essa posição anormal dos lábios ao realizar a função de deglutição, é decorrente da adaptação às necessidades respiratórias do indivíduo, e está relacionada com a forma dos arcos dentários e com a tipologia facial17. A contração perioral realizada pela paciente na deglutição de líquidos corrobora os achados da literatura, uma vez que, por existir maior espaço vertical intra-oral em indivíduos classe II de Angle, observa-se grande esforço para deglutir, necessitando de uma participação mais ativa da musculatura perioral17.

Em relação às características posturais de J.A., observou-se que o respirador exclusivamente oral leva o pescoço para frente para conseguir respirar pela boca. Essa postura é necessária para que ocorra a adaptação da angulação da faringe para facilitar a entrada de ar pela boca, na tentativa de aumentar o fluxo aéreo superior. Dessa forma, quando o pescoço e a cabeça estão projetados para frente, a musculatura cervical e escapular é afetada, provocando uma postura anormal. Os ombros ficam encurvados e o peito afundado. Portanto, essas mudanças são realizadas, a fim de que o corpo se adapte em busca de uma postura mais confortável e equilibrada18, da mesma forma que a paciente deste estudo, respiradora exclusivamente oral e que apresenta, em relação aos aspectos posturais, inclinação da cabeça e ombros em rotação interna.

Na avaliação ortodôntica de J.A., observou-se mordida cruzada posterior e mordida aberta anterior. A primeira está frequentemente associada à respiração oral e é decorrente da atresia dos arcos dentários. Em portadores de respiração exclusivamente oral, a língua não pressiona o palato duro, que sobe, levando a arcada dentária superior a deslocar-se para frente e para dentro, provocando a mordida cruzada4. Porém, esta alteração na mordida também pode ser causada pela mastigação ineficiente, observada nos indivíduos que apresentam obstrução nasal. A mordida aberta anterior, na paciente em questão, vai de encontro com a literatura, uma vez que a respiração oral leva a uma posição mais baixa e posterior da mandíbula, aumentando o terço inferior da face, ocasionando esse tipo de mordida4.

A paciente deste estudo apresenta má oclusão classe II de Angle divisão primeira, overjet excessivo e perfil convexo. Nesta má oclusão, os dentes inferiores encontram-se numa posição mais aquém em relação aos superiores. A divisão primeira desta classe possui como características um overjet excessivo, devido à labioversão exagerada dos incisivos superiores, e um perfil convexo, pela posição normal de maxila, com mandíbula retruída4, aspectos que são observados em J.A. e citados por outros autores6.

Os achados da avaliação audiológica da paciente em questão concordam com os resultados de um estudo realizado com indivíduos respiradores orais19, uma vez que a maioria dos sujeitos apresentou audição dentro dos padrões de normalidade com curva timpanométrica do tipo A. Este mesmo estudo revelou que, nos respiradores orais por hipertrofia da tonsila palatina, houve prevalência da perda condutiva leve, mostrando que esse quadro se torna mais prejudicial à audição.

CONCLUSÕES

O caso em estudo, com sinéquia de palato mole e paredes faríngeas pós blastomicose, parece ser único na literatura, o que o torna de grande interesse científico.

Por se tratar de um caso raro de obstrução nasal total, que leva a importantes alterações fonoaudiológicas, este estudo foi fundamental para evidenciar a relação da respiração oral com as alterações das funções estomatognáticas, oclusais, faciais e da qualidade do sono.

Em decorrência dessas modificações ocorridas no portador de Síndrome do Respirador Oral, é de extrema necessidade que esses indivíduos recebam acompanhamento de uma equipe interdisciplinar, que tem como objetivo auxiliar no diagnóstico, estabelecer um plano de tratamento correto e eficaz, visando o bem-estar e a saúde dos mesmos.

Sabe-se que a existência de indivíduos respiradores exclusivamente orais, como no caso da paciente estudada, é incomum. No entanto, com este estudo conseguiu-se estabelecer as consequências morfofuncionais de uma obstrução nasal total, úteis não apenas para a resolução do caso em questão, mas também para o entendimento de casos mais leves e frequentes de respiração oral.

Recebido em: 22/09/2010

Aceito em: 27/10/2010

Conflito de interesses: inexistente

  • 1. Rodrigues HOSN, Faria SR, Paula FSG, Motta AR. Ocorrência de respiração oral e alterações miofuncionais orofaciais em sujeitos em tratamento ortodôntico. Rev CEFAC. 2005;7(3):356-62.
  • 2. Costa SS, Cruz OLM, Oliveira JAA. Obstrução Nasal: aspectos gerais. In: Costa SS, Cruz OLM, Oliveira LAA. Otorrinolaringologia: princípios e práticas. 2nd ed. Porto Alegre: Artmed; 2006. p. 603-18.
  • 3. Marchesan IQ. Avaliação e terapia dos problemas de respiração. In: Marchesan IQ. Fundamentos em fonoaudiologia - aspectos clínicos de motricidade oral. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1998. p.23-36.
  • 4. Mocellin L, Ciuffi CV. Alteração oclusal em respiradores bucais. J Bras Ortod Ortop Maxilar. 1997;2(7):45-8.
  • 5. Gouveia SAS, Nahás ACR, Cotrim-Ferreira FA. Estudo cefalométrico das alterações dos terços médio e inferior da face em pacientes com diferentes padrões respiratórios e faciais. R Dental Press Ortodon Ortop Facial. 2009;14(4):92-100.
  • 6. Sies ML, Farias SR, Vieira MM. Respiração oral: relação entre o tipo facial e a oclusão dentária em adolescentes. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2007;12(3):191-8.
  • 7. Cunha DA, Silva GAP, Motta MEFA, Lima CR, Silva HJ. A Respiração Oral em crianças e suas repercussões no estado nutricional. Rev CEFAC. 2007; 9(1):47-54.
  • 8. Araújo MS, Sousa SCOM, Correia D. Avaliação do exame citopatológico como método para diagnosticar a paracoccidioidomicose crônica oral. Rev Soc Bras Med Tropic. 2003;36(3):427-30.
  • 9. Urribarri ABM, Dammert EC, Llach JFC, Flores LV. Apendicitis por paracoccidioides brasiliensis. Rev Med Hered. 2006;17:58-60.
  • 10. Abreu RR, Rocha RL, Lamounier JA, Guerra AFM. Etiologia, manifestações clínicas e alterações presentes nas crianças respiradoras orais. J Pediatr. 2008;84(6):529-35.
  • 11. Junqueira P. Amamentação, hábitos orais e mastigação - orientação, cuidados e dicas. Rio de Janeiro: Revinter; 2000. 26p.
  • 12. Paulo CB, Conceição CA. Sintomatologia do respirador oral. Rev CEFAC. 2003;5:219-22.
  • 13. Motonaga SM, Berte LC, Anselmo-Lima WT. Respiração bucal: causas e alterações no sistema estomatognático. Rev Bras Otorrinolaingol 2000;17(3):373-9.
  • 14. Feres MFN, Enoki C, Anselmo-Lima WT, Matsumoto MAN. Dimensões nasofaringeanas e faciais em diferentes padrões morfológicos. Dental Press J Orthod. 2010;15(3):52-61.
  • 15. Bianchini AP, Guedes ZCF, Vieira MM. Estudo da relação entre a respiração oral e o tipo facial. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73(4):500-5.
  • 16. Silva MAA, Natalix V, Ramires RR, Ferreira LP. Análise comparativa da mastigação de crianças respiradoras nasais e orais com dentição decídua. Rev CEFAC. 2007; 9(2):190-8.
  • 17. Marchesan IQ, Junqueira P. Atipia ou adaptação: como considerar os problemas de deglutição? In: Junqueira P, Dauden ATBC. Aspectos atuais em terapia fonoaudiológica. São Paulo: Pancast; 1998. p.11-23.
  • 18. Krakauer L. A importância do trabalho respiratório na terapia miofuncional. In: Zorzi J, Marchesan IQ, Bolaffi C, Gomes ICD. Tópicos em fonoaudiologia. São Paulo: Lovise; 1995. p.155-60.
  • 19. Bianchini AP, Guedes ZCF, Hitos S. Respiração oral: causa x audição. Rev CEFAC [artigo na internet]. [citado 2009 Maio 17]. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-18462008005000009&lng=en Em processamento 2008. doi: 10.1590/S1516-18462008005000009.
  • Endereço para correspondência:
    Camila Queiroz de Moraes Silveira Di Ninno
    Av. Dom José Gaspar, 500 - Prédio 25
    Coração Eucarístico
    Belo Horizonte - Minas Gerais CEP: 30535-610
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2011
    • Data do Fascículo
      Out 2012

    Histórico

    • Recebido
      22 Set 2010
    • Aceito
      27 Out 2010
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br