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O desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com Síndrome de Down pode facilitar a alfabetização e contribuir para a inclusão no ensino regular?

Can the development of phonological awareness in children with Down Syndrome facilitate literacy and contribute to the inclusion in mainstream education?

Resumos

As leis educacionais asseguram o direito das crianças ao ensino fundamental a partir dos seis anos, propiciando a elas a exposição antecipada a estratégias pedagógicas que visam à alfabetização. A inclusão escolar de crianças com Síndrome de Down (SD) acontece já na educação infantil e se torna cada vez mais frequente, possibilitando oportunidades ímpares para o desenvolvimento cognitivo dessas, o que inclui a alfabetização. A diversidade de aprendizes com necessidades educacionais individuais, sem o devido apoio de uma equipe interdisciplinar, dificulta a aquisição da leitura e escrita de forma igualitária. O desconhecimento, por parte dos educadores, dos pré-requisitos cognitivos mínimos necessários à alfabetização, também contribui para o seu insucesso. Um desses pré-requisitos é a consciência fonológica, pouco trabalhada intencionalmente já na educação infantil. Estratégias que visam orientar educadores no desenvolvimento objetivo da consciência fonológica em crianças com SD podem facilitar a alfabetização e contribuir para a inclusão escolar. Ou será possível incluir pedagogicamente essa população sem que ocorram adaptações curriculares e um trabalho interdisciplinar efetivo?

Educação; Síndrome Down; Educação Infantil


There are laws that ensure the educational rights for children to basic education since they are six years-old, providing early exposure to teaching strategies aiming literacy. Educational inclusion of children with Down syndrome (DS) occurs in early childhood education and has become increasingly common, providing unique opportunities for cognitive development, including literacy. The diversity of learners with individual educational needs, without proper support from an interdisciplinary team, hinders the acquisition of reading and writing equally. The educators' misunderstanding about minimum prerequisites necessary for literacy also contributes to their failure. One of these prerequisites is phonological awareness, ability that usually is not intentionally developed in early childhood education. Strategies that aim to guide educators in the objective development of phonological awareness in children with Down syndrome may contribute to the educational inclusion. Or would it be possible to educationally include this population without any curricular adaptations or an interdisciplinary effective work?

Literacy; Down Syndrome; Child Rearing


O desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com Síndrome de Down pode facilitar a alfabetização e contribuir para a inclusão no ensino regular?

Cinthia Coimbra de AzevedoI; Cacilda Silveira PintoII; Leonor Bezerra GuerraIII

IFonoaudióloga pelo Unicentro Izabela Hendrix, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIPsicóloga; Especialização na Pós-graduação em Neurociências e Comportamento da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil

IIIMédica; Professora adjunta da Universidade Federal de Minas Gerais; Docente de Neuroanatomia nos cursos de graduação da área da saúde e no Programa de Pós-Graduação em Neurociências do ICB/UFMG; Coordenadora do projeto NeuroEduca Doutora em Biologia Celular pela UFMG, Belo Horizonte, MG,Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Cínthia Coimbra de Azevedo Rua Santa Clara, 220 apto. 304 - Sagrada Família Belo Horizonte - MG - Brasil CEP: 31030-280 E-mail: cinthaicoim@oi.com.br

RESUMO

As leis educacionais asseguram o direito das crianças ao ensino fundamental a partir dos seis anos, propiciando a elas a exposição antecipada a estratégias pedagógicas que visam à alfabetização. A inclusão escolar de crianças com Síndrome de Down (SD) acontece já na educação infantil e se torna cada vez mais frequente, possibilitando oportunidades ímpares para o desenvolvimento cognitivo dessas, o que inclui a alfabetização. A diversidade de aprendizes com necessidades educacionais individuais, sem o devido apoio de uma equipe interdisciplinar, dificulta a aquisição da leitura e escrita de forma igualitária. O desconhecimento, por parte dos educadores, dos pré-requisitos cognitivos mínimos necessários à alfabetização, também contribui para o seu insucesso. Um desses pré-requisitos é a consciência fonológica, pouco trabalhada intencionalmente já na educação infantil. Estratégias que visam orientar educadores no desenvolvimento objetivo da consciência fonológica em crianças com SD podem facilitar a alfabetização e contribuir para a inclusão escolar. Ou será possível incluir pedagogicamente essa população sem que ocorram adaptações curriculares e um trabalho interdisciplinar efetivo?

Descritores: Educação; Síndrome Down; Educação Infantil

Desde a década de 90, a luta pela maior socialização e pelo respeito às pessoas com necessidades educacionais especiais tem ganhado espaço no mundo todo por meio da política educacional de inclusão1. Todos são iguais perante a Constituição Federal Brasileira de 1988 e, com base nessa igualdade, a educação inclusiva tem como objetivo inserir crianças com necessidades educacionais especiais no ensino regular. A Constituição garante não apenas o direito à educação, mas o atendimento às especificidades dos alunos com deficiência, sem prejuízo da escolarização regular2. Contudo, como há uma distância entre o que a lei prevê e aquilo que na prática ocorre, não é incomum que a criança incluída nesse ambiente permaneça em uma mesma série por mais de dois ou três anos sem progressos esperados, gerando frustração nos pais e motivando a transferência da criança para a escola especial1. Dentre os quadros clínicos que caracterizam uma situação de inclusão escolar estão as crianças com Síndrome de Down (SD). Essas, sem dúvida, ao longo dos últimos anos, estão sendo beneficiadas com esse processo. No entanto, ainda há aspectos, relacionados à inclusão das crianças com SD que merecem ser revistos, tais como adaptação física, capacitação dos professores, adaptações curriculares. A política específica para o desenvolvimento pleno desse processo de inclusão escolar não está consolidada, apesar de ser cada vez mais frequente a prática da inclusão em diversos países1. No Brasil, entre as leis que garantem o direito à educação já nos primeiros anos de vida, está a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/96)3 que em seu art. 32º. estabelece: o ensino fundamental obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:)

I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;

II - a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;

III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;

IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca, em que se assenta a vida social.

(Redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006)

Se as crianças devem ser sensíveis e responsivas às estratégias intencionais de mediação da alfabetização aos seis anos, é esperado que elas sejam preparadas, desde a educação infantil, para atingir esse objetivo. A criança com SD, devido a características específicas de sua estrutura cerebral apresenta atraso na aquisição da linguagem, incluindo aspectos da leitura e da escrita, o que prolonga o tempo de aquisição dessas habilidades4. Por isso, o que é esperado no desenvolvimento típico da criança não se aplica necessariamente a essa população. Para que as mesmas tenham seus direitos garantidos e recebam uma educação plena, as escolas precisam, de fato, se transformar para realizarem a inclusão desses alunos no ensino regular. Para isso é necessária a ruptura com o modelo tradicional de ensino onde os alunos são integrados ao invés de incluídos.

Como é possível, por meio do ensino tradicional, uma criança com SD ser alfabetizada se não for feita nenhuma adaptação curricular para que os mesmos sejam beneficiados? Se o desenvolvimento de uma criança com SD é mais lento5 que o das demais e suas dificuldades são também maiores, como alcançar o objetivo de ter resultados eficientes no processo de alfabetização iniciado aos seis anos? Uma sala de aula pode ser considerada pedagogicamente inclusiva, se nela estudam crianças com a mesma idade cronológica, mas que apresentam estrutura cerebral diferente e, por isso, tempos de aprendizagem diferenciados, sem nenhum tipo de estratégia alternativa que compense essas diferenças? Nessas condições, será que as crianças especiais acompanham a turma e o conteudo?

Uma das transformações necessárias seria a oferta de um programa curricular que desse, às crianças com necessidades educacionais especiais, as mesmas oportunidades de aprendizado das diferentes habilidades. A leitura e a escrita são exemplos dessas habilidades, de grande valia para uma comunicação eficiente. São usadas pela sociedade e possuem componentes neurobiológicos inatos menos fortes do que a linguagem falada. No decorrer do desenvolvimento de uma criança que recebe estimulação, a compreensão da fala aparece alguns meses após o nascimento6. Já a leitura e a escrita são aprendidas, alguns anos mais tarde, por meio de metodologia específica e devem ser ensinadas pela escola ou outro mediador. Atualmente, devido ao ingresso das crianças com seis anos no ensino fundamental, as escolas têm iniciado o ensino da leitura e escrita cada vez mais cedo, sem muitas vezes se preocupar com os pré-requisitos necessários a essa aprendizagem. A consciência fonológica é indicada como um desses pré-requisitos, ainda pouco conhecida e trabalhada nessa fase e ressalta sua importância no contexto pedagógico4. No entanto, há pouco conhecimento por parte dos educadores sobre o assunto. Se os professores estão antecipando estratégias para o ensino da leitura e da escrita, sem o conhecimento do que seja consciência fonológica6 se não há bastante clareza para eles sobre o desenvolvimento da consciência fonológica nas crianças, como esperar que aos quatro ou cinco anos as crianças comecem a aprender a ler e a escrever, sem nenhum tipo de eventual dificuldade por parte de uma ou outra criança? Como educadores, pais e professores, podem contribuir para mediar de forma intencional e eficiente a aquisição de habilidades como a leitura e a escrita?

A orientação dos educadores sobre consciência fonológica e sua relação com as habilidades de linguagem, incluindo a fala, a leitura e a escrita, deve ser considerada como uma das principais estratégias. Sabe-se que consciência fonológica é a consciência dos sons que fazem parte das palavras que falamos e ouvimos7. É uma habilidade metalinguística que permite à criança analisar a estrutura do som da palavra8. Ela é de extrema importância no processo de alfabetização8, sendo classificada como um dos tipos de habilidades necessárias para o processamento fonológico, junto com a memória fonológica e a nomeação seriada rápida ou a nomeação automatizada rápida8. Indivíduos com distúrbios da comunicação podem apresentar déficits na consciência fonológica8.

Na criança com SD, os aspectos linguísticos são mais comprometidos do que outros aspectos do desenvolvimento, principalmente no campo da fonologia e da morfossintaxe9. Esses déficits metalinguísticos interferem no processo de alfabetização10. As crianças com SD apresentam níveis mensuráveis de consciência fonológica, porém inferiores quando comparados aos de pessoas com desenvolvimento típico.

A consciência fonológica é desenvolvida com estratégias como identificação de rima e sons iniciais, análise e síntese fonêmica, segmentação silábica e outras4. Em relação ao desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com SD, a literatura não é vasta, mas apresenta resultados que apontam os benefícios que esta habilidade, previamente trabalhada, pode ter para a alfabetização. Poucos educadores sabem da importância da estimulação da consciência fonológica como um dos pré-requisitos para a alfabetização das crianças com desenvolvimento típico. O que dizer então, da falta deste conhecimento em relação à alfabetização das crianças com SD?

Questiona-se o que a escola tem feito até o presente momento: se é inclusão ou simplesmente a integração dessas crianças especiais. A lei ampara os aprendizes com necessidades educacionais especiais, mas ainda falta uma prática pedagógica que, de fato, propicie oportunidades de aprendizagem iguais para indivíduos diferentes. A orientação e capacitação de professores da educação infantil na utilização de estratégias para o desenvolvimento da consciência fonológica em crianças com SD, anteriormente ao processo de alfabetização, pode ser parte do movimento imprescindível, nas escolas regulares, para favorecer verdadeiramente a inclusão pedagógica. As crianças e os professores precisam de suporte para a melhoria das condições do ensino e aprendizado. Um número crescente de estudos sugere que o treino explícito da consciência fonológica pode produzir efeitos positivos tanto na consciência fonológica quanto na habilidade de leitura em crianças com e sem dificuldades de linguagem11, incluindo crianças com SD11. A estimulação constante dessas crianças com necessidades especiais deve ocorrer por meio de uma equipe interdisciplinar composta nesse caso de professores, psicopedagogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. Cada profissional intervirá com objetivos diferentes visando o mesmo processo, a alfabetização.

Recebido em: 10/10/2011

Aceito em: 05/01/2012

Conflito de interesses: inexistente

  • 1. Lacerda CBF. A inclusão escolar de alunos surdos: o que dizem alunos, professores e intérpretes sobre esta experiência. Cad. Cepes. Maio/Ago, 2006;26(69):163-84.
  • 2. Luiz FMR, Bortoli FS, Floria-Santos M, NascimentoLC. A inclusão da criança com Síndrome de Down na rede regular de ensino desafios e possibilidades. Rev.Bras.Ed.Esp. Marília, Set-Dez,2008;14(3):497-508.
  • 3
    Brasil. Lei nº 9.394, de 20 de Dezembro de 1996. Brasília. DF, 2006.
  • 4. Gillon GT.The Efficacy of Phonogical Awareness Intervention for Children with Spoken Language Impairment."In": Language,Speech, and Hearing Services in Schools.April, 2000;31:126-41.
  • 5. Rachidi M, Lopes C. Mental retardation and associated neurological dysfunctions in Down syndrome: A consequence of dysregulation in critical chromosome 21 genes and associated molecular pathways.Elsevier.Dezembro,2008,p.168-82.
  • 6. Fidler DJ, Nadel L. Education and children with Down Syndrome: Neuroscience, development and intervention. MRDD Research Reviews MRDD. Agosto,2007;13:262-71.
  • 7. Cardoso-Martins C, Silva JR. A Relação entre o Processamento Fonológico e a Habilidade de Leitura: Evidência da Síndrome de Down e da Síndrome de Williams. Psicologia: Reflexão e Crítica, Set, 2009, 151-9.
  • 8. Schuele CM, Boudreau D. Phonological Awareness Intervention: Beyond the Basics. LSHSS.Janeiro, 2008;39:3-20.
  • 9. Bissoto ML. Desenvolvimento cognitivo e o processo de aprendizagem do portador de síndrome de Down: revendo concepções e perspectivas educacionais.Ciências & Cognição 2005;4:80-8.
  • 10. Lara TMC, Trindade SHR, Nemr K. Desempenho de indivíduos com Síndrome de Down nos testes de consciência fonológica aplicados com e sem apoio visual de figuras.Rev. CEFAC.2007;9:164-73.
  • 11. Goetz,K.,Hulme,C.,Brigstocke,S.,Carroll,J.M.,Nasir,L.,Snowling,M.Training reading and phoneme awareness skills in children with Down Syndrome. Springer Science Business Media B.V. 2007
  • Endereço para correspondência:

    Cínthia Coimbra de Azevedo
    Rua Santa Clara, 220 apto. 304 - Sagrada Família
    Belo Horizonte - MG - Brasil CEP: 31030-280
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012

    Histórico

    • Recebido
      10 Out 2011
    • Aceito
      05 Jan 2012
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