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Contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagia orofaríngeas

Resumos

Para auxiliar na avaliação funcional da deglutição, a maior parte dos fonoaudiólogos utiliza recursos instrumentais como a ausculta cervical. Em vista disso, o objetivo deste estudo foi verificar na literatura a contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagias. Para tanto, foram revisados periódicos nacionais e internacionais, indexados nas bases de dados Springer, Lilacs, Bireme, Medline e Scielo, entre os anos de 1992 e 2011. A partir da análise dos estudos foi possível verificar que a ausculta cervical vem se modernizando com a evolução tecnológica, possibilitando a realização de estudos quantitativos dos sons da deglutição; que ainda há evidências pouco claras das correspondências entre os componentes sonoros da deglutição e os eventos fisiológicos da fase faríngea; que não foram evidenciadas diferenças nos sons da deglutição entre crianças e adultos; e que alguns estudos apresentaram concordância entre a ausculta cervical e a avaliação videofluoroscópica da deglutição, e outros ainda apresentaram correlação positiva entre estas duas avaliações. Assim, considerando-se que a videofluoroscopia da deglutição em nosso país ainda é um exame de difícil acesso, com custo relativamente alto, acredita-se que a ausculta cervical constitui um importante recurso para o diagnóstico e acompanhamento clínico em casos de disfagia orofaríngea.

Auscultação; Deglutição; Transtornos de Deglutição


In order to assist on the functional assessment of swallowing, most speech therapists make use of instrumental resources such as cervical auscultation. Thus, the objective of this study was to search the literature in order to find the contribution of cervical auscultation for assessing dysphagias. To this end, international and national journals were reviewed. These journals were indexed in Springer, Lilacs, Bireme, Medline and Scielo databases, comprising the period between 1992 and 2011. From the analysis of the studies, it was possible to verify that: cervical auscultation has been modernized with the technologic evolution, enabling the realization of quantitative studies of the swallowing sounds; there are still few clear evidence of the connections between the sound components of swallowing and the physiological events of the pharyngeal phase; no differences were observed between the swallowing sounds in children and adults; in some studies, cervical auscultation was positively correlated with the videofluoroscopic assessment of swallowing, and others presented positive correlation between these two assessment procedures. Hence, considering that the swallowing videofluoroscopy examination is still difficult to access, with relatively high cost, it is believed that cervical auscultation constitutes an important resource for the diagnosis and clinical monitoring in cases of oropharyngeal dysphagia.

Auscultation; Swallowing; Swallowing Disorders


ARTIGOS DE REVISÃO

Contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagia orofaríngeas

Geovana de Paula BolzanI; Mara Keli ChristmannII; Luana Cristina BerwigIII; Cintia Conceição CostaIV; Renata Mancopes RochaV

IFonoaudióloga; Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS, Brasil. Bolsista CAPES

IIFonoaudióloga; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Comunicação Humana da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS, Brasil. Bolsista CNPq

IIIFonoaudióloga; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana, Especialista em Gestão e Atenção Hospitalar no Sistema Público de Saúde - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

IVFonoaudióloga; Especialista em Gestão e Atenção Hospitalar no Sistema Público de Saúde - Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

VFonoaudióloga; Doutora em Linguística, Professora Adjunta do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, RS, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Geovana de Paula Bolzan RST 287, 6885, sala 102 Santa Maria - RS - Brasil. CEP: 97105-030 E-mail: gebolzan@gmail.com

RESUMO

Para auxiliar na avaliação funcional da deglutição, a maior parte dos fonoaudiólogos utiliza recursos instrumentais como a ausculta cervical. Em vista disso, o objetivo deste estudo foi verificar na literatura a contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagias. Para tanto, foram revisados periódicos nacionais e internacionais, indexados nas bases de dados Springer, Lilacs, Bireme, Medline e Scielo, entre os anos de 1992 e 2011. A partir da análise dos estudos foi possível verificar que a ausculta cervical vem se modernizando com a evolução tecnológica, possibilitando a realização de estudos quantitativos dos sons da deglutição; que ainda há evidências pouco claras das correspondências entre os componentes sonoros da deglutição e os eventos fisiológicos da fase faríngea; que não foram evidenciadas diferenças nos sons da deglutição entre crianças e adultos; e que alguns estudos apresentaram concordância entre a ausculta cervical e a avaliação videofluoroscópica da deglutição, e outros ainda apresentaram correlação positiva entre estas duas avaliações. Assim, considerando-se que a videofluoroscopia da deglutição em nosso país ainda é um exame de difícil acesso, com custo relativamente alto, acredita-se que a ausculta cervical constitui um importante recurso para o diagnóstico e acompanhamento clínico em casos de disfagia orofaríngea.

Descritores: Auscultação; Deglutição; Transtornos de Deglutição

INTRODUÇÃO

Associada a anamnese detalhada e exame estrutural cuidadoso, a avaliação funcional da deglutição permite ao fonoaudiólogo identificar: as dificuldades apresentadas pelo paciente no processo de deglutição, sinais de penetração laríngea e/ou aspiração laringo-traqueal do alimento deglutido, a segurança na manutenção ou reintrodução da alimentação por via oral, a melhor consistência a ser utilizada e as possíveis causas das alterações identificadas1,2.

Durante a avaliação clínica, observa-se a eficiência da captação e preparação do bolo alimentar, o número de deglutições, a elevação laríngea, a presença de tosse, engasgo ou outros sinais sugestivos de penetração laríngea ou aspiração laringo-traqueal, escape oral do alimento e regurgitação nasal, tempo de alimentação, presença de resíduos em cavidade oral e modificações na qualidade vocal após a deglutição, bem como a necessidade de utilização de manobras posturais e/ou facilitadoras. Para auxiliar neste processo, a maior parte dos fonoaudiólogos lança mão de recursos instrumentais como a oximetria de pulso e a ausculta cervical1-4.

O uso do oxímetro para detectar risco de aspiração baseia-se na hipótese de que a aspiração laringo-traqueal causaria um reflexo de broncoespasmo, diminuindo a perfusão respiratória e provocando queda na saturação de oxigênio4,5. Já a ausculta cervical, realizada com estetoscópio localizado em pontos específicos dessa região, permite a escuta dos sons da deglutição, antes durante e após a passagem do bolo alimentar pela faringe, fornecendo pistas adicionais sobre a entrada ou não de alimento na via aérea inferior3,4,6-13.

Os sons da deglutição ocorrem durante a fase faríngea devido à pressão dirigida no trato orofaríngeo com suas válvulas representadas pelos lábios, região velofaríngea, laringe e músculo cricofaríngeo6. Falhas no funcionamento do mecanismo de proteção de vias aéreas, como incoordenação na movimentação dos músculos e estruturas envolvidas no processo de deglutição e/ou atraso na abertura do esfíncter esofágico superior podem, então, alterar esse processo e resultar em aspiração, o que modifica o som ouvido na ausculta cervical, e pode gerar complicações médicas secundárias3.

Diversos estudos já foram desenvolvidos para verificar a acurácia da ausculta cervical e para o aprimoramento desta técnica com recursos que permitem além da análise acústica, a análise gráfica dos sons da deglutição. No entanto, verifica-se na literatura controvérsias quanto ao uso da ausculta cervical devido aos critérios e instrumentos utilizados9,14, por ser um método subjetivo de avaliação9,15, por ser difícil estabelecer concordância entre examinadores e por não conter dados específicos de correspondência fisiológica16-18.

Em vista disso, o objetivo deste estudo foi verificar na literatura a contribuição da ausculta cervical para a avaliação clínica das disfagias.

MÉTODO

Foi realizada revisão da literatura sobre o tema proposto utilizando-se livros, dissertações, teses e artigos de periódicos científicos. Foram pesquisados artigos nas bases de dados Springer, Lilacs, Bireme, Medline e Scielo.

Para a busca, foram utilizadas as palavras-chave: auscultação, deglutição, transtornos de deglutição, cervical auscultation, deglutition, deglutition disorders. Não foi estabelecido um intervalo de tempo limite para pesquisa, sendo então encontrados estudos com data de publicação compreendida no período de 1992 a 2011. Na busca, foram encontrados 41 estudos, sendo incluídos 28 nesta revisão. O critério de inclusão adotado para a seleção dos materiais bibliográficos foi abordar a avaliação em disfagia usando como instrumento a ausculta cervical. Foram excluídos estudos que tangenciaram a temática.

REVISÃO DE LITERATURA

Ausculta cervical

A ausculta cervical é um método que consiste em ouvir os sons da deglutição para avaliar principalmente a competência da fase faríngea e sua interação com a respiração mediante o uso de um instrumento de amplificação. De modo convencional, esta técnica é realizada com uso de estetoscópio, no entanto, mais recentemente outros instrumentos vêm sendo empregados, como o microfone, o acelerômetro e o sonar Doppler11. Esses instrumentos transdutores permitem a digitalização do sinal, recurso que viabiliza a análise dos sons de forma mais objetiva, considerando sua duração, frequência do sinal e amplitude da onda, entre outros aspectos7,9,15,19,20.

De acordo com a literatura, diversos locais na região do pescoço foram sugeridos para posicionamento do instrumento de amplificação a fim de obter-se a melhor resposta acústica durante a avaliação. A relevância do adequado posicionamento do instrumento está baseada na relação sinal/ruído que tende a ser baixa nessa região devido à função circulatória e às trocas gasosas. A partir de evidências científicas, são indicados na literatura três pontos no pescoço para a realização da ausculta cervical, por demonstrarem a maior relação sinal/ruído com a menor variação do sinal da deglutição, como a região lateral da traquéia, imediatamente inferior à cartilagem cricóidea, ponto médio entre o local abaixo do centro da cartilagem cricóidea e o local imediatamente acima da incisura jugular e centro da cartilagem cricóidea3,7,17,21.

Alguns autores indicaram, ainda, que o melhor local para posicionar o estetoscópio seria na lateral do pescoço, acima da cartilagem cricóide na frente do músculo esternocleidomastóideo e dos grandes vasos13,18,22.

Um estudo pesquisou o melhor local cervical para a realização da ausculta. Dos quatro locais investigados, a colocação do aparelho de detector acústico na linha média da cartilagem cricóide foi o local ideal de posicionamento na cervical, por ser uma região anatômica de destaque. De acordo com os autores, a cartilagem cricóide se apresenta como um ressonador potencial, que além de ser um ponto de referência​​, também pode melhorar o sinal acústico21.

Entre as vantagens de aplicação dessa técnica estão o fato de ser de baixo custo, fácil execução e não invasiva, podendo ser aplicada em todas as faixas etárias, embora se encontre na literatura um predomínio de estudos utilizando este método de avaliação com adultos. Apesar das vantagens, as informações refentes aos sons ouvidos ainda não são muito claras, limitando algumas vezes o uso da ausculta a fonoaudiólogos com maior experiência na área7. Além disso, sabe-se que este recurso instrumental não permite a quantificação de determinadas alterações da deglutição como o acúmulo de alimento ou estase no trajeto orofaríngeo, penetrações e aspirações, bem como a identificação das aspirações silentes23. Observa-se que a utilização da ausculta cervical é determinada pela experiência do examinador, o que a torna um procedimento subjetivo, cuja aplicação deve estar associada a outros métodos, não devendo ser exclusiva para avaliação da deglutição ou do risco para disfagia.

Autores afirmaram que para a ausculta cervical ser utilizada como objetivo de aumentar a confiabilidade da avaliação clínica são necessários estudos que caracterizem acusticamente a deglutição normal, a fim de que se tenham parâmetros para comparação e caracterização de uma deglutição disfágica24. Desta forma, evidencia-se um crescente número de estudos que tiveram por objetivo estudar os sons da deglutição e sua correspondência com os eventos fisiológicos em sujeitos saudáveis9,11,25-27. Estes últimos, relacionando os achados de ausculta cervical com outros métodos de avaliação. Algumas pesquisas também vêm sendo realizadas no sentido de identificar o instrumento mais adequado para ausculta dos sons da deglutição9,14,19-21.

Verifica-se na literatura que embora a ausculta cervical seja amplamente utilizada pelos fonoaudiólogos, ainda são poucos os estudos que apresentam dados sobre a acurácia e a contribuição desta técnica para auxiliar na identificação de sinais sugestivos de penetração e aspiração, o que é fundamental para o diagnóstico de disfagia na prática clínica, tanto para avaliação de adultos quanto de crianças9,10,27-29.

Correspondência dos sons da deglutição com os eventos fisiológicos

A fim de compreender a relação dos componentes dos sons da deglutição com os eventos fisiológicos da fase faríngea, foi realizado um estudo com 15 jovens sem alteração da deglutição. Os participantes deglutiram 10 ml de uma suspensão de bário enquanto realizavam simultaneamente avaliação videofluoroscópica da deglutição e gravação da ausculta cervical. Durante as avaliações cada componente de som foi associado a uma posição específica do bolo aliementar e à estrutura anatômica que estava se movendo. Os autores evidenciaram três componentes sonoros da fase faríngea da deglutição com relação aos movimentos das estruturas anatômicas e às diferentes posições do bolo. O primeiro som foi associado à subida da laringe, com o bolo em orofaringe ou hipofaringe, presente em 81% das deglutições e com duração de 106± 47ms. O segundo som foi associado à abertura do esfíncter esofágico superior, com o bolo passando por esse esfíncter, presente em todas as deglutições e com duração de 185± 103ms. E o terceiro som correspondeu ao retorno das estruturas à postura de repouso, bolo no esôfago, com duração de 72± 38ms26. Os achados deste estudo estão de acordo com os de um estudo anterior, que também descreveu três componentes sonoros constituindo o som da deglutição, relacionados respectivamente à subida da laringe e passagem do bolo pela faringe, a abertura do cricofaríngeo e a descida da laringe25.

Outros autores, no entanto, afirmaram que em uma deglutição normal, há três sons marcantes na fase faríngea, sendo dois cliques audíveis correspondentes à elevação laríngea e passagem do bolo pelo esfíncter esofágico superior, acompanhados de um terceiro som, correspondente a um sopro expiratório4,6,27,30.

Partindo deste pressuposto, um estudo foi realizado a fim de caracterizar a deglutição de 60 idosos saudáveis por meio de um teste de deglutição de porções de 1, 3, 5, 10, 15 e 20 ml de água e registros de oximetria de pulso e ausculta cervical com estetoscópio digital. Os dados foram analisados por meio de análise acústica e visualização de espectrograma. Os sons da deglutição foram classificados em: tipo 1- dois cliques audíveis seguidos de sopro expiratório; tipo 2- dois cliques audíveis seguidos de som inspiratório; tipo 3- dois cliques audíveis, sem identificação da expiração ou da inspiração; tipo 4- não foram identificados os dois cliques da deglutição por interferência de ruídos. Entre outros resultados, os autores verificaram predomínio do som tipo 3 nos vários volumes de água utilizados no estudo. Deste modo, discutiram que a dificuldade na captação do som respiratório por meio da ausculta cervical pode ter sido influenciada pelas mudanças fisiológicas da idade como o decréscimo da força diafragmática e da força expiratória. Em vista disso, afirmaram que o estetoscópio não demonstrou ser o melhor instrumento para detectar a coordenação entre a respiração e a deglutição, dado importante para a avaliação do risco de aspiração30, o que deve ser considerado na prática clínica do fonoaudiólogo quando da avaliação do risco para disfagia.

Na avaliação clínica tenta-se também quantificar a duração da deglutição, segundo os termos, lenta ou atrasada, mesmo sem padrões de normalidade estabelecidos para este tempo3. Sabe-se que a duração do sinal acústico de deglutição apresenta diferenças de acordo com a consistência alimentar ingerida7, sendo maior o tempo de deglutição quanto maior a viscosidade do bolo9.

Em um estudo realizado para verificar o som da deglutição e o tempo de sua ocorrência baseando-se no exame da ausculta cervical, a média de tempo de ocorrência da deglutição foi de 1,19s, 1,07s e 17,33s para as deglutições de saliva, líquido e sólido, respectivamente. Nesse estudo, realizou-se avaliação funcional da deglutição com 32 mulheres, com média de idade de 25,84 anos. Além disso, o estudo mostrou que o tempo de deglutição de sólidos foi maior em sujeitos mais velhos28. Este aumento do tempo de trânsito faríngeo associado ao aumento da idade, também foi relatado em outros estudos, devendo ser considerado na prática clínica13,23.

Outro estudo recente verificou o sinal acústico da ausculta cervical na deglutição normal em 3 grupos de indivíduos com diferentes faixas de idades, sendo o primeiro grupo composto de adultos jovens (20-39 anos); o segundo grupo composto por adultos maduros (40-59 anos), e o terceiro grupo composto por idosos (superior a 60 anos). A gravação das deglutições foi realizada durante a ingestão de vários bolos alimentares, que variaram a consistência e o volume. Foram analisados o pico de intensidade do sinal da deglutição, o pico de frequência, e a duração do pico de intensidade. Os resultados mostraram que a duração da deglutição foi maior no grupo de idosos. Além disso, o pico de intensidade também foi mais intenso e o pico da frequência do sinal mais agudo no grupo de idosos, mostrando que ocorre aumento do tempo da fase faríngea com aumento da idade11.

Outro estudo analisou a duração dos sons da deglutição de sujeitos saudáveis, 20 do gênero masculino e 10 do gênero feminino (idade de 37 ± 11 anos). Foi solicitado que cada sujeito deglutisse uma solução de 10 ml composta de 50% de bário e 50% de água ofertada com uma seringa, sendo que cada sujeito realizou oito deglutições com pelo menos 30 segundos entre elas. Os exames foram gravados e analisados acusticamente. Para cada som de deglutição gravado foram mensuradas as médias gerais e médias de acordo com o gênero para a duração total do som, a duração de cada componente do som e o intervalo entre os componentes do som. Não houve diferença entre os gêneros em nenhuma das mensurações realizadas. Este estudo possibilitou quantificar a duração normal de três principais sons da deglutição, que podem ser utilizados na comparação com os sons da deglutição em condições patológicas31.

Partindo do conhecimento de que a morfofisiologia da deglutição se modifica com o crescimento e envelhecimento normais, e de que existem diferenças anatômicas entre homens e mulheres, um estudo foi realizado com o objetivo de identificar a duração dos eventos acústicos captados durante a deglutição de indivíduos sem queixa de disfagia e compará-los entre diferentes faixas etárias e entre os gêneros27. A amostra foi constituída por 164 indivíduos, 88 mulheres e 76 homens, com idades entre 6 e 85 anos, separados em 4 grupos conforme a idade. Os sons da deglutição foram captados por microfone, gravados em computador e analisados acusticamente.Cada indivíduo realizou nove deglutições, sendo: três de saliva; três de 5 ml de água; e três de 10 ml água. Com este estudo, as autoras verificaram que as durações médias dos tempos decorridos entre os picos das duas explosões da deglutição (T) tendiam a ser menores quanto maior o volume deglutido. As durações médias das apnéias da deglutição (dA) foram cada vez maiores quanto maior o volume deglutido. A idade não influenciou os tempos mensurados27, diferentemente do verificado em estudos anteriores que utilizaram metodologia diferente13,23,28. Já com relação ao gênero, somente quanto ao índice obtido por meio da relação T/dA nas deglutições de 5 ml há de se levar em consideração o gênero do indivíduo, visto que os homens apresentaram índices maiores do que as mulheres27.

De modo geral, observa-se que há frequente citação de três eventos sonoros importantes durante a fase faríngea em uma deglutição normal. No entanto, apesar dos diversos estudos realizados, a correspondência entre os sons da deglutição e os eventos fisiológicos não foi seguramente estabelecida. Da mesma forma, em relação à duração dos sons da deglutição há divergência entre os estudos, provavelmente devido às diferentes metodologias empregadas.

Na Figura 1 foram descritas as metodologias e as conclusões dos estudos que abordaram a correspondência dos sons da deglutição com os eventos fisiológicos.


Relação entre ausculta cervical e outros métodos de avaliação

A nasofibroscopia da deglutição permite a visualização das estruturas envolvidas no processo de deglutição, possibilita a testagem da sensibilidade faríngea e laríngea e a avaliação de penetração laríngea e/ou aspiração laringo-traqueal32. O exame de videofluoroscopia da deglutição, por sua vez, é considerado o padrão ouro na avaliação da fisiologia da deglutição e de seus distúrbios, pois além da visualização das estruturas anatômicas, possibilita a análise dinâmica dos diversos eventos da deglutição23. Diversos autores investigaram a relação da ausculta cervical com os exames de nasofibroscopia e videofluoroscopia, tendo em vista a importância destes métodos de avaliação para o diagnóstico de disfagia. Também foram objeto de estudo os componentes sonoros da ausculta cervical e de tempo da deglutição6,10,13,18,33,34.

Um estudo foi realizado com o objetivo de avaliar a relação entre os sons da deglutição e seus eventos fisiológicos por meio de ausculta cervical, avaliação do padrão respiratório e de videoendoscópica da deglutição, a fim de verificar se um conjunto de componentes sonoros definitivo poderia ser identificado; determinar a ordem em que os sons e eventos fisiológicos ocorrem e a relação entre eles.Foram avaliados 19 sujeitos, 8 homens e 11 mulheres, com deglutição normal. Os autores identificaram seis componentes sonoros durante a deglutição, no entanto, nenhum deles pode ser nitidamente identificado em todos os sujeitos. Houve ampla sobreposição dos sons da deglutição com os eventos fisiológicos e nenhum componente de som individual pode ser associado com um evento fisiológico da deglutição. Com isso, os autores concluiram que não há provas consistentes de que a ausculta cervical deva ser adotada na prática clínica, devendo ser realizados mais estudos por meio da relação da ausculta cervical com exames de imagem como a videofluoroscopia. Além disso, salientam que o exame endoscópico da deglutição talvez não seja adequado para a realização deste tipo de estudo por não permitir a visualização da fase oral e o momento da elevação laríngea34.Tais estudos reforçam a idéia de que a avaliação da deglutição não deve ser feita por meio de um único instrumento.

Por serem os exames de imagem os mais indicados para se correlacionar com a ausculta cervical34, um estudo foi realizado para verificar a capacidade da ausculta cervical em predizer a aspiração traqueal, em termos de sensibilidade e especificidade, tendo como base a avaliação veideofluoroscópica da deglutição6. Foram avaliados 50 sujeitos do sexo masculino, com idade entre 23 e 103 anos. O exame clínico foi realizado por dois profissionais com experiência em disfagia e ausculta cervical. A comparação entre os achados dos dois exames, evidenciou que a ausculta cervical permitiu a identificação de 72% das ocorrências de atraso no trânsito oral;de 62% de resíduos em cavidade oral; 66% de atraso no trânsito faríngeo;42% de presença de resíduos na faringe e 76% de aspiração traqueal6.

Em outro estudo o objetivo foi determinar a acurácia da ausculta cervical e seu valor clínico, quando comparado à videofluoroscopia. A amostra foi composta por 10 sons de ausculta de sujeitos com deglutição normal (média de idade de 72 anos) e 10 amostras de sons de ausculta de sujeitos com aspiração (média deidade de 78 anos). A coleta foi realizada com estetoscópio Littmann e as amostras gravadas durante a videofluoroscopia. Foram ofertados, em tempos distintos, 5 e 20 ml de bário líquido no copo e 5 ml de iogurte na colher, solicitando deglutição única para todos os volumes e consistências. Posteriormente os sons da ausculta gravados foram analisados por fonoaudiólogos com no mínimo seis anos de experiência na área, classificando as amotras como normais ou anormais. Os resultados da avaliação do som da auscuta associado à videofluoroscopia mostraram 90% de especificidade e 80% de sensibilidade. Além disso, a confiabilidade intra-avaliador não se correlacionou com os anos de experiência do profissional18.

Em outro estudo, alguns dos objetivos propostos foram avaliar a confiabilidade da ausculta cervical na detecção de disfagia, bem como a concordância entre avaliadores com e sem experiência na realização do procedimento. A confiabilidade entre os avaliadores foi moderada, ou seja, houve alguma discordância entre avaliadores, que pode ser justificada pela experiência do avaliador. Além disso, avaliando-se a ausculta da deglutição associada à videofluoroscopia verificou-se 70% de especificidade e 94% de sensibilidade para a ausculta. Deste modo os autores afirmam que os sons da deglutição contêm pistas importantes para identificar pacientes com alto risco de aspiração, porém não é indicado que ausculta seja a única ferramenta de avaliação13. Para avaliação da degutição e risco de disfagia, portanto, parece importante considerar a combinação de métodos e instrumentos associados à expertise do avaliador.

Uma pesquisa foi realizada com o objetivo de obter a concordância inter e intra-examinador na gravação dos sons da ausculta cervical para detectar presença ou ausência de aspiração em pacientes disfágicos. Para tanto, simultaneamente à realização da videofluoroscopia foi realizada a gravação dos sons da ausculta cervical, sendo avaliados16 pacientes, dos quais três apresentaram aspiração na videofluoroscopia. Cinco fonoaudiólogos previamente treinados para realização da ausculta cervical ouviram os sons gravados em duas ocasiões. Na comparação inter-examinador obteve-se um índice Kappa de 0,28, sugerindo uma fraca concordância. O índice Kappa intra-examinador variou entre 0,31 e 0,85, apresentando uma concordância de fraca a muito boa. Também foi possível verificar uma alta concordância entre a ausculta cervical e exame de videofluoroscopia na presença de aspiração e uma alta ocorrência de falso-positivos na ausência de aspiração33.

Pesquisa recente teve por objetivo comparar a detectabilidade de aspiração traqueal por meio da ausculta cervical em relação à avaliação videofluoroscópica na deglutição de 101 crianças com paralisia cerebral tetraparética espástica com disfagia orofaríngea. Os resultados do estudo mostraram que há relação significante entre a ausculta cervical positiva e a penetração ou aspiração laríngea constatada na videofluoroscopia da deglutição e que a ausculta cervical negativa está mais associada a não penetração/aspiração10. Deste modo, foi possível concluir com o referido estudo que a ausculta cervical pode ser utilizada para inferência do risco de aspiração e para atuação precoce nessa população, tendo como vantagem o fato de ser um método não invasivo de avaliação. Contudo, autores salientam a importância de serem realizados conjuntamente outros procedimentos de avaliação clínica que também se relacionam positivamente com a avaliação videofluoroscópica8, tais como observação do vedamento labial, preparo do bolo e sinais clínicos sugestivos de aspiração, entre os quais tosse, dispnéia e voz molhada10.

No Figura 2, foram descritas as metodologias e conclusões apresentadas pelos estudos da relação da ausculta cervical com outros métodos de avaliação.


Em face dos estudos analisados , é possível perceber que há diferença entre aqueles de acurácia e os de concordância, já que os primeiros tem por objetivo determinar a sensibilidade e especificidade do procedimento de ausculta cervical comparada com os métodos padrão ouro na avaliação da deglutição ou risco para disfagia. Já os estudos de concordância indicam o quanto a ausculta cervical apresenta de consonância com outros métodos de avaliação.

CONCLUSÃO

Verificou-se, que alguns estudos apresentaram concordância entre a ausculta cervical e a avaliação videofluoroscópica da deglutição, e outros apresentaram correlação positiva entre estas duas avaliações, principalmente quando associada a outros procedimentos de avaliação clínica. Sendo assim, e levando-se em conta que a videofluoroscopia da deglutição ainda é encontrada em apenas em alguns centros hospitalares, com custo relativamente alto, considera-se que a ausculta cervical constitui um importante recurso para o diagnóstico e acompanhamento clínico de intervenção em casos de disfagia orofaríngea, apesar de ser influenciada pela experiência do examinador.

Ainda há evidências pouco claras das correspondências entre os componentes sonoros da deglutição e os eventos fisiológicos da fase faríngea, o que culmina em poucas descrições em relação aos sons disfágicos e o que eles podem sugerir em termos de alteraçãofisiológica.

Recebido em: 22/11/2011

Aceito em: 16/07/2012

Fonte de auxílio: CAPES/ CNPq.

Conflito de interesses: inexistente

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  • Endereço para correspondência:
    Geovana de Paula Bolzan
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Abr 2013

    Histórico

    • Recebido
      22 Nov 2011
    • Aceito
      16 Jul 2012
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