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Aspectos psicossociais associados à paralisia facial periférica na fase sequelar: estudo de caso clínico

Resumos

Este estudo tem como tema descrever e analisar o processo terapêutico fonoaudiológico de uma paciente na fase sequelar da paralisia facial periférica, com ênfase nos aspectos psicossociais implicados no processo terapêutico. É um estudo do caso clínico de sujeito do sexo feminino, 52 anos, na fase sequelar da paralisia facial periférica, atendida no período de março a julho de 2010. O material clínico foi registrado sistematicamente por escrito, e as expressões faciais foram fotografadas regularmente durante o processo terapêutico. Os dados foram analisados na perspectiva biopsicossocial. O quadro de paralisia facial periférica ocorreu há 18 anos na hemiface esquerda, com etiologia desconhecida. No período que iniciou a terapia fonoaudiológica, o sujeito apresentava sincinesias e contraturas musculares significantes que configuravam as sequelas. É possível afirmar que, mesmo passados quase 20 anos após o quadro de paralisia facial periférica, a paciente referia com detalhes o sofrimento psíquico e as limitações sociais que as sequelas impunham a sua rotina. Queixava-se: da impossibilidade de manifestar suas emoções pela face em situações de comunicação. A escuta terapêutica dos conteúdos psíquicos levou a paciente a lidar com esses conflitos e, nessa medida, buscar alternativas tanto funcionais quanto subjetivas para expressar-se em termos verbais e não verbais com maior segurança e menor angústia. A abordagem terapêutica, que valorizou aspectos subjetivos da paciente, favoreceu a efetividade do método fonoaudiológico no caso estudado. O referencial teórico utilizado forneceu subsídios fundamentais para intermediar as intervenções técnicas.

Paralisia Facial; Estudo de Caso; Impacto Psicossocial


The background of this study is to describe and analyze the speech therapy intervention of a patient in sequelae stage of peripheral facial paralysis, with emphasis on psychosocial factors involved in the therapeutic process. It's a clinical case study, female subject, 52, in the sequelae stage of peripherical facial paralysis, assisted from March to July 2010. The clinical material was systematically recorded in writing and facial expressions were photographed regularly during the therapeutic process. The data were analyzed in a biopsychossocial aspects. The clinical of peripheral facial paralysis occurred 18 years ago in hemiface left with unknown etiology. During the period that began speech therapy, the subject had significant muscle contractures and synkinesis that made up the sequelae. It can be discuss that even after almost 20 years after the onset of peripheral facial paralysis, the patient reported in detail the psychological distress and social limitations imposed sequels that your routine. Complained: inability to express their emotions in the face communication situations. Listening therapy of psychological contents led to patient deal with these conflicts and, as such, seeks alternatives both functional and subjective to express herself in terms verbal and nonverbal safer and less anxiety. The therapeutic approach, which valued subjective aspects in the effectiveness of the method in the case studied speech. The theoretical basis provided subsidies for basic to intermediate technical interventions.

Facial Paralysis; Case Study; Psychosocial Impact


RELATOS DE CASOS

Aspectos psicossociais associados à paralisia facial periférica na fase sequelar: estudo de caso clínico

Mabile Francine Ferreira SilvaI; Zelita Caldeira Ferreira GuedesII; Maria Claudia CunhaIII

IFonoaudióloga; Doutoranda em Fonoaudiologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

IIFonoaudióloga; Professora Doutora Associada do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP; Pós-Doutorado na Universidade René Descartes, Paris, França

IIIFonoaudióloga; Professora Titular do Departamento de Clínica Fonoaudiológica da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mabile Francine Ferreira Silva Rua Emilia Martins Rulo, 196 Taboão da Serra – SP CEP: 06773-300 E-mail: mabilef@hotmail.com

RESUMO

Este estudo tem como tema descrever e analisar o processo terapêutico fonoaudiológico de uma paciente na fase sequelar da paralisia facial periférica, com ênfase nos aspectos psicossociais implicados no processo terapêutico. É um estudo do caso clínico de sujeito do sexo feminino, 52 anos, na fase sequelar da paralisia facial periférica, atendida no período de março a julho de 2010. O material clínico foi registrado sistematicamente por escrito, e as expressões faciais foram fotografadas regularmente durante o processo terapêutico. Os dados foram analisados na perspectiva biopsicossocial. O quadro de paralisia facial periférica ocorreu há 18 anos na hemiface esquerda, com etiologia desconhecida. No período que iniciou a terapia fonoaudiológica, o sujeito apresentava sincinesias e contraturas musculares significantes que configuravam as sequelas. É possível afirmar que, mesmo passados quase 20 anos após o quadro de paralisia facial periférica, a paciente referia com detalhes o sofrimento psíquico e as limitações sociais que as sequelas impunham a sua rotina. Queixava-se: da impossibilidade de manifestar suas emoções pela face em situações de comunicação. A escuta terapêutica dos conteúdos psíquicos levou a paciente a lidar com esses conflitos e, nessa medida, buscar alternativas tanto funcionais quanto subjetivas para expressar-se em termos verbais e não verbais com maior segurança e menor angústia. A abordagem terapêutica, que valorizou aspectos subjetivos da paciente, favoreceu a efetividade do método fonoaudiológico no caso estudado. O referencial teórico utilizado forneceu subsídios fundamentais para intermediar as intervenções técnicas.

Descritores: Paralisia Facial; Estudo de Caso; Impacto Psicossocial

INTRODUÇÃO

O rosto é elemento essencial para os funcionamentos psíquico e social do sujeito, pois, os traços e expressões faciais mediam as interações sociais e afetam a constituição da subjetividade1-3.

Nessa perspectiva, destacam-se os impactos psíquicos e sociais causados pela paralisia facial periférica (PFP), quadro clínico que pode inibir de maneira drástica a expressão e a mímica faciais e assim, limitar a possibilidade dos sujeitos para evidenciar seus sentimentos. Deste modo, é possível afirmar que essa condição gera transtornos na comunicação4-10.

Em termos orgânicos, a PFP decorre da redução ou interrupção do transporte axonal ao VII nervo craniano resultando em paralisia completa ou parcial da mímica facial. O nervo facial é frequentemente o mais afetado do corpo humano, pois percorre um trajeto ósseo de aproximadamente 35 mm, e fica sujeito à ação de processos compressivos e infecciosos de natureza variada que podem interromper seu influxo nervoso, levando ao bloqueio total de suas funções11,12.

A etiologia da PFP inclui várias causas, dentre elas: afecções inflamatórias, neoplasias, alterações metabólicas, herpes zoster, sendo que a mais frequente de ordem idiopática ou de Bell, em média dois terços dos casos13-16.

Por sua vez, as sequelas da PFP podem ser constatadas quando há uma regeneração neural parcial, causando espasmo hemifacial pós-paralítico e/ou persistência do déficit motor com contraturas musculares. As sincinesias também fazem parte dessas possíveis sequelas e geram incômodos, pois distorcem os movimentos e as expressões faciais, além de promover contraturas e comprometimento da simetria facial em repouso. Outra característica das sequelas pode ser a permanência da hipofunção da musculatura facial afetada, típica da fase flácida da PFP14.

Na reabilitação dos casos de PFP, tradicionalmente, o fonoaudiólogo desenvolve um trabalho de reabilitação miofuncional, a partir da investigação dos prejuízos causados na musculatura pela lesão do nervo facial. Nessa abordagem, o profissional avalia as funções relacionadas a essa musculatura, intervindo com o objetivo de recuperar os aspectos funcional e estético. Contudo, é desejável que os aspectos psíquico e social associados a esse quadro clínico não sejam negligenciados3,17.

Sendo assim, além de considerar as peculiaridades dos casos de PFP – adequando as abordagens e estratégias no trabalho miofuncional e atentando-se à condição particular de saúde e ao potencial nervoso e muscular de cada paciente3 – é indispensável considerar também que reabilitar os movimentos faciais é condição fundamental para que esse sujeito também se recupere social e psiquicamente4-6,8,10.

Considerando-se que o corpo é simbolicamente marcado por registros subjetivos, é necessário enfatizar que quando alguma região da área corporal está lesada, o psiquismo também é afetado. Portanto, para compreender o sofrimento desses pacientes, os indícios relativos à história de vida pregressa e às expectativas futuras, auxiliam na compreensão do processo patológico e contribuem para o tratamento mais efetivo das manifestações orgânicas18.

Nessa direção, salienta-se que as relações sociais – fundamentais para a sobrevivência física e afetiva do sujeito – geram sentimentos conflitantes, pois, ao mesmo tempo em que proporcionam a cooperação, a proteção, a satisfação e o amor; podem constituir-se numa ameaça ou num fardo, impondo exigências e cerceando a liberdade individual19.

Tais considerações são oportunas para introduzir a noção de estigma, referido como uma identidade deteriorada pela ação social, e associada aos indivíduos com deformações físicas, psíquicas, de caráter ou qualquer outra característica que os torne diferentes perante o convívio social10.

Observa-se que nas pessoas acometidas pela PFP, há associação entre esse quadro clínico e os significantes impactos nas atividades sociais, no comportamento em público, no desempenho profissional e na comunicação interpessoal4,5.

Nessa perspectiva, destaca-se que o não atendimento aos padrões de normalidade estética favorece a rejeição social. Nessas circunstâncias, o sujeito sofre duplamente: por não ter uma expressão apreciada pelo meio social, mas, sobretudo, por atribuir um caráter extremamente doloroso às suas limitações, o que fragiliza sua identidade4,10,19.

Feitas essas considerações, o objetivo deste estudo é descrever e analisar o processo terapêutico fonoaudiológico de uma paciente na fase sequelar da PFP, considerando-se os conteúdos psíquicos e efeitos sociais implicados.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Essa pesquisa foi aprovada no Comitê de Ética da Instituição (nº 251/09).

A paciente, com 52 anos de idade na época do atendimento fonoaudiológico, foi acometida por PFP de etiologia desconhecida na hemiface esquerda há 18 anos, estando na fase sequelar. Referiu que dias após o acometimento pela PFP, buscou atendimento fisioterápico e auxílio espiritual, conforme descrito na seção que se segue.

Os atendimentos fonoaudiológicos ocorreram no período de março a julho de 2010, o processo foi introduzido pela avaliação da condição funcional da face, seguido pela terapêutica miofuncional e escuta/interpretação dos conteúdos psíquicos e sociais envolvidos no caso20.

O material clínico foi registrado sistematicamente, por meio de elaboração de relatório e fotografias de expressões faciais e analisados, a partir de referenciais teóricos da Psicanálise, da Psicologia Social e da Fonoaudiologia, na perspectiva da articulação entre linguagem, corpo e psiquismo.

De acordo com as normas éticas preconizadas para pesquisas que utilizam seres humanos, a paciente concordou em participar da pesquisa assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A identidade da paciente foi preservada, com seu nome substituído por um fictício (Teresa).

Descrição da História

Teresa conheceu a Fonoaudiologia a partir da participação (por meio de entrevista) em uma pesquisa científica, cujo objetivo foi descrever e analisar os conteúdos psíquicos e sociais implicados na PFP.

Na referida entrevista, Teresa relatou as dificuldades enfrentadas na vida profissional (é cabeleireira), salientando que as insistentes perguntas das clientes sobre a aparência de seu rosto a incomodavam profundamente. Porém, afirmou que, apesar do problema, "agradecia a Deus" por ter boa saúde e conseguir sustentar a família com seu trabalho.

Após a entrevista, na qual buscou informações sobre a natureza das intervenções fonoaudiológicas, manifestou o desejo de iniciar a terapia.

Na avaliação da condição funcional da face os resultados indicaram que a PFP ocorreu na hemiface esquerda, com sequelas moderadas, sincinesias importantes de olho e boca esquerda, assimetria facial considerável, inibição de movimentos e linhas de expressão do lado esquerdo, exceto o sulco nasogeniano que estava acentuado a esquerda.

Terminada a avaliação, Teresa relatou que logo após a instalação da PFP sentiu-se muito triste e decidiu ficar em casa, suspendendo as atividades profissionais por volta de um mês. Evitava contatos com os vizinhos e a família, saindo somente para ir a igreja e ao médico.

Temia a reação das pessoas, principalmente a do marido, pois acreditava que sua aparência pudesse fazer com que ele a abandonasse. Mas, ao contrário, ele tornou-se mais amoroso e acolhedor. Esse dado é significante, pois o apoio familiar é (e foi para Teresa) um elemento essencial para que o sujeito possa ter condições de enfrentar a marca de seu estigma10. O apoio do companheiro foi essencial para o restabelecimento das suas interações sociais; como afirmou a paciente, de maneira compatível com a literatura6.

Diante da etiologia indefinida do quadro, Teresa suspeitava que a PFP havia decorrido de uma forte dor de dente seguida da de ouvido; que ocorreram alguns dias antes.

Tais informações não devem ser descartadas nesse caso, considerando que o nervo facial passa por um longo trajeto ósseo e, portanto, fica sujeito a processos compressivos e infecciosos de variadas naturezas, que podem interromper o fluxo nervoso11,12.

Passou, então, a descrever o dia que antecedeu a PFP. Estava no clube, entrou na piscina com seus filhos, e ao sair para fazer um lanche, percebeu que "estava falando a palavra ‘pão' de maneira engraçada". Na volta para casa, continuou estranhando (ainda mais) a própria fala. Foi dormir e quando acordou, por volta das 3 horas da madrugada, viu que "estava torta"; comentando: "então eu entortei dormindo". E acrescentou que, antes da PFP, estava sobrecarregada de trabalho, portanto muito cansada.

Prosseguiu relatando que, após a PFP, a sensação de não saber o que os outros pensavam a respeito de sua aparência, corrobora os dados da literatura sobre a recusa à circulação social5,10. Chorava muito durante esse período, mas nunca diante de alguém. Sofria com o estado de sua face, mas considerava que o que havia acontecido "não era tão grave" revelando, assim, sentimentos conflitantes: sofria e sentia-se culpada por isso.

Algumas pessoas, estranhando a sua ausência, começaram a ir procurá-la em casa e "descobriram" o que havia acontecido. Teresa detestava aquela situação, porque tinha que falar sobre o problema, o que sempre fazia minimizando-o, para que os outros não ficassem "muito impressionados e preocupados". Mesmo assim, não conseguia evitar essas reações diante das quais ficava muito irritada e pensando que, afinal, "não estava morrendo". Afirmou que, passados quase 20 anos, evitava falar sobre o assunto.

Por volta de um mês após a instalação da PFP, Teresa resolveu que voltaria a trabalhar e "enfrentaria o público", o que "não foi fácil".

Passou, então, a participar de cultos espíritas por incentivo de uma amiga e sentiu "grande alívio na alma". Mas, abandonou a religião em pouco tempo, porque não sentia melhoras no seu estado físico.

Resolveu dedicar-se somente ao tratamento médico, investindo financeiramente "mais do que podia" na busca de especialistas. Seguiu as orientações de um Neurologista que indicou o tratamento medicamentoso com anti-inflamatório e o início de terapia fisioterápica com eletro estimulação.

Referiu que o tratamento foi "muito dolorido", especialmente as sessões de fisioterapia, com eletro estimulação, realizadas por 3 meses. Em seguida, foi encaminhada para uma tomografia, que a deixou muito apreensiva. Quando foi buscar o resultado do exame, recebeu a notícia que este apresentou erros e que deveria ser repetido. Diante do fato, decidiu que não faria o exame novamente, apesar de prosseguir com o tratamento médico.

Especificamente com relação à fala, as distorções articulatórias faziam com que evitasse falar com os outros, inclusive com os filhos, pois para se fazer entender tinha que repetir os enunciados por diversas vezes, o que evidenciava ainda mais a assimetria do rosto. As restrições diante das dificuldades para produção de fala foram diminuindo com o passar do tempo, mas ainda sentia que a sua fala não seguia a espontaneidade anterior ao quadro de paralisia facial periférica, causando um desconforto ainda na produção dos fonemas bilabiais e labiodentais.

Quanto à alimentação, afirmou que inicialmente "a comida escapava" (pela comissura labial), e por isso evitava se alimentar na frente dos outros. Quando a situação era inevitável, comia com extrema cautela para evitar o problema. Superou essa dificuldade, queixando-se apenas da persistência do lacrimejamento do olho esquerdo durante a alimentação. E referiu que quando as pessoas percebem o fato, diz que "é emoção, ri e muda de assunto".

Por sua vez, quando tira fotos opta por "ficar séria", mas tenta "sorrir com os olhos", pois não gosta de seu sorriso. Faz isso para não "estragar as fotos dos outros". Mas, acrescentou que depois que a filha ensinou-lhe a virar o rosto levemente para o lado direito, para que o sorriso não fique "tão torto", passou a sorrir nas fotos tiradas pela filha.

Avaliou que os profissionais da saúde com quem ela teve contato, neurologista e fisioterapeuta, não tinham conhecimento suficiente a respeito da PFP, e que "esse assunto parece um tabu na sociedade" e sugeriu que se houvesse a divulgação de informações sobre os problemas implicados "as pessoas saberiam como fazer para se tratar".

Outro fato relatado foi a ocorrência de sintomas semelhantes aos da PFP em 2007, quando teve uma "sensação terrível, horrível": começou "a ver flashs de luz e a sentir dor de cabeça" e foi imediatamente ao médico, temendo que a PFP se instalasse novamente. Foi ao médico que disse que ela "estava fraca" e receitou polivitamínico do Complexo B. Teresa ainda toma cuidado ao coçar o olho, executando movimentos "com carinho, porque se eu coçar demais pode virar", e que "o medo de voltar a PFP" ainda a atormenta, pois teme "ficar torta novamente".

Ao final da entrevista, foi possível avaliar que a escuta oferecida a Teresa havia lhe trazido alivio, possivelmente por ter tido a oportunidade de falar sobre conteúdos até então reprimidos psiquicamente e, muitas vezes, mascarados em suas interações sociais.

Processo Terapêutico

Iniciou-se a reabilitação miofuncional, isto é: manipulações manuais na musculatura da face (no sentido do desenho das fibras musculares) associadas aos exercícios miofuncionais de maneira isotônica para estimulação dos segmentos musculares reinervados e táticas de relaxamento e alongamento para dissociação dos movimentos de contratura e sincinesia, facilitadores no processo de reabilitação e minimização de sequelas3,21.

De maneira indireta também, foram abordadas as distorções fonêmicas bilabiais e labiodentais, pois quando produzia os fonemas plosivos /p/, /b/ e /m/ havia um leve desvio para o lado contralateral (direito) e nos sons fricativos /f/ e /v/ havia uma leve fraqueza durante a produção desse ponto articulatório, que ainda causavam incômodo a ela. Foi proposto que com a realização dos exercícios acima mencionados poderiam ser minimizados este incômodo.

Diante do espelho, Teresa sentia-se incomodada, especialmente ao sorrir e notar o fechamento do olho esquerdo e elevação de testa. Mencionou que há muito tempo que não se olhava no espelho.

No decorrer das sessões, entremeados aos exercícios, passou a fazer relatos pessoais. Certa vez, trouxe fotos familiares para mostrar à terapeuta, sempre discriminando as que tinham sido tiradas antes e depois da PFP: "antes eu sorria, depois eu deixei de sorrir".

Nesse contexto, destacam-se os seguintes fragmentos: arrependia-se por ter ficado séria na última foto ao lado do pai, antes da sua morte, que ocorreu pouco tempo depois; acrescentado que estava feliz, mas diante da câmera, mudou de expressão e "não passou aquilo que realmente estava sentindo". Outra foto destacada foi a de um casamento, e comentou que "tinha começado a treinar para sorrir nas fotos do futuro casamento da filha".

Mais uma foto: a que o filho havia tirado num momento em que ela estava distraída, "gargalhando numa festa". Foi observado que a assimetria facial estava quase imperceptível, e que ali ela parecia estar, de fato, demonstrando seus sentimentos. Teresa concordou, demonstrando satisfação.

No início do processo terapêutico, a tensão muscular facial era significante, o que lhe atribuía expressão de seriedade, parecendo estar sempre brava. Contudo, com a realização dos exercícios, sua expressão foi ficando mais suave e a tonicidade muscular foi aumentando (especialmente no músculo orbicular). Na reabilitação das funções orais, a manutenção do tônus muscular e a otimização da capacidade contrátil muscular residual foram cruciais, associadas a minimização do impacto gerado pela assimetria facial em repouso e em movimento3,21.

Teresa não sentia mais os tremores, principalmente os que ocorriam na região do olho. Os exercícios passaram a ser mais direcionados à sua maior demanda: o sorriso.

Teresa ironizava, dizendo que "um peso de meia tonelada" impossibilitava que mostrasse os dentes inferiores ao sorrir. Muitas vezes, tocava essa região dos lábios com certa agressividade, dizendo: "viu, não desce!".

Certa vez, num desses episódios foi pontuado, que ao contrário, para que essa região fosse suavizada também era necessário tocá-la suavemente21. Respondeu que a sua ansiedade e impaciência não permitiam que fizesse movimentos faciais suaves. Foi então, estimulada a relatar sobre esses aspectos de personalidade, o que fez prontamente.

Nessa direção, os exercícios aliados a intervenções dessa natureza – isto é, as que mobilizavam a subjetividade de Teresa – favoreceram a obtenção de resultados efetivos: diminuição da tensão no músculo abaixador do lábio inferior e melhora significante da simetria em relação ao lado não afetado da face.

A evolução do quadro prosseguia e, cada vez mais, Teresa narrava acontecimentos marcantes de sua história de vida. Após 3 meses de atendimento, relatou que o irmão (viciado em drogas) havia tido uma "morte triste", pois foi assassinado. E pontuou: "o rosto dele não negava a história (do vício), por mais que tentasse esconder".

A terapeuta interviu, questionando sobre a história do próprio rosto de Teresa. Sua resposta: "um rosto que sofreu demais com a PFP, mas que está aprendendo a lidar com isso".

Gradativamente, sempre entremeando relatos pessoais e empenho na realização dos exercícios, Teresa apresentou melhora significante na musculatura orbicular do olho esquerdo, ausência de tremores na região e melhora relativa na musculatura e mobilidade da região oral (à esquerda) considerando-se as condições apresentadas no início da reabilitação miofuncional.

Teresa reconhecia tal evolução, que foi acompanhada da sugestiva decisão de fazer uma dieta para emagrecimento, pois estava motivada para cuidar-se de maneira integral; e não somente da face.

Na última sessão, presenteou a terapeuta com duas fotos: uma tirada no início e outra ao final do atendimento, nas quais comparativamente ficava evidente a evolução da sua condição facial.

Para concluir, destaca-se que acolher os conteúdos subjetivos de Teresa contribuiu decisivamente para a efetividade do tratamento das manifestações orgânicas.

RESULTADOS

Como mencionado anteriormente no relato, a paciente apresentava sincinesias e contraturas musculares significantes que configuravam as sequelas. Tinha dificuldades para produzir fonemas bilabiais e labiodentais. Entremeado ao quadro de PFP referia com detalhes o sofrimento psíquico, restritivas dos movimentos mímicos e expressivos, impunham ao seu cotidiano.

Queixava-se: 1. da impossibilidade de manifestar suas emoções pela face em situações de comunicação, condição agravada pela redução da intensidade vocal. 2. do temor em incomodar/causar estranhamento aos interlocutores pela manifestação das sincinesias, o que gera tensão psíquica e de certa maneira, fazia com que evitasse situações interacionais.

A medida em que a paciente relatava suas angústias seu empenho na realização dos exercícios miofuncionais aumentava. A paciente apresentou melhora significante na musculatura orbicular do olho esquerdo, ausência de tremores na região e melhora relativa na musculatura e mobilidade da região oral (à esquerda), também relatava sensação de "leveza" no rosto, considerando-se as condições apresentadas no início da reabilitação miofuncional e, consequentemente, uma melhora na produção articulatória dos fonemas bilabiais e labiodentais.

A suavização da função motora foi possível quando a paciente conseguiu um lugar de escuta para assuntos que ainda a afligiam com relação a paralisia facial periférica. Isto colaborou de maneira significante para a intermediação e realização dos exercícios mionfuncionais.

DISCUSSÃO

Como posto, a reabilitação miofuncional foi importante para que houvesse um progresso do caso acima apresentado3,17, mas a escuta terapêutica das peculiaridades foi fundamental para uma recuperação paralela dos aspectos psicossociais implicados4-6,8,10. Além dessas considerações, vale lembrar que o corpo é marcado por registros simbólicos, sendo então necessário investigar o que leva o sujeito ao sofrimento psíquico a partir do relato e acolhimento de sua história18.

Faz-se necessário também investigar se as relações sociais se modificaram após o acometimento pela PFP19. No caso apresentado pode-se evidenciar que Teresa relatava olhares de proteção e de cuidado de pessoas próximas, que podiam causar conforto, mas também certo incômodo por se sentir foco das atenções. Além disso, preocupava-se com a imagem que passava as pessoas que não a conheciam, um possível estranhamento ou uma interpretação errônea de seus sentimentos a partir de suas expressões faciais causava desconfortos.

Teresa não temia exatamente a rejeição social, mas sim, a atribuição de sofrimento diante da condição que o seu rosto causava a si mesma e isso fragilizava sua identidade4,10,19.

A escuta terapêutica desses conteúdos estimulou a paciente a lidar com esses conflitos e, nessa medida, buscar alternativas subjetivas, além de funcionais, para expressar-se, em termos verbais e não verbais, com maior segurança e menor angústia. O acolhimento dos conteúdos subjetivos contribuiu decisivamente para a efetividade do tratamento das manifestações orgânicas.

CONCLUSÃO

A abordagem fonoaudiológica no atendimento desse caso permitiu o acesso a conteúdos psíquicos e sociais implicados no quadro de PFP, o que favoreceu a evolução positiva desse caso.

Sugere-se a continuidade de pesquisas sobre o tema, com casuística ampliada e foco nas implicações clínicas da abordagem biopsicosocial da PFP, de maneira que esses aspectos sejam incorporados à prática fonoaudiológica por meio de instrumentos de avaliação e condutas de intervenção que, os contemplem de forma protocolar.

Recebido em: 18/10/2012

Aceito em: 26/03/2013

Conflito de interesses: inexistente

Fonte de financiamento: CNPq

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  • Endereço para correspondência:

    Mabile Francine Ferreira Silva
    Rua Emilia Martins Rulo, 196
    Taboão da Serra – SP
    CEP: 06773-300
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2013
    • Data do Fascículo
      Ago 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Out 2012
    • Aceito
      26 Mar 2013
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
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