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Avaliação da profundidade do palato duro: correlação entre método quantitativo e qualitativo

Resumos

OBJETIVO: verificar correlação entre método quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro. MÉTODO: participaram da pesquisa 74 crianças, com dentição mista, submetidas à avaliação fonoaudiológica e odontológica que incluiu moldagem do arco dental maxilar para confecção dos modelos de gesso usados para posterior mensuração. Para análise quantitativa mediu-se largura e profundidade do palato duro ao nível dos primeiros molares, cujos valores foram utilizados para o Índice de Altura Palatina. Assim, os palatos duros foram classificados em baixo, médio ou alto. A avaliação qualitativa foi efetuada por inspeção visual dos modelos de gesso por três fonoaudiólogas com experiência em Motricidade Orofacial. A profundidade dos palatos duros foi classificada em reduzida (palato baixo), normal (palato médio) ou aumentada (palato alto). Como resultado considerou-se o consenso de ao menos duas avaliadoras. Para análise dos dados verificou-se a frequência de classificações e aplicou-se o Teste de Correlação Gamma. RESULTADOS: a partir da avaliação quantitativa observou-se maior frequência de palatos médios (55,4%), seguidos de palatos baixos (39,2%) e palatos altos (5,4%). Pelo método de avaliação qualitativo a maioria dos palatos duros foram considerados palatos altos (51,4%), seguidos de palatos médios (43,2%) e palatos baixos (5,4%). Teste de Correlação de Gamma resultou em 0,6212 (p<0,05), indicando correlação moderada. CONCLUSÃO: a correlação entre os métodos de avaliação da profundidade do palato duro apresentou-se moderada. Na avaliação qualitativa houve tendência em considerar os palatos mais profundos do que indica o método quantitativo. Sugere-se que ambas as formas de análise sejam utilizadas na prática clínica.

Palato Duro; Avaliação; Medidas; Morfologia; Fonoaudiologia


PURPOSE: to investigate the correlation between quantitative and qualitative methods of hard palate depth evaluation. METHOD: 74 children participated in this study. They were in mixed dentition phase and were evaluated by speech therapist and dentist, who made the plaster models of maxillary dental arch used later for measure. The quantitative method was measurement of molar distance and molar depth whose values were used to calculate the Palatal Height Index. The hard palate was classified into low medium and high palate. Qualitative analysis was performed through visual inspection of the plaster models by three speech therapists with experience in Orofacial Myology. The depth of hard palate was classified as low, normal or increased. The result was the consensus of at least two evaluators. For Data analysis the frequency of ratings was investigated and the Gamma Correlation Test was applied. RESULTS: qualitative method: medium palate (55,4%) followed by low palates (39,2%) and high palate (5,4%). Quantitative method: high palates (51,4%) followed by medium palate (43,2%) and low palates (5,4%). The Gamma Correlation Test resulted in 0,6212 (p<0,05) which indicates moderate correlation. CONCLUSION: the correlation between quantitative and qualitative methods of hard palate assessment was moderate. There was a trend in the qualitative evaluation to consider the palates deeper than the quantitative method. Therefore, it is suggested that both forms of analysis to be used in clinical practice.

Hard Palate; Evaluation; Measures; Morphology; Speech, Language and Hearing Sciences


Avaliação da profundidade do palato duro: correlação entre método quantitativo e qualitativo

Camila Mulazzani MariaI; Ana Maria Toniolo da SilvaII; Angela Ruviaro Busanello-StellaIII; Geovana de Paula BolzanIV; Luana Cristina BerwigV

IFonoaudióloga graduada pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IIFonoaudióloga; Professora do Departamento de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil; Doutora em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP

IIIFonoaudióloga; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

IVFonoaudióloga; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM; Doutoranda do Programa de Pós-Graduação Distúrbios da Comunicação Humana, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

VFonoaudióloga; Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM; integrante do Programa de Residência Multiprofissional Integrada em Gestão e Atenção Hospitalar no Sistema Público de Saúde, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM, Santa Maria, Rio Grande do Sul, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Camila Mulazzani Maria Rua Tuiuti, 857 - apto. 14 Bairro Nossa Senhora de Fátima Santa Maria - RS CEP: 07015-661 E-mail: camila.mulazzani@yahoo.com.br

RESUMO

OBJETIVO: verificar correlação entre método quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro.

MÉTODO: participaram da pesquisa 74 crianças, com dentição mista, submetidas à avaliação fonoaudiológica e odontológica que incluiu moldagem do arco dental maxilar para confecção dos modelos de gesso usados para posterior mensuração. Para análise quantitativa mediu-se largura e profundidade do palato duro ao nível dos primeiros molares, cujos valores foram utilizados para o Índice de Altura Palatina. Assim, os palatos duros foram classificados em baixo, médio ou alto. A avaliação qualitativa foi efetuada por inspeção visual dos modelos de gesso por três fonoaudiólogas com experiência em Motricidade Orofacial. A profundidade dos palatos duros foi classificada em reduzida (palato baixo), normal (palato médio) ou aumentada (palato alto). Como resultado considerou-se o consenso de ao menos duas avaliadoras. Para análise dos dados verificou-se a frequência de classificações e aplicou-se o Teste de Correlação Gamma.

RESULTADOS: a partir da avaliação quantitativa observou-se maior frequência de palatos médios (55,4%), seguidos de palatos baixos (39,2%) e palatos altos (5,4%). Pelo método de avaliação qualitativo a maioria dos palatos duros foram considerados palatos altos (51,4%), seguidos de palatos médios (43,2%) e palatos baixos (5,4%). Teste de Correlação de Gamma resultou em 0,6212 (p<0,05), indicando correlação moderada.

CONCLUSÃO: a correlação entre os métodos de avaliação da profundidade do palato duro apresentou-se moderada. Na avaliação qualitativa houve tendência em considerar os palatos mais profundos do que indica o método quantitativo. Sugere-se que ambas as formas de análise sejam utilizadas na prática clínica.

Descritores: Palato Duro; Avaliação; Medidas; Morfologia; Fonoaudiologia

ABSTRACT

PURPOSE: to investigate the correlation between quantitative and qualitative methods of hard palate depth evaluation.

METHOD: 74 children participated in this study. They were in mixed dentition phase and were evaluated by speech therapist and dentist, who made the plaster models of maxillary dental arch used later for measure. The quantitative method was measurement of molar distance and molar depth whose values were used to calculate the Palatal Height Index. The hard palate was classified into low medium and high palate. Qualitative analysis was performed through visual inspection of the plaster models by three speech therapists with experience in Orofacial Myology. The depth of hard palate was classified as low, normal or increased. The result was the consensus of at least two evaluators. For Data analysis the frequency of ratings was investigated and the Gamma Correlation Test was applied.

RESULTS: qualitative method: medium palate (55,4%) followed by low palates (39,2%) and high palate (5,4%). Quantitative method: high palates (51,4%) followed by medium palate (43,2%) and low palates (5,4%). The Gamma Correlation Test resulted in 0,6212 (p<0,05) which indicates moderate correlation.

CONCLUSION: the correlation between quantitative and qualitative methods of hard palate assessment was moderate. There was a trend in the qualitative evaluation to consider the palates deeper than the quantitative method. Therefore, it is suggested that both forms of analysis to be used in clinical practice.

Keywords: Hard Palate; Evaluation; Measures; Morphology; Speech, Language and Hearing Sciences

INTRODUÇÃO

O palato duro é a estrutura óssea que forma a divisão entre as cavidades oral e nasal1 e mantém estreita relação com as atividades funcionais orofaciais2-5.

O crescimento harmônico da face e o desenvolvimento adequado das funções de respiração, sucção, mastigação, deglutição e fala dependem do equilíbrio do palato duro com as demais estruturas do sistema sensório-motor-oral3,6,7, pois os tecidos duros estão intimamente relacionados à função8,9.

A configuração das estruturas ósseas é geneticamente determinada, porém suscetível à ação modeladora da musculatura orofacial. Assim como a função pode adaptar-se na presença de alteração de forma, a estrutura óssea também pode ser alterada pelo posicionamento habitual inadequado dos tecidos moles no desempenho de determinada função e nos momentos sem atividade. Nesse sentido, a avaliação detalhada das estruturas anatômicas auxilia na compreensão dos comportamentos funcionais alterados10.

A análise morfológica do palato duro caracteriza-se como parte importante da avaliação de Motricidade Orofacial, pois contribui para a estruturação de um plano terapêutico com estratégias, prognóstico e encaminhamentos adequados. Quando a profundidade desta estrutura encontra-se alterada, pode-se prever que as funções orais e/ou respiração estarão prejudicadas, em maior ou menor grau4.

O método qualitativo de avaliação do palato duro, ou seja, inspeção visual intraoral, atualmente mostra-se como o mais utilizado na clínica fonoaudiológica, porém sem padronização quanto aos parâmetros de normalidade ou de nomenclatura para sua classificação3-5. Com o intuito de conferir maior fidedignidade aos dados do exame miofuncional orofacial observa-se uma tendência dos estudos da área em sugerir métodos quantitativos de análise combinados aos dados aferidos em avaliação qualitativa5,11-14.

A obtenção destas dimensões do palato duro pode ser realizada pela medição com compasso tridimensional ortodôntico (Korkhaus) em modelos de gesso15 ou na cavidade oral do paciente16,17; por meio de régua milimetrada18; mensuração tridimensional digitalizada19; ou com paquímetro em modelos de gesso4,13,14,20.

O presente trabalho teve como objetivo verificar a correlação entre os métodos quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro.

MÉTODO

Este estudo caracteriza-se como quantitativo e transversal21.

A amostra constituiu de 74 crianças, de ambos os sexos, com idades entre sete anos e 11 anos e 11 meses, cuja dentição apresentasse os primeiros molares superiores erupcionados, sendo classificada como mista. Excluíram-se aquelas que apresentavam histórico de tratamento fonoaudiológico, ortodôntico e/ou ortopédico facial anterior e/ou atuais; bem como sinais evidentes de comprometimento neurológico e/ou síndromes, limitações cognitivas ou malformações craniofaciais.

A fim de averiguar a adequação aos critérios de inclusão e exclusão realizou-se anamnese fonoaudiológica com os responsáveis. Nesta entrevista constavam questões relativas à identificação do sujeito, histórico de desenvolvimento, saúde geral, hábitos alimentares, hábitos orais, sono e tratamentos prévios e/ou atuais.

Efetuou-se também inspeção visual do sistema sensório-motor-oral, na qual verificaram-se o posicionamento habitual de lábios, língua e mandíbula, assim como o modo respiratório predominante, conforme protocolo utilizado na instituição de origem.

Posteriormente, os sujeitos foram submetidos à avaliação odontológica. O cirurgião-dentista observou período de dentição, estado de conservação dentária, presença ou ausência de desvio da linha média e alterações oclusais, bem como realizou a moldagem do arco maxilar superior das crianças.

Posteriormente os modelos de gesso foram devidamente identificados e aqueles que não permitiam a visualização da linha média palatina ou de todos os dentes erupcionados foram substituídos por um novo modelo. Os mesmos serviram de base tanto para a avaliação quantitativa quanto para a qualitativa.

Na moldagem do arco dental maxilar foram utilizadas moldeiras de poliamida para impressão ortodôntica (Morelli®) e alginato presa normal tipo II (Alga Gel®), além de gesso tipo pedra vazado até a cobertura do palato duro e gesso tipo extra para o preenchimento. Este processo foi realizado em sala com iluminação natural e artificial. As crianças permaneceram sentadas com quadril, joelhos e tornozelos em flexão de 90 graus e cabeça orientada pelo plano de Frankfurt.

Avaliação quantitativa da profundidade do palato duro

Para este trabalho considerou-se apenas o aspecto profundidade do palato duro, uma vez que os modelos de gesso não permitiam a visualização do ponto antropométrico estafilio, necessário para medição do comprimento do palato duro e posterior obtenção do Índice de Largura Palatina22.

A avaliação quantitativa da profundidade do palato duro foi realizada por meio da obtenção do Índice de Altura Palatina, uma relação centesimal entre a altura e a largura palatina que classifica esta estrutura em camestafilino (palato baixo), ortoestafilino (palato médio) ou hipsiestafilino (palato alto)20,22.

Para obtenção deste índice foi necessária a mensuração da largura e da profundidade do palato duro ao nível dos primeiros molares superiores20, com paquímetro digital da marca Western®, com resolução de 0,01 mm e precisão de ± 0,02 mm, calibrado a cada medição.

Para medição da largura palatina foram marcados pontos de referência nos modelos em gesso ao nível dos primeiros molares superiores, na região correspondente à união da borda gengival com o sulco palatino20. A largura palatina correspondeu à distância transversal em milímetros entre os pontos previamente estabelecidos (Figura 1).


Para mensuração da altura palatina, foi cortado um fio de aço inox com comprimento correspondente à medida transversal (largura do palato duro) e fixado com cera utilidade nas bordas gengivais do sulco dos primeiros molares. Este fio serviu de apoio para o deslizamento da vareta do paquímetro para medição da profundidade (Figura 2). A altura palatina correspondeu à medida da distância perpendicular entre a rafe palatina e o fio de aço inox, sendo subtraídos 0,05 mm, correspondente ao diâmetro do fio de aço13.


A partir dessas medidas calculou-se o Índice de Altura Palatina20,22, conforme fórmula indicada abaixo.

A classificação da altura/profundidade do palato foi dada pela inserção do resultado do cálculo em uma das seguintes faixas:

• Camaestafilino (palato baixo): valores menores ou iguais a 27,9 mm;

• Ortoestafilino (palato médio): valores entre 28,0 mm e 39,9 mm;

• Hipsiestafilino (palato alto): valores acima de 40,0 mm.

A mensuração da altura e da largura palatina foi efetuada por uma única pesquisadora, que após 30 dias da primeira avaliação realizou novamente as medidas em 30% dos modelos escolhidos aleatoriamente, para verificar a concordância entre a primeira e a segunda medição por meio do cálculo do coeficiente de correlação intraclasse (ICC). A análise dos resultados demonstrou concordância significante entre as duas medidas para todas as mensurações do palato duro.

Avaliação qualitativa da profundidade do palato duro

A avaliação qualitativa da profundidade do palato duro foi realizada por três fonoaudiólogas com experiência na área de Motricidade Orofacial, por meio da inspeção visual dos 74 modelos de gesso. Da mesma forma como na avaliação quantitativa, foi analisado somente o aspecto profundidade do palato duro.

As três avaliadoras submeteram-se a um treinamento visual prévio realizado de forma conjunta23, a fim de uniformizar a avaliação qualitativa que considera o aspecto profundidade do palato duro dissociado de outros parâmetros, tais como largura, conforme propõe a literatura recente5,12,13. Para este treino foram selecionados aleatoriamente oito modelos de gesso, o que constitui aproximadamente 10% da amostra.

Nesta etapa, a profundidade do palato duro foi classificada como reduzida, normal ou aumentada12, correspondendo respectivamente à palato baixo, palato médio e palato alto. A inspeção visual dos modelos e a marcação na folha de avaliação foi efetuada pelas três avaliadoras de forma concomitante, porém independente, na presença da pesquisadora responsável. Nenhuma das avaliadoras teve acesso aos resultados da avaliação pelo método quantitativo e das demais avaliadoras.

Como resultado da avaliação qualitativa de cada modelo considerou-se a predominância de respostas, ou seja, a concordância de ao menos duas avaliadoras. Nos casos em que as três respostas foram discordantes considerou-se o consenso das três avaliadoras após reavaliação24,25.

Faz parte do projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o número 0220.0.243.000-08. Todos os participantes tiveram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido assinado pelos responsáveis.

Para análise dos dados verificou-se a frequência de palatos considerados baixos, médios e altos nos dois métodos de avaliação e utilizou-se o Teste de Correlação de Gamma, aplicado por meio do software Statistica 9.0, a fim de obter o valor da correlação entre os métodos quantitativo e qualitativo, sendo que valores de γ entre 0 e 0,3 indicam correlação fraca, entre 0,3 e 0,7 indicam correlação moderada e valores a partir de 0,7 indicam correlação forte.

RESULTADOS

A Figura 3 apresenta a frequência relativa

das classificações de palato baixo, médio e alto por meio dos métodos quantitativo e qualitativo de avaliação.


Na Tabela 1 observam-se os resultados concordantes e discordantes da classificação da profundidade do palato duro quanto aos resultados dos métodos quantitativo e qualitativo de avaliação.

A Tabela 2 explicita o resultado da correlação entre os dois métodos de avaliação da profundidade do palato duro. O valor de gama (γ) obtido classifica esta correlação como moderada.

DISCUSSÃO

Os métodos quantitativos de avaliação em Motricidade Orofacial são cada vez mais sugeridos26 com o objetivo de uniformizar os resultados, estabelecer parâmetros de normalidade e alteração, bem como padronizar as classificações. Embora a mensuração do palato duro em modelos de gesso seja considerada um método confiável4,27, verifica-se divergência quanto aos instrumentos e os pontos de referência utilizados para medição4,5,14,15.

Na prática clínica observa-se que quase a totalidade dos profissionais utilizam o método qualitativo para avaliação do palato duro, em função da praticidade, do baixo custo e, até mesmo, da falta de conhecimento de outras formas de análise. A confiabilidade do método qualitativo, porém, pode ser questionada, uma vez que o treinamento e a experiência do avaliador são fatores que influenciam na análise.

Verifica-se, portanto, que a heterogeneidade nos métodos de avaliação do palato duro, assim como na classificação desta estrutura4,5, limitam o diagnóstico de alteração e, consequentemente, o plano terapêutico e o trabalho interdisciplinar.

Ao comparar os métodos quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro verificou-se que não houve equivalência total dos resultados (Figura 3). Considerando que o método quantitativo mostra-se mais fidedigno, estes dados demonstram que as formas de análise são complementares e não substituíveis.

Pelo método quantitativo encontrou-se maior frequência de palatos médios, seguido de palatos baixos e altos. Já na avaliação qualitativa as fonoaudiólogas consideraram que havia mais palatos altos, seguidos de médios e baixos.

A morfologia do palato duro está relacionada ao padrão de crescimento da face. Em sujeitos com tipo facial médio a profundidade do palato tende a mostra-se média28,29, em equilíbrio com as demais estruturas orais. Assim, o palato duro médio dificilmente acarreta prejuízo funcional, sendo considerado normal. De forma semelhante, o palato duro classificado como baixo, o qual se observa geralmente nos indivíduos com a face curta28,29, pode não alterar consideravelmente a dimensão vertical da cavidade oral a ponto de induzir adaptações das funções orofaciais. Os resultados do presente estudo mostram que grande parte dos palatos classificados como baixos pelo método quantitativo foram considerados médios na avaliação qualitativa, o que possivelmente indica uma dificuldade das avaliadoras em classificar o aspecto profundidade isoladamente e em modelos de gesso.

Por outro lado, todos os palatos classificados como altos pelo método quantitativo receberam a mesma classificação na avaliação qualitativa, parecendo ser a morfologia mais facilmente identificada em inspeção visual.

O palato duro com profundidade aumentada é característico dos sujeitos que apresentam tipo facial longo28,29 e o que mais frequentemente induz adaptações da respiração, da mastigação, da deglutição e da fala, uma vez que a dimensão vertical aumentada dificulta a acomodação da língua nesta estrutura tanto no repouso quanto na execução das funções. Além das características genéticas, dois importantes fatores contribuem para o aumento da profundidade do palato duro, quais sejam o modo respiratório predominantemente oral e os hábitos de sucção prolongados5,13,14.

A respiração oral induz à alteração morfológica por não permitir que a língua exerça sua ação expansora sobre o palato duro, pois para permitir a entrada de ar nas vias aéreas os lábios devem permanecer abertos e a língua no assoalho da boca30,31. A ausência de pressão negativa na cavidade nasal impede o abaixamento do palato e a ação dos demais ossos e músculos da face auxilia na compressão externa no arco dental maxilar, fazendo com que o crescimento seja mais acentuado no sentido vertical20,32. A respiração oral altera as dimensões verticais e transversais do palato duro principalmente na região posterior do palato duro5,13-16.

Os hábitos orais causam atresia do arco dental maxilar, sendo esta alteração frequentemente relatada, pois as pressões exercidas pela manutenção do hábito alteram a morfologia das bases ósseas33,34. Crianças com hábitos de sucção não nutritiva apresentam palato duro mais profundo e estreito na regiões anteriore14.

Os resultados apresentados também demonstram que houve tendência das avaliadoras em classificar os palatos como mais altos do que realmente eram. Pelo método qualitativo a maioria dos palatos baixos foram considerados médios e dos palatos médios foram considerados altos. Percebeu-se, portanto, que pela análise qualitativa diagnosticaram-se mais alterações morfológicas do palato duro no que se refere ao aumento da dimensão vertical.

Reforça-se que este diagnóstico é extremamente importante para o estabelecimento da conduta correta. Nos casos em que o palato duro apresenta-se alto, podem ocorrer algumas limitações no processo terapêutico, como dificuldade de acomodação da língua na papila palatina para propiciar auxiliar a respiração nasal e a deglutição33,35; distúrbio articulatório, uma vez que o palato duro oferece suporte para a execução dos movimentos rápidos e complexos da língua36, dentre outros. Nesses casos a conduta mais adequada pode ser o encaminhamento do paciente para avaliação ortodôntica, visando adequação anatômica prévia à terapia miofuncional.

A correlação entre os métodos quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro foi moderada e positiva (Tabela 2), o que significa que os resultados de ambas as análises configuram-se de forma diretamente proporcional.

Assim, indica-se que na prática clínica sejam utilizados os dois métodos de avaliação do palato duro como complementares para o diagnóstico de alterações morfológicas. Enquanto a análise quantitativa fornece uma classificação pré-estabelecida de acordo com valores numéricos, a qualitativa considera a relação da estrutura com os tecidos moles, bem como no desempenho das funções orofaciais.

A atuação interdisciplinar da Fonoaudiologia com a Ortodontia é imprescindível nos casos de Motricidade Orofacial. Na medida em que os modelos de gesso são tradicionalmente utilizados por ortodontistas para avaliação das condições oclusais sem a interferência dos tecidos moles da boca, o fonoaudiólogo pode ter nesses aparatos uma possibilidade de análise dos modelos do arco dental maxilar para obtenção das medidas do palato duro. É necessária a integração entre os profissionais, uma vez que implica em o ortodontista disponibilizar a documentação ortodôntica pertencente ao paciente, incluindo os modelos de gesso, para a análise do fonoaudiólogo e a discussão entre ambos, com consequente coordenação de condutas.

São apontadas algumas desvantagens quanto ao uso do molde de gesso na avaliação odontológica, como a necessidade de espaço físico adequado para armazenamento e risco de quebra, porém estes são ainda indispensáveis como meio diagnóstico27,37. Indica-se que os profissionais da área de Motricidade Orofacial passem a considerar o método quantitativo e o uso compartilhado dos modelos de gesso na clínica para que a avaliação do palato duro comece a constituir-se como uma prática baseada em evidências.

CONCLUSÃO

A correlação entre os métodos quantitativo e qualitativo de avaliação da profundidade do palato duro apresentou-se como moderada.

Os dados apresentados permitiram concluir que houve uma tendência na avaliação qualitativa em considerar os palatos mais profundos do que indica o método de avaliação quantitativo.

Conflito de interesses: inexistente

Recebido em: 20/01/2012

Aceito em: 22/05/2012

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Out 2013

    Histórico

    • Recebido
      20 Jan 2012
    • Aceito
      22 Maio 2012
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