Acessibilidade / Reportar erro

Análise do conhecimento de professores atuantes no ensino fundamental acerca da linguagem escrita na perspectiva do letramento

Resumos

OBJETIVO: analisar o conhecimento que um grupo de professores inseridos na rede pública do ensino fundamental tem sobre concepções de escrita e sobre o conceito de letramento. MÉTODO: os dados foram obtidos por meio da aplicação de questionário abrangendo formação profissional e conhecimento acerca da linguagem escrita e do letramento. Os questionários foram respondidos por escrito e individualmente, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. A análise estatística dos resultados foi realizada a partir do Teste de Fisher, ao nível de significância de 0,05 e do Teste qui-quadrado, ao nível de significância de 0,05. RESULTADOS: não houve diferença significante entre o conhecimento dos professores acerca da concepção de linguagem escrita, letramento, alfabetização e dos motivos que levaram a incorporação do conceito de letramento no sistema educacional e o período de formação no magistério. Predominou, entre os professores, uma concepção de linguagem como código/instrumento e representação da fala (80%). Apesar de 80% dos professores terem realizado leitura de textos acerca do letramento e 84,8% identificar diferenças entre esse conceito e a alfabetização, apenas 12% estabeleceu adequadamente tal diferenciação. CONCLUSÃO: há restrições quanto ao conhecimento dos professores sobre concepções da escrita e, portanto, limitações para o estabelecimento de associações teórico-práticas efetivas para a promoção de práticas de leitura e escrita significativas, junto ao processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa nas séries iniciais do ensino fundamental. O estudo oferece elementos para o delineamento de propostas formuladas no campo da Fonoaudiologia voltadas à educação que objetivem a socialização de conhecimentos e a promoção do letramento.

Leitura; Escrita; Educação; Linguagem


PURPOSE: to analyze the knowledge of a group of teachers inserted in public elementary school about concepts related to written language and literacy proficiency. METHOD: data were collected through a questionnaire covering training and knowledge of written language and the concept of literacy proficiency. After signing an informed consent, people answered questionnaires individually. The statistical analysis was performed from Fisher's test at significance level of 0.05 and the Chi-squared test significance level of 0.05. RESULTS: there was no significant difference between teachers' knowledge about the concept of written language, literacy, literacy proficiency, the reasons that led to the concept of literacy incorporation in the educational system and the period of teacher training. It was predominant among teachers a conception of language as code / instrument and representation of speech (80%). Although 80% of the teachers have read texts about literacy proficiency and 84.8% identify differences between this concept and that of literacy, only 12% adequately established that differentiation. CONCLUSION: there are restrictions on teachers' knowledge about written language and therefore, limitations for the establishment of effective theory-practice associations in order to encourage meaningful reading and writing practices concerning Portuguese teaching / learning in the early grades of elementary school. The study provides evidence for the design of proposals in the field of Speech Language and Hearing Sciences focusing on education that aim the socialization of knowledge and the promotion of literacy proficiency.

Reading; Writing; Education; Language


Análise do conhecimento de professores atuantes no ensino fundamental acerca da linguagem escrita na perspectiva do letramento

Knowledge analysis of teachers working in elementary school on the written language from the perspective of literacy proficiency

Ana Paula BerberianI; Kyrlian Bartira BortolozziII; Giselle Massi III; Angela Regina BiscoutoIV; Andréa Jully EnjiuV; Karina de Fátima Portela de OliveiraVI

IFonoaudióloga; Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, Curitiba, Paraná, Brasil; Doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP

IIFonoaudióloga; Discente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, Curitiba, Paraná, Brasil; Doutoranda em Distúrbios da Comunicação pela UTP

IIIFonoaudióloga; Docente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, Curitiba, Paraná, Brasil; Doutora em Linguística pela Universidade Federal do Paraná - UFPR

IVFonoaudióloga; Discente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, Curitiba, Paraná, Brasil; Mestranda em Distúrbios da Comunicação pela UTP

VFonoaudióloga; Discente do Programa de Mestrado e Doutorado em Distúrbios da Comunicação da Universidade Tuiuti do Paraná - UTP, Curitiba, Paraná, Brasil; Mestranda em Distúrbios da Comunicação pela UTP

VIFonoaudióloga, Discente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Tuiuti do Paraná, UTP, Curitiba, Paraná, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Ana Paula Berberian Rua Alfredo Muraro, 7 Curitiba - PR CEP: 82.020-230 E-mail: asilva@utp.br

RESUMO

OBJETIVO: analisar o conhecimento que um grupo de professores inseridos na rede pública do ensino fundamental tem sobre concepções de escrita e sobre o conceito de letramento.

MÉTODO: os dados foram obtidos por meio da aplicação de questionário abrangendo formação profissional e conhecimento acerca da linguagem escrita e do letramento. Os questionários foram respondidos por escrito e individualmente, após assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. A análise estatística dos resultados foi realizada a partir do Teste de Fisher, ao nível de significância de 0,05 e do Teste qui-quadrado, ao nível de significância de 0,05.

RESULTADOS: não houve diferença significante entre o conhecimento dos professores acerca da concepção de linguagem escrita, letramento, alfabetização e dos motivos que levaram a incorporação do conceito de letramento no sistema educacional e o período de formação no magistério. Predominou, entre os professores, uma concepção de linguagem como código/instrumento e representação da fala (80%). Apesar de 80% dos professores terem realizado leitura de textos acerca do letramento e 84,8% identificar diferenças entre esse conceito e a alfabetização, apenas 12% estabeleceu adequadamente tal diferenciação.

CONCLUSÃO: há restrições quanto ao conhecimento dos professores sobre concepções da escrita e, portanto, limitações para o estabelecimento de associações teórico-práticas efetivas para a promoção de práticas de leitura e escrita significativas, junto ao processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa nas séries iniciais do ensino fundamental. O estudo oferece elementos para o delineamento de propostas formuladas no campo da Fonoaudiologia voltadas à educação que objetivem a socialização de conhecimentos e a promoção do letramento.

Descritores: Leitura; Escrita; Educação; Linguagem

ABSTRACT

PURPOSE: to analyze the knowledge of a group of teachers inserted in public elementary school about concepts related to written language and literacy proficiency.

METHOD: data were collected through a questionnaire covering training and knowledge of written language and the concept of literacy proficiency. After signing an informed consent, people answered questionnaires individually. The statistical analysis was performed from Fisher's test at significance level of 0.05 and the Chi-squared test significance level of 0.05.

RESULTS: there was no significant difference between teachers' knowledge about the concept of written language, literacy, literacy proficiency, the reasons that led to the concept of literacy incorporation in the educational system and the period of teacher training. It was predominant among teachers a conception of language as code / instrument and representation of speech (80%). Although 80% of the teachers have read texts about literacy proficiency and 84.8% identify differences between this concept and that of literacy, only 12% adequately established that differentiation.

CONCLUSION: there are restrictions on teachers' knowledge about written language and therefore, limitations for the establishment of effective theory-practice associations in order to encourage meaningful reading and writing practices concerning Portuguese teaching / learning in the early grades of elementary school. The study provides evidence for the design of proposals in the field of Speech Language and Hearing Sciences focusing on education that aim the socialization of knowledge and the promotion of literacy proficiency.

Keywords: Reading; Writing; Education; Language

INTRODUÇÃO

As limitações e restrições relativas à apropriação e ao uso da linguagem escrita por parte da população brasileira tem sido historicamente apontadas como uma problemática social cujos determinantes e implicações estão relacionados às precárias condições materiais e subjetivas que caracterizam os modos de vida de parcela significante dessa população1-3. As práticas e experiências de leitura e escrita vivenciadas pelos diferentes grupos sociais, além de revelarem formas distintas de relação com os bens simbólicos, evidenciam as desiguais possibilidades de acesso, presentes na sociedade brasileira, aos bens materiais, fatos que, por sua vez exercem influência decisiva nas formas de inserção e participação social 2,3.

A partir do reconhecimento de que o domínio significativo da escrita é uma das condições para que todos os sujeitos possam usufruir dos bens simbólicos e materiais disponíveis na sociedade atual4, pode-se apreender a dimensão social das intervenções que, formuladas e implementadas no contexto fonoaudiológico, abordam essa modalidade de linguagem.

Nessa medida, estudos e ações fonoaudiológicas voltadas à promoção da linguagem escrita que enfoquem os processos de apropriação/ensino/ aprendizagem da linguagem escrita são significativamente relevantes, pois incidem sobre o contexto educacional e, mais especificamente, sobre a formação continuada de professores5-7. Para o implemento de tais práticas ressalta-se a necessidade de fonoaudiólogos abordarem junto aos professores concepções acerca da linguagem, aspectos relativos aos seus processos de apropriação, relações estabelecidas entre oralidade e escrita, problemas que podem ocorrer nesses processos. A ênfase em promover junto aos professores discussões e ações reflexivas em torno de tais aspectos justifica-se uma vez os mesmos fundamentam os conhecimentos teórico-práticos norteadores das práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores8.

É importante ressaltar que a preocupação em torno da qualidade, da natureza e dos impactos que as mediações implementadas pelos professores exercem nas condições de acesso e uso da leitura e escrita por parte das crianças, constitui-se como uma questão central de estudos nacionais e internacionais, desenvolvidos em diferentes campos da Educação, da Fonoaudiologia e da Linguística4-6,9,10.

Nessa direção, pesquisas da área fonoaudiológica5,11,12 vem enfatizando a necessidade de fonoaudiólogos, inseridos na escola, promoverem, a partir de uma perspectiva colaborativa, reflexões em torno das concepções e práticas de escrita e de seus processos de apropriação assumidas pelos professores.

Vários estudos5,6,8 que buscam analisar os conhecimentos e conceitos formulados e veiculados no campo educacional acerca do letramento, revelam um descompasso em relação aos avanços expressos nas políticas educacionais brasileiras, mais especificamente, no que tange as orientações teórico-metodológicas contempladas nos Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa13 e nas Diretrizes Curriculares Nacionais14 e as possibilidades dos professores lerem, interpretarem e incorporarem tais orientações nas práticas voltadas ao ensino da língua portuguesa. Apesar de documentos oficiais terem sido elaborados para subsidiar o implemento de ações significativas de leitura e produção de texto, chama atenção o fato de um número expressivo de professores não terem acesso a tais documentos ou não compreenderem as concepções e propostas neles veiculadas15-17.

Essa situação evidencia alguns dos problemas que atingem, de forma negativa, grupos de professores envolvidos com os processos de ensino/ aprendizagem da língua materna, em suas modalidades oral e escrita. Dentre tais problemas, destacam-se:

- o fato ignorarem ou terem compreensão limitada acerca de conceituações que embasam a teoria sócio-histórica, especialmente, no que se refere aos conceitos de: letramento, gêneros discursivos, intertextualidade, variedade linguística, autoria e dialogia8,18,19.

- o fato de não conseguirem incorporar em suas práticas pedagógicas contribuições decorrentes de tal teoria e, portanto, dos fundamentos norteadores das diretrizes do ensino da língua portuguesa no Brasil13,14 .

Interessa, especialmente, nesse estudo, explicitar como o letramento vem sendo conceituado nos referidos documentos a partir de sua diferenciação com a noção de alfabetização, a qual, até os anos 1980, direcionava o sistema educacional brasileiro18. Nesses documentos13,14 o letramento é concebido como processo contínuo de inserção e participação na cultura escrita que envolve desde o acesso as diferentes manifestações escritas presentes na sociedade brasileira, como a possibilidade de participar de forma efetiva das práticas sociais mediadas pela linguagem escrita. A alfabetização, por sua vez é entendida como processo específico e necessário para a apropriação do sistema de escrita. Ou seja, refere-se à apropriação dos princípios alfabético e ortográfico da língua portuguesa.

O fato de documentos oficiais, pesquisas, materiais e livros didáticos, fundamentados no conceito de letramento, circularem em contextos dos quais os professores participam, a não apropriação de tais recursos evidencia uma contradição. Ou seja, contrariando as propostas oficiais, fundamentadas na concepção de linguagem escrita como prática social constitutiva dos sujeitos, pode-se acompanhar o predomínio de teorias associacionistas subsidiando o ensino da língua portuguesa no Brasil16,20-22.

A importância da análise e da superação dos problemas envolvidos com a contradição e o descompasso acima referidos torna-se ainda mais evidente quando se consideram índices, estatísticas e dados obtidos a partir de pesquisas que identificam graves problemas que caracterizam o sistema educacional brasileiro e, por conseguinte, estão relacionados aos baixos níveis de letramento da população brasileira. Nesse sentido, vale destacar, conforme dados de 2009 do INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional)2, que 54% dos brasileiros que frequentaram até a 4ª série do ensino fundamental (atual 5º ano) atingiram o grau rudimentar de alfabetismo, ou seja, possuem no máximo a capacidade de localizar informações explícitas em textos curtos ou efetuar operações matemáticas simples2.

Com base nas considerações acima apresentadas, esse estudo tem por objetivo analisar o conhecimento de um grupo de professores inseridos na rede pública do ensino fundamental acerca dos conceitos relativos à linguagem escrita e ao letramento.

MÉTODO

Participaram da mesma 90 professores atuantes na Rede Municipal de Ensino de diferentes cidades do Estado do Paraná: Curitba, Ivaiporã, Arapuã, Colombo, Piraquara, Campina Grande do Sul. Adotou-se como critério de inclusão professores regentes nos 1º e 2º anos do Ensino Fundamental por serem esses níveis de escolaridade considerados como os que dão início ao processo de ensino/aprendizagem da leitura e escrita. Tal estudo, desenvolvido a partir de pesquisa de campo exploratória, foi realizado por meio da aplicação de questionário composto por 21 perguntas abrangendo identificação, formação profissional, conhecimento acerca da linguagem escrita e do conceito de letramento. Ressalta-se o fato de que as análises em torno das relações existentes entre a formação acadêmica e o conhecimento dos participantes foram estabelecidas a partir dos dados referentes à formação no magistério. Adotou-se como critério o nível de formação atingido pelo maior número de sujeitos que contemplasse em seus conteúdos os processos de ensino/aprendizagem da leitura e escrita. Os questionários foram respondidos por escrito, individual e pessoalmente, nas instituições escolares que os professores atuavam, após autorização institucional, bem como a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido pelos sujeitos participantes. Ressalta-se que não foi considerado fator de exclusao dos sujeitos da pesquisa o fato de terem respondido de forma incompleta o questionário.

Os resultados foram organizados, apresentados e analisados a partir de categorias definidas previamente no questionário, as quais abordavam: - o conhecimento dos professores acerca da linguagem escrita e do conceito de letramento.

Essa pesquisa foi inicialmente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, registrada sob o número 1252.

A análise estatística dos resultados foi realizada a partir do Teste de Fisher, ao nível de significância de 0,05 e do Teste qui-quadrado, ao nível de significância de 0,05.

RESULTADOS

Dos 90 professores participantes da pesquisa, apenas um era do sexo masculino, a média de idade foi de 34,8 anos e o desvio padrão de 7,9 anos. Quanto à formação acadêmica dos sujeitos, 91% (82) concluiu a graduação, dentre os quais 57% (52) em cursos que contemplaram diretamente os processos de ensino/aprendizagem da leitura e escrita e 96,67% (87) concluiu o magistério.

Dados referentes à relação existente entre as décadas de formação no magistério e as concepções acerca da linguagem escrita assumidas pelos professores podem ser observados na Tabela 1. Para análise de tal relação, foi aplicado o teste de Fischer a partir do qual se verificou que não existe relação significante (p=0,1239) entre o período de formação no magistério e as referidas concepções.

Conforme descrito na Tabela 2, pode-se observar a relação existente entre o fato dos participantes terem ou não realizado leituras que abordassem o conceito de letramento e a década de formação no magistério. A partir da aplicação do Teste de Fischer pode-se verificar que não existe relação significante (p=0,5108) entre período de formação e a leitura de texto que trata de tal conceito.

De acordo com os dados descritos na Tabela 3, quanto à relação existente entre a década de formação no magistério e o conhecimento dos participantes acerca do fato de existir ou não diferença entre os conceitos de alfabetização e letramento, pode-se observar, por meio do teste qui-quadrado, que não existe relação significante (p=0,3559) entre tais aspectos.

Para análise da relação, conforme descrito na tabela 4, entre o fato dos professores terem ou não realizado leitura de texto que aborde o conceito de letramento e conceituarem de forma adequada ou inadequada alfabetização e letramento, foi utilizado o teste de Fisher, a partiu do qual se pode constatar que não existe relação significante (p=0,0507) entre tais fatos.

A Tabela 5 apresenta a relação existente entre o fato dos participantes terem realizado ou não leitura de texto que aborde o conceito de letramento e o conhecimento dos mesmos acerca dos motivos que determinaram à incorporação de tal conceito no sistema educacional brasileiro.

DISCUSSÃO

Predomina nas respostas dos professores, a exemplo de achados de outros estudos8,23, uma abordagem acerca da linguagem escrita como código/instrumento e representação da fala. Tal posição contraria as orientações teórico-metodológicas expressas nos documentos oficiais elaborados para direcionar o ensino da língua portuguesa no Brasil13,14, uma vez que não está alinhada à teoria de linguagem escrita como constitutiva dos sujeitos e das relações sociais e ao conceito de letramento.

Considerando que a inserção do termo e, portanto, do conceito de letramento no sistema educacional brasileiro vem ocorrendo, desde a década de 1980 e, de forma mais expressiva, a partir dos anos de 19904,15; dois aspectos merecem ser analisados:

- o fato da visão instrumental da linguagem ser predominante entre os sujeitos da pesquisa independentemente do período de formação no magistério por parte dos mesmos;

- o fato da leitura de textos acerca do conceito de letramento não ter sido significativamente superior entre os professores formados nas décadas de 1990 a 2009.

A não incorporação dos avanços acadêmicos produzidos e disponíveis nacionalmente nas últimas décadas, bem como, das abordagens teórico-práticas veiculadas nos documentos13,14 formulados para garantir a população brasileira ensino de qualidade, pode ser apreendida nas respostas dos professores fundamentadas em teorias assossiacionistas 16,18,24 que concebem:

- A escrita como transcrição da oralidade;

- O professor treinador de habilidades perceptuais (discriminação visual, auditiva, motricidade fina, entre outras) que participam dos mecanismos de codificação (escrita) e decodificação (leitura);

- O aluno como aquele que aprende e fixa o conhecimento a partir da repetição e memorização do padrão de escrita.

- A alfabetização como o domínio de técnicas de codificação e de decodificação de um código;

- Atividades de treinamento dos pré-requisitos para a leitura e escrita como ditado, cópia e redação prioritárias no processo de alfabetização.

O predomínio da concepção de escrita enquanto código, nas respostas fornecidas pelos professores, além de apontar para ineficiências nos processos de formação profissional dos mesmos, tem sido identificado como um dos determinantes do fracasso escolar, da desistência escolar e dos baixos níveis de letramento da população5,17,19,

Tal predomínio permite, ainda, compreender porque apesar de um número expressivo de professores terem afirmado existir diferença entre os conceitos de alfabetização e letramento, menos que a metade deles estabeleceram de forma adequada tal diferenciação.

A dificuldade no entendimento de tais conceitos limita as possibilidades dos professores conduzirem o ensino/aprendizagem da língua portuguesa a partir da proposta de "alfabetizar letrando", difundida nas diretrizes educacionais. Isso porque, para assumir tal perspectiva o professor deveria entender a alfabetização e o letramento como processos distintos, porém indissociáveis13,14,24.

Quanto às repostas fornecidas por parcela significativa dos professores para a conceituação de tais processos, é importante destacar que a realização de leituras de textos envolvendo o letramento não exrceu um impacto positivo no dominio teórico de tais professores. Tais achados corroboram com estudos5,17,19 que analisam o fato de que, embora os professores, em sua maioria, tenham acesso a materiais escritos e leiam com regularidade, os mesmos não realizam leituras de textos acadêmicos e científicos de forma a incorporar e a operar ativa e criticamente sobre os conteúdos neles veiculados.

Evidenciando a dimensão dessa problemática, analisada por estudos8,16,19 que denunciam a falta de entendimento por parte de professores das políticas de ensino da língua portuguesa, chama atenção o percentual restrito de professores que referiu saber os motivos que promoveram a inserção do conceito de letramento no sistema educacional brasileiro.

Os achados desse estudo evidenciam que a formação profissional no magistério, realizada tanto nos períodos de 1970 a 1989, quanto de 1990 a 2009, não ampliou o aprofundamento teórico dos professores acerca dos referenciais que, efetivamente, podem subsidiar uma ação pedagógica que garanta aos alunos uma participação plena e efetiva nas práticas de produção e interpretação dos textos escritos.

Tal fato reitera a necessidade de abordagens teórico-práticas que objetivem analisar a qualidade dos processos de formação acadêmica-profissional de professores, bem como suas possibilidades e condições de leitura, interpretação e apropriação de conhecimentos veiculados em textos acadêmicos6,17,23.

Interessa esclarecer que apesar da sistematização e divulgação dos documentos oficiais13,14 representarem um avanço nas ações para um ensino de qualidade, é imprescindível que a leitura e análise de tais documentos ocorra a partir de um trabalho de formação de professores. Contudo, é fundamental que tal formação seja entendida como um processo contínuo e interativo16,25,26, que reconheça e legitime a posição do professor como crítica e responsiva19,25,27.

Ressalta-se, ainda, a necessidade de ações que, destinadas à formação dos professores, promovam, simultaneamente, o aprofundamento teórico acerca da linguagem e de seus processos de apropriação e a materialização e sistematização de tais fundamentos no planejamento e na execução de atividades de sala de aula.

Nessa direção, o estudo oferece elementos para o delineamento de propostas fonoaudiológicas voltadas ao contexto educacional que, de forma cooperativa, objetivem (re)construir/(re)significar sentidos e usos em torno das práticas de leitura e escrita vivenciadas pelo professor. Entende-se que o compartilhar e a socialização de conhecimentos entre fonoaudiólogos e educadores pode otimizar as possibilidades de inserção dos alunos em práticas de leitura e escrita e, portanto, contribuir para a promoção do letramento.

CONCLUSÃO

Com esse estudo pode-se apreender restrições quanto ao conhecimento de um grupo de professores acerca do conceito de letramento, de concepções de linguagem escrita e de seus processos de apropriação. Decorrentes dessas, foi possível identificar limitações para o estabelecimento de associações teórico-práticas coerentes e efetivas para a promoção de práticas de leitura e escrita significativas, junto ao processo de ensino/aprendizagem da língua portuguesa nas séries iniciais do ensino fundamental da rede pública do estado do Paraná.

Para finalizar, convém chamar a atenção de fonoaudiólogos inseridos na rede escolar para a importância de focarem sua atenção na contribuição que podem e devem dar ao sistema educacional brasileiro na medida em que, cientes do processo de apropriação da escrita na perspectiva do letramento, envolvam-se de forma decisiva na formação continuada de professores. Assim, estabelecendo uma relação de parceria com o professor, o fonoaudiólogo pode viabilizar uma melhoria na qualidade do ensino brasileiro aproximando tal ensino das orientações especificadas nos Parâmetros Curriculares Nacionais - Língua Portuguesa e nas Diretrizes Curriculares Nacionais, pautadas em uma perspectiva que toma a linguagem como trabalho social e histórico.

Fonte de auxílio à pesquisa: CNPq

Conflito de interesses: inexistente

Recebido em: 30/11/2011

Aceito em: 20/03/2012

  • 1. Rojo RHH. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. Parábola Editorial, 2009.
  • 2
    INAF - BRASIL/2009. Indicadores de Alfabetismos Funcional: principais resultados. Ação Educativa. Instituto Paulo Montenegro, 2009.
  • 3. Silva CC, Vóvio CL, Ribeiro VM. Latins America literacy, adult education and internacional benchmarks for adult literacy. Adult Education and evelopment. 2008;71:145-58.
  • 4. Soares BM. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. Educação e Sociedade. 2002(81):143-60.
  • 5. Berberian AP, Calheta PP. Fonoaudiologia e Educação: práticas voltadas à formação de professores. Dreux, FM; Mendes, BC; Navas, ALPGP (Orgs.) Tratado em Fonoaudiologia. São Paulo: Rocca; 2009. p.682-91.
  • 6. Silva TOF, Calheta PP. Reflexões sobre assessoria fonoaudiológica na escola. Dist Comun. 2005; 17(2):225-32.
  • 7. Penteado RZ. Escolas promotoras de saúde: implicações para a ação fonoaudiológica. Rev Fonoaudiol Brasil. 2002;2(1):28-37.
  • 8. Fernades GB, Crenitte PAP. O conhecimento de professores de 1ª a 4ª série quanto aos distúrbios da leitura e escrita. Rev Cefac. 2008; 10(2):182-90.
  • 9. Mather N, Bos C, Babur N. Perceptions and Knowledge of preservice and inservice teachers about early literacy instruction. J Learn Disabil. 2001;34(5):472-82.
  • 10. McCutchen D, Abbott RD, Green LB, Beretvas SN, Cox S, Potter Ns, et al. Beginning literacy: links among teacher knowledge, teacher practice, and student learning. J Learn Disabil. 2002;35(1):69-86.
  • 11. Massi G. A dislexia em questão. São Paulo: Plexus, 2007.
  • 12. Giroto CRM. A parceria entre o professor e o fonoaudiólogo: um caminho possível para a atuação com a linguagem escrita. [Tese]. Marília (São Paulo): UNESP; 2006.
  • 13. Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, Brasília, DF, MEC/SEF, 2004.
  • 14. Paraná. Diretrizes curriculares da Língua Portuguesa para a Educação Básica. Secretaria do Estado do Paraná - SEED, Curitiba, 2008.
  • 15. Rojo RHR. Letramento escolar e os textos da divulgação e apropriação dos gêneros de discurso na escola. Linguagem em (Dis)curso. 2008; 8:1-25.
  • 16. Cagliari LC. O ba be bi bo bu serve? Revista Aprendizagem. 2008;2:36-7.
  • 17. Justina EWND. Nível de letramento do professor: implicações para o trabalho com o gênero textual de sala de aula. Revista Linguagem em (Dis)curso. 2004;4(2):349-70.
  • 18. Dias RE; Lopes AC. Competências na formação de professores no Brasil; o que (não) há de novo. Educação e Sociedade. 2003; 24(85):1155-77.
  • 19. Barbosa JP. Do professor suposto pelos PCNs ao professor real de Língua Portuguesa: são os PCNs praticáveis? In: ROJO, R. (Org) A Prática da Linguagem em Sala de Aula: praticando os PCNs. 1. ed. São Paulo: EDUC; Campinas: Mercado de Letras; 2000. p.149-82.
  • 20. Matencio MLM. Estudos do letramento e formação de professores: retomadas, deslocamentos e impactos. Caleidoscópio. 2009;7(1):3-10.
  • 21. Faraco CA. Ensinar X não ensinar gramática ainda cabe essa questão? Caleidoscópio (UNISINOS). 2006;4(1):15-26.
  • 22. Rojo RHR. Produzir textos na alfabetização: projetando práticas. Educação. 2010;1:44-59.
  • 23. Tannús CGB, Fellipe ACN. Idade para alfabetização: opinião do professor e relação com o desempenho escolar. Pró-Fono. 2002; 14(3):393-400.
  • 24. Cagliari LC. Linguagem: oralidade e escrita. Salto para o Futuro (online). 2007;3:11-8.
  • 25. Inojosa RM. Sinergia em políticas e serviços públicos: desenvolvimento social com intersetorialidade. Cadernos FUNDAP. 2001;22:102-10.
  • 26
    Conselho Regional de Fonoaudiologia 2ª. REGIÃO. Fonoaudiologia na Educação: políticas públicas e atuação do fonoaudiólogo. São Paulo, 2010.
  • 27. Pimenta SG. Pesquisa-ação crítico-colaborativa: construindo seu significado a partir de experiências com a formação. Educação e Pesquisa (USP). 2005; 3(31):521-39.
  • Endereço para correspondência:
    Ana Paula Berberian
    Rua Alfredo Muraro, 7
    Curitiba - PR
    CEP: 82.020-230
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Fev 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      30 Nov 2011
    • Aceito
      20 Mar 2012
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br