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Eficácia da fonoterapia em um caso de afasia expressiva decorrente de acidente vascular encefálico

Resumos

O objetivo deste estudo de caso foi relatar e analisar o caso de um paciente afásico adulto em tratamento fonoaudiológico na clínica escola do Curso de Fonoaudiologia de uma instituição federal de ensino. O sujeito estudado é um paciente do sexo masculino, com 68 anos de idade, em tratamento na clínica escola desde maio de 2009, sendo que seu processo terapêutico foi analisado até dezembro de 2010. Quanto à história clínica, o paciente sofreu acidente vascular encefálico isquêmico no hemisfério esquerdo, em janeiro de 2009, quando repentinamente apresentou um quadro de mutismo. Após serem realizadas avaliações fonoaudiológicas, concluiu-se que o mesmo apresentava como hipótese diagnóstica "Afasia de expressão, oral e escrita, decorrente de acidente vascular encefálico isquêmico." Diante disto foi elaborado o planejamento terapêutico. Desde o início do processo de terapia foi possível observar evoluções linguísticas no paciente. O fato de o sujeito ter procurado atendimento fonoaudiológico 15 dias após o acometimento pelo acidente vascular encefálico, provavelmente foi um fator fundamental para sua boa recuperação, pois há um grau de recuperação espontânea em pacientes afásicos, porém a melhora é mínima sem o tratamento adequado. Em aproximadamente um mês de terapia fonoaudiológica, o paciente expandiu consideravelmente seu vocabulário. Apesar de a área lesada ser extensa e fundamental para a linguagem, observou-se avanços bastante positivos com a terapia. Deste modo, acredita-se que a intervenção fonoaudiológica precoce contribuiu, em grande parte, para a reorganização da atividade linguística, visto que o paciente comunica-se satisfatoriamente considerando a grande extensão de sua lesão.

Fonoterapia; Reabilitação; Afasia; Linguagem; Fonoaudiologia


The purpose of this article was doing a report case of an aphasic client subjected to speech therapy in the clinic of a Speech Pathology and Audiology course of a federal university. The studied subject is a male patient, aged 68, treated in the clinic since May 2009. His therapeutic process was analyzed up to December 2010. The client suffered an ischemic stroke in the left cerebral hemisphere, on January 2009, when suddenly presented mutism. After the evaluations, the therapist concluded that the client presented "aphasia, compromising the oral and the writing expression, caused by ischemic stroke". So, the treatment plan was created. Since the start of therapy, significant linguistic changes could be observed in the client. A primary factor for the satisfactory recover was the quick search for the speech treatment (15 days after the stroke), because there is a degree of spontaneous recovery in aphasic clients. But, the good results are minimal without the adequate therapy. Only one month after the beginning of the therapy, the client improved substantially his vocabulary. Despite the injury area is extensive and fundamental to the language, it was observed very positive results with the therapy. So, we believe that the early speech therapy contributed a lot to the linguistic recover, since the client communicate satisfactorily, if we consider the great extension of his injury.

Speech Therapy; Rehabilitation; Aphasia; Language; Speech, Language and Hearing Sciences


Eficácia da fonoterapia em um caso de afasia expressiva decorrente de acidente vascular encefálico

Letícia Regina KunstI; Luciéle Dias OliveiraII; Vanessa Pires CostaIII; Fernanda Marafiga WiethanIV; Helena Bolli MotaV

IFonoaudióloga; Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

IIFonoaudióloga; Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM

IIIFonoaudióloga; Mestranda em Distúrbios da Comunicação Humana - UFSM. Bolsista CAPES

IVFonoaudióloga, Mestre e Doutoranda em Distúrbios da Comunicação Humana pela Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Bolsista CAPES

VFonoaudióloga; Doutora em Linguística Aplicada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS; Docente do Curso de Fonoaudiologia e do Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunicação Humana - UFSM

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Vanessa Pires Costa Rua Tuiuti 1741, ap. 202 Santa Maria - RS CEP: 97015-663 E-mail: vanepcosta@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste estudo de caso foi relatar e analisar o caso de um paciente afásico adulto em tratamento fonoaudiológico na clínica escola do Curso de Fonoaudiologia de uma instituição federal de ensino. O sujeito estudado é um paciente do sexo masculino, com 68 anos de idade, em tratamento na clínica escola desde maio de 2009, sendo que seu processo terapêutico foi analisado até dezembro de 2010. Quanto à história clínica, o paciente sofreu acidente vascular encefálico isquêmico no hemisfério esquerdo, em janeiro de 2009, quando repentinamente apresentou um quadro de mutismo. Após serem realizadas avaliações fonoaudiológicas, concluiu-se que o mesmo apresentava como hipótese diagnóstica "Afasia de expressão, oral e escrita, decorrente de acidente vascular encefálico isquêmico." Diante disto foi elaborado o planejamento terapêutico. Desde o início do processo de terapia foi possível observar evoluções linguísticas no paciente. O fato de o sujeito ter procurado atendimento fonoaudiológico 15 dias após o acometimento pelo acidente vascular encefálico, provavelmente foi um fator fundamental para sua boa recuperação, pois há um grau de recuperação espontânea em pacientes afásicos, porém a melhora é mínima sem o tratamento adequado. Em aproximadamente um mês de terapia fonoaudiológica, o paciente expandiu consideravelmente seu vocabulário. Apesar de a área lesada ser extensa e fundamental para a linguagem, observou-se avanços bastante positivos com a terapia. Deste modo, acredita-se que a intervenção fonoaudiológica precoce contribuiu, em grande parte, para a reorganização da atividade linguística, visto que o paciente comunica-se satisfatoriamente considerando a grande extensão de sua lesão.

Descritores: Fonoterapia; Reabilitação; Afasia; Linguagem; Fonoaudiologia

INTRODUÇÃO

A afasia é tradicionalmente definida como um distúrbio adquirido da linguagem causado por lesão ou disfunção encefálica, que pode estar associado ou não a outras alterações cognitivas, interferindo na capacidade de processamento e/ou produções linguísticas. Trata-se de uma das alterações neurológicas mais comuns após lesão focal adquirida no sistema nervoso central, em áreas responsáveis pela linguagem compreensiva e/ou expressiva, oral e/ou escrita1,2.

Na afasia são afetados todos os aspectos da linguagem referidos anteriormente, no entanto, não compreende uma doença, mas sim, uma desordem neurofisiológica multimodal manifestada por dificuldades de ler, falar e/ou escrever acompanhada de modificações no comportamento, nas esferas intelectuais e emocionais, nas atitudes e na personalidade3. Indivíduos afásicos podem apresentar desde uma alteração linguística leve, como a anomia (dificuldade de evocar ou emitir nomes), até uma alteração mais severa, perdendo a capacidade de emitir qualquer sinal linguístico4.

O comprometimento causado pela afasia varia de acordo com o local e a extensão da lesão. Quanto maior for a área cerebral afetada, maiores serão os riscos de sequelas. Quanto à localização, uma autora refere que 95% dos destros e 75% dos canhotos especializam o hemisfério esquerdo (HE) para a linguagem, sendo este, então, o hemisfério dominante para o desenvolvimento e utilização das habilidades linguísticas3. As lesões em regiões anteriores do hemisfério cerebral esquerdo costumam comprometer a produção verbal, enquanto que lesões em regiões posteriores desse mesmo hemisfério provavelmente comprometem a compreensão verbal4.

As lesões cerebrais que originam as afasias podem ser ocasionadas tanto por fatores exógenos ao sujeito, tais como traumatismo crânio-encefálico ou doenças infecciosas, quanto por fatores endógenos ao organismo do sujeito, como acidente vascular encefálico (AVE) ou tumores, por exemplo1. O AVE é a causa mais frequente da afasia na idade adulta, além de ser um grande problema de saúde pública devido às suas consequências, que geram a necessidade de recursos diagnósticos e terapêuticos5,6.

Além dos distúrbios específicos e relacionados à linguagem, existem outros fatores que agravam o quadro do paciente afásico como o seu estado emocional, as dificuldades de memória, o uso de medicação, os desvios de atenção, a presença de estados de agitação e depressão, as condições nutricionais e sua saúde geral3,7.

A partir do conhecimento sobre as questões relacionadas à afasia, a atuação fonoaudiológica tem como objetivo a recuperação da comunicação do paciente, considerando seus limites, sua condição física e mental. A reabilitação do paciente afásico, por meio da terapia fonoaudiológica, deve ser científica, humana, sistemática e plástica, compreendendo o ser humano em sua totalidade1.

Com base no exposto, o objetivo deste estudo de caso foi relatar e analisar o caso de um paciente afásico adulto em tratamento fonoaudiológico na clínica escola do Curso de Fonoaudiologia de uma instituição federal de ensino. Justifica-se o relato do caso pela recuperação linguística bastante favorável que o paciente apresentou, em relação à extensão da lesão cerebral sofrida.

APRESENTAÇÃO DO CASO

Este relato caracteriza-se por ser do tipo observacional e exploratório. As informações do paciente foram obtidas por meio de consulta ao prontuário da clínica escola do Curso de Fonoaudiologia de uma Universidade Federal, de onde foram coletados dados referentes à anamnese, às avaliações fonoaudiológicas e complementares (avaliação neurológica, audiológica e psicológica), à hipótese diagnóstica e ao processo terapêutico.

O sujeito estudado é um paciente do sexo masculino, com 68 anos de idade, em tratamento na clínica escola desde maio de 2009, sendo que seu processo terapêutico foi analisado até dezembro de 2010. Com a finalidade de preservar a identidade do paciente, no decorrer do trabalho foi-lhe atribuída a inicial D. para identificá-lo.

Quanto à história clínica, o paciente sofreu AVE isquêmico no hemisfério esquerdo, em janeiro de 2009, à noite, após ter trabalhado durante o dia. D. encontrava-se em repouso quando, repentinamente, apresentou desvio da boca para o lado esquerdo, perdeu os movimentos do lado direito e apresentou um quadro de mutismo. Em razão disso, permaneceu internado por três dias, ficando com paresia em todo o lado direito do corpo, além de comprometimento da linguagem expressiva oral. O paciente trabalhava como agricultor até a data em que foi acometido pelo AVE. D. residia com a esposa, sua cuidadora.

O paciente apresentava hipertensão há mais de 10 anos, era fumante e fazia uso de bebidas alcoólicas. Além da terapia fonoaudiológica, frequentava sessões de fisioterapia e mantinha acompanhamento com cardiologista, fazendo uso de medicação contínua para o coração e hipertensão. Iniciou fonoterapia em clínica particular cerca de 15 dias após a alta hospitalar.

Quanto à evolução, relatou melhora desde a alta hospitalar. A recuperação motora foi rápida, embora tenha permanecido com algumas dificuldades. Quanto à recuperação da fala, esta vinha ocorrendo de maneira gradual, principalmente no primeiro mês após o AVE. Iniciou com a produção de poucas palavras e foi aumentando gradativamente para a emissão de frases simples. Antes de iniciar a terapia na clínica escola, já conseguia comunicar-se com certa efetividade, entretanto apresentava muitos episódios de anomia e trocas fonêmicas.

Quando o paciente iniciou tratamento na clínica escola, foram realizadas as seguintes avaliações fonoaudiológicas: Avaliação de Afasia - ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação) e avaliação da Compreensão de Linguagem do Afásico (Token Test). Como avaliações complementares foram realizadas: avaliação audiológica, avaliação neurológica, tomografia de crânio e ecografia de artérias vertebrais, artérias subclávias e artérias carótidas.

A realização da pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria sob o número 123/03.

RESULTADOS

Na Avaliação de Afasia - ABBR, quanto à fala espontânea observou-se dificuldade e imprecisão articulatória e nas séries automáticas, não conseguiu evocar o alfabeto e os meses do ano. No aspecto compreensão e nas atividades de esquema corporal, não apresentou dificuldades, realizando satisfatoriamente todas as tarefas solicitadas. Com relação à leitura oral, o paciente foi capaz de ler, compreender e interpretar textos. Apresentou certa dificuldade em nomear os números. Na escrita, apresentou dificuldade motora, pois é destro, e o AVE comprometeu o lado direito do corpo. Entretanto, conseguiu escrever as palavras e frases solicitadas, apresentando apenas algumas trocas e omissões de letras, que ele mesmo conseguia corrigir por meio de releituras. Obteve sucesso na avaliação das gnosias e, no que se refere às praxias verbais, D. apresentou dificuldade em repetir algumas sílabas, palavras e frases. Já com praxias não-verbais, ordens simples e ações simuladas D. não apresentou dificuldades. Salienta-se que durante todas as etapas da avaliação, o paciente não apresentou dificuldade na compreensão da linguagem.

Na Avaliação da Compreensão de Linguagem do Afásico (Token Test) D. apresentou pontuação correspondente ao grau de comprometimento leve.

O resultado da Avaliação Audiológica demonstrou limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade com prejuízo nas frequências agudas.

Na Avaliação Neurológica, foi constatado que o paciente apresenta sequelas de AVE isquêmico manifestadas por discreta hemiparesia sensitivo-motora à direita, além de quadro de afasia predominantemente expressiva.

Na Tomografia de Crânio realizada em janeiro de 2009, os cortes tomográficos evidenciam moderada ampliação difusa de espaços liquóricos compatível com redução volumétrica do encéfalo; parênquima cerebral com coeficiente de atenuação normal; sem sinais de hidrocefalia. Entretanto, é importante destacar que isquemias em fase aguda podem não ser detectadas na tomografia computadorizada. Em março do mesmo ano, foi realizada nova tomografia, evidenciando hipodensidade parenquimatosa comprometendo substância branca e cinzenta na região temporo-parietal esquerda.

Após as avaliações realizadas, chegou-se à hipótese diagnóstica "Afasia de expressão, oral e escrita, decorrente de acidente vascular encefálico isquêmico."

Diante do diagnóstico estabelecido, foi elaborado o planejamento terapêutico, que teve como objetivos: adequar a linguagem expressiva, oral e escrita, prestar orientação ao paciente e à família sobre afasia, além de engajá-los na terapia fonoaudiológica. Para tanto foram utilizadas em terapia estratégias como facilitação, evocação e articulação, com o auxílio de música e assuntos do interesse de D., sendo estas atividades contextualizadas ao cotidiano do mesmo. Na escrita utilizou-se o gênero textual notícia e letras de música para trabalhar produção escrita com o paciente.

Desde o início do processo terapêutico foi possível observar evoluções linguísticas no paciente. D. comunica-se satisfatoriamente considerando sua lesão, no entanto, relatou que ainda gostaria de melhorar mais. Foi um paciente assíduo e bastante colaborativo. No final de 2010, o quadro permanecia estável. Destaca-se que o paciente permaneceu em atendimento fonoaudiológico devido à necessidade de interagir com outras pessoas, já que o mesmo apresenta a queixa de "não ter com quem conversar". Assim, D. passou a participar de um grupo de afásicos mediado por uma fonoaudióloga, em que os mesmos podem interagir e trocar experiências entre si.

DISCUSSÃO

Quanto aos dados da entrevista inicial realizada com o paciente e sua esposa, o agente causador da afasia foi o acometimento pelo AVE. O caso de D. trata-se de AVE do tipo anóxico-isquêmico no hemisfério cerebral esquerdo, manifestado de forma súbita com hemiparesia à direita e quadro de mutismo. O comprometimento imediato da linguagem é explicado pela lesão do paciente, já que o hemisfério esquerdo é dominante para o desempenho das habilidades linguísticas3.

Em relação à hipótese diagnóstica fonoaudiológica estabelecida para o paciente, optou-se por utilizar a dicotomia "Afasia expressiva" versus "Afasia receptiva8. Tal classificação, embora não descreva com exatidão as particularidades de cada caso, é útil na clínica fonoaudiológica por ser funcional, já que apresenta as duas desordens mais perceptíveis do ponto de vista interacional. O principal sintoma apresentado por D. foi a dificuldade de expressão, ou seja, sua emissão não-fluente. Já a compreensão - outro aspecto clínico importante a ser levado em conta para o diagnóstico - foi considerada boa conforme comprovado no resultado do Token Test, que evidenciou um grau de comprometimento leve. Além disso, pode-se assegurar que a compreensão é adequada por meio da observação atenta da terapeuta nas demais avaliações e nas sessões de terapia. Assim, pelo fato de a compreensão estar quase totalmente preservada, utilizou-se o termo "Afasia de expressão".

O paciente em estudo apresentou um quadro de mutismo logo após o acometimento pelo AVE, sendo o primeiro sintoma característico do distúrbio de linguagem adquirido. Logo após o AVE, quando iniciou o tratamento fonoaudiológico, o paciente comunicava-se basicamente pela palavra /tudo/, como uma estereotipia verbal, o que também caracteriza o comprometimento expressivo.

Em aproximadamente um mês de terapia fonoaudiológica, D. expandiu consideravelmente seu vocabulário, porém com muitas parafasias e neologismos. Além disso, já se expressava de forma telegráfica e vinha recuperando a fluência de maneira gradual. No presente caso observou-se parafasias de dois tipos: parafasias semânticas e parafasias fonéticas1. As parafasias foram observadas tanto na fala espontânea, quanto na nomeação de palavras. Além destas anomalias afásicas, observou-se, também, a presença de estereotipias verbais, como já mencionado, e perseveração.

Quanto à leitura, o paciente a realizava, mas de forma lenta, cometendo alguns erros que sugeriam parafasia. Já a escrita encontrava-se levemente afetada, devido à hemiparesia direita, pois o paciente é destro. D. escreveu as palavras solicitadas, apresentando algumas trocas e omissões de letras, percebidas pelo paciente e corrigidas com auxílio da terapeuta. Esses dados justificam o fato de ser incluído o comprometimento de escrita na hipótese diagnóstica.

Além disso, no presente caso, foram observadas algumas características de dispraxia na fala do paciente, a qual também pode estar associada à afasia. Esta alteração de fala é definida como um transtorno da comunicação caracterizado por dificuldade em posicionar e sequencializar os órgãos fonoarticulatórios para a produção fonêmica. O paciente "sabe" a palavra a ser dita, mas não consegue sequenciar o ato motor. Trata-se de um distúrbio sensório-motor na capacidade de selecionar, programar e/ou executar a produção de sons voluntariamente9.

No caso de D., a repetição encontrava-se razoável, pois, ele era capaz de repetir palavras curtas e apresentava dificuldades na emissão de palavras longas e não tão frequentes na língua, fato que poderia ser indicativo de dispraxia verbal.

No entanto, não se pode afirmar com certeza a existência de dispraxia associada, pois o diagnóstico entre dispraxia, disartria e afasia é bastante semelhante e todas as patologias podem ter a mesma causa. O diagnóstico é ainda mais difícil nos casos neurológicos graves, quando há ausência da fala10.

Reabilitação

Há um grau de recuperação espontânea em pacientes afásicos11, sendo esta mais rápida nos primeiros três meses, tornando-se mais lenta a partir dos seis meses. Porém as melhoras são mínimas sem o tratamento adequado12. A melhora inicial é, em grande parte, devida aos processos neurofisiológicos, principalmente com a atuação do hemisfério direito13. As estratégias de exposição à linguagem e as práticas desenvolvidas pelo paciente são responsáveis por grande parte da recuperação tardia8. No presente caso, o paciente mencionou que foi recuperando a fala gradualmente, principalmente um mês após o acometimento pelo AVE.

O tratamento fonoaudiológico foi constituído de avaliações e terapia. A avaliação buscou identificar os sintomas linguísticos presentes em D. e aspectos da qualidade de vida para obter um diagnóstico, e a terapia buscou auxiliar na superação das dificuldades de comunicação, tornando-a funcional14.

A terapia teve entre as metas, manter o paciente verbalmente ativo, administrar estratégias para melhorar a linguagem e orientar a família a comunicar-se com o paciente, dando o apoio psicológico necessário8. Atentou-se para o fato de que na reeducação do afásico adulto deve-se considerar a necessidade de adaptar-se as capacidades e personalidade dos pacientes15.

As medidas terapêuticas devem se iniciar precocemente, no sentido de evitar maiores falhas na organização dos circuitos neurais15. O paciente D. procurou atendimento fonoaudiológico 15 dias após o AVE, o que provavelmente foi um fator fundamental para sua boa recuperação.

As variáveis envolvidas na recuperação da afasia devem ser consideradas, e vão desde aspectos clínicos até aspectos psicossociais16. Estes interagem com aspectos cognitivos e emocionais, tendo alta influência sobre a reabilitação.

A extensão da lesão parece ser o que mais influi negativamente no prognóstico de recuperação da afasia3. No presente caso, o paciente apresentou uma lesão considerada grande, que acomete a região temporo-parietal esquerda. Porém, apresentou recuperação bastante positiva em relação à extensão de sua lesão.

Outro fator importante é a etiologia do dano cerebral, sendo que patologias como tumores intracranianos e AVE têm um prognóstico pior, pois eventos de instalação súbita privam as regiões adjacentes da inervação procedente da área lesada8. Este último é o caso do paciente D., que sofreu AVE isquêmico do lado esquerdo, portanto, poderia ser esperado um prognóstico menos favorável do que o apresentado pelo paciente.

Algumas características emocionais também devem ser consideradas na reabilitação dos afásicos, entre elas a solidão e o isolamento, devido ao medo da rejeição. A solidão diminui as situações em que o paciente poderia melhorar o nível de linguagem14. Ainda, manter a estimulação é um princípio básico na recuperação de qualquer função8. Percebeu-se solidão e falta de estimulação em D., nos momentos em que estava em casa, pois o mesmo mencionava não ter com quem conversar. Nesse fato, reside a importância de o paciente frequentar o grupo de afásicos referido no relato de caso, já que tem a possibilidade de estar inserido em eventos comunicativos, através da prática clínica fonoaudiológica17. Além disso, os grupos podem combater a solidão e o isolamento, diminuir a carga dos cuidadores, e melhorar a qualidade de vida dos afásicos por meio da socialização, características preconizadas na literatura para o tratamento destes pacientes14.

A família também desempenha um importante papel desde o início da ruptura do processo de comunicação, e ao longo de toda a recuperação. As perdas da capacidade de falar afetam as relações entre os cônjuges. Os casais vivem problemas de comunicação interpessoal15. Pôde-se perceber que a esposa de D. não tinha paciência, sendo que não havia diálogo entre o casal.

Os pacientes sem apoio familiar tendem a deterioração física e emocional e não tiram proveito da reeducação15. D. apresenta ainda depressão. Portanto, seria fundamental que a família se mantivesse engajada no processo terapêutico, conhecendo e aderindo ao tratamento, para um melhor prognóstico do caso.

CONCLUSÕES

O paciente D. apresentou quadro afásico, decorrente de AVE. A partir da análise do caso e sua relação com a literatura consultada, verificou-se que a área lesada era extensa, além de ser fundamental para a linguagem, o que poderia comprometer de várias formas suas habilidades linguísticas. No entanto, foram observados avanços bastante positivos com a terapia. A intervenção fonoaudiológica precoce contribuiu, em grande parte, para a reorganização da atividade linguística e continua trazendo progressos consideráveis ao quadro do paciente.

Embora o prognóstico de D. seja favorável nos aspectos relacionados especificamente à linguagem, ainda permaneceram questões que precisariam ser mais aprofundadas para que se tivesse plenitude no processo terapêutico, como a relação do paciente com sua família, e a percepção do quadro afásico de D. pelos familiares.

Enfatiza-se assim, a importância da intervenção fonoaudiológica precoce nos casos de afasia para que os pacientes possam restabelecer a funcionalidade da comunicação, como no caso relatado.

Recebido em: 18/11/2011

Aceito em: 26/02/2012

Conflito de interesses: inexistente

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      18 Nov 2011
    • Aceito
      26 Fev 2012
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