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O uso do discurso reportado direto por uma pessoa com afasia na construção de uma narrativa

Resumos

Objetivo

: investigar o uso do discurso reportado direto por uma pessoa com afasia ao construir uma narrativa sobre acidente vascular cerebral (AVC).

Métodos

: assumindo uma perspectiva qualitativa de análise, que se fundamenta em abordagens interacionais em linguística, e utilizando o método de geração de dados denominado grupo focal, busca-se compreender a estruturação da narrativa da participante deste estudo, que consiste em uma pessoa que apresenta afasia, construída ao longo da conversa que emergiu em uma interação face a face em grupo gravada em vídeo e transcrita para investigação.

Resultados

: a análise dos dados revelou que i) o fato de a narradora apresentar afasia não a impossibilitou de construir uma narrativa que apresentasse todos os elementos estruturais de narrativas canônicas, e ii) o uso do discurso reportado direto, mesmo funcionando como uma estratégia para lidar com o déficit linguístico, garantindo a inteligibilidade da narrativa, criou esperados efeitos na narração (envolvimento, validação, autenticação, entre outros). Além disso, tal análise nos permite advogar que pessoas com afasia, não obstante o comprometimento linguístico que apresentam, podem se valer de estratégias adaptativas para construir narrativas de modo habilidoso, cumprindo com as funções referencial e avaliativa das narrativas.

Conclusões

: este estudo propicia uma interface entre as ciências da saúde e as ciências humanas, mais especificamente entre a Fonoaudiologia e a Linguística. Os resultados das investigações são considerados inovadores e relevantes, uma vez que convida o leitor a repensar a tese de que pessoas com afasia são incompetentes em suas práticas com (e através de) a linguagem.

Fonoaudiologia; Linguagem; Afasia; Narrativa; Discurso


Purpose

: to investigate the use of the reported speech by a person with aphasia in a narrative about stroke.

Methods

: qualitative perspective of analysis based on interactional approaches in linguistics it was used the data generation method called focus group for seek to understand who the participant of this study, an aphasic women, structure your narrative. It was analyzed a video recorded narrative told in a group interaction. For this, the data was transcribed.

Results

: data analysis showed that the aphasia does not made the participant unable to construct a narrative with all canonical structural elements. Furthermore, the use of reported speech by participant as a resource to deal with the deficit made an engaging narrative and showed people with aphasia may be able to construct narrative in a skilled way.

Conclusions

: this study provides an interface between health and human sciences, specifically between Speech-language Therapy and Linguistic. The results of investigations are considered innovative and relevant once analyze the use of reported speech from a perspective that conceives the language like a social, interactional and cultural construction.

Speech, Language and Hearing Sciences; Language; Aphasia; Narrative; Speech


INTRODUÇÃO

A afasia se trata de uma perturbação nos processos de significação, em que há alterações em um dos níveis linguísticos, com repercussões em outros, no funcionamento discursivo, sendo causada por lesão cerebral decorrente de acidente vascular cerebral (AVC), traumatismo crânioencefálico (TCE), tumor, entre outras afecções neurológicas 1. Coudry MIH, Neurolinguística Discursiva: afasia como tradução. Estudos da Língua(gem). 2008;6(2):7-36.. No que tange aos comprometimentos dos aspectos expressivos da linguagem, em outras palavras, às alterações da produção verbal (o que interessa a este artigo), podem estar presentes desde um comprometimento leve, em que o discurso é marcado apenas por anomia (i.e. dificuldade de encontrar palavras, possivelmente decorrente de dificuldade de acessar o léxico ou recuperar informações a ele referentes, que se constitui na manifestação linguística mais proeminente de um distúrbio afásico), até um comprometimento mais severo, em que se verifica incapacidade de emitir qualquer sinal linguístico 2. Mac-Kay APMG, Assencio-Ferreira VJ, Ferri-Ferreira TMS. Afasias e Demências: Avaliação e Tratamento Fonoaudiológico. 1ª ed. São Paulo: Editora Santos; 2003..

Comprometimentos nos aspectos expressivos da linguagem podem ter como manifestação uma fala telegramática (i.e. com predominância de substantivos e verbos de ação, escassez de adjetivos, advérbios e preposições, conferindo um estilo telegráfico ao discurso). Existem padrões globais de caracterização desse tipo de fala que se referem às seguintes características: fala não-fluente e laboriosa, empobrecimento das estruturas sintáticas disponíveis, sentenças e frases construídas incorretamente (do ponto de vista da gramática tradicional), falhas na construção de frases ou sentenças, morfologia incorreta e omissão de elementos morfológicos 3. Heechen C, Schegloff E. Aphasic agrammatism as interactional artifact and achievement. In: Goodwin C. Conversation and brain damage. New York: Oxford University Press; 2003. p. 231-82..

Considerando as alterações linguísticas de pessoas com afasia, não há como negligenciar a realidade de que, quando os participantes de uma interação são pessoas com afasia, algumas peculiaridades emergem nas trocas discursivas; dentre elas, existem aquelas que reforçam a tese de que a linguagem é uma forma de ação conjunta 4. Clark H. O uso da linguagem. In:Garcez PM. Cadernos de tradução. 2000; 9: 49-74., visto que pessoas com afasia, muitas vezes, não conseguem construir seus enunciados sozinhas ou, em outros momentos, constroem enunciados não inteligíveis, que necessitam de reparo da parte do outro. Além disso, os participantes que interagem com pessoas com afasia precisam ser mais tolerantes, concedendo a elas um tempo maior para produzirem seus enunciados, ou seja, devem maximizar os turnos de fala dessas pessoas. Essa maximização de turnos presente em conversas de pessoas que apresentam afasia está claramente em contraste com a organização de conversas ordinárias e suas preferências por minimização de turno, o que demanda uma cooperação daqueles que interagem com essas pessoas 5. Wilkinson R, Beeke S, Maxim J. Formulating actions and events with limited linguistic resources: enactment and iconicity in agrammatic aphasic talk. Research on Language & Social Interaction. 2010;43(1):57-84..

Se a afasia afeta certas estruturas e usos da língua, por sua vez, o sujeito afásico busca outros modos/arranjos para significar/associar, ou seja, produz processos alternativos de significação 1. Assim considerando, pessoas com afasia têm uma opção, uma escolha estratégica para falar dessa ou daquela forma – tentar produzir sentenças completas, estando sujeitas a agramatismos, ou adequá-las ao seu enunciado, a seu ‘impedimento’, produzindo, portanto, uma sentença mais curta (estilo telegráfico) –, sendo que o fator decisivo para essa escolha pode ser considerado o contexto (e.g. informal ou formal) 3. Heechen C, Schegloff E. Aphasic agrammatism as interactional artifact and achievement. In: Goodwin C. Conversation and brain damage. New York: Oxford University Press; 2003. p. 231-82.. Muitos estudiosos sustentam que o estilo telegráfico apresentado por pessoas com afasia é uma adaptação ao déficit linguístico, considerando, portanto, que essas pessoas suprem seus problemas de formulação de expressões elaboradas (ex.: como sentenças complexas) por meio da simplificação de suas mensagens, de tal forma que possam ser processadas pelo componente sintático comprometido (nas palavras dos autores) 3. Heechen C, Schegloff E. Aphasic agrammatism as interactional artifact and achievement. In: Goodwin C. Conversation and brain damage. New York: Oxford University Press; 2003. p. 231-82.

. Clark H. O uso da linguagem. In:Garcez PM. Cadernos de tradução. 2000; 9: 49-74.

. Wilkinson R, Beeke S, Maxim J. Formulating actions and events with limited linguistic resources: enactment and iconicity in agrammatic aphasic talk. Research on Language & Social Interaction. 2010;43(1):57-84.
-6. Lanini AG, Oliveira MM, Vieira AT. A utilização da prosódia por uma pessoa com afasia como um recurso para lidar com o déficit linguístico. Revista Gatilho. 2010; 10(1):1-21.. Alinhando-se a esse modo de compreender as manifestações linguísticas de pessoas com afasia, este artigo considera o uso do discurso reportado direto pela participante do estudo como uma estratégia de simplificação e adaptação, comumente utilizada por pessoas com afasia 7. Hengst JA, Frame SR, Neuman-Stritzel T, Gannaway R. using others’ words: conversational use of reported speech by individuals with aphasia and their communication partners. Journal of Speech, Language, and Hearing Research. 2005;48:137-56.,8. Penn C. Compensation and language recovery in the chronic aphasic patient. Aphasiology. 1987;1:235-45. a fim de dar conta da construção de sentidos no aqui e agora da interação.

Durante uma interação, pode-se dizer que uma pessoa está reportando um discurso quando ela traz um discurso que foi (ou acredita-se ter sido) produzido em uma situação anterior para a interação em curso. Trata-se, portanto, de transportar um discurso de um contexto para outro. Tal transferência de discurso pode se configurar de forma direta ou indireta. No primeiro caso, o discurso produzido em uma situação anterior é reportado em uma situação posterior na forma de diálogo, ou seja, o falante de uma situação em curso anima a fala outrora proferida por ele próprio ou por outra pessoa (ex.: Laura disse: “Eu tive AVC”). No segundo caso, o discurso proferido em uma situação anterior é parafraseado em uma situação posterior (ex.: Laura disse que teve AVC) 9. Cunha DAC. Do discurso citado à circulação dos discursos: a reformulação bakhtiniana de uma noção gramatical. Matraga. 2008;15(22):129-44.-1010 . Tannen D. On Talking voice that is so sweet: constructing dialogue in conversation. In: Tannen D. Talking voices. Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University Press. 1989; p. 98-133..

Ter em conta que “tomar uma informação enunciada por alguém em uma dada situação e repeti-la em uma outra situação é um movimento conversacional ativo que transforma fundamentalmente a natureza do enunciado” 1010 . Tannen D. On Talking voice that is so sweet: constructing dialogue in conversation. In: Tannen D. Talking voices. Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University Press. 1989; p. 98-133., é estar mais apto a perceber que o falante que reporta o discurso do outro não assume uma posição passiva, sendo, nos termos goffmanianos, um mero animador das palavras do outro, mas, ao contrário, constitui um participante ativo que, ao reportar o discurso do outro, embora não seja o autor do mesmo, torna-se responsável por ele. Além dessas considerações acerca do discurso reportado, muitos estudiosos compartilham a posição de que em uma narrativa, a animação de um discurso outrora proferido torna a história mais viva e envolvente 1010 . Tannen D. On Talking voice that is so sweet: constructing dialogue in conversation. In: Tannen D. Talking voices. Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University Press. 1989; p. 98-133.

11 . Schely-Newman E. Defining Success, Defining Failure: Functions of Reported Talk. Research on language and social interaction. 2009;42(3):191-209.
-1212 . Oliveira LM, BASTOS L C. Uma história de AVC: a construção do sofrimento por uma pessoa com afasia. Veredas. 2011;15(1):120-35.. Assim sendo, em uma história, quando o narrador faz uso do discurso reportado, animando aquelas que seriam as palavras do outro, ele enquadra sua história como um drama e envolve os ouvintes na interpretação desse drama. Em outras palavras, o discurso reportado é visto como uma estratégia de envolvimento na narração.

No que diz respeito às narrativas orais, o material linguístico aqui analisado, o modelo laboviano para entendimento de sua estrutura é extremamente relevante para este estudo, uma vez que se trata de uma contribuição seminal ímpar e indispensável para estudos narrativos 1313 . Bastos LC. Diante do sofrimento do outro: narrativas de profissionais de saúde em reuniões de trabalho. Calidoscópio. 2008;6:76-85.. Labov e Waletzky 1414 . Labov W, Waletzky J. Narrative Analysis: oral versions of personal experience. In: Helm J. Essays on the verbal and visual arts. Seattle: University of Washington Press, 1967; p. 12-44. foram os pioneiros nos estudos de narrativas orais, concebendo a narrativa como uma técnica verbal de recapitulação de experiências passadas. Os autores descreveram a estrutura geral de narrativas orais a partir do estudo de narrativas de experiência pessoal eliciadas em situações de entrevista. Ao observarem a estrutura dessas narrativas, eles observaram a presença de i) orações livres, que são aquelas que podem se deslocar ao longo da sequência narrativa sem alterar a interpretação semântica da história, pois não estão confinadas a nenhuma juntura temporal, e que servem para orientar o ouvinte em relação aos personagens, ao lugar, ao tempo e à situação da história; e de ii) orações narrativas, que são compostas por verbo no passado simples, apresentam juntura temporal e, se deslocadas na sequência narrativa, altera a ordem temporal do evento, alterando, por conseguinte, a interpretação semântica da história. Na estrutura de narrativas orais, então, têm-se dois tipos de oração: as orações livres e as orações narrativas, sendo que o corpo principal das orações narrativas normalmente compreende uma série de eventos ordenados em uma ação de complicação.

Além da orientação e da complicação, uma narrativa, antes mesmo de sua resolução, precisa apresentar avaliação para ter significância (a razão de ter sido contada). A avaliação pode ou não suspender a ação complicadora para apresentar o ponto de vista do narrador a respeito do evento narrado, sendo que, quando a avaliação suspende a ação complicadora, ela é seguida pela resolução. Portanto, de um modo bem simples, a resolução da narrativa se trata da porção da sequência narrativa que segue a avaliação. Se a avaliação for o último elemento, então a resolução coincidirá com a avaliação. Em algumas narrativas, após a resolução, tem-se a coda; todavia, esta é opcional, consistindo em um dispositivo funcional para retornar a perspectiva verbal para o momento presente, fornecendo uma transição temporal e de tópico do mundo da história para a interação em que tal história está sendo contada. Sumarizando, pode-se olhar para uma narrativa como respostas em série às seguintes perguntas: sobre o que é o relato? (sumário); quem participa, quando, do que, onde? (orientação); o que aconteceu? (complicação); e daí? (avaliação); resultou em que? (resolução) 1212 . Oliveira LM, BASTOS L C. Uma história de AVC: a construção do sofrimento por uma pessoa com afasia. Veredas. 2011;15(1):120-35.,1515 .Bastos LC. Contando estórias em contextos espontâneos e institucionais: uma introdução ao estudo da narrativa. Calidoscópio. 2005;3(2):74-87.,1616 . Oliveira LM, Bastos LC. Aspectos da dinâmica interacional da narração de histórias por pessoas com afasia. Calidoscópio. (no prelo).. Tais subsídios irão guiar as análises aqui empreendidas, que buscam investigar o uso do discurso reportado direto por uma pessoa com afasia ao construir uma narrativa sobre AVC.

MÉTODOS

Os pressupostos teóricos apresentados fornecem subsídios para a análise qualitativa aqui empreendida, que, embasada em uma perspectiva construcionista e interpretativista de linguagem, busca investigar uma narrativa de AVC, de modo a compreender os usos do discurso reportado direto por uma pessoa com afasia na construção de sua história.

O método de geração dos dados deste estudo pode ser definido como entrevista de grupo focal que, por sua vez, consiste em um método qualitativo de pesquisa no qual se emprega “uma técnica de pesquisa que coleta dados por meio de interação em grupo sobre um tópico determinado pelo pesquisador” 17.

O material linguístico sob análise se trata de uma narrativa que foi contada durante uma interação face a face em grupo focal do qual faziam parte: Lívia (primeira autora deste artigo e fonoaudióloga) e três mulheres com afasia, identificadas pelos pseudônimos Carla, Laura e Tereza, e que apresentavam 55, 37 e 45 anos, respectivamente, na ocasião da geração dos dados (2007).

A participante deste estudo, cuja narrativa será analisada e que foi identificada por Laura, recebeu o diagnóstico neurológico de afasia de expressão. Tal diagnóstico é ratificado por amostras de suas produções discursivas, como, por exemplo, os dados aqui analisados, em que é possível observar a ocorrência de um discurso fortemente marcado por uma dificuldade de estruturação dos enunciados, que se configura em enunciados com prejuízo da inteligibilidade, ausência de sentenças complexas e alta frequência de uso de discurso reportado, exclusivamente do modo direto.

Laura é paciente do ambulatório de neurologia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora e, a partir das permissões do diretor do hospital e do neurologista chefe do setor (ambas as permissões registradas em declarações que autorizam a realização da pesquisa com pacientes do hospital universitário), foi convidada pela primeira autora deste artigo (Lívia) a participar da pesquisa (não clínica) de mestrado, intitulada “A co-construção de identidades em interações face a face entre pessoas com e sem afasia de expressão”, aprovada pelo CEP-UFJF sob o número 024/2007 e desenvolvida nesta instituição, e que deu origem a este artigo. Após aceitação do convite, Laura assinou o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e começou a participar dos encontros semanais para geração de dados para a pesquisa em questão. Por não se tratar de uma pesquisa clínica, Laura não foi submetida à anamnese e nem mesmo a avaliações fonoaudiológicas, sendo o diagnóstico de afasia estabelecido pela equipe de neurologia do referido hospital e registrado no prontuário ao qual a primeira autora deste artigo teve acesso com a finalidade de selecionar participantes para sua pesquisa.

O corpus da referida pesquisa de mestrado, do qual a narrativa aqui analisada foi extraída, foi gerado no ano de 2007 e é composto de aproximadamente 15 horas de gravações em vídeo (em um laboratório de pesquisa adequadamente equipado, pertencente ao Instituto de Ciências Humanas da UFJF, com a autorização, declarada em documento, do diretor deste instituto) de conversas face a face, envolvendo pessoas com e sem afasia, transcritas de acordo com as convenções de transcrição propostas Gail Jefferson em 2002, com algumas adaptações (5. Wilkinson R, Beeke S, Maxim J. Formulating actions and events with limited linguistic resources: enactment and iconicity in agrammatic aphasic talk. Research on Language & Social Interaction. 2010;43(1):57-84.

. Lanini AG, Oliveira MM, Vieira AT. A utilização da prosódia por uma pessoa com afasia como um recurso para lidar com o déficit linguístico. Revista Gatilho. 2010; 10(1):1-21.

. Hengst JA, Frame SR, Neuman-Stritzel T, Gannaway R. using others’ words: conversational use of reported speech by individuals with aphasia and their communication partners. Journal of Speech, Language, and Hearing Research. 2005;48:137-56.
-8. Penn C. Compensation and language recovery in the chronic aphasic patient. Aphasiology. 1987;1:235-45.), que se encontram na Figura 1, ao final do artigo. Uma das narrativas que fazem parte deste corpus foi, então, selecionada para ser aqui analisada a partir de um prisma qualitativo de investigação e ancorada em uma perspectiva que se insere no quadro teórico-metodológico de abordagens interacionais em Linguística.

Figura 1
– Convenções de Transcrição

A conversa da qual a narrativa que será aqui analisada foi extraída consiste na primeira gravação realizada para a pesquisa, tratando-se de uma dinâmica de apresentação das participantes em que cada uma conta sua história de AVC, uma vez que o critério de inclusão das participantes no grupo de pesquisa foi o fato de terem sido acometidas por AVC e apresentarem o diagnóstico de afasia registrado nos respectivos prontuários do ambulatório de neurologia da qual são pacientes. Torna-se relevante destacar que a análise dos dados não terá intervenção estatística, uma vez que, coletados por meio da utilização da Metodologia de Grupo Focal, apresentam uma natureza qualitativa. O tópico da conversa que desencadeou a narrativa contada por Laura era amnésia pós AVC.

RESULTADOS

Com o intuito de realizar uma análise que revele nuances do uso do discurso reportado direto na construção de uma narrativa, mediante comprometimento da capacidade de estruturação de enunciados apresentado pela narradora, tomam-se como base, sobretudo, os fundamentos labovianos acerca de narrativas orais acima mencionados, visto que o objetivo aqui proposto consiste em investigar a estruturação da narrativa. As contribuições de Tannen 1010 . Tannen D. On Talking voice that is so sweet: constructing dialogue in conversation. In: Tannen D. Talking voices. Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University Press. 1989; p. 98-133. acerca de discurso reportado aqui retratadas também serão indispensáveis para a análise do uso desse tipo de discurso em situações interacionais de fala.

Conduzidas pelos postulados labovianos acerca da estrutura geral da narrativa, que segmenta a narrativa em quatro componentes – ‘orientação’, ‘complicação’, ‘avaliação’ e ‘resolução’ – e dois dispositivos opcionais de iniciação e finalização da história (sumário e coda, respectivamente), serão apresentados recortes da história sobre AVC de Laura, que se encontra na íntegra na Figura 2, ao final do artigo. A conversa que contém a narrativa sob investigação foi recortada para facilitar a análise, e o primeiro excerto será apresentado e analisado a seguir.

Figura 2
– Transcrição: História sobre AVC


No segmento acima, pode-se verificar que Laura, na linha 24, ao proferir “cinco horas <eu tive AVC> eu (.) trabalhando”, orienta os ouvintes em relação i) à hora em que aconteceu o episódio de AVC, ii) ao protagonista do evento narrado e iii) à cena (i.e. aquilo que estava acontecendo), bem como apresenta um breve sumário da história que irá contar. Porém, Lívia, no papel de recipiente da história, na linha 32, demonstra que a orientação que Laura forneceu necessitava ser complementada com uma orientação acerca do lugar em que a cena estava se passando. Diante disso, ela (Lívia) oferece uma proposta de complementação (“na indústria que você estava trabalhando?”), que é aceita no turno seguinte (“hanram”), cooperando com Laura na construção da orientação de sua história. Após Laura aceitar a oferta de Lívia, ela dá início à narração do evento propriamente dita, construindo a complicação de sua narrativa, que será apresentada para análise no excerto abaixo.


É possível identificar, no trecho da narrativa apresentado acima, uma primeira sequência de ações no passado: i) “levantei”; ii) “sentei de novo”; iii) “levantei de novo”; iv) “quase caí”; v) “a Lídia ... me segurou”; vi) ““Laura↑ brincadeira é essa?”” (ação: pergunta; paráfrase: a Lídia me perguntou qual brincadeira era aquela que eu estava fazendo); vii) ““Brincadeira?”” (ação: resposta; paráfrase: eu respondi à Lídia, questionando se ela achava que era uma brincadeira); e viii) ““Brincadeira é:: ... Laura↑”” (ação: pergunta; paráfrase: e ela me respondeu falando que achava que era uma brincadeira.). As primeiras ações (i a iii) são conectadas por meio de junturas que refletem o ordenamento temporal das mesmas (i → ii: “e”; e ii → iii: “e ... cinco minutos depois”). Observa-se, então, que os enunciados que compõem a ação complicadora (narrativa propriamente dita) foram construídos ora por meio de verbos no passado simples, ora por meio do uso do discurso reportado direto, o que demonstra que, mesmo diante de suas limitações linguísticas, Laura não deixa de contar sua história, recorrendo ao discurso reportado direto como um recurso alternativo para a construção de sentidos. Pode-se considerar que, nesses momentos, a sequencialização das ações se deu por meio do contorno entoacional da finalização de cada turno de ação, já que ela não faz uso de junturas temporais.

No trecho que se estende da ação i até a ação viii, observa-se que Laura suspende a ‘complicação’ por duas vezes para fazer avaliações (“cabeça doía”, linha 34; e “brincava muito”, linha 37). Laura também faz uma série de avaliações após a ação complicadora viii (“eu ... não falava”; “e o braço doía demais”; “ro-cheou meu braço e:: ... minha boca”), tendo a cooperação de Lívia (“dava um formigamento?”) na construção das ‘avaliações’, que se estendem da linha 38 à 42. As avaliações de Laura suspendem, em um segundo momento, a ‘complicação’, pois, nas linhas 42-44 ela apresenta mais duas ações complicadoras: ix) a declaração de Zenilda (“Zenilda >falou assim oh< ... “a Laura não brincando não””) e x) a ordem de Zenilda ( ““chama ambulança.””).

No final do segmento acima, é possível perceber que Laura, após o retorno à ‘complicação’, ou seja, após apresentar mais duas orações narrativas, volta ao início da história que, por sua vez, não corresponde ao início da narração. Ou seja, Laura, por meio de um flash back, volta ao início da história do AVC, e este início se refere a um momento do evento passado que ocorreu anteriormente ao início apresentado na narração (cinco horas), que estava sendo construída até então. Essa nova versão da história do AVC será apresentada logo abaixo.


Na linha 44, ocorre um flash back através do qual Laura reorienta os ouvintes em relação à trajetória da história do AVC. No trecho de história contado anteriormente, Laura apresentou a ‘orientação’ em um sumário, fazendo referência à hora em que o AVC aconteceu e ao personagem protagonista (no caso, ela própria). No trecho acima, Laura não se utiliza de um sumário para introduzir sua história e orienta os ouvintes apenas em relação ao momento em que se iniciou a manifestação dos sintomas do AVC (“oh, de manhã- >não<, do <almoço>”). A partir daí, ela inicia a apresentação da sequência de orações narrativas que será analisada a seguir.


No segmento acima, Laura introduz e ordena os seguintes eventos: i) declaração à Zenilda de que sua língua estava enrolando (“eu falei Zenilda assim, ... “eu rolando a língua””); ii) repetição da declaração (““eu enrolando a língua, hein?””); iii) comentário da Zenilda diante de sua declaração (““brincadeira sem graça Laura↑””); iv) declaração à Zenilda de seu ponto de vista (““eu acho é:: eu ... derrame.””); v) “eu trabalhei normal”; vi) “eu desliguei a máquina”; vii) “levantei”; viii) “voltei de novo ... na cadeira”; ix) “eu levantei”; x) “quase caí”; xi) “a Lídia me segurou”; x) reação diante do episódio de AVC (“eu >falei assim oh<“olha.””); e xi) comentário dos patrões a respeito de sua reação (“a Maria do Carmo ... patroa– o Bruno >falou assim oh<... “fingindo.””). Novamente, a presença do discurso reportado direto se faz predominantemente presente no desenhar da narrativa.

Nesta ‘complicação’, entre as orações narrativas, têm-se orações livres com função de orientação (“no almoço”, linha 45; “cinco horas e:: em ponto”, linhas 49-50), que, por estarem intercaladas com a ação complicadora, tem função de avaliação também, bem como orações multicoordenadas com função de avaliação (“a Zenilda >não acreditou não<”, linha 48; “<minha língua enrolando>”, linhas 48-49; e “o braço doía”, linha 53). Além disso, pode-se notar que Carla (linha 54) e Lívia (56 e 58) interrompem a narração de Laura com solicitações de esclarecimento, que se configuram como uma ajuda à Laura na construção de sua história, uma vez que os enunciados de ambas trazem à cena, ao contexto da narrativa, detalhes relevantes não mencionados por Laura. Alguns turnos após Carla e Lívia se engajarem na cocontrução da história, Laura suspende brevemente a narração para inserir alguns comentários que funcionam como avaliações, como pode ser verificado no próximo excerto.


Neste segmento da narrativa, ocorre suspensão da narração propriamente dita, ou seja, das ações complicadoras, para a inserção de comentários em que Laura avalia tanto seus patrões, com base na atitude que eles tiveram diante do episódio de AVC, como a interpretação que eles deram à sua manifestação (“o Bruno e a Maria do Carmo ... patrão↓ ... ruim demais↑ é: ... o oscar. eu ganhar o oscar, né↑ fingindo, né↑”). Em seguida, Laura retorna à narração.


Laura, na linha 72, dá continuidade à apresentação e ordenação dos eventos: xii) “ambulância, Zenilda telefonou”; xiii) “veio ambulância”; xiv) “bulância me levou”; xv) “baixo da língua o remédio”; xvi) ordem dirigida a ela (““meia hora, ... você levanta... na cadeira, é::: vai embora.””); xvii) “a mãe chegou ... e policlínica”; xviii) mostra o braço à mãe (““olha↑””); xix) “madrugada, ... na cadeira, ... é:: o so::ro ... na cadeira”; xx) “enfermeiro >falou assim oh< “uma cama desocupada””; xxi) “levamos”; xxii) “dormi”; e xxiii) “acordei toda torta”. Novamente, no curso da ‘complicação’, verifica-se orações multicoordenadas com função de avaliação, que suspendem brevemente a complicação (“minha pressão, tá alto não, é::: ... 16 por 8,” linhas 73-74; “não encontrou tudo não”, linha 94; “doendo muito ... o braço, mãe <percebeu> AVC”, linhas 98-99), e orações livres com função de orientação (“policlínica”, linha 94; “madrugada”, linha 103; “de madrugada”, linha 104), bem como o uso recorrente do discurso reportado direto.

O ‘resultado’ da narrativa de Laura sobre AVC pode ser verificado na linha 107, quando ela profere “e acordei toda torta”. Como a ação de acordar consiste na última ação complicadora, deve-se considerar que a ‘resolução’ ocorreu integrada com a ‘complicação’. Além disso, torna-se relevante destacar que a ‘resolução’ carrega uma avaliação “toda torta”, ou melhor, o resultado na história de Laura é apresentado na forma de avaliação.

Como se observa, Laura não realiza a ‘coda’ em sua narrativa. Lívia, na linha 108, ao proferir “o seu foi aos poucos, né↑”, apresenta uma proposta de ‘coda’ que é aceita por Laura, encerrando a história do AVC. Dessa forma, a pergunta de Lívia age como uma ‘coda’, de modo a conduzir Laura ao encerramento de sua história e encaminhar os ouvintes de volta ao aqui e agora da interação em curso.

DISCUSSÃO

Desde o início de sua narrativa, a participante deste estudo, Laura, já revela sua habilidade para narrar ao demonstrar reconhecer que uma história se inicia com uma contextualização da situação narrada, ou seja, com a apresentação de informações que orientam os ouvintes da história acerca do tempo e do lugar em que o evento narrado aconteceu, bem como acerca dos personagens da história. Laura também faz uso do sumário que, como dispositivo de inicialização de histórias, cabe muito bem no contexto sequencial em que foi utilizado. Tal uso revela o reconhecimento da parte de Laura de “regras” sociais para inicialização de histórias. Mesmo que a “regra” em questão não seja de uso obrigatório, seu uso não deixa de sinalizar que o narrador sabe como as histórias costumam ser inicializadas.

Na narração propriamente dita, Laura constrói orações narrativas com verbo no passado simples, interligadas sequencialmente por junturas temporais, o que mais uma vez revela o reconhecimento de Laura acerca das “regras” de contar histórias. Além disso, nos momentos em que o déficit linguístico de Laura se faz relevante, ela recorre ao discurso reportado direto para construir algumas das orações narrativas, o que, conforme mencionado, é reconhecido como uma estratégia para lidar com o déficit linguístico, demonstrando habilidade de fazer uso de recursos alternativos para a construção de sentido, bem como a escolha adequada do recurso, visto que a intersubjetividade da interação foi sustentada.

Torna-se relevante, portanto, ter em conta que o uso do discurso reportado direto enquanto estratégia adaptativa utilizada por Laura forneceu benefícios interacionais, pois, por meio dele, Laura não deixou de assumir o papel de narrador e contar sua história. Não obstante o discurso reportado ter funcionado como uma estratégia adaptativa e de simplificação na narrativa de Laura, ele é um fenômeno onipresente na narração de eventos passados, embora a frequência de seu uso não costume ser tão alta quanto na narrativa de Laura, que é predominantemente construída por meio desse tipo de discurso.

Então, por um lado, na narrativa de Laura, têm-se o discurso reportado funcionando como uma adaptação do uso de recursos linguísticos limitados de modo a lidar com as exigências da construção em curso; por outro, não há como negligenciar que o uso do discurso reportado criou um efeito de dramatização da história de AVC, autenticando e validando a narração de Laura, ao mesmo tempo em que envolve as participantes da interação por criar um efeito de aproximação do ouvinte do evento narrado 1010 . Tannen D. On Talking voice that is so sweet: constructing dialogue in conversation. In: Tannen D. Talking voices. Repetition, dialogue and imagery in conversational discourse. Cambridge: Cambridge University Press. 1989; p. 98-133.

11 . Schely-Newman E. Defining Success, Defining Failure: Functions of Reported Talk. Research on language and social interaction. 2009;42(3):191-209.
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-1414 . Labov W, Waletzky J. Narrative Analysis: oral versions of personal experience. In: Helm J. Essays on the verbal and visual arts. Seattle: University of Washington Press, 1967; p. 12-44.. Afinal, na contagem de histórias, o discurso reportado permite ao narrador exibir suas experiências para o ouvinte como se tais experiências estivessem diante de seus olhos (olhos do ouvinte) 10.

No curso da ação complicadora, ou seja, no corpo da narrativa, Laura intercala a narração propriamente dita com seu ponto de vista ao fazer diversas avaliações (por meio de mecanismos externos, dispositivos internos e informações que orientam o ouvinte acerca do evento narrado) que conferem razão de ser à história, o que revela a habilidade de Laura em construir uma narrativa que cumpra com a função avaliativa, indispensável a histórias de experiência pessoal. As avaliações estão presentes a todo o momento na narrativa de Laura até a sua finalização, que se deu por meio da apresentação da resolução, da parte de Laura, e da coda, proposta por Lívia.

Conforme foi observado, as participantes Lívia e Carla se engajaram ativamente na coconstrução da narrativa de Laura em momentos relevantes para a sustentação da intersubjetividade, o que possibilitou que o processo de construção de sentidos prosseguisse até o final da narrativa. Entretanto, as posturas de Lívia e de Carla de maneira alguma devem ser interpretadas como sinalizadoras de incompetência narrativa da parte de Laura, pois é esperado que parceiros conversacionais cooperem com a construção de histórias, não obstante se o narrador apresente ou não déficit linguístico. Embora a dificuldade de Laura para se expressar tenha se feito relevante na construção de sentidos, o alinhamento de Laura ao aceitar (e fazer valer) as contribuições dos ouvintes da história sinaliza sua competência pragmático-social como participante de uma situação interacional, logo, seu reconhecimento das “regras” que regem uma interação social.

Enfim, com exceção da coda, que é considerada opcional, a narrativa de Laura apresentou todos os componentes de uma narrativa (sumário, orientação, complicação, avaliação e resolução), ordenados linearmente conforme esperado, configurando-se como uma típica narrativa laboviana. Em outras palavras, como pôde ser observado, Laura cumpriu habilidosamente com as funções referencial e avaliativa indispensável a toda e qualquer narrativa de experiência pessoal. A estruturação sintática prejudicada do discurso de Laura não foi um empecilho para a inteligibilidade de sua narrativa, bem como não impediu a ordenação temporal das orações narrativas, e toda escassez presente em seu discurso não prejudicou a função avaliativa e orientacional das orações livres, uma vez que ela se valeu do uso do discurso reportado direto para dizer aquilo que, de outro modo, para ela não seria possível. A estrutura da narrativa de Laura, portanto, revelou sua habilidade para narrar.

Ao recorrer ao discurso reportado como estratégia para lidar com seu déficit linguístico, ela acaba realçando/intensificando a representação de sua experiência. A partir dessa concepção, o discurso reportado na narrativa de Laura tem dois efeitos: compensação do déficit linguístico e intensificação da experiência. O interessante, portanto, está em olhar para os efeitos provocados por tal construção e não para a intenção de Laura ao empregá-la em sua narrativa, uma vez que a intenção é subjetiva, ao passo que os efeitos são evidenciais.

Por fim, espera-se que este estudo traga importantes implicações para a prática fonoaudiológica, à medida que convida o profissional fonoaudiólogo a buscar compreender as produções de pessoas com afasia não como déficit/ desvio da “norma”, mas, ao invés, como construções/estratégias que podem trazer benefícios comunicativos e, portanto, não devem ser inibidas, dado seu caráter produtivo. Assim, considera-se, também, que as descobertas aqui alcançadas corroboram estudos fonoaudiológicos atuais, frutos de pesquisas desenvolvidas em âmbito nacional, que partilham dessa visão que não negligencia os aspectos discursivos na investigação e na reconstrução da linguagem de pessoas com afasia 1818 . Ortiz KZ. Distúrbios Neurológicos Adquiridos. Linguagem e Cognição. 2ª ed. São Paulo: Manole; 2010.-1919 . Albuquerque AG, Costa MLG, Sena EFC, Luz LMS. Análise da produção de sentidos em narrativas de afásicos participantes de grupo de convivência. Rev. CEFAC. 2010;12(1):51-6.

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Por fim, este estudo soma-se àqueles da literatura fonoaudiológica que demonstram que prejuízos das habilidades expressivas não implicam em comprometimento da capacidade de narrar 1919 . Albuquerque AG, Costa MLG, Sena EFC, Luz LMS. Análise da produção de sentidos em narrativas de afásicos participantes de grupo de convivência. Rev. CEFAC. 2010;12(1):51-6.

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-2222 . Pacheco MC, Pinto RCN. Aspectos discursivos da narrativa de um sujeito afásico fluente. Estudos Linguísticos. 2010;39(2):568-77.-2323 . Brandão FM, Pinto RCN. O gênero narrativo nas afasias fluentes: um estudo de caso. Língua, Literatura e Ensino. 2008;3:69-78., uma vez que estratégias podem ser desenvolvidas para lidar com esses prejuízos, de modo a possibilitar a construção de sentidos. Tais estratégias não necessariamente promovem modificação da dinâmica interacional da contagem de histórias, mas, ao contrário, possibilita que pessoas com afasia se auto-projetem como narradores e conquistem o direito a narrar, bem como conduza habilidosamente suas narrativas.

CONCLUSÃO

Uma vez que o objetivo deste artigo foi voltar o olhar para a estrutura da narrativa, de modo a desvendar sua organização, levando em consideração o uso do discurso reportado direto, foi possível verificar que, mesmo por meio de enunciados mal estruturados do ponto de vista sintático (com alterações da ordem dos constituintes, escassez de verbos auxiliares e pronomes, utilização inadequada de preposições, ausência de pronomes relativos e interrogativos, verbos com conjugação inadequada, emprego de discurso reportado direto mediante dificuldades de estruturação dos enunciados, entre outros), é possível que uma narrativa cumpra tanto com a função referencial como com a avaliativa, revelando a habilidade para narrar da participante, que apresenta afasia.

A estratégia utilizada pela participante deste estudo para lidar com o déficit linguístico – o uso do discurso reportado – é considerada produtiva, uma vez que i) atinge o propósito comunicativo da participante e ii) propicia entendimentos mútuos entre os participantes da interação em curso. Assim sendo, por meio de tal estratégia, a participante alcança benefícios interacionais advindos desse uso.

Logo, os resultados das investigações aqui empreendidas são considerados inovadores e relevantes, uma vez que, voltando o olhar para as construções discursivas de uma pessoa com afasia, propõe-se a entender, de modo detalhado, o uso do discurso reportado por uma pessoa com afasia a partir de uma perspectiva construcionista de linguagem, que, por sua vez, concebe a linguagem como uma construção social, cultural e interacional. Em outras palavras, a perspectiva aqui adotada se dedica a compreender aquilo que o indivíduo realiza com (e através da) linguagem, pautando-se em princípios e normas socioculturais e interacionais que regem as construções discursivas do indivíduo. Examinar o discurso a partir desta perspectiva [socioconstrucionista] implica analisar como os participantes envolvidos na construção do significado agem no mundo através da linguagem e, portanto, como se constroem e como constroem sua realidade social 2424 .Tilio R. Discurso e Linguagem: uma perspectiva social. Revista Eletrônica do Instituto de Humanidades. 2008;7(25):99-123..

REFERÊNCIAS

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  • Auxílio: CNPq

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Abr 2012
  • Recebido
    14 Ago 2012
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