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A aprendizagem da escrita e a escolaridade materna

Resumos

Objetivo

investigar a escrita de crianças e a relação com o grau de instrução materno.

Métodos

as mães das crianças responderam a uma entrevista com a finalidade de conhecer seu nível de escolaridade, além de outros aspectos socioculturais. Em seguida, a escrita das crianças foi avaliada segundo o Roteiro de Observação Ortográfica de Zorzi (1998), composto por ditados de palavras, frases e textos, assim como produções textuais, utilizando-se o gênero narrativo, a partir de temas pré-estabelecidos. Foram avaliadas 30 crianças, todas matriculadas no 3º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade do Recife. Os dados foram tabulados em uma planilha do software de análise estatística SPSS.

Resultado

observou-se que 20% das crianças ainda não atingiram o nível alfabético do desenvolvimento da escrita, o que é um aspecto importante, considerando que no 3º ano as crianças já devem estar consolidando a leitura e escrita funcionais. Foram observadas correlações significantes entre a escolaridade materna e a aquisição do esquema narrativo de histórias, assim como entre a escolaridade materna e os hábitos de leitura das mães. Uma análise dos erros ortográficos revelou que as crianças cometiam os mesmos tipos de erros já observados em outras populações, apenas com uma frequência maior. Crianças que produziram as narrativas mais estruturadas foram as que cometeram mais erros ortográficos, o que comprova que o erro ortográfico é inerente ao processo de aquisição da escrita e não constitui obstáculo à produção textual.

Conclusão

a aprendizagem da escrita sofre influência de fatores sociais, como a escolaridade materna. Tais aspectos necessitam ser considerados na avaliação e diagnóstico fonoaudiológico, assim como nas práticas educativas oferecidas pela instituição escolar.

Linguagem Infantil; Desenvolvimento da Linguagem; Comunicação; Criança; Relações Familiares


Purpose

to investigate the children writing and the relationship with the level of maternal education.

Methods

the children’s mothers were interviewed with a view to ascertaining their level of education, and other cultural aspects. Then, writing the children were assessed according to the Observation Guide for Spelling Zorzi (1998), composed of dictated words, sentences and texts, as well as textual productions, using the narrative genre, from pre-established themes . We evaluated 30 children, all enrolled in third grade of elementary education at a public school in Recife. The data were tabulated in a spreadsheet statistical analysis software SPSS.

Result

it was observed that 20% of children have not yet reached the level of development of alphabetic writing, which is an important aspect, considering that in the third grade, kids should be consolidating functional reading and writing. Significant correlations were found between maternal education and the acquisition of the narrative scheme of stories, as well as between maternal education and reading habits of mothers. An analysis of spelling errors revealed that children were committing the same types of errors have already been observed in other populations, only with a higher frequency. Children who produced more structured narratives that were made more errors in spelling, which proves that the spelling error is inherent in the acquisition process of writing and does not preclude the production of texts.

Conclusion

the learning of writing is influenced by social factors such as maternal education. These aspects need to be considered in the evaluation and diagnosis of speech therapy, as well as in educational practices offered by the school.

Child Language; Language Development; Communication; Child; Family Relations


INTRODUÇÃO

A linguagem é considerada a primeira forma de socialização da criança, uma vez que sua construção está relacionada principalmente às trocas sociais. Quando os adultos nomeiam objetos, estabelecendo associações e relações para a criança, estão auxiliando na construção de formas mais complexas e sofisticadas de conceber a realidade. Com esta interação a criança é orientada a discriminar o essencial e o não importante e, gradativamente, se tornará capaz de exercer esta tarefa sozinha, ao tentar compreender a realidade1. Borges LC, Salomão NMR. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre. 2003;16(2):327-36.

. Correia J. Aquisição do sistema de escrita por crianças. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2001. p. 22-32.
-3. Palangana IC. A concepção de Lev Semynovytch Vygotsky. In: Palangana IC. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky (a relevância social). 2 ed. São Paulo: Plexos editora, 1998. p. 96-132..

Assim como o é para a aquisição da linguagem oral, o ambiente domiciliar da criança é fundamentalmente importante para a aquisição da escrita, visto que este poderá propiciar uma interação com as formas de escrita existentes, mesmo que informalmente. É importante que a criança encontre, em casa, oportunidade de envolver-se em atividades de leitura e escrita para que possa compreender a sua funcionalidade e relevância social. O aumento da frequência de leitura também pode ajudar a criança a superar dificuldades em termos de ortografia, pois o contato sistemático com as palavras facilitará a apreensão da forma convencional de grafá-las2. Correia J. Aquisição do sistema de escrita por crianças. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2001. p. 22-32.

. Palangana IC. A concepção de Lev Semynovytch Vygotsky. In: Palangana IC. Desenvolvimento e aprendizagem em Piaget e Vygotsky (a relevância social). 2 ed. São Paulo: Plexos editora, 1998. p. 96-132.
-4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86..

Citando os estudos psicogenéticos de Emília Ferreiro e colaboradores, estudo descreve as etapas de construção do sistema, ou seja, as fases percorridas pela criança até chegar à concepção de escrita alfabética2. Correia J. Aquisição do sistema de escrita por crianças. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2001. p. 22-32.. Em uma fase inicial, chamada de escrita pré-fonética ou escrita pré-silábica, a criança começa a diferenciar a escrita do desenho e segue realizando progressões sucessivas, de caráter quantitativo e qualitativo, utilizando letras, mas sem estabelecer uma relação sonora. Numa segunda etapa, denominada fase fonética, a criança passa a estabelecer a relação entre sons e letras. Essa etapa é dividida em três subfases: silábica, silábico-alfabética e alfabética, pois a criança inicialmente tende a estabelecer a relação do som com a sílaba, para depois estabelecer a relação do som com a letra, que marcaria o domínio do princípio da representação fonológica e de chegada à escrita alfabética2. Correia J. Aquisição do sistema de escrita por crianças. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2001. p. 22-32.. Ao atingir essa fase, a criança tende a acreditar que a escrita é uma perfeita transcrição da oralidade, mas se deparará com novos obstáculos para seguir avançando no domínio dos aspectos ortográficos da escrita. Dentre os obstáculos, destaca-se a natureza nem sempre transparente das relações entre sons e letras no português, que justificará os erros ortográficos comuns neste período.

Em um estudo com 514 crianças de primeira a quarta série do ensino fundamental, foi observado que os “erros ortográficos”; cometidos pelas crianças possuíam certa lógica que permitiam a sua explicação e a sua classificação em dez categorias ou tipos de alterações ortográficas, sendo elas em ordem de maior frequência: Possibilidades de representações múltiplas; Apoio na oralidade; Omissões de letras; Junção ou separação não convencional de palavras; Confusão em terminações am e ão; Generalização de regras; Substituição de fonemas surdos e sonoros; Acréscimo de letras; Letras parecidas; Inversão de letras; outras5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84.. Esses erros fazem parte do processo natural de aquisição da linguagem escrita, pois tais erros não seriam cópias imperfeitas realizadas pelas crianças, mas sim tentativas de grafar as palavras na sua visão sobre a escrita. Somente com o aprendizado contínuo e progressivo, o estudante superará as principais dificuldades ortográficas e avançará tanto na escrita, quanto no processo de reconhecimento e leitura das palavras 5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84.,6. Rego LLB, Buarque LL. Consciência sintática, consciência fonológica e aquisição de regras ortográficas. Psicologia: Reflexão e Crítica. 1997;10(2):199-217.. Este aprendizado envolve aspectos ligados às características de cada língua, ao próprio aprendiz e à condição sociocultural7. Paolucci JF, Ávila CRB. Competência ortográfica e metafonológica: influências e correlações na leitura e escrita de escolares da 4ª série. Revista da Sociedade Brasileira Fonoaudiologia. 2009;14(1):48-55.,8. Queiroga BAM, Brandão M, Pereira MALV. Conhecimento morfossintático e ortografia em crianças do ensino fundamental. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 2006;22(1):95-9..

Outros estudos4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86. mostraram que a progressão das habilidades de produção de textos está associada, também, com o aumento da idade. Analisando as produções textuais de crianças, verificaram-se diferentes níveis de desenvolvimento do esquema narrativo de histórias, sendo que por volta dos oito anos as crianças devem ser capazes de realizar produções de histórias completas com uma estrutura narrativa elaborada e com um final convencional9-Rego LLB. A escrita de estórias por crianças: as implicações pedagógicas do uso de um registro lingüístico. Rev de Doc de Est em Lingüística Teórica e Aplicada. 1986;2:165-80.. Porém, a idade não pode ser tomada isoladamente, pois a habilidade de produzir textos, assim como todo o processo de aprendizagem, também, estão relacionados às experiências e oportunidades que a criança tem, tanto na escola quanto em ambiente domiciliar 4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86..

Autores1010 . Soares M. As muitas facetas da alfabetização. In: Soares M. Alfabetização e letramento. São Paulo. Contexto; 2005. p.13-25. que analisam a perspectiva sociolinguística para explicar o processo de alfabetizam costumam defender que a alfabetização depende de características culturais, econômicas e tecnológicas, e citam que esse conceito pode ser traduzido pela expressão: alfabetização funcional também referendada pela Organização das Nações Unidas para a Educação (UNESCO) Nessa perspectiva, alguns estudos demonstraram que muitas crianças se apropriavam da linguagem escrita, por meio do contato com diferentes gêneros textuais e das interações com adultos alfabetizados, mesmo antes de estarem alfabetizadas de forma convencional1010 . Soares M. As muitas facetas da alfabetização. In: Soares M. Alfabetização e letramento. São Paulo. Contexto; 2005. p.13-25.. Ou seja, quanto mais cedo a criança se envolve, socialmente, com o mundo da escrita, mais benefícios ela obterá. Corroborando essas ideias, a figura materna exerce influência, particularmente privilegiada, no desenvolvimento da linguagem escrita da criança, uma vez que é com quem a criança costuma passar mais tempo e recebe cuidados e atenção. Porém, vale ressaltar que essa “influência materna”; pode ser relativizada quando a criança é cuidada por outra pessoa e neste caso valerá a “influência do cuidador”;1.

Num estudo realizado com uma classe composta por 36 alunos com dificuldades de aprendizagem, foi caracterizado o perfil socioeconômico dos mesmos, obtendo-se como resultados que, os pais dos alunos, em sua maioria, apresentavam pouca escolaridade, com significante incidência de pais e mães que não sabiam ler, nem escrever. Com relação à profissão, pais e mães trabalhavam em atividades de baixa remuneração, ou estavam desempregados. Esses resultados chamaram a atenção para a relevância da história familiar e do contexto sociocultural para a aprendizagem1111 . Brande CA. Marcas históricas sociais nos discursos de crianças em processo de alfabetização: Por que é preciso ler e escrever? Psicologia: Reflexão e Crítica. UFSC. Rio Claro-SC. 2001.. Outro aspecto frequentemente relatado é o fato de crianças de camadas socioeconômicas desfavoráveis terem uma fala distante do português padrão “ensinado”; na escola, o que tem gerado um processo histórico de preconceito e estigmatização, com sérias repercussões na aprendizagem da linguagem escrita1. Borges LC, Salomão NMR. Aquisição da linguagem: considerações da perspectiva da interação social. Psicologia: Reflexão e Crítica. Porto Alegre. 2003;16(2):327-36.,1111 . Brande CA. Marcas históricas sociais nos discursos de crianças em processo de alfabetização: Por que é preciso ler e escrever? Psicologia: Reflexão e Crítica. UFSC. Rio Claro-SC. 2001.,1212 . Barrera SD, Maluf MR. Variação linguística e alfabetização: um estudo com crianças da primeira série do ensino fundamental. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2004,8(1):35-46..

Ante ao exposto, a motivação para o presente trabalho surgiu da busca pelo entendimento sobre como o nível de escolaridade materna pode interferir no desenvolvimento da linguagem escrita infantil. Assim, tomou-se como hipótese que a escolaridade das mães poderia influenciar de maneira significante a aprendizagem da leitura e da escrita de seus filhos. Sabe-se que a experiência da criança com a leitura e a escrita funcionais depende, não só de suas experiências escolares, mas também dos estímulos que recebe no ambiente domiciliar. O objetivo do estudo foi, portanto, analisar a relação entre a escolaridade materna e o desempenho em escrita.

MÉTODOS

Esta é uma pesquisa observacional, descritiva e transversal. Participaram dela 30 crianças do 3º ano do ensino fundamental I e suas mães. Todas as crianças estavam matriculadas em uma escola pública municipal, da cidade de Recife, escolhida aleatoriamente. Foram excluídas do estudo crianças que apresentaram queixas, diagnóstico ou sintomatologia de distúrbios de linguagem oral ou escrita, problemas neurológicos, auditivos ou visuais associados.

Foi realizada uma entrevista com as mães das crianças, em horário pré-estabelecido, em uma sala disponibilizada pela escola, com a finalidade de conhecer seu nível de escolaridade, além de outros aspectos, conforme roteiro apresentado na Figura 1.

Figura 1
– Entrevista

Em seguida, a escrita das crianças foi avaliada segundo o Roteiro de Observação Ortográfica de Zorzi5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84., que pode ser observado na Figura 2. As avaliações da escrita das crianças foram realizadas simultaneamente, na sala de aula. A coleta de dados ocorreu no período compreendido entre novembro de 2009 e dezembro de 2009.

Figura 2
– Roteiro de observação ortográfica (Zorzi, 1998)

Para a análise de dados foram criadas categorias para descrever os níveis de escolaridade materna. Já para a análise da escrita, inicialmente foi verificado se todas as crianças já se encontravam na escrita alfabética e, na sequência, para as que já possuíam uma escrita alfabética, foram realizadas as análises dos erros ortográficos de acordo com os critérios de Zorzi5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84. e do esquema narrativo das produções textuais, baseado nas categorias descritas por Rego9.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco, com o registro 269/09 sem restrições. As mães, responsáveis pelas crianças, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), concordando em participar da entrevista e permitindo a participação da criança no estudo. O TCLE continha todas as informações relativas à pesquisa, inclusive uma apresentação dos objetivos e da forma de coleta de dados e foi enviado junto com convite para a realização da entrevista com as mães ou cuidadoras.

Os dados foram tabulados em uma planilha do software de análise estatística SPSS, versão 13.0, que possibilitou a realização de análises descritivas e de correlação, sendo esta última efetuada por meio do teste de correlação R de Pearson, com um intervalo de confiança de 95% (p<,05).

RESULTADOS

Inicialmente serão apresentados os dados obtidos na entrevista com as mães, na sequência os dados da escrita das crianças e, em seguida, os resultados obtidos no cruzamento dos dados da escrita com os da entrevista.

Em relação aos resultados da entrevista é importante salientar que das 30 mães que autorizaram a realização da pesquisa, mediante a assinatura do TCLE, apenas 23 compareceram na data e hora marcada.

Considerando que apenas 23 mães compareceram à entrevista, não foi possível colher informações do roteiro apresentado na Figura 1. Assim, das 23 mães que responderam à entrevista, apenas uma afirmou ser analfabeta, quatro afirmaram ter o ensino fundamental I (completo ou incompleto), treze possuíam o ensino fundamental II (completo ou incompleto) e cinco tinham o ensino médio (completo ou incompleto).

Também, a partir dos questionários respondidos (N=23), foi possível observar que em relação aos hábitos de leitura das famílias, a maioria das mães afirmou que a família lia raramente (11), três afirmaram que a família lia pouco e uma afirmou que a família não possuía o hábito de ler. De modo diferente, oito mães afirmaram que a família costumava ler muito.

Para analisar a evolução da escrita das crianças, inicialmente buscou-se observar se todas as crianças apresentavam uma escrita alfabética. Para atingir a concepção alfabética a criança necessita ter o domínio do princípio da representação fonológica, estabelecendo valor sonoro às letras. Assim, é necessário o alcance de tais níveis para que a ortografia e outros aspectos relacionados à textualidade sejam analisados.

No presente estudo, seis crianças apresentaram escritas em fases pré-fonéticas e foram excluídas das análises ortográficas e de produção textual.

Assim, apesar de estarem matriculados no 3ª ano do ensino fundamental, essas crianças não tinham sequer alcançado a fase da escrita alfabética, como é possível observar nas Figuras 3 e 4 .

É importante ressaltar que o título “o menino perdido”; que aparece na Figura 4, estava escrito na lousa, para que as crianças desenvolvessem suas produções e no caso da Figura 3, a criança estava na produção do ditado de frase.

Figura 3
Escrita classificada no nível de desenvolvimento pré-fonético 1 de aluno do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009.

Figura 4
Escrita classificada no nível de desenvolvimento pré-fonético 2 de aluno do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009.

A Tabela 1 mostra a classificação do nível de desenvolvimento da escrita das crianças em função da escolaridade materna.

Tabela 1
Relação entre o grau de instrução das mães e o nível de escrita dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009.

A partir do cruzamento dos dados verificou-se que a escolaridade materna está correlacionada ao de desenvolvimento da escrita, apesar de cinco das seis mães das crianças que ainda não estavam alfabetizadas não terem respondido essa informação, sendo este resultado estatisticamente significante (p< 0,01). Chama a atenção o fato de que a maioria das mães das crianças que apresentavam escrita alfabética possuía o ensino fundamental II incompleto (Tabela 1).

Com a finalidade de verificar a influência da escolaridade materna sobre os hábitos de leitura da família, foi realizada uma análise de correlação entre essas variáveis (Tabela 2).

Tabela 2
- Relação entre o grau de instrução das mães e os hábitos de leitura das famílias dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009

Analisando os dados obtidos no cruzamento, observou-se que conforme a escolaridade materna aumenta os hábitos de leitura também melhoram, sendo este resultado estatisticamente significante (p< 0,01).

Por ter sido realizada a exclusão de seis crianças que ainda não apresentavam uma escrita fonética, só foi possível realizar a análise da produção textual e da ortografia, apresentadas a seguir, considerando-se as produções de 24 crianças.

Em relação à produção textual (qualidade narrativa do texto) foi observado que 4,17% (1) das crianças encontravam-se na categoria I de esquema narrativo 41,67% (10) encontravam-se na categoria II, 37,5% (9) encontravam-se na categoria III e 16,7% (4) encontravam-se na categoria IV.

Foi observado também que à medida que a escolaridade materna avança, as produções das crianças tendem a ser mais elaboradas, sendo esta correlação estatisticamente significante, (p= 0,000** com p<0,01) (Tabela 3).

Tabela 3
Relação entre o grau de instrução das mães e o esquema narrativo das histórias de alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009.

Em relação à ocorrência dos erros ortográficos, foi observado na Figura 5, que os erros mais frequentes na população estudada foram representações múltiplas, apoio na oralidade, omissão de letras e junção e separação indevida.

Figura 5
Porcentagens de erros ortográficos dos alunos do 3º ano do ensino fundamental de uma escola pública. Recife, 2009 (N=24).

Esses dados também foram cruzados com o nível de escolaridade materna. A Figura 6 mostra os resultados referentes ao cruzamento do nível de escolaridade materna com a frequência de erros ortográficos, computados de maneira geral. Pode-se observar que a maior frequência de erros (F=747) revela-se nas crianças cujas suas mães possuíam o ensino fundamental II, o que, de certo modo, é esperado porque essas mesmas crianças se encontravam em uma fase de escrita mais elaborada, que possibilitou a análise ortográfica, conforme apresentado na descrição da Tabela 1.

Figura 6
Relação entre o grau de instrução das mães e o número de erros ortográficos apresentados por alunos do 3º ano do ensino eundamental de uma escola pública. Recife, (N=24).

DISCUSSÃO

Atingir um conhecimento a respeito da escrita permite a criança compreender algumas das relações fundamentais entre letras e sons que define a escrita de natureza alfabética7. Paolucci JF, Ávila CRB. Competência ortográfica e metafonológica: influências e correlações na leitura e escrita de escolares da 4ª série. Revista da Sociedade Brasileira Fonoaudiologia. 2009;14(1):48-55.,1313 . Capovilla AGS, Capovilla FC. Efeitos do treino de consciência fonológica em crianças com baixo nível sócio-econômico. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2000, 13(1):7-24.

14 . Meireles ES, Correia J. Regras contextuais e morfossintáticas na aquisição da ortografia da língua portuguesa por crianças. Psicologia: Teoria e Pesquisa. 2005;21(1):77-84.

15 . Zorzi JL, Serapompa MT, Faria AT, Oliveira PS. A influencia do perfil de leitores nas habilidades ortográficas. Rev Ass Bras Psicop. 2004;21(65):146-56.
-1616 . Zorzi JL, Ciasca SM. Caracterização dos erros ortográficos em crianças com transtornos de aprendizagem. Revista CEFAC. 2008;10(3):321-31..

Diante dos resultados obtidos, na realização deste estudo, pôde-se observar que 76% das crianças já haviam construído a chamada hipótese alfabética da escrita, porém, ainda encontraram-se crianças em níveis inferiores. Este resultado é preocupante, visto que nesta série mesmo as crianças não tendo superado as questões ortográficas já deveriam ter superado as fases iniciais de desenvolvimento da escrita2. Correia J. Aquisição do sistema de escrita por crianças. In: Correa J, Spinillo A, Leitão S. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2001. p. 22-32.,1515 . Zorzi JL, Serapompa MT, Faria AT, Oliveira PS. A influencia do perfil de leitores nas habilidades ortográficas. Rev Ass Bras Psicop. 2004;21(65):146-56.,1616 . Zorzi JL, Ciasca SM. Caracterização dos erros ortográficos em crianças com transtornos de aprendizagem. Revista CEFAC. 2008;10(3):321-31..

No que diz respeito aos erros ortográficos, observados nas crianças que se encontravam nos níveis de desenvolvimento da escrita fonéticos, pôde-se observar que a maioria dos erros eram do tipo representações múltiplas (27%), em seguida aparecem as omissões de letras (22%) e as alterações causadas por apoio na oralidade (19%), que são alterações esperados nessa fase de ensino. Em um estudo realizado com 514 crianças de primeira a quarta série do ensino fundamental, de uma escola particular de São Paulo, também foram observadas estas alterações ortográficas como as mais frequentes nos alunos que estavam cursando a segunda série, representações múltiplas (12,6%), apoio de oralidade (4,6%) e omissões de letras (2,4%)5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84.. Chama a atenção, no entanto, o fato de que os percentuais encontrados na presente investigação sejam bem mais elevados. Deve-se levar em consideração que o estudo, acima citado, foi realizado em outra região do país e com crianças estudantes de escolas particulares, portanto, há diferenças socioculturais importantes entre as duas populações.

A maioria das crianças do presente estudo produziram textos que foram classificados na categoria II descrita por Rego9. A progressão das habilidades de produção de textos está associada com o aumento da idade, porém essa designação de idade varia dependendo das experiências e oportunidades que a criança tem ou teve, tanto na escola quanto no ambiente familiar17. Ao se considerar a questão da idade isoladamente, verifica-se que a população do presente estudo teve um desempenho aquém do esperado para sua idade e série. Estudos afirmam que as crianças de oito anos devem ser capazes de elaborar produções, considerando o gênero narrativo, com todos os componentes como: introdução dos personagens, situação-problema, resolução e um final conectado com todo o texto4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86.. Ou seja, as crianças da pesquisa deveriam estar nesta categoria. Porém não foi o que se observou com maior frequência, sendo esta (categoria IV) observada em apenas 17% das produções.

Entende-se, então, que as experiências prévias das crianças com o gênero de histórias são determinantes para que as mesmas tenham êxito no domínio da estrutura narrativa presente neste gênero textual4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86..

A partir do questionário, foi possível observar que a maioria das mães revelou ter o hábito de ler raramente, e 38% as mães revelaram não possuir livros em casa, o que pode ser interpretado como sendo indicativo de que as crianças da pesquisa não tiveram uma experiência anterior, significante, com a leitura de histórias.

Em relação à escolaridade das mães, observou-se que a maioria estudou até o ensino fundamental II incompleto, ou seja, não concluindo os ensinos da 4ª a 8ª séries (antigas); apenas 17% relataram ter chegado ao ensino médio.

Foi observado também que a maioria (76%) das crianças encontrava-se nos níveis quatro e cinco do desenvolvimento da escrita como já foi mencionado anteriormente, e desse total 39% tinham mães que não concluíram o ensino fundamental II. Estudos afirmam que a leitura de histórias é uma experiência rica para o desenvolvimento do vocabulário, este tipo de leitura contém pistas contextuais que ajudam a decifrar o sentido de palavras desconhecidas1818 . Fontes MJO, Martins CC. Efeitos da Leitura de Histórias no Desenvolvimento da Linguagem de Crianças de Nível Sócio-econômico Baixo. Psicologia: Reflexão e Crítica. 2004;17(1):83-94.. Porém, outros estudos revelam que experiências como essas não são comuns a todas as crianças no ambiente domiciliar. Existem crianças que têm contatos com textos, diariamente, tanto na escola quanto em casa; e crianças cujo contato se restringe à escola4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86..

No que diz respeito à correlação da escolaridade materna e os hábitos de leitura da família, também foi encontrada significância estatística (p<0,01), observa-se que, quanto maior o grau de instrução da mãe, maior o hábito de leitura das famílias. Um estudo mostrou que os pais dos alunos que se encontravam com dificuldades de aprendizagem, em sua maioria, apresentavam pouca escolaridade, com significante incidência de pais e mãe que não sabiam ler nem escrever (poucos pais concluíram a 8ª série do Ensino Fundamental)1111 . Brande CA. Marcas históricas sociais nos discursos de crianças em processo de alfabetização: Por que é preciso ler e escrever? Psicologia: Reflexão e Crítica. UFSC. Rio Claro-SC. 2001..

A relação da escolaridade materna com os erros ortográficos apresentados pelas crianças sugere que não há uma relação direta entre o nível de escolaridade materna e a presença de dificuldades ortográficas pelas crianças. É interessante, porém, ressaltar que as crianças que cometeram mais erros ortográficos estavam em fases mais elaboradas de escrita, sendo o erro uma consequência do próprio ato de usar a escrita, que deve ser considerado normal ao processo. Entretanto, a ortografia não deve ser desconsiderada. Um estudo afirma que para as crianças superarem as dificuldades das questões ortográficas, elas necessitam compreender a relação entre sons e letras, ou seja, dominar o sistema formal de escrita das palavras, passando então a realizar análises mais complexas da língua, entre outras estratégias5. Zorzi JL. A produção da escrita e os erros ortográficos. In: Zorzi JL. Aprender a escrever: a apropriação do sistema ortográfico. Porto alegre: Artes Medicas, 1998. p. 32-84.. Ou seja, este processo está relacionado à compreensão, ao domínio do sistema formal e às experiências de ler palavras, fazendo associações das letras com os sons, além de associações morfossintáticas e semânticas1515 . Zorzi JL, Serapompa MT, Faria AT, Oliveira PS. A influencia do perfil de leitores nas habilidades ortográficas. Rev Ass Bras Psicop. 2004;21(65):146-56..

Foi observado, também, que quanto maior o grau de instrução das mães maior é a habilidade que a criança tem em narrar e produzir histórias, sendo a correlação destas variáveis estatisticamente significante (p<0,01). Estudos revelam que essa habilidade apresentada pelas crianças depende das experiências do meio familiar e da rotina que ela participa e o seu desenvolvimento apresenta-se de forma gradual sendo influenciado por vários fatores como idade, escolaridade e interações sociais de várias formas4. Spinillo AG. A produção de histórias por crianças: a textualidade em foco. In: Correa J, Spinillo A, LeitãoS. Desenvolvimento da Linguagem: escrita e textualidade. Rio de janeiro: Faperj/Nau, 2000. p.75-86..

Na literatura é esperado que crianças de oito anos elaborem produções com todos os componentes, 41,6% das produções apresentavam apenas introdução da cena e dos personagens e uma ação que esboça uma situação-problema, classificando-as na categoria II. Essa classificação é esperada em crianças de cinco a sete anos de idade, sugerindo que as crianças da pesquisa, que são estudantes de escola pública, já deveriam ser capazes de produzir textos mais elaborados4,9.

CONCLUSÃO

De modo geral, foi observado que a aprendizagem da escrita em seus aspectos mais específicos, como o desenvolvimento do esquema narrativo, sofre influência de fatores sociais como a escolaridade materna. Tais aspectos necessitam ser considerados na avaliação e diagnóstico fonoaudiológicos, assim como nas práticas educativas oferecidas pela instituição escolar.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2012
  • Aceito
    20 Out 2012
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