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Fatores determinantes do uso de chupeta entre crianças participantes de programa de incentivo ao aleitamento materno

Resumos

Objetivo

avaliar a introdução de chupeta entre crianças assistidas por um programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno durante os primeiros seis meses de vida, investigando os possíveis determinantes do seu uso.

Métodos

foi realizado um estudo descritivo, exploratório, longitudinal, quantitativo, por meio do acompanhamento de 120 díades mãe-crianças. Foram coletados dados sobre características pessoais, demográficas, e variáveis referentes aos períodos pré, peri e pós-natal. Foram realizadas análises bivariadas pelo teste Qui-quadrado e teste Exato de Fisher e análise de regressão múltipla de Poisson com ajuste robusto do erro padrão.

Resultados

verificou-se que 13,33% das crianças usavam chupeta ao final do primeiro mês de vida e que 23,33% apresentavam este hábito ao término do sexto mês. O uso de chupeta esteve associado positivamente à ausência de aleitamento materno exclusivo ao final do primeiro mês (RP:5,44; IC95%:2,38-12,44). Ao final do sexto mês, mostrou-se associado à ausência de aleitamento materno exclusivo no momento da alta hospitalar (RP:4,91; IC95%:1,79-13,48) e ausência de aleitamento materno exclusivo aos seis meses de vida (RP:2,32; IC95%:1,32-4,08).

Conclusão

o uso de chupeta durante os primeiros seis meses de vida entre crianças assistidas por um programa de promoção à amamentação mostrou-se associado à ausência de aleitamento materno exclusivo.

Hábitos; Chupetas; Aleitamento Materno; Promoção da Saúde; Estudos Prospectivos


Purpose

to evaluate the introduction of pacifiers in children assisted by an interdisciplinary program of encouraging breastfeeding during the first six months of life, investigating the possible determinants of their use.

Methods

a descriptive, exploratory, longitudinal, quantitative study, through monitoring of 120 mothers and their children. Data were collected on personal characteristics, and demographic variables related to pre-, peri-and postnatal. Bivariate analysis were performed by Chi-square and Fisher exact test and multiple regression analysis with robust adjustment Poisson standard error.

Results

the analysis revealed that 13.33% of children using pacifiers at the end of the first month of life and 23.33% had this habit at the end of the sixth month. Pacifier use was positively associated with lack of exclusive breastfeeding for the first month (PR: 5.44, CI95%:2.38-12, 44). At the end of the sixth month, this habit was associated with absence of exclusive breastfeeding at discharge from hospital (PR: 4.91, CI95%:1.79-13, 48) and lack of exclusive breastfeeding at six months of life (PR: 2.32, CI95%:1.32-4, 08).

Conclusion

the use of pacifiers during the first six months of life for children assisted by a program to promote breastfeeding was associated with lack of exclusive breastfeeding.

Habits; Pacifiers; Breast Feeding; Health Promotion; Prospective Studies


INTRODUÇÃO

Chupetas são largamente utilizadas em vários países, inclusive no Brasil, onde se constitui um importante hábito cultural 1. Lamounier JA. O efeito de bicos e chupetas no aleitamento materno. J Pediatr. 2003;79(4):284-6..

Castilho e Rocha 2. Castilho SD, Rocha MAM. Uso de chupeta: história e visão multidisciplinar. J Pediatr. 2009;85(6):480-9. encontraram mais efeitos deletérios da chupeta do que benefícios. Mitchell et al. 3. Mitchell EA, Blair PS, L’Hoir MP. Should pacifiers be recommended to prevent sudden infant death syndrome? Pediatrics. 2006;117(5):1755-8. ressaltam a importância do uso da chupeta como prevenção do risco da síndrome de morte súbita infantil. Entretanto, estudos mostram que a sucção de chupeta tem levado à ocorrência de mordida aberta anterior 4. Rochelle IMF, Tagliaferro EPS, Pereira AC, Meneghim MC, Nóbilo KA, Ambrosano GMB. Breastfeeding, deleterious oral habits and malocclusion in 5-year-old children in São Pedro, SP, Brazil. Dental Press J Orthod. 2010;73(15):71-81., mordida cruzada posterior 5. Scavone-Junior H, Ferreira RI, Mendes TE, Ferreira FV. Prevalência de mordida cruzada posterior em usuários de chupeta: um estudo na dentadura decídua. Braz Oral Res. 2007;21(2):153-8., atresia de maxila 6. Tomita LM, Carrascoza KC, Possobon RF, Ambrosano GMB, Moraes ABA. Relação entre tempo de aleitamento materno, introdução de hábitos orais e ocorrência de maloclusões. RFO/UPF. 2004;9(2):101-4., otites 7. Rovers MM, Numans ME, Langenbach E, Grobbee DE, Verheij TJ, Schilder AG. Is pacifier use a risk factor for acute otitis media? A dynamic cohort study. Fam Pract. 2008;25(4):233-6. e interrupção da amamentação 8. Franco SC, Nascimento MBR, Reis MAM, Issler H, Grisi SJFE. Aleitamento materno exclusivo em lactentes atendidos na rede pública do município de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2008;8(3):291-7..

A fim de diminuir a prevalência de hábitos de sucção oral, algumas estratégias têm sido desenvolvidas e aplicadas. Destaca-se a Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes 9. Norma Brasileira para Comercialização de Alimentos para Lactentes. International Baby Food Action Network. Resoluções da Diretoria Colegiada /ANVISA. 2002. Em: http://www.ibfan.org.br/rdc222.htm
http://www.ibfan.org.br/rdc222.htm...
, que proíbe a promoção comercial, por meio de propaganda na mídia, de leites infantis modificados, mamadeiras e chupetas. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária, pela Resolução RDC nº 221, de 05 de agosto de 2002, na tentativa de restringir o uso de chupetas, determinou a inclusão, na embalagem do produto, da inscrição “O Ministério da Saúde adverte: a criança que mama no peito não necessita de mamadeira, bico ou chupeta. O uso de mamadeira, bico ou chupeta prejudica a amamentação e seu uso prolongado prejudica a dentição e a fala”;.

Os “Dez Passos para o Sucesso do Aleitamento Materno”;, que fazem parte das exigências para que uma maternidade receba o título de “Hospital Amigo da Criança”;, pela Unicef, enfatizam a não utilização de bicos e chupetas durante o período de permanência da díade mãe-bebê no hospital, considerando-se os efeitos prejudiciais destes utensílios sobre a amamentação. O 9° passo determina: “não dar bicos artificiais ou chupetas a crianças amamentadas ao peito”; 1010 . Vannuchi MTO, Monteiro CA, Rra MF, Andrade SM, Matsuo T. Iniciativa Hospital Amigo da Criança e aleitamento materno em unidade de neonatologia. Rev Saude Publica. 2004;38(3):422-8..

No entanto, apesar das ações governamentais e do esforço particular de alguns grupos de profissionais defensores do aleitamento materno, ainda é alta a prevalência de uso de chupeta 1111 . Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. II Pesquisa de Prevalência de Aleitamento Materno nas Capitais Brasileiras e Distrito Federal. Editora do Ministério da Saúde, Brasília: 2009..

Assim, o objetivo do estudo foi avaliar longitudinalmente a introdução de chupeta entre crianças assistidas por um programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno durante os primeiros seis meses de vida, investigando, em seguida, os possíveis determinantes do uso de chupeta, incluindo características pessoais, demográficas, e variáveis referentes aos períodos pré, peri e pós-natal.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo descritivo, exploratório, longitudinal, quantitativo, por meio do acompanhamento de díades mãe-criança participantes de um programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno, desenvolvido na cidade de Piracicaba-SP.

A adesão das mães ao programa acontece de forma voluntária e o acesso é livre para a população em geral. Esse programa é oferecido por uma faculdade de odontologia, onde a população pode ser atendida de forma gratuita. A divulgação do programa é feita nos postos de saúde e unidades de saúde da família, em consultórios de ginecologistas e, em algumas ocasiões, por meio das mídias jornal e rádio. Muitas mães são encaminhadas pelos profissionais de saúde que as atendem. As mães interessadas em participar fazem inscrição pessoalmente ou por telefone.

O programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno tem início ainda no período pré-natal por meio de duas reuniões, quando as gestantes são preparadas para a amamentação. O atendimento pós-natal inicia-se por volta do 15º dia de vida da criança. Mãe e bebê são acompanhados por meio de nove encontros em grupo e em atendimentos individuais, ao longo dos primeiros seis meses de vida da criança. As reuniões são realizadas com intervalos semanais durante os primeiros três encontros, quinzenal entre o terceiro e quinto encontros e mensal até a criança completar seis meses de vida.

O estudo envolveu toda população atendida pelo programa durante o ano de 2004 (N=127). Foram excluídos da análise os seguintes casos: (a) gemelaridade (N=4); (b) crianças com fissura lábio-palatina (N=1); (c) crianças com Síndrome de Down (N=2); Sendo assim, a amostra final foi constituída por 120 díades mãe-criança que participaram do programa durante o ano de 2004.

Os dados foram coletados por um único pesquisador, submetido a treinamento para garantir a fidedignidade dos dados coletados. O instrumento de coleta de dados foi previamente testado, padronizado e pré-codificado para obter as informações necessárias referentes ao primeiro semestre de vida da criança.

A coleta dos dados foi realizada durante a gestação, quando a mãe participava das palestras educativas, e após o nascimento da criança, durante os encontros do programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno.

Os dados pessoais e demográficos (nível socioeconômico, renda familiar, estado civil, idade e escolaridade dos pais, número de filhos, experiência prévia em amamentação) e referentes ao período pré-natal (início do pré-natal, número de consultas durante o pré-natal) foram coletados por meio de aplicação individual do questionário nos encontros para gestantes.

O nível socioeconômico dos participantes foi determinado segundo o modelo proposto por Kozlowiski 1212 . Kozlowski FC. Relação entre o fator socioeconômico e a prevalência e a severidade de fluorose e cárie dentária. [Dissertação]. Piracicaba: FOP / UNICAMP; 2001., o qual se baseia em cinco fatores: (1) renda familiar, (2) número de moradores na residência, (3) grau de escolaridade dos cuidadores, (4) situação de posse da moradia da família e (5) profissão do chefe da família. Os cinco fatores analisados receberam um sistema de pontuação das respostas, cujo somatório possibilitou a determinação de um escore individual e consequentemente a hierarquização dos participantes dentro de uma das seis classes sociais propostas (A, B, C, D, E, F). Foi considerado nível socioeconômico alto aqueles participantes inseridos nas classes A, B e C.

As informações referentes aos períodos peri-natal (tipo de parto, prematuridade, peso ao nascimento, tempo para o início da amamentação após o parto, permanência em alojamento conjunto e tipo de alimentação no momento da alta hospitalar) e pós-natal (introdução de chupeta e/ou mamadeira, ocorrência de problemas de mama, sensação de falta de leite, retorno da mãe ao trabalho e duração do aleitamento materno) foram obtidas durante a participação da díade mãe-criança nos atendimentos em grupos e individuais do programa interdisciplinar de incentivo ao aleitamento materno, ao longo dos primeiros seis meses de vida da criança.

Para efeito deste estudo, os seguintes conceitos foram utilizados, segundo a definição da OMS1313 . WHO (World Health Organization). World Health Organization’s infant feeding recommendation. Bulletin of World Health Organization. 1995;73:165-74.: (AME) Aleitamento materno exclusivo: a criança recebe leite materno diretamente de sua mãe ou leite materno ordenhado. Nenhum outro líquido ou sólido é oferecido à criança, com exceção de gotas ou xaropes de vitaminas, suplementos minerais ou medicamentos; (AM) Aleitamento materno: a criança recebe leite materno direto da mama ou ordenhado, independentemente da presença de outro alimento na dieta da criança; (D) Desmame: a criança não recebe mais o leite materno.

O presente estudo foi realizado segundo as Normas e Diretrizes Éticas da Resolução n° 196/1996 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp, protocolo n° 104/2003). Todas as mães participantes assinaram uma cópia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Pesquisa.

Foram realizadas análises bivariadas pelo teste Qui-quadrado e, quando houve restrição ao seu uso, foi utilizado o teste Exato de Fisher. Em seguida, realizou-se análise de regressão múltipla de Poisson com ajuste robusto do erro padrão. O nível de significância adotado foi de 5% e utilizado o programa estatístico SAS.

RESULTADOS

Em relação à amamentação, observou-se que 98,30% das crianças estavam em AM e 87,50% em AME ao final do primeiro mês de vida. Ao término do sexto mês, 92,50% delas permaneciam em AM e 47,50% estavam em AME.

Quanto à presença de chupeta, verificou-se que 13,33% das crianças usavam chupeta ao final do primeiro mês de vida e que 23,33% apresentavam este hábito ao término do sexto mês. Entre as crianças que faziam uso de chupeta aos seis meses de vida, foi possível identificar que 57,14% delas iniciaram o uso ainda durante o primeiro mês de vida. O choro da criança foi a justificativa referida por 89,28% das mães para o oferecimento da chupeta aos filhos.

A análise bivariada do uso de chupeta em relação às características pessoais e demográficas é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Análise bivariada do uso de chupeta em relação às características pessoais e demográficas

A Tabela 2 mostra a análise bivariada do uso de chupeta em relação às características dos períodos pré e peri-natal.

Tabela 2
Análise bivariada do uso de chupeta em relação às características dos períodos pré e peri-natal

A Tabela 3 revela a análise bivariada do uso de chupeta em relação às características do período pós-natal. Pela análise bivariada, verificou-se que o uso de chupeta ao final do primeiro mês de vida da criança sofreu influência do tipo de aleitamento e do uso de mamadeira. Além disso, foi possível observar na análise bivariada que o uso de chupeta ao final do sexto mês foi influenciado pelos seguintes fatores: número de filhos, tipo de aleitamento no momento da alta hospitalar, ocorrência de problema de mama, tipo de aleitamento ao final do sexto mês e uso de mamadeira.

Tabela 3
Análise bivariada do uso de chupeta em relação às características do período pós-natal

A razão de prevalência ajustada pelo modelo de regressão de Poisson para crianças que utilizavam chupeta ao final do primeiro e do sexto mês de vida é apresentada na Tabela 4.

Tabela 4
Razão de prevalência ajustada pelo modelo de regressão de Poison para crianças que utilizavam chupeta ao final do 1º e ao final do 6º mês

Observou-se que a prevalência de utilização de chupeta ao final do primeiro mês entre crianças que não estavam em AME no primeiro mês foi 5,44 vezes maior (IC95%: 2,38-12,44) que entre as crianças com AME. A prevalência de utilização de chupetas ao final do sexto mês entre as crianças que não estavam em AME até o sexto mês foi 4,91 vezes maior (IC95%:1,79-13,48) que no grupo com AME. Além disso, encontrou-se que a prevalência de utilização de chupetas ao final do sexto mês entre as crianças que não estavam em AME no momento da alta hospitalar foi 2,32 vezes maior (IC95%:1,32-4,08) que entre as crianças que estavam em AME no momento da alta hospitalar.

DISCUSSÃO

Os dados do presente estudo permitem observar que, apesar de as díades terem sido assistidas por um programa interdisciplinar de incentivo à amamentação durante os primeiros seis meses de vida da criança, no qual são disponibilizadas informações sobre as consequências dos hábitos de sucção oral não nutritivos, ainda verifica-se o oferecimento de chupeta às crianças. No estudo realizado por Victora et al. 1414 . Victora CG, Behague DP, Barros FC, Olinto MT, Weiderpass E. Pacifier use and short breastfeeding duration: cause, consequence or coincidence? Pediatrics. 1997;99(3):445-53. foi observado que 85% dos bebês usavam chupeta ao final do primeiro mês de vida. Entre crianças nascidas em um Hospital Amigo da Criança, verificou-se que 61,6% usavam chupeta ao final do primeiro mês de vida 1515 . Soares MEM, Giugliani ERJ, Braun ML, Salgado ACN, Oliveira AP, Aguiar PR. Uso de chupeta e sua relação com o desmame precoce em população de crianças nascidas em Hospital Amigo da Criança. J Pediatr. 2003;79(4):309-16.. Mascarenhas et al. 1616 . Mascarenhas MLW, Albernaz EP, Silva MB, Silveira RB. Prevalência de aleitamento materno exclusivo nos 3 primeiros meses de vida e seus determinantes no Sul do Brasil. J Pediatr. 2006;82(4):289-94. sugerem que, apesar da população estar orientada para evitar o uso da chupeta, deve-se considerar que o seu uso é um hábito cultural de difícil controle e erradicação. Portanto, é possível pensar que as normas institucionais que buscam desencorajar o uso da chupeta, a partir de uma retórica profissional e científica, não estão atingindo seus objetivos, pois esbarram nas concepções da comunidade atendida, que superam as proibições e mantêm suas razões para a oferta deste artefato 1717 . Sertório SCM, Silva IA. As faces simbólica e utilitária da chupeta na visão de mães. Rev de Saúde Pública. 2005;39(2):156-62..

O uso de mamadeira, segundo a análise bivariada, influenciou o uso de chupeta ao final do primeiro e do sexto mês de vida da criança. Marques et al. 1818 . Marques NM, Lira PIC, Lima MC, Silva NL, Batista-Filho M, Huttly SRA et al. Breastfeeding and early weaning practices in Northeast Brazil: a longitudinal study. Pediatrics. 2001;108(4); e66 DOI:10.1542/peds.108.4.e66. encontraram que o uso de chupeta aos sete dias mostrou-se associado ao uso de mamadeira ao final do primeiro mês. Estes resultados são confirmados pelo trabalho de França et al. 1919 . França MCT, Giugliani ERJ, Oliveira LD, Weigert EML, Espírito-Santo LC, Köhler CV, Bonilha ALL. Uso de mamadeira no primeiro mês de vida: determinantes e influência na técnica de amamentação. Rev Saude Publica. 2008;42(4):607-14., o qual verificou que a mamadeira foi bastante utilizada no primeiro mês de vida, principalmente em crianças que faziam uso de chupeta.

A relação de causalidade entre a sucção de chupeta e o uso de mamadeira ainda não está bem estabelecida. Segundo Cunha et al. 2020 . Cunha AJLA, Leite AM, Machado MMT. Breastfeeding and pacifier use in Brazil. Indian J Pediatr. 2005;72(3):209-12., é possível que o uso de chupeta resulte em diminuição do número de mamadas e, consequentemente, em menor estímulo das mamas e redução da produção de leite, levando a mãe a oferecer a mamadeira com leite artificial para saciar a fome da criança. Por outro lado, existem autores que sugerem que a substituição da amamentação natural por mamadeira pode desencadear prejuízos ao desenvolvimento do sistema sensório-motor-oral, devido à falta de estimulação correta das estruturas orofaciais, favorecendo a instalação de hábitos de sucção oral, como a chupeta 2121 . Gomes CF, Trezza EMC, Murade ECM, Padovani CR. Surface electromyography of facial muscles during natural and artificial feeding of infants. J Pediatr. 2006;82(2):103-9..

A ocorrência de problema de mama também influenciou o uso de chupeta ao final do sexto mês de vida, segundo a análise bivariada. Lamounier 1. Lamounier JA. O efeito de bicos e chupetas no aleitamento materno. J Pediatr. 2003;79(4):284-6. afirma que as chupetas podem ser usadas como um mecanismo para diminuir e espaçar as mamadas, particularmente por mães com dificuldade de amamentar.

O uso de chupeta ao final do sexto mês ainda foi influenciado, segundo a análise bivariada, pela primiparidade. Segundo Tomasi et al. 2222 . Tomasi E, Victora CG, Olinto MTA. Padrões e determinantes do uso de chupeta em crianças. J Pediatr. 1994;70(3):167-73., o maior uso de chupeta entre primogênitos parece indicar que mães menos experientes fiquem mais ansiosas com o choro do bebê e, portanto, sejam mais receptíveis a conselhos e recomendações para o uso deste utensílio. Os resultados de Victora et al. 1414 . Victora CG, Behague DP, Barros FC, Olinto MT, Weiderpass E. Pacifier use and short breastfeeding duration: cause, consequence or coincidence? Pediatrics. 1997;99(3):445-53. mostraram que mães que davam a chupeta a seus bebês mais intensamente eram também as que exerciam um controle mais forte no comportamento da amamentação, tinham reações ansiosas em relação ao choro da criança, pareciam preocupadas com o seu meio social e mais sensíveis à crítica social, sugerindo uma falta de autoconfiança.

Pode-se dizer que existe uma relação de cumplicidade entre a mãe e a chupeta, na busca de acalmar o bebê nos momentos de choro e inquietação 1717 . Sertório SCM, Silva IA. As faces simbólica e utilitária da chupeta na visão de mães. Rev de Saúde Pública. 2005;39(2):156-62.. Estes achados corroboram os resultados do presente estudo, uma vez que um número significante de mães se referiu ao choro da criança como justificativa para o oferecimento da chupeta à mesma. Tomasi et al. 2222 . Tomasi E, Victora CG, Olinto MTA. Padrões e determinantes do uso de chupeta em crianças. J Pediatr. 1994;70(3):167-73. afirmam que as mães atribuem à chupeta uma função de “calmante infantil”;, justificando assim, seu empenho na introdução precoce da chupeta.

Após a análise de regressão múltipla de Poisson, o uso de chupeta esteve associado positivamente à ausência de AME ao final do primeiro mês e, à ausência de AME no momento da alta hospitalar e ausência de AME ao final do sexto mês de vida.

Dados da literatura mostram relação entre uso de chupeta e interrupção do aleitamento materno exclusivo 8. Franco SC, Nascimento MBR, Reis MAM, Issler H, Grisi SJFE. Aleitamento materno exclusivo em lactentes atendidos na rede pública do município de Joinville, Santa Catarina, Brasil. Rev Bras Saúde Mater Infant. 2008;8(3):291-7. ou abandono do aleitamento materno 2323 . Roig AO, Martinez MR, Garcia JC, Hoyos SP, Navidad GL, Alvarez JCF et al. Factors associated to breastfeeding cessation before 6 months. Rev. Lat-Am Enferm. 2010;18(3):373-80.. Entretanto ainda permanece obscuro qual o seu mecanismo de ação 2424 . Santos-Neto ET, Oliveira AE, Zandonade E, Molina MCB. Pacifier use as a risk factor for reduction in brestfeeding duration: a systematic review. Rev Bras Saude Matern Infant. 2008;8(4):377-89.. Alguns autores sugerem que o uso da chupeta levaria ao desmame precoce 1515 . Soares MEM, Giugliani ERJ, Braun ML, Salgado ACN, Oliveira AP, Aguiar PR. Uso de chupeta e sua relação com o desmame precoce em população de crianças nascidas em Hospital Amigo da Criança. J Pediatr. 2003;79(4):309-16., enquanto que outros acreditam que o término precoce do aleitamento materno exclusivo é que proporcionaria o uso da chupeta 2525 . Souza FRN, Taveira GS, Almeida RVD, Padilha WWN. O aleitamento materno e sua relação com hábitos deletérios e maloclusão dentária. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2004;4(3):211-6..

Chaves et al. 2626 . Chaves RG, Lamounier JA, Cesar CC. Fatores associados com a duração do aleitamento materno. J Pediatr. 2007;83(3):241-6. sugerem que o uso de chupeta pode estar camuflando dificuldades maternas, como ansiedade e insegurança, que repercutem negativamente na amamentação. Assim, o uso de chupeta deveria ser visto pelos profissionais de saúde como um sinalizador de dificuldades em relação à prática do aleitamento materno 1. Lamounier JA. O efeito de bicos e chupetas no aleitamento materno. J Pediatr. 2003;79(4):284-6..

Saliba et al. 2727 . Saliba NA, Zina LG, Moimaz SAS, Saliba, O. Freqüência e variáveis associadas ao aleitamento materno em crianças com até 12 meses de idade no município de Araçatuba, São Paulo, Brazil. Rev. Bras. Saude Mater. Infant. 2008;8(4):481-90. afirmam que as atividades de promoção de saúde devem ser direcionadas a grupos de risco, sendo enfatizados os prejuízos do uso da chupeta à interrupção da amamentação e suas consequências. Entretanto, alguns autores demonstram que a disponibilização de informação isolada não é suficiente. Os achados do trabalho de Fófano et al. 2828 . Fófano CSN, Mialhe FL, Silva RP, Brum SC. Conhecimentos, atitudes e práticas maternas em relação ao uso de chupeta. Pesq Bras Odontoped Clin Integr. 2009;9(1):119-23. mostram que embora a maioria dos responsáveis pelas crianças considere que a recomendação de uso da chupeta deva ser cautelosa em função de eventuais problemas de saúde que possa ocasionar em bebês, boa parte das mães oferecem a chupeta para o filho com o objetivo de acalmá-lo, na convicção de que não ofertá-la é sinônimo de falta de cuidado e amor. Em outro estudo, verificou-se que apesar das mães relatarem conhecimentos sobre as consequências do uso da chupeta para a saúde da criança, justificaram o uso por permitir a realização de outras atividades pela mãe 2929 . Marques ES, Cotta RMM, Araújo RMA. Representações sociais de mulheres que amamentam sobre a amamentação e o uso de chupeta. Rev. Bras. Enferm. 2009;62(4):562-9.. Sendo assim, além de informar a população sobre os riscos da chupeta, há necessidade de capacitação de profissionais de saúde para prestar apoio rotineiro às mães durante o primeiro semestre de vida do bebê, condição para que tenham êxito em evitar o uso da chupeta 3030 . Parizoto GM, Parada CMGL, Venâncio SI, Carvalhaes MABL. Tendência e determinantes do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de 6 meses. J Pediatr. 2009;85(3):201-8..

Como este estudo fez parte de uma pesquisa que avaliou vários desfechos, apresentou como limitação o fato de não terem sido coletados dados específicos quanto à frequência do uso de chupeta.

Frente ao exposto, sugere-se o desenvolvimento de pesquisas que tentem encontrar possíveis relações entre o uso de chupeta e a ocorrência de ansiedade materna durante os primeiros meses de vida da criança. Além disso, aconselha-se a realização de estudos que investiguem a existência de relação entre o oferecimento de chupeta à criança e a ocorrência de episódios de cólica, uma vez que o choro da criança consiste numa das principais justificativas oferecidas pelas mães para o oferecimento de chupeta aos filhos durante os primeiros meses de vida.

CONCLUSÃO

Os dados deste estudo mostraram que o uso da chupeta está associado à ausência de aleitamento materno exclusivo ao final do primeiro mês de vida da criança. Ao final do sexto mês, seu uso está associado à ausência de aleitamento materno exclusivo no momento da alta hospitalar e à ausência de aleitamento materno exclusivo aos seis meses de vida. Assim, o uso da chupeta durante os primeiros seis meses de vida, entre crianças assistidas por um programa de promoção à amamentação, está associado à ausência de aleitamento materno exclusivo.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2014

Histórico

  • Recebido
    18 Abr 2012
  • Aceito
    10 Set 2012
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