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Avaliação do sistema auditivo em agricultores expostos à agrotóxicos

Resumos

Objetivos

avaliar o sistema auditivo periférico, por meio de audiometria tonal, em agricultores residentes em área de intenso uso de agrotóxicos no Estado do Rio de Janeiro.

Métodos

foram avaliados 70 indivíduos, de ambos os gêneros, moradores de Campos dos Goytacazes, com idade variando entre 25 e 59 anos, sendo 35 agricultores e 35 não agricultores. Todos os indivíduos tiveram sua audição periférica avaliada, por meio de audiometria tonal nas frequências de 250, 500, 1.000, 2.000, 3.000, 4.000, 6.000 e 8.000Hz. Foram excluídos indivíduos com alteração de orelha externa e média e/ou com alguma queixa otológica. Além disso, foi realizada anamnese com questões relacionadas à saúde, situação sócio-econômica, educação e exposição ao agrotóxico. Foi considerada perda auditiva, os limiares maiores ou iguais a 25dB em qualquer das frequências testadas.

Resultados

o Odds Ratio de perda auditiva foi 3,67 vezes (IC95%: 2,08-6,48) maior entre agricultores (94,3%), quando comparados aos não agricultores (25,7%). Além disso, a maior parte das alterações auditivas foi observada nas frequências mais agudas.

Conclusão

o presente estudo sugere que a atividade agrícola e possivelmente a exposição a agrotóxicos aumenta o risco de perda auditiva.

Agrotóxicos; Saúde Ambiental; Audiometria


Purposes

to evaluate the peripheral auditory system, by means of pure tone audiometry for farmers living in areas of heavy use of pesticides in the State of Rio de Janeiro.

Methods

70 individuals of genders, 35 farmers and 35 non-farmers, with ages between 25 and 59 years, residents Campos dos Goytacazes, were enrolled into the study. All subjects had their peripheral hearing evaluated by means of pure tone audiometry at frequencies of 250, 500, 1,000, 2,000, 3,000, 4,000, 6,000 and 8,000 Hz. Individuals with alterations in external and middle ear and/or with a otologic complaint were excluded from the study. In addition, interview was conducted regarding health issues, socioeconomic status, education and exposure to pesticides. Hearing loss was considered if hearing thresholds were equal or more than 25 dB at any frequency tested.

Results

the Odds Ratio of hearing loss was 3.67 times (95% CI: 2.08 - 6.48) higher among agricultural workers (94.3%) when compared to non-agricultural workers (25.7%). Furthermore, most of the hearing alterations were observed in the higher frequencies.

Conclusion

this study suggests that the agricultural activity and possible exposure to pesticides increases the risk of hearing loss.

Pesticides; Environmental Health; Audiometry


INTRODUÇÃO

A deficiência auditiva é considerada genericamente como a diferença existente entre a performance do indivíduo e a habilidade normal para a detecção sonora de acordo com os padrões estabelecidos pela American National Standards Institute (ANSI-1989)1. Bagal A, Thavendiranathan P, Detsky AS. Does this patient have hearing impairment? JAMA. 2006;295 (4):416-28..

A deficiência auditiva pode gerar uma condição incapacitante no indivíduo. No adulto pode produzir uma série de alterações psicossociais, podendo prejudicar o processamento da linguagem verbal, limitando assim a comunicação e o convívio social. Tais dificuldades de comunicação afetam negativamente a produtividade no trabalho, a qualidade de saúde, a qualidade de vida, de aspectos cognitivos e emocionais2. Jacob LCB, Aguiar FP, Tomiasi AA, Tschoeke SN, Bitencourt RF. Monitoramento auditivo na ototoxidade. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2006;72(6): 836-44.

. Yueh B, Shapiro N, MacLean CH, Shekelle PG. Screening and management of adult hearing loss in primary care: scientific review. JAMA. 2003;289(15):1976-85.
-4. Campbell VA, Crews JE, Morlaty DG, Zack MM, Blackman DK. Surveillance for sensory impairment activity limitation, and health-related quality of lfe among olders adults: United States, 1993-1997. MMWR CDC Surveil Summ. 1999;48(8):131-56.. Este tipo de deficiência dificulta o acesso e utilização dos cuidados em geral, com possíveis consequências adversas para saúde e a sobrevivência5. Gates GA, Cobb JL, D’Agostino RB, Wolf PA. The relation of hearing in the elderly to the presence of cardiovascular disease and cardiovascular risk factors. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1993;119(2):156-61..

A prevalência da perda auditiva vem aumentando na população em geral provavelmente por conta do envelhecimento e aumento da exposição ao ruído. Existe uma preocupação que as alterações auditivas se tornem uma epidemia6. Agrawal Y, Platz EA, Niparko JK. Prevalence of hearing loss and differences by demographic characteristics among US adults. Arch. Intern Med. 2008;168(14):1522-30..

A perda auditiva é comumente associada com a idade, exposição ao ruído e traumatismo craniano. A perda auditiva induzida por níveis de pressão sonora elevados é uma das enfermidades profissionais irreversíveis de maior ocorrência em todo o mundo7. Who PDH. Report of the First Informal Consultation on Future Programme Developments for the Prevention of Deafness and Hearing Impairment. World Health Organization, Geneva. 1997;23-4., descrita em inúmeros trabalhos científicos. O termo perda auditiva ocupacional é usado com frequência, como um sinônimo de perda auditiva induzida por ruído (PAIR), porém, além do ruído, inúmeras atividades profissionais apresentam outros fatores de risco para perda auditiva, como por exemplo substâncias químicas que, consideradas isoladamente ou em combinação com o ruído, podem trazer e/ou potencializar os danos à saúde do trabalhador 8. Crawford JM, Hoppin JA, Alavanja MCR, Blair A, Sandler DP, Kamel F. Hearing loss among licensed pesticide applicators. J. Occup. Envirom. Med. 2008;50(7):817-26.,9. Morata TC, Lemasters G. Considerações epidemiológicas para o estudo de perdas auditivas ocupacionais. In: Nudelmann A.A, Costa EA, Seligman J, Ibañez RN. PAIR – Perda auditiva induzida pelo ruído. Vol. II. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.p.1-16..

Diversos estudos têm demonstrado que substâncias químicas podem provocar danos ao ser humano e ao meio ambiente. Ainda que o foco principal dos estudos sobre saúde auditiva seja a exposição a ruído, são cada vez mais frequentes os estudos sobre os impactos das exposições químicas sobre a capacidade auditiva, especialmente de trabalhadores 1010 . Morata TC. Assessing occupational hearing loss: beyond noise exposures. Scand. Audiol. Suppl. 1998;48:111-6.

11 . Morata TC. Chemical exposure as a risk factor for hearing loss. J. Occup. Env. Med. 2003;45(7):676-82.

12 . Beckett WS, Chamberlain DBA, Hallman E, May J, Hwang SA, Gomez M, Eberly S, Cox C, Stark A. Hearing Conservation for Farmers: Source Apportionment of Occupational and Environmental Factors Contributing to Hearing Loss. J. Occup. Env. Med. 2000;42(8):806-13.
-1313 . Sass-Kortsak AM, Corey PN, James R. An investigation of the association between exposure to styrene and hearing loss. Annals of Epidemio. 1995;5(1): 15-24.. As desordens sensoriais do sistema auditivo também têm sido associadas às drogas medicamentosas, como aminoglicosideos, quinino e outras drogas1414 . Teixeira CF, Augusto LGS, Morata T. Saúde auditiva de trabalhadores expostos a ruído e inseticidas. Rev. Saúde Pub. 2003;37(4):417-23..

Existe a suspeita de que muitos compostos químicos possam ser ototóxicos ou neurotóxicos, mas poucas pesquisas foram realizadas para sua confirmação.Entre os grupos de produtos químicos descritos como potencialmente ototóxicos encontram-se os agrotóxicos. Muitos pesticidas são neurotóxicos e potencialmente podem afetar a audição. Alguns estudos apontaram os organofosforados como potenciais causadores de perda auditiva permanente bilateral1414 . Teixeira CF, Augusto LGS, Morata T. Saúde auditiva de trabalhadores expostos a ruído e inseticidas. Rev. Saúde Pub. 2003;37(4):417-23.

15 . Choi SW, Peek-Asa C, Sprince NL, Rautiainen RH, Donham KJ, Flamme GA et al. Hearing loss as a risk factor agricultural injuries. Amer. J. Indus. Med. 2005;48:293-301.

16 . Lizardi PS, O´Rourke MK, Morris RJ.The effects of organophosphate pesticide exposure on hispanc children´s cognitive and behavioral functioning. J. Pedia. Psych. 2007;1-11.
-1717 . Renick KM, Crawford JM, Wilkins III JR. Hearing loss among Ohio farm youth: a comparison to a National sample. Amer. J. Indust. Med. 2009;52:233-9..

Em estudo transversal realizado com 830 indivíduos, os achados sugeriram que o risco de desenvolver disfunção cognitiva leve é de aproximadamente cinco vezes maior no grupo de indivíduos expostos a pesticidas do que no grupo de não expostos1818 . Bosma H, Van Boxtel MPJ, Ponds RW, Houx, PJ, Jolles J. Pesticide exposure and risk of mild cognitive dysfunction. The Lancet. 2000;356(9233): 912-3..

Em outro estudo realizado para estimar a prevalência de alterações periféricas em um grupo de trabalhadores expostos a inseticidas organofosforados e piretroídes, desordens auditivas foram evidenciadas. Entre aqueles expostos apenas aos inseticidas, 63,8% apresentaram perda auditiva, com tempo médio entre início da exposição e início do aparecimento da perda de 7,3 anos. Para o grupo com exposição a ruído e agrotóxico a prevalência de perda auditiva foi de 66,7%, com tempo médio para desenvolver de 3,4 anos1414 . Teixeira CF, Augusto LGS, Morata T. Saúde auditiva de trabalhadores expostos a ruído e inseticidas. Rev. Saúde Pub. 2003;37(4):417-23.. A diferença encontrada entre o grupo de expostos apenas a pesticidas e os expostos simultaneamente a ruído e agrotóxicos foi estatisticamente significante.

Em outro estudo, 1622 agricultores do estado de Nova York foram entrevistados por meio de um questionário. Para avaliar a confiabilidade do questionário, foram realizadas 376 audiometrias. Os resultados da pesquisa revelaram que 36% dos pacientes referiram apresentar perda auditiva, caracterizado como alguma dificuldade para escutar em uma ou ambas as orelhas. No exame audiométrico 9% apresentaram perda auditiva bilateral nas frequências de 0,5, 1 e 2KHz, 29% apresentaram perda auditiva bilateral nas frequências de 1, 2, 3 e 4KHz e 47% apresentaram perda auditiva bilateral nas frequências de 3, 4, 6 e 8KHz19.

O Brasil é um dos principais usuários de agrotóxicos no mundo, especialmente na agricultura. Apesar disso, são raros os estudos que avaliaram o impacto da exposição a essas substâncias sobre a capacidade auditiva de agricultores brasileiros. O presente estudo teve como objetivo avaliar o sistema auditivo periférico, por meio da audiometria tonal, em agricultores residentes em uma área de intenso uso de agrotóxicos no Estado do Rio de Janeiro.

MÉTODOS

De acordo com as normas preconizadas para estudos envolvendo seres humanos, este estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – Universidade Federal do Rio de Janeiro conforme a resolução CEP número de parecer 113/2009, processo número 51/2009. Todos os participantes do estudo foram orientados a respeito dos procedimentos a serem realizados para a pesquisa, todas as dúvidas foram esclarecidas e assinaram o consentimento livre esclarecido.

O presente trabalho é um estudo epidemiológico, transversal.

Foram avaliados 70 indivíduos, sendo 35 agricultores e 35 não agricultores, de ambos os sexos, com idade variando entre 25 e 59 anos, moradores de Campos dos Goytacazes, sem queixa auditiva. Entre estes, 54 eram do sexo masculino e 16 do sexo feminino.

Os agricultores foram recrutados de forma aleatória no Sindicato dos Trabalhadores Agrícolas de Campos dos Goytacazes, sendo que 35 se encaixaram nos critérios de inclusão. Os agricultores selecionados para a pesquisa apresentaram idade média de 46,57 anos, sendo que para serem incluídos era necessário que tivessem histórico de exposição crônica a inseticidas, fungicidas e/ou herbicidas. A pesquisa audiológica foi realizada no próprio sindicato, em sala silenciosa, com cabine audiométrica tratada acusticamente para realização do exame.

O grupo controle foi recrutado no Hospital Municipal Geral de Guarus no ambulatório de ortopedia e com funcionários do setor de limpeza, por apresentarem nível sócio econômico próximo ao grupo de agricultores, foram excluídos todos que relataram exposição à ruído e produto químico ou história de alteração otológica. A idade média do grupo controle foi de 44,45 anos. A pesquisa foi realizada no próprio hospital, no setor de audiologia, em cabine audiométrica tratada acusticamente.

A inspeção do meato acústico externo e a medida da imitância acústica foram realizadas em todos os indivíduos, com o objetivo de verificar a integridade funcional da orelha média e a existência de possíveis alterações condutivas ou mistas (obstrução do meato acústico externo, membrana timpânica perfurada e outras alterações de orelha média). Indivíduos que apresentaram algum tipo de alteração na inspeção do meato acústico externo e medida da imitância acústica foram excluídos do estudo. O uso frequente de medicamentos ototóxicos e doenças degenerativas também causaram a exclusão de participantes. A medida da imitância acústica foi realizada com o equipamento portátil Mini-Tymp® da marca Interacoustic® e a inspeção do meato acústico externo foi realizada com o otoscópio da marca Heine®.

As entrevistas foram realizadas utilizando-se um questionário semi-estruturado, contendo dados de identificação pessoal, riscos ocupacionais e não ocupacionais, utilização de equipamentos de proteção individual (EPI), história pregressa de problemas auditivos e sintomas de saúde geral, situação sócio-econômica, educacional e exposição a agrotóxicos. Os dados relativos ao histórico ocupacional incluíram descrição da atividade exercida, exposição a ruidos, agrotóxicos e outros tipos de substâncias químicas. Os resultados dos testes auditivos foram anexados ao questionário dos trabalhadores após cada entrevista. Todos os testes foram realizados por um só profissional de fonoaudiologia, segundo métodos padronizados.

Todos os indivíduos tiveram sua audição periférica avaliada, por meio de audiometria tonal, realizada de forma descendente e, para confirmação dos limiares, de forma ascendente, nas frequências de 0,25, 0,5, 1, 2, 3, 4, 6 e 8KHz. Foram excluídos indivíduos com alteração de orelha externa e média e/ou com alguma queixa otológica. Foi utilizado o audiômetro modelo AC33 da marca Interacoustic, calibrado segundo ISO R389 (1991), antes da coleta de dados. Foram considerados casos de perda auditiva, os indivíduos que apresentaram limiares maiores ou iguais a 25dB em qualquer das frequências testadas.

A análise estatística foi realizada utilizando-se o software SPSS Statistics versão 17.0. Foram usados o Teste Exato de Fisher e Qui-Quadrado de Pearson para avaliar a significância estatística da diferença de prevalências entre agricultores e não agricultores. Finalmente, para ajustar as razões de chances (Odds Ratio, OR) foi usada regressão logística não condicional.

RESULTADOS

Da população estudada a sua grande maioria era do sexo masculin o(77,2%) sendo 35 do grupo de expostos e 35 dos grupo não exposto. A idade média do grupo de agricultores foi de 46,57 anos e do grupo de não agricultores foi de 44,45 anos. Entre os agricultores, 42,9% relataram exposição a ruído, 22,9% eram fumantes e a maioria (71,4%) não fazia uso frequente de bebidas alcoólica. Com relação ao estado de saúde, 34,3% relataram fazer uso de algum tipo de medicação, e 65,7% referiram não apresentar pressão alta. Já entre os controles (não agricultores), apenas 20% relatou exposição a ruído no local de trabalho e/ou no lazer. Com relação aos hábitos de vida, no grupo de não agricultores, 22,9% relatou serem fumantes e 37,1% consumiam bebida alcoólica regularmente. Já 45,7% deles, afirmaram utilizar medicamentos regularmente e a mesma porcentagem apresentou pressão alta. No que diz respeito ao nível educacional a maior parte dos agricultores (65,7%)e não agricultores (51,4%) possuíam 1º grau incompleto.(Tabela 1).

Tabela 1
Descrição da população

Avaliando as perdas auditivas segundo unilateralidade ou bilateralidade verificou-se que os agricultores apresentaram maior prevalência de perdas auditivas tanto unilaterais quanto bilaterais em relação ao grupo de não agricultores em todos os itens analisados, e essa diferença foi estatisticamente significante.Quando analisado os resultados alterados para as médias das frequências da área da fala os agricultores apresentaram 45, 71% (16 indivíduos) para perdas bilaterais e 17,14% (6 indivíduos para perdas unilaterais.Já os não agricultores apresentaram prevalência de 5,71% (2 indivíduos) de perda bilateral e 8,57% (3 indivíduos) de perdas unilateral. Já para a média das frequências agudas, os agricultores apresentaram prevalência de 45,71% (16 indivíduos) de perdas bilaterais e 25,71% (9 indivíduos), o grupo de não agricultores apresentou prevalência de 28,57% (10 indivíduos) para as perdas bilaterais e 5,7% (2 indivíduos) para as perdas unilaterais (Tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de perdas auditivas unilaterais e bilaterais

Para facilitar análise dos exames das audiometrias foram realizadas as médias das frequências da fala (0,5 – 2KHz) e as médias das frequências altas (4 – 8KHz). Foram considerados resultados alterados quando essas médias apresentaram valores maiores que 20dB, segundo Frota2020 . Frota S. Avaliação básica da audição. In: Fundamentos em Fonoaudiologia – Audiologia, 2ª edição, ed. Guanabara Koogan, 2003.. Foram analisados os riscos estimados de perda auditiva na orelha direita e esquerda para as médias das frequências da área da fala e das frequências altas.

Entre os agricultores, na área da fala, o risco de apresentarem perda auditiva foi de 12,7 (IC95%: 3,3 – 49,2) para orelha direita e 9,2 vezes (IC95%: 2,7 – 21,7) para orelha esquerda. Já nas frequências agudas, o risco encontrado foi de 4,1 (IC95%: 1,5 – 11,3) e 4,7 (IC95%: 1,7 – 13,0) para as orelhas direita e esquerda respectivamente.

Para controlar variáveis de confusão, os resultados foram ajustados por exposição a ruído, idade, grau de escolaridade, consumo de cigarro, ingestão de álcool regularmente, uso de medicamentos regularmente e presença de pressão alta.Foi observado aumento no risco em todas as médias: para área da fala na orelha direita 17,0 (IC95%: 3,6 – 79,3) na orelha esquerda 14,8 (3,4 – 64,4), frequências altas na orelha direita 7,1 (1,9 – 26,3) e orelha esquerda 7,0 (2,0 – 23,8 (Tabela 3).

Tabela 3
Risco estimado (OR) da associação entre trabalho agrícola e perda auditiva

As Figuras (1 e 2) a seguir mostram os resultados encontrados nos grupos de agricultores e não agricultores na audiometria dos valores médios, mínimos e máximos por frequência (0,25, 0,5, 1, 2, 3, 4, 6 e 8KHz).

Figura 1
Valores médios, mínimos e máximos dos agricultores

Figura 2
Valores médios, mínimos e máximos dos não agricultores

Analisando os resultados, segundo os valores mínimos, valores máximos e as médias por frequência avaliada, é possível observar a diferença das médias dos dois grupos.Principalmente nas frequências agudas (3 a 8KHz), a média encontrada no grupo dos agricultores variou entre 25 a 30dB, enquanto que no grupo controle essa variação foi de 10 a 13dB. Outra diferença grande encontrada foram os níveis máximos de limiares, na frequência de 8KHz no grupo dos agricultores foi de 90dB, enquanto que no grupo controle foi de 30dB. Nos dois grupos os valores foram crescentes de 2 a 8Khz.

DISCUSSÃO

Os resultados encontrados no presente estudo mostraram uma maior prevalência de alterações auditivas em indivíduos com exposição aos agrotóxicos. Esses dados foram compatíveis com os relatados na literatura por outros estudos realizados com agricultores1414 . Teixeira CF, Augusto LGS, Morata T. Saúde auditiva de trabalhadores expostos a ruído e inseticidas. Rev. Saúde Pub. 2003;37(4):417-23.,1515 . Choi SW, Peek-Asa C, Sprince NL, Rautiainen RH, Donham KJ, Flamme GA et al. Hearing loss as a risk factor agricultural injuries. Amer. J. Indus. Med. 2005;48:293-301.,1717 . Renick KM, Crawford JM, Wilkins III JR. Hearing loss among Ohio farm youth: a comparison to a National sample. Amer. J. Indust. Med. 2009;52:233-9.,1919 . Gomez MI Hwang SA, Sobotova L, Stark AD, May JJ. A Comparison of self-reported hearing loss and audiometry in a cohort of New York farmers. J. Sp. Lang. Hear. Res. 2001;44:1201-8.,2121 . Rabinowitz PM, Sircar KD, Tarabar S, Galusha D, Slade MD. Hearing loss in migrant agricultural workers. Journal of Agromed. 2005;10(4):9-17.

22 . Marvel ME, Pratt DS, Marvel LH, Regan M, May JJ. Occupational hearing loss in New York dairy farmers. Amer. J. of Industr. Med. 1991;20(4): 517-31.

23 . Kerr MJ, McCullagh M, Savik K, Dvorak LA. Perceived and measured hearing ability in construction laborers and farmers. Am. J. Ind. Med. 2003;44(4): 431-7.

24 . Plakke BL, Dare E. Occupational hearing loss in farmers. Public Health Rep. 1992;107(2):188-92.

25 . Guida HL, Morini RG, Cardoso ACV. Avaliação audiológica em trabalhadores expostos a ruído e praguicidas. J. Bras. Otorrinol. 2010;76(4):423-7.
-2626 . Oliveira CCC, Vargas MM, Sena TRR. Saúde auditiva e qualidade de vida em trabalhadores expostos a agrotóxicos. Rev. Ciências e Saúde Coletiva. 2012;12(4):167-9..

No presente estudo foi encontrado um alto índice de perdas auditivas (unilateral ou bilateral)no grupo dos agricultores: 62,85% na área da fala e 71,42% na área das frequências agudas, já no grupo dos não agricultores foram encontrados alterações somente de 14,28% para área da fala e 34,28% para a média das frequências agudas. No presente estudo não foi observada diferença significante entre as orelhas nos dois grupos estudados. Os valores encontrados nos indivíduos expostos e não expostos aos agrotóxicos são valores próximos aos encontrados em outros trabalhos2121 . Rabinowitz PM, Sircar KD, Tarabar S, Galusha D, Slade MD. Hearing loss in migrant agricultural workers. Journal of Agromed. 2005;10(4):9-17.

22 . Marvel ME, Pratt DS, Marvel LH, Regan M, May JJ. Occupational hearing loss in New York dairy farmers. Amer. J. of Industr. Med. 1991;20(4): 517-31.
- 2323 . Kerr MJ, McCullagh M, Savik K, Dvorak LA. Perceived and measured hearing ability in construction laborers and farmers. Am. J. Ind. Med. 2003;44(4): 431-7.. Em estudo seccional realizado com 150 agricultores imigrantes nos Estados Unidos(EUA), os autores encontraram alteração no exame audiométrico em mais de 50% da população avaliada, especialmente nas frequências altas, 35% relataram apresentar dificuldade para compreender a fala2121 . Rabinowitz PM, Sircar KD, Tarabar S, Galusha D, Slade MD. Hearing loss in migrant agricultural workers. Journal of Agromed. 2005;10(4):9-17.. Em outro estudo realizado com 49 agricultores selecionados de maneira randomizada, todos trabalhadores de tempo integral na agricultura, foi observado 65% de perda auditiva nas frequências agudas e 37% nas frequências médias no grupo dos agricultores, e 37% nas freqüências altas e 12% nas frequências médias no grupo de não agricultores, sendo que a orelha esquerda dos agricultores apresentou resultados piores significantemente2222 . Marvel ME, Pratt DS, Marvel LH, Regan M, May JJ. Occupational hearing loss in New York dairy farmers. Amer. J. of Industr. Med. 1991;20(4): 517-31.. Outro estudo realizado com 147 trabalhadores e 150 agricultores por meio da pesquisa de audiometria tonal e questionários de auto-avaliação, foi observado alto percentual de alteração auditiva na frequência de 4KHz, no grupo de trabalhadores 53% apresentaram perda auditiva e nos agricultores 67%2323 . Kerr MJ, McCullagh M, Savik K, Dvorak LA. Perceived and measured hearing ability in construction laborers and farmers. Am. J. Ind. Med. 2003;44(4): 431-7..

Em outros estudos 9. Morata TC, Lemasters G. Considerações epidemiológicas para o estudo de perdas auditivas ocupacionais. In: Nudelmann A.A, Costa EA, Seligman J, Ibañez RN. PAIR – Perda auditiva induzida pelo ruído. Vol. II. Rio de Janeiro: Revinter; 2001.p.1-16.,2424 . Plakke BL, Dare E. Occupational hearing loss in farmers. Public Health Rep. 1992;107(2):188-92.

25 . Guida HL, Morini RG, Cardoso ACV. Avaliação audiológica em trabalhadores expostos a ruído e praguicidas. J. Bras. Otorrinol. 2010;76(4):423-7.
-2626 . Oliveira CCC, Vargas MM, Sena TRR. Saúde auditiva e qualidade de vida em trabalhadores expostos a agrotóxicos. Rev. Ciências e Saúde Coletiva. 2012;12(4):167-9. realizados com agricultores, os autores também relataram um aumento da prevalência de perda auditiva no grupo dos agricultores, com piora dos limiares nas frequências agudas, e potencializadas pela exposição ao ruído.

No presente estudo a prevalência foi de 71,42% para os agricultores e 34,28% para o grupo controle para as frequências agudas. Isso pode ser justificado pela faixa etária estudada, já que neste estudo a maior parte dos indivíduos teve faixa etária entre 45 a 59 anos (54,9%).Outro fator em relação aos agricultores é que foi observado um alto índice de exposição ao ruído (42,9%) em relação aos não expostos aos agrotóxicos (20%).Em estudo realizado para estimar o grau de perda auditiva ocupacional em fazendeiros poloneses que utilizavam tratores, foram avaliados 45 agricultores com idade entre 21 e 50 anos. O estudo mostrou que o grupo exposto apresentou resultados estatisticamente piores nas frequências agudas (3, 4 e 6KHz), especialmente nos indivíduos com mais de 30 anos, comparado com o grupo controle com a mesma idade2626 . Oliveira CCC, Vargas MM, Sena TRR. Saúde auditiva e qualidade de vida em trabalhadores expostos a agrotóxicos. Rev. Ciências e Saúde Coletiva. 2012;12(4):167-9., corroborando os achados do presente estudo. Já outro estudo para avaliar a prevalência de alterações auditivas em estudantes do ensino médio de uma região rural em Wisconsin, 872 adolescentes realizaram avaliação auditiva. O resultado indicou um aumento na prevalência de perda auditiva nos estudantes que estavam envolvidos em trabalhos rurais, comparado com o grupo que não trabalhava2727 . Solecki L. Occupational hearing loss among selected farm tractor operators employed on large multiproduction farms in Poland. Int. J. Occup. Med. Environ. Health. 1998;11(1):69-80., mostrando que apesar de se encontrar uma prevalência maior de alterações auditivas em pessoas com mais idade, é possível observar quando comparado a indivíduos jovens não expostos ao agrotóxico, uma maior prevalência de perda nos jovens agricultores.

No presente estudo foi encontrado um risco estimado de aproximadamente 4 vezes nas frequências agudas e quando ajustados para idade, exposição ao ruído, pressão alta, tabagismo, consumo de bebida alcoólica, uso de medicamentos e grau de escolaridade, houve um aumento do risco para 7 vezes. Em um estudo realizado com 150 agricultores do estado de Iowa, EUA, foi encontrado risco estimado de 1,62 para melhor orelha, 1,67 para perdas assimétricas e 1,96 para pior orelha, foi observado que os indivíduos expostos ao ruído apresentaram um aumento no risco de apresentar perda auditiva1515 . Choi SW, Peek-Asa C, Sprince NL, Rautiainen RH, Donham KJ, Flamme GA et al. Hearing loss as a risk factor agricultural injuries. Amer. J. Indus. Med. 2005;48:293-301.. O presente estudo evidencia que o uso de agrotóxicos pode ser responsável pela ocorrência de perda auditiva periférica, independente da exposição ao ruído.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo sugerem que as exposições crônicas aos agrotóxicos podem afetar o sistema auditivo periférico, independente da exposição ao ruído. Dados do presente estudo e de outras publicações sugerem que exposições químicas devem receber maior atenção com relação aos programas de prevenção e conservação auditiva, independente de exposição ao ruído. Mais trabalhos deverão ser realizados para avaliar os efeitos neurotóxicos dos agrotóxicos.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2012
  • Aceito
    06 Dez 2013
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