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Preferências dos ouvintes em relação ao sotaque regional em contexto formal e informal de comunicação

Resumos

Objetivo

analisar as preferências dos ouvintes quanto ao sotaque regional e sotaque suavizado em contexto formal e informal de comunicação.

Métodos

três telejornalistas gravaram frases-veículo nas situações de sotaque regional e suavizado. As gravações foram apresentadas a 105 juízes, que escutaram os pares de palavras e responderam qual das duas pronúncias preferiam para a fala de apresentadores de telejornal (contexto formal), para falantes nativos da comunidade local (contexto informal) e para a própria fala (contexto informal).

Resultados

os ouvintes preferiram a presença de sotaque suavizado em contexto formal (apresentação de telejornal em todas as variantes linguísticas estudadas (p<0,0001) e, por outro lado, preferiram a presença de sotaque regional (p<0,0001) em contexto informal. Porém, para a própria fala, dentro do contexto informal, não houve uma preferência geral pelo sotaque regional ou suavizado, havendo significância estatística apenas para palatalização do /S/ em coda medial (p<0,0001) e não palatalização das dentais (p<0,0001), ambas características do sotaque regional, e a não ocorrência de monotongação (p<0,0001) e harmonização vocálica (p<0,0001), caracterizados como sotaque suavizado.

Conclusão

os ouvintes preferem à fala com sotaque suavizado em um contexto formal de comunicação, mas preferem o sotaque regional dentro de um contexto informal, principalmente em falantes menos escolarizados.

Fonoaudiologia; Fala; Percepção da Fala; Televisão


Purpose

to analyze the preferences of listeners as the regional accent and accent softened in the context of formal and informal communication.

Methods

three TV news presenter recorded vehicle-phrases in situations of regional and soft accent. The recordings were presented to 105 judges, who heard pairs of words and asked which of the two pronunciations preferred to talk about television news presenters (formal context), for native speakers of the local community (informal context) and to the speech itself (context informal).

Results

the presence of listeners preferred the understated accent in a formal context (presentation of television news in all language variants studied (p <0.0001) and, on the other hand, preferred the presence of regional accents (p <0.0001) in informal context. however, speaks for itself, within the informal context, there was a general preference for regional accent or understated, statistical significance only for palatalization of / S / in medial coda (p <0.0001) and not palatalization of dental (p <0.0001), both characteristics of regional accents, and the non-occurrence of monophthongization (p <0.0001) and matching vowel (p <0.0001), characterized as understated accent.

Conclusion

listeners prefer to speaks with an accent softened in a formal communication but prefer the regional accent within an informal context, especially in less educated speakers.

Speech; Language and Hearing Sciences; Speech; Speech Perception; Television


INTRODUÇÃO

O sotaque é um tema recorrente na prática fonoaudiológica de aprimoramento da comunicação oral de telejornalistas, uma vez que, por muito tempo, foi considerado como ruído comunicativo na transmissão da notícia, baseado no modelo da Teoria da Informação1. Shannon CF, Weaver W. The mathematical theory of communication. Urbana: The University of Illinois Press; 1949.. Acredita-se que a suavização do sotaque tem relação com a ascensão desses profissionais, havendo valorização de determinadas variantes linguísticas e rejeição de outras formas de pronúncia.

A prática fonoaudiológica de suavização do sotaque no contexto do telejornalismo ainda é muito empírica, baseando-se na identificação das marcas de sotaque presentes em determinado sujeito, tanto em termos de pronúncia quanto de prosódia, seguida pela manipulação de tais parâmetros, buscando-se um estilo menos “marcado” de locução. Por outro lado, pouco ainda se conhece sobre a percepção do telespectador e a forma como ele julga a presença das diferentes características regionais na fala de repórteres e apresentadores.

Existem estudos evidenciando que ouvintes, mesmo sem treinamento prévio, conseguem identificar o sotaque do falante a partir de trechos curtos de fala, podendo até indicar a região de procedência e outras categorias sociais (profissão, nível educacional e econômico), embora tenham mais habilidade no reconhecimento das variantes utilizadas na sua região e em regiões circunvizinhas2. Pisoni DB. Long-term memory in speech perception: some new findings on talker variability, speaking rate, and perceptual learning. Speech Commun. 1993; 13:109-25.

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Esta capacidade reflete o fato de que os ouvintes teriam representações mentais das variantes linguísticas e das diferentes categorias a ela associadas. As escolhas não são aleatórias, mas baseadas em categorias cognitivas para a variação dialetal, podendo dizer, principalmente, se o sotaque pertence ou não a um falante da sua região3. Clopper CG, Pisoni DB. Effects of talker variability on perceptual learning of dialects. Lang Speech. 2004;47(3):207-39.,4. Clopper CG, Pisoni DB. Some acoustic cues for the perceptual categorization of American English regional dialects. J Phon. 2004;32:111-40.,8. Tamasi SL. Cognitive patterns of linguistic perceptions [Doctoral dissertation]. Athens: University of Georgia; 2003.,9. Williams A, Garret P, Coupland N. Dialect recognition. In: Preston DR. Handbook of perceptual dialectology. Philadelphia: John Benjamins, 1999. p. 369-83.,1313 . Campbell-Kibler K. Accent, (ing), and the social logic of listeners perceptions. Am Speech. 2007;82(1):32-64..

Estudos de percepção de fala e variação realizados nos últimos dez anos buscaram compreender como os ouvintes leigos processam e interpretam a variação linguística, chegando-se a duas conclusões mais gerais: que ainda se sabe pouco sobre a forma como o ouvinte percebe a variação; e que as pessoas parecem usar sua percepção de dialeto para categorizar e atribuir valores aos falantes3. Clopper CG, Pisoni DB. Effects of talker variability on perceptual learning of dialects. Lang Speech. 2004;47(3):207-39.,4. Clopper CG, Pisoni DB. Some acoustic cues for the perceptual categorization of American English regional dialects. J Phon. 2004;32:111-40.,1313 . Campbell-Kibler K. Accent, (ing), and the social logic of listeners perceptions. Am Speech. 2007;82(1):32-64.

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-2121 . Fiske ST, Neuberg SL. A continuum of impression formation, from category-based to individuating processes: Influences of information and motivation on attention and interpretation. Adv Exp Soc Psychol. 1990;23:1-74.. No entanto, o desafio real dessas pesquisas está em compreender em que medida diferentes valores (positivos ou negativos) são atribuídos às variantes linguísticas em diversos contextos e estilos de comunicação, já que, acredita-se que a variação da linguagem carrega um significado social, causando diferentes reações no ouvinte2222 . Edwards J. Refining our understanding of language attitudes. J Lang Soc Psychol. 1999;18(1):101-10.,2323 . Garret P. Attitudes to language. Cambridge: Cambridge University Press; 2010..

Julgamentos de caráter valorativo a respeito da pronúncia dos sons da fala são comuns e fazem parte da vida cotidiana das pessoas, sempre vindo à tona nos ambientes e situações mais variados e inusitados. Eles ocorrem porque o uso da língua implica variação e, consequentemente, permite certas escolhas, que, por sua vez, decorrem de condicionamentos culturais, dialetais, sociais, psicológicos, políticos, pragmáticos, que influenciam a concepção e opção estéticas2424 . Ferrer RC, Sankoff D. Identity as the primary determinant of language choice in Valencia. J Socioling. 2003;7(1):50-64..

No âmbito do telejornalismo, pode-se inferir que o telespectador faz julgamentos acerca do padrão de locução dos repórteres locais, que podem ou não apresentar marcas regionais em sua forma de falar, comparando-o com o padrão veiculado pelos jornais de rede e estabelecendo critérios de julgamento como positivo ou negativo, preferindo algumas características dialetais em detrimento de outras. Esse julgamento é baseado nas expectativas dos ouvintes quanto aos diferentes falantes, em várias situações de comunicação, sejam elas profissionais (formais) ou coloquiais (informais).

Nesse sentido, o objetivo desta pesquisa é analisar as preferências de ouvintes em relação ao sotaque de sua região em situação de comunicação formal (telejornalismo) e informal.

MÉTODOS

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, com o parecer de no 17103. Todos os voluntários participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Caracteriza-se como um estudo explicativo, analítico e transversal.

Inicialmente foram selecionadas as variantes linguísticas a serem investigadas a partir dos estudos realizados pelo Projeto Variação Linguística no Estado da Paraíba (VALPB), que investigou a realidade linguística da comunidade de João Pessoa, traçando o perfil linguístico de seus falantes, incluindo as variantes: palatalização do /S/ medial em coda medial sucedido de oclusivas dentais, monotongação, harmonização vocálica, palatalização das oclusivas dentais, assimilação da oclusiva dental e enfraquecimento do /R/ em coda medial.

Posteriormente, a partir de textos telejornalísticos, foram selecionadas as palavras que representariam cada uma destas variáveis. Todos os vocábulos selecionados foram inseridos em frases-veículo do tipo “digo ______baixinho”. Este procedimento teve por objetivo gerar amostras de fala inseridas em contextos fonético-fonológicos semelhantes.

Três locutoras, telejornalistas nativas, gravaram as frases-veículo nas situações de ocorrência de sotaque regional (SR) e ocorrência de sotaque suavizado (SS) quanto às variáveis linguísticas estudadas. Considerando-se que as gravações foram realizadas por três locutoras, cada vocábulo poderia ter uma ocorrência de até três vezes, como observado na Figura 1.

Figura 1
Variáveis linguísticas e sua ocorrência na avaliação da preferência de fala

Durante a gravação, foi controlado o aspecto prosódico, principalmente, no que diz respeito à curva entoacional e taxa de elocução, visto que o objetivo era apenas a análise dos aspectos segmentais da variação. Desse modo, procurou-se evitar que, ao caracterizar a fala com SR ou com SS, as locutoras realizassem diferenças significantes no aspecto prosódico e, por consequência, o julgamento dos ouvintes fosse guiado por essas pistas.

Para tanto, as locutoras foram instruídas sobre essas questões, sendo realizado breve treinamento, incluindo exercícios vocais e instrução direta sobre a forma de gravação do texto e das frases. Com isso, buscou-se uma curva entoacional mais nivelada, com menor elevação de F0 nas tônicas não finais, e menor diferença de F0 entre as sílabas pretônica e tônica finais, e a postônica.

Para dar continuidade à pesquisa, os trechos de fala foram editados no software Sound Forge, versão 10.0. As palavras-alvo foram recortadas, preservando-se todos os fonemas, pareando-se em um mesmo arquivo de áudio de acordo com a locutora e a variável linguística estudada. Para esta última condição, foi realizado o pareamento em uma sequência aleatória do padrão SR e SS. Além disso, foram inseridos cinco pares de palavras iguais, seja na condição de SR ou SS, denominadas distratores.

Cada arquivo foi salvo em uma faixa de áudio e organizado de forma aleatória para posterior apresentação aos ouvintes. As palavras foram utilizadas para avaliação da preferência de fala.

Para a validação das palavras que utilizadas para julgamento pelos ouvintes, os arquivos de áudio foram apresentados para quatro fonoaudiólogas com experiência em avaliação da fala. Inicialmente, elas escutaram cada par de palavras (SR vs. SS), devendo marcar se identificavam ou não diferença de pronúncia e qual das pronúncias correspondiam ao SR e ao SS. Para posterior apresentação aos ouvintes, consideraram-se apenas os pares de palavras em que pelo menos três das avaliadoras perceberam diferenças entre as duas formas de pronúncia.

Foi elaborado um Protocolo de Avaliação da Preferência de Fala, com objetivo de avaliar qual das variantes linguísticas (SR vs. SS) era preferida para a fala de um apresentador de telejornal (situação formal), para um falante da comunidade local (situação informal) e para a fala do próprio ouvinte (situação informal).

Para constituição do grupo de juízes participaram 105 ouvintes, pessoenses, alunos do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal da Paraíba entre o 1º e 6º período, com faixa etária entre 18 e 38 anos de idade, sendo 24 do sexo masculino e 81 do sexo feminino, que não possuíam queixa auditiva que impedisse a escuta do material audiogravado. A participação dos ouvintes esteve restrita à escuta dos trechos de fala e preenchimento do protocolo de avaliação da preferência de fala.

Os pares de palavras foram apresentados ao grupo de ouvintes, utilizando-se notebook e caixas de som, em uma intensidade referida como confortável e suficiente pelos ouvintes, sendo repetidas duas vezes. Solicitou-se que após a escuta de cada par, os juízes preenchessem o protocolo de avaliação de preferência de fala, identificando a pronúncia preferida para um apresentador de telejornal, para um falante da comunidade local e para o próprio ouvinte.

Para a análise dos dados referentes à preferência entre SR e SS para as três situações criadas, foram realizados testes para proporções, verificando-se se havia diferenças entre as respostas dos ouvintes.

O nível de significância adotado foi o de 5% para todas as análises. O software utilizado foi o R, sendo este gratuito e o mais utilizado pela comunidade estatística.

RESULTADOS

Na presente pesquisa, os ouvintes preferiram uma fala sem características de sotaque regional para telejornalistas (situação formal) e com ocorrência de características regionais para falantes de sua comunidade local (situação informal), tanto de forma geral (p<0,0001), quanto para cada variável linguística estudada (p<0,0001) (Tabela 1). Por outro lado, não apresentaram uma preferência geral pelo sotaque regional ou suavizado na própria fala (situação informal), preferindo apenas a não ocorrência de características regionais para as variáveis monotongação (p<0,0001) e harmonização vocálica (p<0,0001), e a ocorrência sotaque regional para as variáveis palatalização do /S/ em coda medial (p<0,0001) e palatalização das dentais (p<0,0001) (Tabela 1).

Tabela 1
Preferência dos ouvintes quanto à presença de sotaque regional ou suavizado na fala do apresentador de telejornal, na comunidade local e na própria fala para as diferentes variáveis linguísticas

No protocolo de Preferência de Fala, além da possibilidade de marcar a preferência entre sotaque regional ou suavizado, existia a opção “indiferente”, caso o ouvinte julgasse não haver nenhum tipo de preferência entre as formas de falar. No entanto, a classe “indiferente” foi retirada do teste estatístico entre as proporções devido a sua baixa frequência, não prejudicando o resultado final. Desse modo, a retirada da classe “indiferente” justifica a diferença na somatória do “n” de SS e SR quanto à fala do apresentador, da comunidade local e do próprio ouvinte.

DISCUSSÃO

O fato de os ouvintes manifestarem preferências por determinadas características de pronúncia, seja com sotaque regional ou suavizado, indica que eles têm expectativas em relação a certas variantes utilizadas pelo falante1515 . Bell A. Language style as audience design. Lang Soc. 1984;13:145-204., e respondem a um estímulo de fala baseados em uma referência que está armazenada em sua memória para um determinado falante, em um estilo específico, comparando-o com o padrão esperado para esse estilo.

Essa expectativa é construída com a exposição do ouvinte, ao longo dos anos, ao padrão de fala telejornalístico, o que contribuiu para a formação de um estereótipo para a fala desses profissionais2222 . Edwards J. Refining our understanding of language attitudes. J Lang Soc Psychol. 1999;18(1):101-10.,2525 . Clopper CG, Pisoni DB. Perception of dialect variation: some implications for current ressearch and theory in speech perception. Indiana: Indiana University; 2002. Research on Spoken Language Processing; p. 271-89.,2626 . Niedzielski N. The effect of social information on the perception of sociolinguistic variables. J Lang Soc Psychol. 1999;18(1):62-85.. O fato de preferirem a fala sem marcas regionais para o telejornalista indica que o sotaque suavizado constitui-se em um dos marcadores desse estilo específico de fala.

Por outro lado, pode-se refletir que esse é um processo histórico, no sentido de que a suavização (e, algumas vezes, a neutralização) do sotaque foi extremamente valorizada para a fala dos telejornalistas, o que disseminou um padrão de narração telejornalística, em rede, isento ou amenizado quanto às marcas regionais. Consequentemente, os telejornais locais passaram a adotar estas mesmas “regras” para os seus repórteres e apresentadores.

O uso de uma fala com marcas regionais suavizadas passou a fazer parte da construção do estilo de comunicação oral dos repórteres e apresentadores, carregando um significado capaz de categorizar o grupo e o estilo, sendo reconhecido pelos ouvintes como tal.

Uma das conclusões importantes é de que esse é um sistema de retroalimentação, considerando-se que a escolha de uma determinada variante vai delineando e disseminando um estilo de fala específico e, do outro lado, o ouvinte cria expectativas quanto a esse estilo, estimulando a manutenção dessas características ao longo do tempo.

Em síntese, o ouvinte pode ter realizado a escolha pela não ocorrência das características de fala regionais para o apresentador, porque ele considera que essas variantes são estigmatizadas para um estilo de fala mais formal, como é o caso da apresentação de um telejornal; ou, simplesmente, porque eles têm expectativas para esse estilo de fala, que talvez envolvam a não ocorrência dessas características regionais.

Os ouvintes preferiram a fala de sua comunidade com as características do sotaque regional de modo geral e para todas as variáveis linguísticas (Tabela 1), apontando que eles conseguem identificar corretamente as características do seu grupo em termos regionais (geográficos).

No entanto, comparando-se a preferência de fala para o apresentador de telejornal e para os falantes da comunidade local, observa-se que a escolha para os apresentadores foi oposta às características de fala regionais para todas as variáveis.

Quanto à autoavaliação, os juízes preferiram sua fala com sotaque suavizado apenas para as variantes monotongação e harmonização vocálica, e com características regionais para a palatalização do /S/ em coda e não palatalização das dentais, não havendo uma preferência geral de sotaque regional ou suavizado (Tabela 1).

A comparação entre a escolha dos ouvintes quanto às variantes linguísticas preferidas para a fala dos apresentadores, da comunidade local e da própria fala, possibilita inferir que, realmente, a variação pode ter uma relação direta com o estilo de fala esperado para o grupo e com a acomodação frente a esta expectativa.

Quando o ouvinte avalia sua comunidade de fala em termos regionais, talvez ponha em ação mecanismos relacionados ao estereótipo linguístico2525 . Clopper CG, Pisoni DB. Perception of dialect variation: some implications for current ressearch and theory in speech perception. Indiana: Indiana University; 2002. Research on Spoken Language Processing; p. 271-89. para a comunidade local, assim como as informações registradas em sua memória. Dessa forma, quando julga a comunidade local enquanto grupo, para uma situação de fala informal (como orientado durante a coleta), pode considerar que as variantes regionais tenham prestígio na comunidade local, em contexto informal, e que, essa mesma variante, seja estigmatizada em uma situação mais formal.

Por outro lado, considerando que o grupo de juízes foi constituído por universitários, quando eles julgaram a própria fala, talvez tenham tomado como referência um grupo diferenciado, a sua comunidade de prática enquanto estudantes do terceiro grau, com maior nível de escolaridade, em que algumas variantes regionais podem ser consideradas estigmatizadas.

De modo geral, os falantes com mais anos de escolarização, tendem a usar as formas padronizadas e de maior prestígio. Eles tendem a privilegiar mudanças que implementam formas socialmente aceitas, desfavorecendo as que se opõem à forma padrão. Assim, pela análise dos dados, pode-se indicar que a monotongação e a harmonização vocálica sejam processos menos aceitos socialmente, pelo menos na comunidade local, e a palatalização do /S/ em coda medial, juntamente com a não ocorrência de palatalização das dentais sejam formas mais aceitas e menos estigmatizadas.

Com relação à monotongação, um estudo mostrou que a variável “anos de escolarização” foi a que mais influenciou a realização dos ditongos [aj] e [ej]. O ditongo [ow] ocorreu independente das variáveis sociais. Desse modo, a escolha dos ouvintes quanto a não ocorrência desse processo na própria fala pode estar relacionada ao fato de os ouvintes serem universitários, com um maior número de anos de escolarização2727 . Battisti E, Hermans B. A palatalização das oclusivas alveolares: propriedades fixas e variáveis. Alfa. 2008;52(2):279-88..

Quanto à escolha de não ocorrência desse processo para a fala de telejornalistas, outro estudo que analisou a monotongação de [ow], percebeu que, apesar da constante redução na fala espontânea, esse ditongo pode se manter em situações mais formais, principalmente quando são utilizadas palavras de menor frequência na língua2828 . Oliveira AM. Inserção e apagamento de [ w ] em posição de coda: uma análise pela geometria dos traços [dissertação]. Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2006..

A identificação da ocorrência da palatalização do /S/ em coda medial e a não ocorrência de palatalização das dentais, como marcas regionais na própria fala, também pode levar ao questionamento de que essas variantes emergem como as características de fala mais evidentes na comunidade local.

Um fato que corrobora para isso, é que esses processos têm menos ocorrência no restante do país, constituindo-se, provavelmente, em uma marca de fronteira do dialeto pessoense. Em João Pessoa (comunidade local), os falantes só palatalizam o [s] em coda medial, quando sucedido de uma oclusiva dental ([t] e [d]), diferente, por exemplo, do Recife, uma cidade vizinha, onde a palatalização do [s] acontece em coda medial, quando sucedido de qualquer oclusiva, assim como em coda final.

Quanto a não ocorrência do processo de palatalização das dentais diante da vogal [i], também se considera que há um menor número de comunidades onde este fenômeno é encontrado no Brasil. No próprio nordeste, os falantes de capitais como Fortaleza, São Luís, Teresina, Salvador e Sergipe, realizam esse processo na sua fala.

Por outro lado, a monotongação e a harmonização vocálica, são processos passíveis de ocorrência na maioria das regiões do país, parecendo não estarem associados, isoladamente, a falares de regiões específicas.

Desse modo, talvez a palatalização do [s] em coda medial, somente quando sucedido das oclusivas dentais, e a realização do [t] e [d] como africadas ([tʃ] e[dʒ]) sejam as características mais contrastivas do dialeto pessoense em relação ao falar de outros locais.

Diante disso, entende-se que, a ocorrência de monotongação e da harmonização vocálica, relacionam-se à estigmatização dessas variáveis no dialeto regional, além de serem menos valorizadas em contextos mais formais de comunicação, enquanto que, a não ocorrência da palatalização do /S/ em coda medial e a palatalização das dentais, estão mais ligadas a uma questão estilística, sendo mais valorizadas apenas para o estilo de fala mais formal. Já a não ocorrência do enfraquecimento do /R/ em coda medial parece ter uma relação com o estilo, e a ocorrência da assimilação da dental parece estar relacionada à estigmatização dessa variante.

O tipo de metodologia utilizada neste estudo, analisando-se a associação entre pesquisas de preferência de fala para um estilo, comparando-os com o julgamento dos ouvintes quanto à sua própria fala e dos falantes da sua região, permite diferenciar as variantes linguísticas que são relacionadas a um estilo das que são estigmatizadas.

A realização de pesquisas utilizando o julgamento de ouvintes traz evidências sobre os parâmetros que podem ser trabalhados com indivíduos no contexto de comunicação profissional para alcançar determinados efeitos de sentido em estilos específicos. Em termos de variação dialetal (sotaque), ainda são poucos os estudos no âmbito da Fonoaudiologia, principalmente no contexto da competência comunicativa e de desenvolvimento de indivíduos que utilizam a comunicação profissionalmente.

Os dados deste estudo subsidiam a prática fonoaudiológica junto aos profissionais da voz, pois fornece parâmetros da receptividade do público em relação às marcas regionais na fala e, a partir disso, torna-se possível ao fonoaudiólogo a elaboração de estratégias de aperfeiçoamento da comunicação sensíveis as necessidades do estilo dos profissionais e das preferências linguísticas apontadas pelos ouvintes/juízes.

O trabalho com suavização do sotaque no telejornalismo está focado no desenvolvimento profissional desses indivíduos, no sentido de que, comprovadamente, o telespectador espera determinadas características de fala para esse estilo. Sendo assim, o trabalho do fonoaudiólogo, com sotaque, junto a esse público, quando leva em consideração aspectos sociais e de variação da língua, é orientado para o desenvolvimento do estilo e inserção no mercado, assim como para o interlocutor, que possui expectativas sobre essa fala.

CONCLUSÕES

Os ouvintes preferem a não ocorrência das características regionais na fala do telejornalista e, por outro lado, a ocorrência dessas marcas na fala de sua comunidade. Contudo, apontam que em sua própria fala não há uma preferência geral por sotaque regional ou suavizado, mesmo em uma situação informal de comunicação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    25 Set 2012
  • Aceito
    27 Mar 2013
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