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Sinais e sintomas da disfunção autônoma em professores

Resumos

Objetivo

comparar sinais de disfunção autônoma gerais e relacionados à voz em professores com e sem queixas vocais.

Métodos

aplicação do Protocolo de Disfunção Autônoma (PDA) em 83 professores, sendo 60 mulheres e 23 homens, com a média de idade de 37,6 anos. A amostra foi dividida em dois grupos, com e sem queixas vocais, definidas de acordo com o número de sintomas apresentados no Protocolo de Sinais e Sintomas Vocais.

Resultados

o grupo com queixa vocal apresentou a média de 13,7 sintomas no PDA e o grupo sem queixa 7,7 (p=0,001). Considerando apenas os sintomas neurovegetativos relacionados com a voz, o grupo com queixa obteve a média de 4,7 sintomas e o grupo sem queixa 1,8 (p<0,001). Os sintomas relacionados com a voz que mais predominaram no grupo com queixa vocal, quando comparado com o grupo sem queixa, foram: cansaço quando fala (p<0,001), necessidade de engolir constantemente (p=0,014), dor de garganta (p=0,001), dor no pescoço enquanto fala (p=0,003), dor ou desconforto na ATM (p=0,017), necessidade constante de bocejar (p=0,023), pigarros constantes (p=0,010) e tensão na cabeça quando fala (p=0,019). Os sintomas observados no grupo sem queixa foram: nariz entupido (33,3%), respiração nasal difícil (29,2%) e espirros (25%).

Conclusões

o grupo com queixa vocal apresentou maior número de sinais neurovegetativos, principalmente nas questões relacionadas à voz do que o grupo sem queixa.

Docentes; Voz; Sistema Nervoso Autônomo; Distúrbios da Voz; Ambiente de Trabalho


Purpose

to compare signs of general autonomic dysfunction related to the voice in teachers with and without complaints.

Methods

adhibition of the Questionnaire of Autonomic Dysfunction (QAD) in 83 teachers, including 60 women and 23 men, with an average age of 37,6. The participants were distributed in two groups, with or without voice complaints, defined according to number of symptoms marked in the Protocol of Signs and Voices Symptoms.

Results

the group with voice complaints presented an average of 13,7 symptoms in the QAD of autonomic dysfunction and the group without complaints 7,7 (p=0,001). Considering only voice related neurovegetative signs, the group with complaints presented an average of 4,7 symptoms and the group without complaints 1,8 (p<0,001). When compared to the group without voice complaints the most predominant voice related symptoms in the group with voice complaints were: fatigability when speaking (p<0,001), need of constantly swallowing (p=0,014), sore throat (p=0,001), neck pain while speaking (p=0,003), temporomandibular pain or discomfort (p=0,017), constant need to yawn (p=0,023), frequent throat clearing (p=0,010) and tension in the head while speaking (p=0,019). The symptoms observed in the group without complaints were: nose obstruction (33,3%), difficulty breathing through the nose (29,2%) and sneezing (25%).

Conclusion

the group with voice complaints showed more number of neurovegetative symptoms, particularly on issues related to the voice, than the group without complaints.

Faculty; Voice; Autonomic Nervous System; Voice Disorders; Working Environment


INTRODUÇÃO

Os professores apresentam maior risco para desenvolver distúrbios vocais quando comparados com a população em geral1. Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Gray SD, Smith EM. Voice disorders in teachers and the general population: effects on work performance, attendance, and future career choices. J Speech Lang Hear Res. 2004; 47:542-51., o que pode influenciar no desempenho profissional2. Souza CL, Carvalho FM, Araújo TM, Reis EJFB, Lima VMC, Porto, LA. Fatores associados a patologias de pregas vocais em professores. Rev. Saúde Pública. 2011;45(5):914-21. e acarretar prejuízos econômicos tanto para esses profissionais, quanto para o sistema educacional3. Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Parsa RA, Gray SD, Smith EM. Prevalence of voice disorders in teachers and the general population. J Speech Lang Hear Res. 2004;47:281-93..

O ambiente de trabalho no qual o professor atua pode oferecer risco para o desenvolvimento de alterações vocais4. Verdolini K, Ramig LO. Review: occupational risks for voice problems. Log Phon Vocol. 2001;26(1):37-46.

. Williams NR. Occupational groups at risk of voice disorders: a review of the literature. Occup Med. 2003;53(7):456-60.

. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):321-30.
-7. Simberg S, Sala E, Vehmas K, Laine A. Changes in the prevalence of vocal symptoms among teachers during a twelve-year period. J Voice. 2005;19(1):95-102.. Além da influência do ambiente, existe o fator emocional, envolvendo o enfrentamento do profissional com a situação de estresse no seu trabalho. Um estudo com professores da rede municipal de ensino de São Paulo mostrou que existe relação entre o distúrbio da voz e o estresse, pelo fato de o professor no ambiente de trabalho apresentar uma alta demanda psíquica associada ao baixo controle que tem de suas atividades, o que pode torná-lo suscetível ao adoecimento8. Giannini SPP, Latorre MRDO, Ferreira LP. Distúrbio de voz e estresse no trabalho docente: um estudo caso-controle. Cad. Saúde Pública. 2012;28(11):2115-24..

Os distúrbios emocionais frequentemente acarretam a disfunção autônoma9. Goldman L, Ausiello D. Tratado de medicina interna. 22.ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2005.. O sistema nervoso autônomo (SNA) é composto por duas divisões principais, a simpática e a parassimpática, que funcionam de forma coordenada e antagônica para regular as funções involuntárias1010 . Costanzo LS. Fisiologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007.. O mesmo possui componentes centrais como o tálamo e o sistema límbico, que estão associados às emoções e com o comportamento visceral. Esse sistema é responsável pela homeostase e pela resposta a estímulos externos, como exemplo a “resposta de luta ou fuga”, que ocorre quando uma situação de ameaça estimula intensamente o sistema nervoso simpático, podendo gerar aumento da adrenalina, dos batimentos cardíacos e da pressão sanguínea1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59..

A divisão simpática tem a função de mobilizar o corpo para a atividade e atua para modular as funções de órgãos como o coração, trato gastro intestinal e glândulas sudoríparas. Além disso, aumenta as atividades corpóreas para assegurar que o corpo possa responder à situação de estresse. A divisão parassimpática possui a função antagônica, diminuindo as atividades corporais, para restabelecer as energias1010 . Costanzo LS. Fisiologia. 3.ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2007.. Tendo a voz um papel de interpretar a emoção (barometer of emotion), o distúrbio vocal pode ser interpretado como um sinal do estresse1212 . Seifert E, Kollbrunner J. Stress and distress in non-organic voice disorders. Swiss Med Wkly. 2005;135:387-97..

Além das alterações de voz, distúrbios mentais e comportamentais, disfunções gástricas e cardiovasculares relacionam-se cada vez mais a fatores organizacionais1313 . Carneiro SAM. Saúde do trabalhador público: questão para a gestão de pessoas – a experiência na Prefeitura de São Paulo. Revista do Serviço Público. 2006;57(1):23-49.. Estresse, ansiedade e depressão podem aparecer em pacientes com lesões em pregas vocais, distúrbios paradoxais das pregas vocais e disfonia por tensão muscular1414 . Dietrich M, Verdolini AK, Gartner-Schmidt J, Rosen CA. The frequency of perceived stress, anxiety, and depression in patients with common pathologies affecting voice. J Voice. 2008;22(4):472-88.. No sexo feminino, a disfonia funcional pode ser uma manifestação do estresse e da ansiedade, com hiperatividade do SNA1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59.. Pacientes com disfonia comportamental possuem maior ocorrência de sintomas neurovegetativos1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9..

O Protocolo de Disfunção Autônoma (PDA) foi utilizado em alguns estudos para quantificar o número de sintomas neurovegetativos apresentados por indivíduos com disfonia em relação a indivíduos sem alterações de voz1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59.,1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9.,1616 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Neurovegetative symptoms and complaints before and after voice therapy for nonorganic habitual dysphonia. J Voice. 2008;22(3):315-25., sem referir a profissão exercida pelos participantes da pesquisa. O PDA foi desenvolvido, inicialmente, na pesquisa realizada pela Universidade de Utrecht, Holanda, para relacionar a disfonia funcional com a disfunção do SNA1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59.. Em seguida, foi traduzido/adaptado para o português na pesquisa que relacionou a disfonia comportamental com os sintomas neurovegetativos1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9..

Considerando que professores são profissionais que possuem riscos de desenvolverem alteração vocal e estresse, o objetivo deste estudo é comparar sinais de disfunção autônoma em professores com e sem queixas vocais, definidas por investigação clínica, por meio do PDA.

MÉTODOS

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Centro de Estudos da Voz (CEV), sob o parecer nº 0417/09.

O critério de inclusão adotado para este estudo foi o indivíduo ser professor, em atividade na sala de aula e sem doenças neurológicas ou psiquiátricas auto-referidas.

Participaram da pesquisa 83 professores, sendo 60 mulheres e 23 homens, com a média de idade de 37,6 anos, que lecionam no ensino fundamental e/ou médio de 6 escolas (1 particular e 5 públicas), da cidade do Rio de Janeiro. Um professor de cada escola participante foi instruído previamente a como entregar os protocolos de Sinais e Sintomas Vocais (QSSV)1. Roy N, Merrill RM, Thibeault S, Gray SD, Smith EM. Voice disorders in teachers and the general population: effects on work performance, attendance, and future career choices. J Speech Lang Hear Res. 2004; 47:542-51.,1717 . Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665e9-18. e Disfunção Autônoma (PDA) para os demais professores. Todos os participantes que aceitaram participar da pesquisa assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A amostra foi dividida em dois grupos, de acordo com a presença ou ausência da queixa vocal apresentada pelo professor. Essa divisão foi realizada em duas etapas para avaliar a percepção do professor quanto a sua queixa vocal. Na primeira etapa, foram consideradas as queixas referidas, ou seja, autorrelatadas, com uma pergunta fechada e duas opções de resposta (sim ou não), referente à presença ou ausência de queixas vocais, no presente momento. Na segunda etapa, foi considerado o número de sintomas vocais apresentado no QSSV, traduzido/adaptado para o português1717 . Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665e9-18.. A média de sintomas esperados em professores brasileiros é de 3,71717 . Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665e9-18.. Assim, indivíduos com até três sintomas vocais foram incluídos no grupo sem queixa vocal e indivíduos com quatro ou mais sintomas foram incluídos no grupo com queixa.

Com o objetivo de observar a percepção do professor quanto a sua queixa vocal, a autorrelatada foi comparada com a mensurável (número médio de sintomas vocais apresentados no QSSV). Os dados estatísticos foram feitos com base na queixa mensurável no QSSV. Após a formação dos grupos com e sem queixa vocal, o foco do estudo foi voltado para a análise do PDA.

O PDA consiste em lista de 46 sintomas neurovegetativos, com opções de resposta sim ou não, de acordo com a presença ou ausência do sintoma. Dentre os 46 sintomas, 22 são relacionados ao SNA, porém sem relação direta com a voz, 16 são relacionados com o SNA e com a voz, 6 são não-relevantes, ou seja, sem relação com aspectos neurovegetativos ou vocais, e 2 são de confiabilidade do respondente, para avaliar sua consistência nas respostas1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9. (Figura 1).

Figura 1
Protocolo de Disfunção Autônoma (PDA)

A análise estatística foi realizada com o Teste ANOVA e o Índice de Concordância de Kappa. Os softwares utilizados foram SPSS V16, Minitab 15 e Excel Office 2007. O nível de significância estabelecido foi de 0,05 (5%).

RESULTADOS

Ao analisar a percepção quanto à queixa vocal referida pelo professor, notou-se que 42 sujeitos afirmaram apresentar queixa vocal e 41 afirmaram não ter queixa vocal (p= 0,877). Porém, quando a amostra foi dividida de acordo com o número de sintomas vocais, o grupo de professores com queixa aumentou para 59 e sem queixa diminuiu para 24 (p < 0,001, Figura 2).

Figura 2
Relação entre a queixa mensurável (de acordo com o número de sintomas marcados no Protocolo Sinais e Sintomas Vocais) e a queixa referida

Os dois grupos estudados apresentaram sintomas neurovegetativos com predominância nos professores com queixa vocal (Tabela 1). Nesse grupo, a média do total de sintomas neurovegetativos foi de 13,7, enquanto que no grupo sem queixa foi de 7,7 (Figura 3). Considerando a média dos sintomas com relação direta com a voz, o grupo com queixa apresentou 4,7 sintomas, contra 1,8 no grupo sem queixa (p<0,001, Tabela 2).

Tabela 1
Sinais e sintomas da disfunção autônoma relacionados à voz em ambos os grupos

Figura 3
Média de sinais e sintomas da Disfunção Autônoma nos grupos com e sem queixa vocal

Tabela 2
Número de sintomas apresentados no Protocolo de Disfunção Autônoma (PDA)

Na comparação entre os sexos, as mulheres apresentaram maior número de sintomas neurovegetativos, com predominância no grupo com queixa vocal (p= 0,013, Tabela 3).

Tabela 3
Comparação entre os gêneros quanto ao número de sintomas neurovegetativos em cada grupo

DISCUSSÃO

A voz é uma manifestação complexa, dependente de ações musculares e pode sofrer influência das emoções e da personalidade 1818 . Behlau M. Voz: o livro do especialista. Rio de Janeiro: Revinter; 2004. p.64-6.. Apesar de a voz ser um instrumento de trabalho do professor, o processo saúde-doença relacionado à voz ainda é pouco compreendido por esse profissional, tendo como consequência pouca percepção da sua auto-avaliação e das suas alterações de voz6. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):321-30.,1919 . Penteado RZ, Pereira IMTB. Qualidade de vida e saúde vocal de professores. Rev Saúde Pública. 2007;41(2):236-43.

20 . Choi-Cardim K, Behlau M, Zambon F. Sintomas vocais e perfil de professores em um programa de saúde vocal. Rev. CEFAC. 2010;12(5):811-9.
-2121 . Servilha EAM. Consciência vocal em docentes universitários. Pró-Fono R Atual. Cient. 1997;9(2):53-61.. A dificuldade do professor em se perceber como um profissional da voz pode ser um impedimento para que o professor avalie a sua própria voz6. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):321-30..

Os professores que participaram desta pesquisa também apresentaram dificuldades em perceber as suas queixas vocais, fato observado na mudança da composição da amostra. Quando composta a partir de autorrelatos (presença ou ausência de queixa vocal), o grupo com queixa foi composto por 42 professores e o sem queixa por 41. Após a contagem de sintomas vocais marcados no QSSV, o grupo com queixa aumentou para 59 e o sem queixa diminuiu para 24. Tal fato reforça que é insuficiente perguntar ao professor sobre a presença ou ausência da queixa vocal (queixa autorrelatada), devendo-se optar por uma investigação mais detalhada, identificando possíveis sintomas vocais, com o auxílio de instrumentos específicos, como o QSSV, e dados da sua história pregressa, por exemplo.

Os professores possuem maior risco para desenvolver adoecimento psíquico quando comparados a outros grupos2222 . Gasparini SM, Barreto SM, Assunção AA. O professor, as condições de trabalho e os efeitos sobre sua saúde. Educação e Pesquisa. 2005;31(2):189-99.. A interação entre as características do indivíduo e as demandas do meio pode gerar alterações nos aspectos comportamentais, cognitivos e fisiológicos. O estresse e a depressão podem ser respostas das demandas do meio2323 . Margis R, Picon P, Cosner AF, Silveira RO. Relação entre estressores, estresse e ansiedade. Rev. Psiquiatr. 2003;25(1):65-74.. Quando o indivíduo consegue lidar com as situações de estresse em seu meio, o SNA mantêm-se equilibrado, proporcionando uma melhor qualidade de vida e, consequentemente, de trabalho.

Os efeitos das demandas do meio na vida do professor podem ser interpretados na Tabela 1, em que os sintomas neurovegetativos mais relevantes, sem relação direta com a voz, no grupo com queixa vocal foram: dificuldade de concentração, dorme mal, enjoos, palpitações no coração e tontura.

A média de sintomas relacionados à voz no grupo com queixa foi 4,7 e no grupo sem queixa foi 1,8 (Tabela 2), fato que demonstra que professores com queixa vocal apresentam mais sintomas de disfunção autônoma do que os sem queixa. Talvez isso ocorra pelo fato de professores com problema de voz terem que mudar a estratégia de comunicação em sala de aula, o que pode aumentar o estresse e, consequentemente, o número de sintomas1717 . Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665e9-18..

Na análise do grupo sem queixa, os sintomas de maior ocorrência foram (Tabela 1): nariz entupido (33,3%), respiração nasal difícil (29,2%) e espirros (25%). Embora esses sintomas tenham acontecido de forma igual entre os grupos, esse dado aponta para o fato de que o grupo sem queixa vocal também mostrou sintomas classificados no PDA como relacionados à voz. Estudo com professores mostra que quanto maior for o tempo de magistério, maior é a queixa de falta de ar6. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):321-30.. Outra pesquisa aponta que professores apresentam maior propensão a desenvolver laringites e alergias respiratórias do que não professores1717 . Behlau M, Zambon F, Guerrieri AC, Roy N. Epidemiology of voice disorders in teachers and nonteachers in Brazil: prevalence and adverse effects. J Voice. 2012;26(5):665e9-18..

Na Tabela 1, os sintomas relacionados à voz que mais ocorreram no grupo com queixa quando comparado ao sem queixa, foram: cansaço ao falar (p<0,001), necessidade de deglutir constantemente (p=0,014), dor de garganta (p=0,001), dor no pescoço quando fala (p=0,003), dor ou desconforto na ATM (p=0,017), necessidade constante de bocejar (p=0,023), pigarros constantes (p=0,010) e tensão na cabeça quando fala (p=0,019). Um estudo realizado com professores disfônicos que lecionavam em escolas municipais de Mogi das Cruzes (SP) mostrou relação da disfonia com fadiga vocal2424 . Fuess VLR, Lorenz MC. Disfonia em professores do ensino municipal: prevalência e fatores de risco. Rev. Bras. Otorrinolaringol. 2003;69(6):807-12.. Existe uma correlação entre a autopercepção da voz com a disfunção têmporo mandibular (DTM) em mulheres, considerando que quanto maior a severidade da DTM, maior a percepção das alterações vocais2525 . Pereira TC, Brasolotto AG, Conti PC, Berretin-Felix G. Temporomandibular disorders, voice and oral quality of life in women. J. Appl. Oral Sci. 2009;17(spe):50-6.. Os sintomas relacionados à voz apresentados pelo grupo com queixa vocal mostrou que os professores da presente pesquisa podem ser suscetíveis para desenvolver alterações de voz e disfunção autônoma. A literatura também aponta estudos que relacionam as alterações do SNA com o uso do PDA, porém em indivíduos com distúrbios vocais da população em geral, sem especificar a profissão exercida por eles1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59.,1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9.,1616 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Neurovegetative symptoms and complaints before and after voice therapy for nonorganic habitual dysphonia. J Voice. 2008;22(3):315-25.. Outros estudos observaram a relação entre a queixa vocal e sintomas de disfunção do SNA com ou sem relação direta com a voz em indivíduos com disfonia funcional, relação experimentada, inicialmente, apenas no sexo feminino1111 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Nonorganic habitual dysphonia and autonomic dysfunction. J Voice. 2002;16(4):549-59., e posteriormente, em ambos os sexos, com predomínio em mulheres1616 . Demmink-Geertman L, Dejonckere PH. Neurovegetative symptoms and complaints before and after voice therapy for nonorganic habitual dysphonia. J Voice. 2008;22(3):315-25.. Apesar do presente estudo não ter avaliado se os professores com queixa de voz apresentavam desvio na qualidade vocal, vale ressaltar que esses dados são concordantes com uma pesquisa com indivíduos que apresentavam disfonia comportamental1515 . Park K, Behlau M. Sinais e sintomas da disfunção autônoma em indivíduos disfônicos. J. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2011;23(2):164-9..

Na tabela 3, ao comparar os sintomas de acordo com o sexo, pode-se observar no grupo com queixa vocal, que mulheres tiveram em média 14,8 sintomas e homens 8,6 (p= 0,013). Esse maior número de sintomas no sexo feminino pode ser explicado pelo acúmulo de papéis sociais que a mulher desempenha nos ambientes social e de trabalho6. Grillo MHMM, Penteado RZ. Impacto da voz na qualidade de vida de professore(a)s do ensino fundamental. Pró-Fono R. Atual. Cient. 2005;17(3):321-30., o que pode gerar uma sobrecarga e um aumento no estresse dessas profissionais.

Os resultados apontaram que os professores desta pesquisa possuem riscos para desenvolver sintomas neurovegetativos, principalmente sintomas diretamente relacionados com a voz. Também mostraram que os professores participantes desta pesquisa possuem pouca percepção sobre a sua queixa vocal, o que reforça a importância do uso do PDA no auxílio clínico, assim como investimentos em programas de saúde vocal e informação para professores 2020 . Choi-Cardim K, Behlau M, Zambon F. Sintomas vocais e perfil de professores em um programa de saúde vocal. Rev. CEFAC. 2010;12(5):811-9..

Vale ressaltar a importância do fonoaudiólogo atentar para a quantidade de sintomas neurovegetativos que o professor apresentar no PDA, principalmente os relacionados aos sintomas vocais, para que o professor seja devidamente encaminhado ao especialista e a reabilitação vocal possa acontecer mais rápida.

CONCLUSÃO

O grupo de professores com queixa vocal apresentou maior número de sintomas neurovegetativos do que o grupo sem queixa vocal, principalmente nas questões relacionadas à voz, com predominância no sexo feminino.

REFERÊNCIAS

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  • Trabalho realizado no Centro de Estudos da Voz - CEV – São Paulo (SP), Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    17 Jan 2013
  • Aceito
    28 Maio 2013
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