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Evolução comunicativa em gemelares com atraso no desenvolvimento da linguagem

Resumos

Este estudo tem como tema o comportamento comunicativo de gêmeos com alteração de linguagem pré e pós intervenção fonoaudiológica. Foram analisados dados de dois pares de gêmeos do sexo masculino (S1/S2 monozigóticos; S3/S4 dizigóticos), com diagnóstico de Atraso de Linguagem. Os dados foram coletados na avaliação pré e pós intervenção fonoaudiológica, por meio de: entrevista semi-estruturada com os pais; observação do comportamento comunicativo; e teste de linguagem e escala de desenvolvimento. A intervenção fonoaudiológica teve duração de 34 meses para S1/S2 (de dois anos e cinco meses a cinco anos e três meses) e 17 meses para S3/S4 (de três anos e sete meses a cinco anos e quatro meses). Na avaliação pré intervenção fonoaudiológica de S1/S2 foram observadas intercorrências pré, peri e /pós natais mais graves, com maior comprometimento neuropsicomotor e comunicativo. S3/S4 apresentaram intercorrências pré, peri e pós natais menos graves e o atraso no desenvolvimento ocorreu apenas para a linguagem. A idade das crianças na avaliação pós intervenção foi semelhante, porém, o par S1/S2 apresentou desempenho comunicativo e global com maior prejuízo, mesmo tendo recebido maior tempo de intervenção fonoaudiológica. S3 apresentou desempenho aproximado ao desenvolvimento típico e S4 dificuldades apenas quanto à fonologia e pragmática. As experiências de gemelares, diferenciadas em meio a circunstâncias interpessoais, acarretam desenvolvimento de linguagem atípico, devido à menor necessidade objetiva de interação linguística. As intercorrências pós natais em S1/S2 agravaram o atraso no desenvolvimento infantil, englobando o desenvolvimento comunicativo.

Linguagem Infantil; Desenvolvimento da Linguagem; Gêmeos; Fonoaudiologia


The theme of this study is the communicative behavior of twins with language disorders before and after speech therapy. Data from two pairs of male twins with a diagnosis of language delay were analyzed (monozygotic – S1/S2, dizygotic – S3/S4). Data were collected in assessments made pre and post speech-language audiology intervention through: semi-structured interviews with the parents, observation of communicative behavior, and language and development scale test. The speech-language audiology intervention lasted for 34 months for S1/S2 (from two years and five months to five years and three months) and 17 months for S3/S4 (from three years and seven months to five years and four months). More severe pre, peri and post natal complications with a greater psychomotor and communicative impairment were observed in the pre speech-language audiology intervention assessment. S3/S4 showed less severe pre, peri and post natal complications and development delay occurring only in language. The age of the children in post intervention assessment was similar, however, the pair S1/S2 showed a more damaged global and communicative development, even having received a longer speech-language audiology intervention. S3 showed a performance approximate to the typical development and S4 had difficulties just concerning phonology and pragmatics. The experiences of twins, differentiated as to interpersonal circumstances, lead to atypical language development, due to the reduced objective need of linguistic interaction. The post natal complications in S1/S2 exacerbated the delay in child development, encompassing the communicative development.

Child Language; Language Development; Twins; Speech, Language and Hearing Sciences


Alterações de linguagem são frequentemente descritas em múltiplos, assim como defasagens no desenvolvimento cognitivo e motor, problemas comportamentais e dificuldades na interação entre criança-pais1. Mogford K. Desenvolvimento de linguagem em gêmeos. In: Bishop D, Mogfors K, organizadores. Desenvolvimento da linguagem em circunstâncias excepcionais. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 99-122.

. Sutcliffe AG, Derom C. Follow-up of twins: health, behavior, speech, language outcomes and implications for parents. Early Hum Dev. 2006; 82(6):379-86.

. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Gêmeos monozigóticos – revelações no discurso familiar. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):267-71.
-4. Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21.. Taxas altas de dificuldade de linguagem em gêmeos são devidas à ocorrência dos mesmos fatores de risco para dificuldades no desenvolvimento comunicativo presentes em não gemelares (prematuridade, baixo peso, entre outros) e a fatores sociais como menor interação individualizada5. DeThorne LS, Hart SA, Petrill SA, Deater-Beckard K, Thompson LA, Schatschneider C, et al. Children’s history of speech-language difficulties: genetic influences and associations with reading-related measures. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(6):1280–93.,6. Flabiano FC, Bühler KECB, Limongi SCO. Desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva em um par de gêmeos dizigótico: influência da síndrome de Down e da prematuridade associada ao muito baixo peso. Rer Soc Bras de Fonoaudiol. 2009;14(2):267-74.. Devido a estes fatores de risco, crianças gemelares recebem com maior frequência acompanhamento profissional especializado, o que pode proporcionar o reconhecimento do problema de comunicação com maior facilidade5. DeThorne LS, Hart SA, Petrill SA, Deater-Beckard K, Thompson LA, Schatschneider C, et al. Children’s history of speech-language difficulties: genetic influences and associations with reading-related measures. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(6):1280–93..

Estudo com gemelares7. Hayiou-Yhomas ME, Dale PS, Plomin R. The etiology of variation in language skills changes with development: a longitudinal twin study of language from 2 to 12 years. Development Science. 2012;15(2):233-49. verificou que o desenvolvimento da linguagem é principalmente influenciado pelo ambiente nos primeiros anos de vida e que no meio da infância e início da adolescência os fatores genéticos exercem papéis predominantes.

O desenvolvimento do sistema fonológico entre as crianças gemelares pode apresentar semelhanças e a instalação e manutenção das desordens fonológicas pode sofrer influências genéticas, porém fatores ambientais não devem ser descartados8. Weber DE, Varews MA, Mota HE, Keske-Soares M. Desenvolvimento do sistema fonológico de gêmeos monozigóticos com desvio fonológico: correlação a fatores genéticos e ambientais. Rev CEFAC. 2007;9(1):32-9..

O fonoaudiólogo pode contribuir para a orientação e apoio às famílias de crianças gemelares com relação ao desenvolvimento, visando promover a saúde das crianças e prevenir possíveis alterações em seu desenvolvimento9. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Aspectos fonoaudiológicos o pediátricos na linguagem de gêmeos monozigóticos. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):265-70.. Sendo assim, torna-se importante o acompanhamento fonoaudiológico destas crianças e a realização de pesquisas com enfoque no desenvolvimento cognitivo e de linguagem6. Flabiano FC, Bühler KECB, Limongi SCO. Desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva em um par de gêmeos dizigótico: influência da síndrome de Down e da prematuridade associada ao muito baixo peso. Rer Soc Bras de Fonoaudiol. 2009;14(2):267-74..

O desempenho linguístico da criança no início do tratamento fonoaudiológico pode ser um preditor de suas futuras habilidades linguísticas1010 . Puglisi ML, Gândara GP, Gusti E, Gouvêa MA, Befi-Lopes DM. É possível predizer o tempo de terapia das alterações específicas do desenvolvimento de linguagem? J Soc Bras Fonoaudiol. 2012; 24(1):57-61., sendo que o reconhecimento e o acompanhamento precoce de crianças de risco para alterações no desenvolvimento da linguagem oferecem a possibilidade de barrar o desenvolvimento da patologia1111 . Oliveira LD, Flores MR, Souza APR. Fatores de risco psíquico ao desenvolvimento infantil: implicações para a fonoaudiologia. Rev CEFAC. 2012; 14(2):333-42..

Diante do exposto, os objetivos deste estudo foram descrever o comportamento comunicativo pré e pós intervenção fonoaudiológica em dois pares de gêmeos e relacionar os achados com fatores pré, peri e pós natais.

APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem (Protocolo 013/2012). Os termos de consentimento livre e esclarecido foram assinados à época da avaliação de linguagem das crianças participantes.

Trata-se de um estudo retrospectivo realizado por meio de análise de dados do prontuário de gêmeos atendidos na Clínica de Linguagem Infantil da instituição de origem.

Para a realização do estudo foram analisados dados referentes à avaliação pré e pós intervenção fonoaudiológica de dois pares de gêmeos do sexo masculino (S1/S2, S3/S4), com diagnóstico de Atraso de Linguagem.

Na avaliação pré intervenção fonoaudiológica S1/S2 estavam com dois anos e cinco meses de idade e S3/S4 com três anos e sete meses. A avaliação pós intervenção fonoaudiológica foi realizada após 34 meses de intervenção para S1/S2 (cinco anos e três meses de idade) e após 17 meses de intervenção para S3/S4 (cinco anos e quatro meses de idade). Optou-se por realizar a avaliação pos-intervenção nesta faixa etária, pois é quando se espera que as crianças com desenvolvimento típico de linguagem sejam capazes de apresentar boa inteligibilidade de fala e narrar histórias e fatos vivenciados1212 . Zorzi JL, Hage SRV. Protocolo de Observação Comportamental. São José dos Campos:Pulso; 2004..

Para a análise da avaliação pré e pós intervenção fonoaudiológica, foram consideradas as informações referentes à história clínica e às avaliações de base (realizadas para nortear o planejamento da intervenção e servir como comparação da evolução clínica e utilizadas rotineiramente como protocolo de avaloiação da clínica em que estas crianças recebiam atendimento fonoaudiológico) e de acompanhamento do desenvolvimento infantil, contendo os seguintes instrumentos:

Observação do comportamento comunicativo: avaliação das habilidades e funções comunicativas1212 . Zorzi JL, Hage SRV. Protocolo de Observação Comportamental. São José dos Campos:Pulso; 2004.;

Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda1313 . Knoblock H, Passamanick B. Gesell e Amatruda: psicologia do desenvolvimento do lactente e da criança pequena: bases neuropsicológicas e comportamentais. São Paulo: Editora Ateneu; 2000.: avaliação do desenvolvimento motor, adaptativo, linguístico e pessoal-social;

Teste de Linguagem Infantil ABFW – parte A (fonologia)1414 . Andrade CRF, Béfi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW – Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba, São Paulo: Pró-Fono, 2004.: avaliação da aquisição/desenvolvimento do sistema fonológico.

A intervenção fonoaudiológica foi realizada de forma a estimular todos os aspectos da linguagem (pragmática, fonologia, morfossintaxe e semântica). Cada sessão terapêutica teve duração de 50 minutos e ocorreu duas vezes por semana, de maneira individual. Para o trabalho direcionado especificamente ao desenvolvimento do sistema fonológico foi utilizado o Modelo de Ciclos Modificado1515 . Tyler A, Edwards ML, Saxman J. Clinical application of two phonologically based treatment procedures. J Speech Hear Disord. 1987; 52:393-409..

Após a avaliação pós intervenção fonoaudiológica as quatro crianças continuaram em atendimento fonoaudiológico, duas vezes por semana, na mesma instituição, para dar continuidade na intervenção nos aspectos linguísticos que ainda continuavam alterados.

RESULTADOS

A Figura 1 apresenta dados obtidos por meio do levantamento da história clínica mediante entrevista realizada com os pais.

Figure 1
Data regarding clinic history

Os resultados dos procedimentos de avaliação pré intervenção fonoaudiológica encontram-se nas Figuras 2 e 3.

Cabe ressaltar que, neste momento não foi possível aplicar o Teste de Linguagem Infantil ABFW – parte A em S1/S2, devido ao nível de linguagem oral das crianças descritos na Observação do Comportamento Comunicativo, não possibilitando a análise fonológica.

Durante as sessões de intervenção fonoaudiológica foram observadas evoluções significativas no desenvolvimento comunicativo, principalmente de S3 e S4. As sessões terapêuticas destas crianças englobaram não só estratégias de estimulação da linguagem em todos os seus aspectos, mas, sobretudo, foram estruturadas de forma a intervir diretamente no sistema fonológico.

Os resultados expressando esta evolução comunicativa, bem como evolução mais significativa para S3 e S4 estão dispostos nas Figuras 4 e 5.

A idade de desempenho de quatro anos e seis meses para S3 e S4 na Escala de Desenvolvimento Comportamental de Gesell e Amatruda não representa atraso no desenvolvimento, segundo as normas deste procedimento.

DISCUSSÃO

Pela análise dos dados referentes à histórica clínica (Figura 1), verifica-se diferenças quanto às intercorrências pré, peri e pós natais entre os pares de gêmeos. Os gêmeos S1/S2 passaram por maiores complicações, quando comparados a S2/S3, sinalizando maior atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, porém surgimento das primeiras palavras em menor idade. As intercorrências transcorridas durante o parto e primeira infância são frequentes em crianças gemelares e consideradas fatores de risco para o desenvolvimento infantil5. DeThorne LS, Hart SA, Petrill SA, Deater-Beckard K, Thompson LA, Schatschneider C, et al. Children’s history of speech-language difficulties: genetic influences and associations with reading-related measures. J Speech Lang Hear Res. 2006;49(6):1280–93.,6. Flabiano FC, Bühler KECB, Limongi SCO. Desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva em um par de gêmeos dizigótico: influência da síndrome de Down e da prematuridade associada ao muito baixo peso. Rer Soc Bras de Fonoaudiol. 2009;14(2):267-74.. Prematuridade e baixo peso ao nascer são alguns dos fatores de risco biológico que influenciam no curso do desenvolvimento infantil1111 . Oliveira LD, Flores MR, Souza APR. Fatores de risco psíquico ao desenvolvimento infantil: implicações para a fonoaudiologia. Rev CEFAC. 2012; 14(2):333-42.. Ao acompanhar o desenvolvimento da linguagem de gêmeos do nascimento ao 26º mês, um estudo não verificou alteração no início da linguagem, mas sim na qualidade da mesma, uma vez que a família relatava dificuldade na compreensão da fala das crianças, considerando-a muito simplificada3. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Gêmeos monozigóticos – revelações no discurso familiar. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):267-71..

O perfil comunicativo (Figura 2) de S1/S2 na avaliação pré intervenção fonoaudiológica se diferenciou do observado para S3/S4, entretanto, deve-se considerar a diferença de idade entre os pares. Entre S3 e S4, verifica-se a diferença no padrão comunicativo apenas quanto ao vocabulário expressivo de S3, porém as duas crianças apresentaram atraso no desenvolvimento comunicativo. Comparando S1 e S2, é possível verificar que ambos apresentaram atraso no desenvolvimento comunicativo, porém S2 demonstrou maior prejuízo (uso de jargão e de gestos indicativos sem intenção de se comunicar; compreensão comprometida de ordens simples). Esta mesma criança apresentou intercorrências mais graves pós natais (hidrocefalia e maior atraso no desenvolvimento neuropsicomotor). Um estudo que acompanhou famílias de gemelares desde a gestação1616 . Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Sobre o desenvolvimento da linguagem de gêmeos monozigóticos. Rev CEFAC. 2009;11(Supl2):154-60., verificando o desenvolvimento das crianças, observou desenvolvimento da linguagem diferenciado, sendo um deles mais eficiente na oralidade. Outro estudo3. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Gêmeos monozigóticos – revelações no discurso familiar. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):267-71. voltado ao relato de pais, não apontou para alterações na aquisição de linguagem, mas sim para a qualidade desta aquisição, uma vez que consideram a linguagem das crianças de difícil compreensão e muitas vezes simplificada.

Figura 2
Dados da Observação do Comportamento Comunicativo na avaliação pré intervenção fonoaudiológica

O perfil comunicativo de S1/S2 era constituído por jargão e gestos indicativos já na idade de 2 anos e 5 meses. Ao traçar o perfil comunicativo de crianças com desenvolvimento típico de linguagem, um estudo1717 . Sandri MA, Meneghetti SL, Gomes E. Perfil Comunicativo de crianças entre 1 e 3 anos com desenvolvimento normal de linguagem. Rev CEFAC. 2009;11(1):34-41. verificou que a partir dos 2 anos pode-se constatar início e manutenção de conversa por turnos curtos.

Embora o desempenho comunicativo de S2 tenha sido abaixo do que o observado em S1, seus desempenhos foram semelhantes na avaliação do desenvolvimento global pré intervenção fonoaudiológica (Figura 3), sendo a linguagem a habilidade com maior prejuízo. Fazendo esta mesma comparação entre S3 e S4, verifica-se o mesmo desempenho para os irmãos, o que permite considerar atraso nas habilidades adaptativas, motora delicada, de linguagem e pessoal social (sete a 13 meses de atraso), uma vez que para este procedimento de avaliação é considerado atraso a diferença maior do que seis meses entre o desempenho da criança e a idade cronológica1313 . Knoblock H, Passamanick B. Gesell e Amatruda: psicologia do desenvolvimento do lactente e da criança pequena: bases neuropsicológicas e comportamentais. São Paulo: Editora Ateneu; 2000.. A literatura9. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Aspectos fonoaudiológicos o pediátricos na linguagem de gêmeos monozigóticos. Rev Paul Pediatr. 2008;26(3):265-70. reforça a influência das intercorrências pré, peri e pós natais no desenvolvimento infantil, mas também relata as semelhanças no processo de aprendizagem de habilidades das crianças, o que passa ser observado também pelas famílias.

Figura 3
Dados do desenvolvimento global e fonológico na avaliação pré intervenção fonoaudiológica

A comparação entre o desempenho dos pares de gêmeos revelou maior déficit no desenvolvimento global de S1/S2. Crianças que convivem com riscos biológicos e psíquicos nos primeiros anos de vida são mais propensas a desenvolver problemas que podem afetar seu desenvolvimento1111 . Oliveira LD, Flores MR, Souza APR. Fatores de risco psíquico ao desenvolvimento infantil: implicações para a fonoaudiologia. Rev CEFAC. 2012; 14(2):333-42.. Além disso, estudos6. Flabiano FC, Bühler KECB, Limongi SCO. Desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva em um par de gêmeos dizigótico: influência da síndrome de Down e da prematuridade associada ao muito baixo peso. Rer Soc Bras de Fonoaudiol. 2009;14(2):267-74.,1818 . Formiga CKMR, Linhares MBM. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):472-80. apontam a prematuridade como valor preditivo para atraso no desenvolvimento motor e cognitivo. Embora os dois pares de gêmeos tenham nascido prematuros, S1/S2 foram prematuros extremos (nascimento na 27ª semana gestacional). É considerado prematuro todo aquele que nasce antes de 37 semanas gestacionais. E prematuro extremo todo aquele que nasce antes de 29 semanas e com muito baixo peso (<1500g)1818 . Formiga CKMR, Linhares MBM. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):472-80.. O Nascimento prematuro vem acompanhado de várias complicações e condições de saúde do bebê devido à imaturidade dos sistemas orgânicos e ao ambiente de Unidade de Terapia Intensiva neonatal e com isso há o aumento do risco de alterações no desenvolvimento infantil6. Flabiano FC, Bühler KECB, Limongi SCO. Desenvolvimento cognitivo e de linguagem expressiva em um par de gêmeos dizigótico: influência da síndrome de Down e da prematuridade associada ao muito baixo peso. Rer Soc Bras de Fonoaudiol. 2009;14(2):267-74.,1818 . Formiga CKMR, Linhares MBM. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):472-80.. A qualidade das interações sociais pode minimizar o impacto no desenvolvimento infantil de fatores como a prematuridade1818 . Formiga CKMR, Linhares MBM. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):472-80..

Crianças com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor terão mais dificuldades de agir com independência durante atividades interativas e dialógicas e com isso há influências no desenvolvimento da linguagem4. Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21..

A análise da aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico pré intervenção fonoaudiológica (Figura 3) só foi possível para S3/S4, pois S1/S2 não apresentavam amostra de linguagem oral suficiente para esta avaliação, bem como não conseguiam nomear as figuras nem repetir as palavras do teste aplicado1414 . Andrade CRF, Béfi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW – Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba, São Paulo: Pró-Fono, 2004.. Foram descritos apenas os processos fonológicos não esperados para a idade de S3/S4, alguns deles como, harmonia consonantal, redução de sílaba e plosivação de fricativa são observados em crianças em início da aquisição do sistema fonológico, uma vez que segundo o procedimento de avaliação utilizado neste estudo, a idade esperada de eliminação do uso destes processos é dois anos e seis meses1414 . Andrade CRF, Béfi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW – Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba, São Paulo: Pró-Fono, 2004..

Com a intervenção fonoaudiológica observou-se evolução do padrão comunicativo principalmente do par de gêmeos S3/S4, que na avaliação pós intervenção fonoaudiológica (Figura 4) apresentava narrativa de fatos e histórias, estando o maior comprometimento da linguagem no aspecto fonológico. Mesmo frequentando tratamento fonoaudiológico por maior tempo, S1/S2 apresentaram evolução comunicativa menos significativa e com cinco anos e três meses não conseguiam ainda realizar narrativa. Ressalta-se que, na avaliação pós intervenção, os pares de gêmeos tinham praticamente a mesma idade cronológica (apenas 1 mês de diferença). Um estudo8. Weber DE, Varews MA, Mota HE, Keske-Soares M. Desenvolvimento do sistema fonológico de gêmeos monozigóticos com desvio fonológico: correlação a fatores genéticos e ambientais. Rev CEFAC. 2007;9(1):32-9. com intervenção fonológica em gêmeos verificou evolução no desenvolvimento do sistema fonológico e observou similaridade entre os sistemas fonológicos de irmãos gêmeos, o que não foi observado neste estudo tanto na avaliação pré intervenção quanto pós intervenção fonoaudiológica.

Figura 4
Dados da Observação do Comportamento Comunicativo na avaliação pós intervenção fonoaudiológica

Ao explorar os preditores do tempo de terapia para os distúrbios específicos do desenvolvimento da linguagem, um estudo1010 . Puglisi ML, Gândara GP, Gusti E, Gouvêa MA, Befi-Lopes DM. É possível predizer o tempo de terapia das alterações específicas do desenvolvimento de linguagem? J Soc Bras Fonoaudiol. 2012; 24(1):57-61. verificou que o desempenho inicial das crianças em avaliações de vocabulário e pragmática são medidas significativas para o prognóstico terapêutico. Isso pode ser verificado neste estudo ao se comparar os pares de gêmeos.

Um estudo com gêmeos7. Hayiou-Yhomas ME, Dale PS, Plomin R. The etiology of variation in language skills changes with development: a longitudinal twin study of language from 2 to 12 years. Development Science. 2012;15(2):233-49. observou aumento da influência genética no desenvolvimento da linguagem entre o começo e meio da infância. Os autores afirmaram que possivelmente há a ativação de genes não relacionados especificamente a linguagem, mas sim a fatores sociais, uma vez que nesta fase, as crianças apresentam uma demanda social maior, principalmente com a entrada na escola, o que influencia diretamente no desenvolvimento comunicativo. A evolução comunicativa observada nos pares de gêmeos deste estudo (S1/S2 e S3/S4) deve-se aos anos de intervenção fonoaudiológica, porém possivelmente pode estar associada também a este fator genético. Ao relatar um estudo de caso8. Weber DE, Varews MA, Mota HE, Keske-Soares M. Desenvolvimento do sistema fonológico de gêmeos monozigóticos com desvio fonológico: correlação a fatores genéticos e ambientais. Rev CEFAC. 2007;9(1):32-9., também foi relacionado a contribuição genética nas manifestações das alterações de fala e linguagem em crianças gemelares, bem como a evolução destes na intervenção fonoaudiológica.

Na reavaliação do desenvolvimento global (Figura 5), verificou-se melhora significativa do S4 em relação aos outros, sendo que S1/S2 conseguiram aproximar seus desempenhos em habilidades do desenvolvimento global aos dos gêmeos S3/S4, com exceção da linguagem. Atrasos de linguagem são comuns em múltiplos, bem como defasagens em outras áreas do desenvolvimento infantil4. Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21..

Figura 5
Dados do desenvolvimento global e fonológico na avaliação pós intervenção fonoaudiológica

A análise da aquisição e desenvolvimento fonológico pós intervenção (Figura 5) demonstra evolução neste aspecto para S3/S4, que apresentaram apenas dois processos fonológicos não mais esperados para a idade. Neste momento, foi possível realizar esta avaliação para S1/S2 que apresentaram processos fonológicos não esperados para a idade1414 . Andrade CRF, Béfi-Lopes DM, Fernandes FDM, Wertzner HF. ABFW – Teste de linguagem infantil: nas áreas de fonologia, vocabulário, fluência e pragmática. Carapicuíba, São Paulo: Pró-Fono, 2004., com maior prejuízo para S2, o que caracteriza de certa forma, a evolução dos mesmos.

Ressalta-se que a intervenção foi voltada para o trabalho da linguagem em todos os seus aspectos. Entretanto, ao longo do processo de intervenção, pode-se observar melhora em vários componentes linguísticos, porém em menor grau para o fonológico, o que comprometia a inteligibilidade de fala dos pares de gêmeos e acarretou o maior enfoque no trabalho voltado para a aquisição e desenvolvimento do sistema fonológico. Com isso, buscou-se proporcionar melhor qualidade comunicativa e interacional, uma vez que mesmo com estruturação de frases simples, mas garantindo-se a inteligibilidade desta produção, consegue-se efetividade comunicativa.

De forma geral, em situação gemelar, as experiências dos irmãos são vivenciadas de maneira diferenciada em meio a circunstâncias interpessoais que não provocam a necessidade objetiva de interação linguística com outros interlocutores, podendo, assim, influenciar no desenvolvimento da linguagem, conduzindo para um processo atípico de desenvolvimento. A proximidade proporcionada pela gemelaridade e a maneira com que os familiares enfrentam a situação podem levar à alteração na formação de identidade e singularidade de cada criança e com isso a aquisição de linguagem pode ocorrer de maneira alterada ou a qualidade desta linguagem pode se apresentar alterada, sendo um exemplo disso a presença da chamada linguagem secreta dos gêmeos3. Barbetta NL, Panhoca I, Zanolli ML. Gêmeos monozigóticos – revelações no discurso familiar. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):267-71.-4. Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21..

Com os resultados aqui expostos, verificou-se que as intercorrências vivenciadas por S1/S2 implicaram na percepção de atraso no desenvolvimento de linguagem em idade mais precoce, bem como na necessidade de maior tempo de intervenção fonoaudiológica. O mesmo pode ser verificado em outro estudo4. Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21., cujos achados ressaltaram a necessidade de programas de follow-up de prematuros visando à prevenção de deficiências e identificação de variáveis preditoras do desenvolvimento atípico1818 . Formiga CKMR, Linhares MBM. Avaliação do desenvolvimento inicial de crianças nascidas pré-termo. Rev Esc Enferm USP. 2009;43(2):472-80..

CONCLUSÃO

Os pares de gêmeos apresentaram defasagem no desenvolvimento comunicativo e global na avaliação pré intervenção fonoaudiológica e, após um período prolongado de intervenção houve evolução das habilidades comunicativas e do desenvolvimento global infantil.

Embora o tempo de intervenção fonoaudiológica tenha sido maior para os gêmeos com maiores intercorrências pré, peri e pós natais (S1/S2), seus desempenhos nos procedimentos de avaliação pré e pós intervenção fonoaudiológica foram mais prejudicados quando comparados com S3/S4. Desta forma, ficou evidente a interferência no desenvolvimento infantil ocasionada por fatores genéticos e ambientais.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Mogford K. Desenvolvimento de linguagem em gêmeos. In: Bishop D, Mogfors K, organizadores. Desenvolvimento da linguagem em circunstâncias excepcionais. Rio de Janeiro: Revinter; 2002. p. 99-122.
  • 2
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  • 4
    Ferreira AT, Silva MM, Silva L, Merighi LBM, Miranda AM, De-Vitto LPM, Lamônica DAC. Desempenho Comunicativo em trigêmeos prematuros. Rev CEFAC. 2008;10(1):15-21.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    may-jun 2014

Histórico

  • Recebido
    02 Jan 2013
  • Aceito
    26 Abr 2013
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